DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. No dia 24 de Outubro de 2018, a sociedade A... S.A. apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do despacho de indeferimento do pedido de revisão do acto tributário e, em consequência, das declarações de liquidação de IUC referentes ao ano de 2015 e respectivo reembolso dos valores pagos.
2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro ora signatário, notificando as partes.
3. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, as seguintes:
4.1. De acordo com o que dispõe o art.° 10., n.º 1, alínea a) do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral pode ser apresentado no prazo de 90 dias, contados a partir dos factos previstos nos números 1 e 2 do art.° 102 do Código de Procedimento e Processo Tributário.
4.2. A Requerente foi notificada no dia 26.07.2018 do despacho da AT que decide acerca do pedido de revisão de acto tributário que lhe foi apresentado a 18.11.2016.
4.3. Assim sendo, pode a Requerente solicitar a constituição de tribunal arbitral até à data de 24.10.2018, pelo que é plenamente tempestivo o pedido que ora se apresenta.
4.4 A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de locação financeira automóvel.
4.5 No âmbito da sua actividade, detém, por curtos períodos de tempo, diversas viaturas automóveis registadas em seu nome.
4.6. No final do contrato de locação, os locatários têm a possibilidade de adquirir a viatura locada, o que, no caso da Requerente acontece frequentemente.
4.7. A AT liquidou, em nome da Requerente, IUC relativo ao ano de 2015, sobre vários veículos automóveis.
4.8. A Requerente impugnou tais liquidações através de um pedido de revisão de acto tributário, tempestivamente apresentado nos termos do art.° 78. ° da Lei Geral Tributária.
4.9. Foi indeferido o pedido de revisão de acto tributário referente à liquidação de IUC, no ano de 2015 dos veículos identificados pelas seguintes matrículas:
1) … 21) … 41) …
2) … 22) … 42) …
3) … 23) … 43) …
4) … 24) … 44) …
5) ... 25) ... 45) ...
6) ... 26) ... 46) ...
7) ... 27) ... 47) ...
8) … 28) … 48) …
9) … 29) … 49) …
10) ... 30) ... 50) ...
11) ... 31) ... 51) ...
12) ... 32) ... 52) ...
13) ... 33) ...
14) ... 34) ...
15) ... 35) ...
16) ... 36) ...
17) ... 37) ...
18) ... 38) ...
19) ... 39) ...
20) ... 40) ...
4.10 Estes veículos, à data da liquidação do IUC sub judicio, já não eram propriedade da Requerente, uma vez que já haviam sido vendidos no termo dos respectivos contratos de locação financeira.
4.11. Pese embora o disposto no artigo 78.° da LGT, no que concerne à revisão oficiosa do acto tributário por iniciativa do contribuinte, se referir apenas à que tem lugar dentro do prazo de “reclamação administrativa”, no n.º 7 do referido artigo 78.° faz-se referência a “pedido do contribuinte” para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como “oficiosa”, pode ter lugar por sua iniciativa.
4.12. Resulta assim como inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação administrativa), que a mesma se faça, também por sua própria iniciativa, dentro do prazo de quatro anos previsto no artigo 78.° da LGT.
4.13. Assim, forçoso é concluir que o facto de ter transcorrido o prazo para reclamar graciosamente do acto de liquidação sub judice não impede o contribuinte de pedir a revisão oficiosa e de impugnar contenciosamente o acto de indeferimento desta.
4.14. Verifica-se, no presente caso, erro imputável aos serviços consubstanciado em erro de direito, porquanto existe uma errada aplicação das normas do Código do IUC, em particular, do artigo 3. ° deste diploma legal.
4.15. A Requerente sempre envidou esforços no sentido de alertar a AT para a ilegalidade do montante do tributo que lhe estava a ser liquidado.
4.16. A Requerente juntou ao pedido de revisão de acto tributário que efectuou várias notas de débito comprovativas de que era credora de quantias devidas pelos sujeitos com os quais havia celebrado contratos de locação financeira.
4.17. Facilmente se verifica, assim, que deu a Requerente pleno cumprimento ao princípio da colaboração entre a AT e os particulares, legalmente consagrado no artigo 59. °, n.º 1 da LGT, não tendo a AT dado cumprimento ao disposto no n.º 7 do artigo 60. ° da LGT.
4.18. Não pode a Requerente, portanto, aceitar que, encontrando-se a AT constitucionalmente vinculada à prossecução do interesse público (cfr. art. 266.°, n.º 2 da CRP), não efectue uma investigação cuidada e criteriosa antes de liquidar tributos cuja ilegalidade se afigura manifesta, sob pena de ficarem irremediavelmente comprometidos os princípios pelos quais deve pautar a sua actuação, e que se encontram exemplificativamente elencados no artigo 55.° da LGT.
4.19. Com a celebração dos contratos de compra e venda entre a Requerente e os adquirentes dos veículos anteriormente locados, transmitiu-se a propriedade daquela para aqueles últimos, pelo que não mais pode a AT valer-se da presunção para considerar a Requerente sujeito passivo de IUC, nos termos do art. 3. ° do CIUC.
4.20. Decorre do n.º 1 do art.° 8. °-B do Código de Registo Predial, aplicável por força do artigo 29. ° do Código do Registo Automóvel, que é sobre o sujeito activo do facto sujeito a registo que recai a obrigação registral.
4.21. Ou seja, é o comprador/adquirente/locador que deve promover o registo.
4.22. A faculdade conferida ao vendedor nos termos do art.° 25. ° do Decreto-Lei n.º 55/75, em nada vem eliminar este ónus do comprador, caso o vendedor opte por não a exercer.
4.23. A função do registo, nos termos do art.° 1º do Código de Registo Predial, é dar publicidade à situação jurídica dos veículos, não tendo o registo eficácia constitutiva, antes funcionando apenas como mera presunção ilidível da existência do direito, bem como da respectiva titularidade, tudo nos termos dele constantes.
4.24. A presunção de que o direito registado pertence à pessoa em cujo nome está inscrito pode, assim, ser ilidida por prova em contrário.
4.25. O facto de o direito de propriedade de automóveis estar sujeito a registo, nos termos do art.° 5. ° do Decreto-Lei n° 54/75, de 12 de Fevereiro, com as alterações que, entretanto, lhe foram introduzidas, em nada altera a natureza real quod effectum do contrato de compra e venda.
4.26. Estabelece o art.° 5. ° n.°1 do Código de Registo Predial que os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo.
4.27. Contudo, à luz do n.°4 do mesmo artigo, apenas se consideram terceiros “aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”.
4.28. Ora, não se enquadrando a AT no conceito de terceiro, não pode invocar a falta do registo para desconsiderar os contratos de compra e venda de veículos automóveis e a consequente transmissão da propriedade quer a Clientes, quer à ….
4.29. O contrato de compra e venda de automóveis encontra-se sujeito ao princípio geral da liberdade de forma, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 219. ° do C.C.
4.30. Assim sendo, é possível a celebração de tal contrato de forma meramente verbal.
4.31. As notas de débito juntas pela Requerente constituem prova inequívoca da celebração dos contratos de compra e venda entre esta e os consequentes proprietários dos veículos sub judice.
4.32. Tais notas de débito não relevam apenas enquanto comunicação ao destinatário de que este lhe deve determinada importância, antes comprovam a existência de relações comerciais que tinham por objecto um dado veículo, especificando a matrícula em causa, as datas de emissão e vencimento e indicando no seu descritivo “valor residual” ou “indemnização referente ao fecho do contrato”.
4.33. Assim sendo, dúvidas não restam que a propriedade dos veículos se transmitiu por mero efeito da celebração dos contratos de compra e venda respetivos, encontrando-se não só provadas essas transferências de propriedade como ainda o pagamento dos respectivos preços.
5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu, em súmula, nos seguintes termos:
5.1. Está afastada a possibilidade de revisão do acto, nos termos dos n.º 4 e 6 do artigo 78.º da LGT.
5.2. Atendendo à primeira parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, conjugado com o n.º 1 do artigo 70.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o pedido de revisão apresentado pela Requerente é extemporâneo, face à data da liquidação – 2015 - e à data de apresentação do pedido – 2016-11-08, por estar há muito ultrapassado o prazo de 120 dias a contar do termo do prazo de pagamento do IUC.
5.3. Da análise do pedido de revisão apresentado, verifica-se que tendo o mesmo sido apresentado em 2016-11-08, ou seja, se encontra largamente ultrapassado o prazo de 120 dias para a apresentação do mesmo, nos termos do n.º 1 do art. 78.º LGT e art. 70.º e al. a) do n.º 1 do art. 102.º CPPT, pelo que o referido pedido de revisão oficiosa foi considerado extemporâneo.
5.4. Tendo o pedido de revisão sido apresentado quando já tinha sido ultrapassado o prazo legal para apresentação do mesmo, então o prazo que vigora para a impugnação, ora apresentada neste tribunal arbitral, são os 90 dias após a data do termo do prazo de pagamento voluntário do IUC.
5.5. Na situação em apreço, o pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado pela Requerente deu entrada em 2018-10-24, pelo que é extemporâneo.
5.6. A extemporaneidade constitui excepção peremptória, nos termos do art. 576.º do Código de Processo Civil (aplicável subsidiariamente pelo art. 29.º do RJAT), que importa a absolvição da A.T. quanto ao pedido, uma vez que impede o efeito jurídico dos factos articulados pela Requerente.
5.7. A Requerente alega que já não era a proprietária dos veículos automóveis, aqui em causa no momento em que se venceu a obrigação de liquidação dos respectivos IUC, apesar do registo automóvel indicar a Requerente como proprietária daqueles, porquanto os vendeu directamente a clientes.
5.8. Estando a propriedade dos veículos automóveis, sujeita a registo obrigatório, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, recai sobre o comprador enquanto sujeito ativo do facto sujeito a registo, a obrigação de proceder ao registo (n.º 1 do art. 8.º-B do Código do Registo Predial, aplicável ao Registo Automóvel nos termos do disposto no art. 29.º do DL n.º 54/75 de 12 de Fevereiro).
5.9. Contudo, existe um regime especial, que permite aos vendedores, promover o registo, desde que, em virtude da sua atividade comercial, procedam com regularidade à transmissão da propriedade de veículos automóveis ou procedam à compra e venda de veículos para revenda (art. 25.º do DL n.º 55/75 de 12 de fevereiro, com a redacção dada pelo DL n.º 20/2008, de 31 de Janeiro).
5.10. Com a entrada em vigor da Lei n.º 22-A/2007 de 29 de junho, que procedeu à reforma global da tributação automóvel e aprovou o CISV e o CIUC, foram celebrados protocolos com a finalidade de troca de informação necessária á liquidação e fiscalização desses impostos, entre a AT, o IRN e o IMT.
5.11. Desta forma, o IUC é liquidado de acordo com a informação oportunamente transmitida pelas entidades supra mencionadas, não dispondo a AT de qualquer competência ao nível do registo.
5.12. Assim, na data de liquidação dos IUC aqui em apreço, os veículos encontravam-se registados em nome da Requerente, pelo que as liquidações impugnadas foram emitidas de acordo com as regras de incidência subjectiva e objectiva do facto gerador do imposto.
5.13. O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1 do CIUC quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
5.14. Note-se que o legislador não usou a expressão “presumem-se”.
5.15. Se se entendesse que ao usar a expressão “considera-se” o legislador fiscal teria consagrado uma presunção, praticamente todas as normas de incidência em sede de IRC seriam afastadas precisamente porque a contabilidade prescreve soluções diferentes das do CIRC, sendo exatamente o fim do legislador afastar tais regras contabilísticas.
5.16. É imperativo concluir que, no caso dos presentes autos de pronúncia arbitral, o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como tais [como proprietários ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas] as pessoas em nome das quais os mesmos [os veículos] se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal.
5.17. Entender que o legislador consagrou aqui uma presunção, seria inequivocamente efectuar uma interpretação contra legem.
5.18. Trata-se, sim, de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção, adentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários aqueles que como tal constem do registo automóvel.
5.19. É este, aliás, o entendimento já adoptado pela jurisprudência dos nossos tribunais.
5.20. Também o elemento sistemático de interpretação da lei demonstra que a solução propugnada pela Requerente é intolerável, não encontrando o entendimento por esta sufragado qualquer apoio na lei.
5.21. Tal resulta não apenas do aludido n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, mas também de outras normas consagradas no referido Código.
5.22. Tal posição está ainda patente na circunstância de o registo automóvel a que a Requerida tem ou pode ter acesso e o certificado no qual devem constar os actos sujeitos a registo, cuja exibição poderá ser exigida pela mesma Requerida ao interessado, conterem todos os elementos destinados à determinação do sujeito passivo, sem necessidade de acesso aos contratos de natureza particular que conferem tais direitos, enunciados pelo CIUC como constitutivos da situação jurídica de sujeito passivo deste Imposto.
5.23. Na falta de tal registo, naturalmente, será o proprietário notificado para cumprir a correspondente obrigação fiscal, pois a Requerida, tendo em conta a actual configuração do sistema jurídico, não terá que proceder à liquidação do imposto com base em elementos que não constem de registos e documentos públicos e, como tal, autênticos.
5.24. Nestes termos, a não actualização do registo, nos termos do disposto no artigo 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis, será imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IUC e não na do Estado Português, enquanto sujeito activo deste Imposto.
5.25. Mesmo admitindo que, do ponto de vista das regras do direito civil e do registo predial, a ausência de registo não afecta a aquisição da qualidade de proprietário e que o registo não é condição de validade dos contratos com eficácia real, nos termos estabelecidos no CIUC (que no caso em apreço constitui lei especial, a qual, nos termos gerais de direito derroga a norma geral), o legislador tributário quis intencional e expressamente que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.
5.26. Importa ainda demonstrar que à luz de uma interpretação teleológica do regime consagrado em todo o CIUC, a interpretação propugnada pela Requerente no sentido de que o sujeito passivo do imposto é o proprietário efectivo, independentemente de não figurar no registo automóvel o registo dessa qualidade, é manifestamente errada.
5.27. E é uma interpretação errada na medida em que é a própria ratio do regime consagrado no CIUC que constitui prova clara de que aquilo que o legislador fiscal pretendeu foi criar um imposto assente na tributação do proprietário do veículo tal como consta do registo automóvel.
5.28. O CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública.
5.29. Isto é, o IUC passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos.
5.30. Os actos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei, na medida em que à luz do disposto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do CIUC e do artigo 6.º do mesmo código, era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC.
5.31. Por força do disposto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do CIUC e do artigo 6.º do mesmo Código, era a Requerente, na qualidade de proprietária constante da Conservatória do Registo Automóvel, o sujeito passivo do IUC.
5.32. Para prova de transmissão da propriedade das viaturas, a Requerente junta 2ª via de faturas e 2ª via de notas de débito, que se impugnam.
5.33. A Requerente limitou-se a juntar as faturas e as notas de débito de per si, pretendendo com as mesmas provar a transmissão de propriedade das viaturas.
5.34. Em nenhum destes casos a Requerente juntou um recibo ou mesmo um cheque como prova do pagamento do preço.
5.35. A Requerente, ao não juntar outros documentos, não prova o pagamento da importância que consta dos que juntou, ou, pelo contrário um posterior litígio por falta desse mesmo pagamento.
5.36. Ora, sendo as 2ªs vias de faturas e de notas de débito juntas, documentos unilaterais e internos, não são idóneos e suficientes para prova da transmissão de propriedade, nem tão pouco provam a celebração de um contrato sinalagmático como a compra e venda.
6. Não foi apresentada resposta à excepção por parte da Requerente.
7. No dia 18 de Março de 2019, foi proferido despacho arbitral, a dispensar a reunião prevista no art. 18º do RJAT, salvo se as partes requeressem a realização dessa reunião.
8. As partes não requereram a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.
II – Factos provados
1. A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de locação financeira automóvel.
2. No âmbito da sua actividade, detém, por curtos períodos de tempo, diversas viaturas automóveis registadas em seu nome.
3. No final do contrato de locação, os locatários têm a possibilidade de adquirir a viatura locada, o que, no caso da Requerente acontece frequentemente.
5. Encontrando-se os veículos registados em nome da Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira liquidou-lhe o IUC relativo aos períodos de 2015 sobre diversos veículos automóveis, emitindo as correspondentes notas de cobrança com data limite de pagamento situada em diversos meses desse ano.
6. A Requerente impugnou tais liquidações através de um pedido de revisão de acto tributário, que foi apresentado a 18.11.2016, formulado ao abrigo do artigo 78.º, nº1, da Lei Geral Tributária, alegando que à data do correspondente facto tributário, os veículos em causa já não eram sua propriedade por terem sido transmitidos aos respetivos locatários, nos termos dos respetivos contratos de locação financeira.
7. Para comprovar o alegado, a Requerente anexou aos pedidos de revisão cópias de notas de débito emitidas aos locatários adquirentes
8. Foi indeferido o pedido de revisão de acto tributário referente às liquidações de IUC, no ano de 2015 dos veículos identificados pelas seguintes matrículas:
1)… 21)… 41) …
2)… 22)… 42) …
3)… 23) … 43) …
4)… 24)… 44) …
5)... 25)... 45) ...
6)... 26)... 46) ...
7)... 27)... 47) ...
8)… 28)… 48) …
9)… 29)… 49) …
10)... 30)... 50) ...
11)... 31)... 51) ...
12)... 32)... 52) ...
13)... 33) ...
14)... 34) ...
15)... 35) ...
16)... 36) ...
17)... 37) ...
18)... 38) ...
19)... 39) ...
20)... 40) ...
9. A Requerente foi notificada no dia 26.07.2018 do despacho da AT que decidiu acerca do pedido de revisão de acto tributário, tendo apresentado pedido de constituição do Tribunal Arbitral em 24.10.2018.
III – Factos não provados
Não foram apurados factos não provados com interesse para a decisão da causa.
IV – Do Direito
Antes de entrar da questão de fundo, cabe averiguar se é extemporâneo o pedido de revisão oficiosa nos termos expostos pela AT.
No seu pedido de revisão oficiosa, a Requerente invocou o art. 78º da LGT, tendo a AT considerado que este só podia ser enquadrado no nº1, desse artigo que dispõe que "a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços".
A AT conclui assim ser extemporâneo o pedido de revisão oficiosa, uma vez que as liquidações impugnadas tiveram como prazo de pagamento voluntário meses diversos do ano de 2015 e os pedidos de revisão oficiosa foi entregue em 28/11/2016, portanto já depois de excedido o prazo de reclamação administrativa previsto na primeira parte do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária. Importa saber se, mesmo assim, os pedidos poderiam enquadrar-se no prazo previsto na segunda parte do mesmo artigo.
Ora, da informação e despacho proferidos pela AT depreende-se que o entendimento neles contido, e que fundamenta as decisões de indeferimento, vai no sentido de que, nos casos a que respeitam os pedidos de revisão oficiosa, se não verifica o erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços, que justificaria o prazo de quatro anos a que se refere aquele preceito.
A inexistência de erro imputável aos serviços, de acordo com as informações em que se fundamentam as decisões de indeferimento dos pedidos, tem por base a circunstância de, conforme decorre da lei aplicável, as liquidações impugnadas terem sido efetuadas pela AT em face de elementos disponibilizados pela Conservatória do Registo Automóvel e pelo IMTT.
A Requerente tem entendimento diverso, sustentando que se verifica erro imputável aos serviços consubstanciado em erro de direito, porquanto existe uma errada aplicação das normas do Código do IUC, em particular, do artigo 3.º deste diploma legal.
Tal entendimento suporta-se na circunstância de, segundo alega a Requerente, ter sempre envidado esforços no sentido de alertar a AT para a ilegalidade do montante do tributo que lhe estava a ser liquidado, designadamente porque juntou aos pedidos de revisão de acto tributário que efectuou várias notas de débito comprovativas de que era credora de quantias devidas pelos sujeitos com os quais havia celebrado contratos de locação financeira.
É manifesto que não podia ser imputado qualquer erro à AT antes do pedido de revisão oficiosa, pelo que o mesmo não pode ser invocado para dilatar o prazo de impugnação das liquidações, ainda que as mesmas pudessem não ser correctas.
Na verdade, nos termos do artigo 3.º do Código do IUC, a AT estava obrigada a liquidar o imposto em relação ao proprietário constante do registo automóvel, pelo que, se a requerente queria elidir essa presunção, teria que ter efectuado o pedido de revisão ou a impugnação judicial no prazo legalmente previso. Assim, em virtude da existência da presunção resultante desse artigo, não se vislumbra que, relativamente às liquidações a que se reportam os pedidos de revisão oficiosa e, consequentemente, o presente pedido de pronúncia arbitral, se verifique a existência de erro imputável aos serviços da administração tributária.
Com efeito, foram aquelas liquidações efetuadas com base nos elementos disponíveis nas bases de dados da Conservatória do Registo Automóvel e do IMTT. No tocante à determinação do sujeito passivo da obrigação de imposto é, assim, evidente, que a AT efectuou as liquidações em estrita observância da norma legal aplicável: os veículos a que o tributo respeita encontravam-se registados em nome da Requerente, pelo que, segundo a norma do n,º 1 do artigo 3.º do CIUC, era esta o sujeito passivo da correspondente obrigação tributária, a quem tinha que ser efectuada a liquidação do imposto.
Vinculada ao princípio da legalidade, não poderia a AT proceder por forma diversa daquela por que actuou, não podendo deixar de efectuar as liquidações e emitir as competentes notas de cobrança em nome do proprietário dos veículos conforme o respetivo registo.
Perante o carácter ilidível da presunção do art. 3º do Código do IUC, nos termos gerais e, em especial, nos termos do artigo 73.º da Lei Geral Tributária, poderia a Requerente, dentro do prazo legal, reagir contra a mesma, quer recorrendo ao procedimento contraditório previsto artigo 64.º do CPPT, quer através de reclamação graciosa ou impugnação judicial do acto de liquidação que nela se baseassem.
Só que, conforme resulta dos elementos do presente processo, a Requerente não utilizou qualquer dos meios legais de que dispunha para elidir a presunção de propriedade dos veículos derivada do registo automóvel, que assim se manteve plenamente aplicável.
Apenas decorridos os prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, a Requerente solicitou a revisão oficiosa das liquidações ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT. No entanto, à data da apresentação dos pedidos de revisão no serviço de finanças competente, ainda se encontrava a decorrer o prazo de quatro anos a que se refere a segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT. Assinala-se que, não obstante este último prazo se referir à iniciativa da administração tributária, constitui jurisprudência pacífica que tal iniciativa pode ser suscitada por pedido do sujeito passivo nesse sentido.
No entanto, ao abrigo da segunda parte do citado preceito e dentro do referido prazo, apenas pode ser efectuada revisão oficiosa de atos de liquidação «com fundamento em erro imputável aos serviços». Ora, conforme acima se concluiu, não se verifica que as liquidações impugnadas enfermem do erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da administração tributária, que possibilite o alargamento do prazo para ser efetuada a sua revisão oficiosa. Neste sentido, cfr. o acórdão do CAAD emitido no processo 499/2017-T, cuja fundamentação acompanhamos.
Consequentemente, procede a excepção peremptória de extemporaneidade, por ter sido ultrapassado o prazo de revisão oficiosa, nada havendo a censurar à decisão da Administração Tributária por ter decidido nesse sentido.
IV – Decisão
Julga-se procedente a excepção peremptória de extemporaneidade do pedido de revisão oficiosa e em consequência julga-se totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se o acto tributário impugnado e condenando-se a requerente nas custas do processo.
Fixa-se ao processo o valor de € 3.563,93 (valor indicado e não contestado), e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 612,00 nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.
Lisboa, 6 de Maio de 2019
O Árbitro
(Luís Menezes Leitão)