DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
1. No dia 20-09-2018, a sociedade A..., S.A., anteriormente designada por B..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua..., n.º..., ...-... (doravante “Requerente” ou “A...”), apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”).
2. A Requerente pretende a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, bem assim, do acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) que daquela foi objeto, relativo ao exercício de 2014, na parte contestada de € 55.117,95, peticionando ainda o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.
3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).
4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 21-09-2018.
5. Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado o árbitro signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 12-11-2018, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
6. O Tribunal Arbitral Singular encontra-se, desde 03-12-2018, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
7. No dia 18-01-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, defendendo-se unicamente por impugnação.
8. No dia 21-03-2019, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo-se procedido à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, Senhora C... e Senhor D..., bem como ao depoimento de parte do Senhor E..., na qualidade de administrador (cf. Ata da Reunião do Tribunal Arbitral Singular).
9. O Tribunal notificou ambas as partes para alegações escritas e sucessivas no prazo de 8 dias, deliberando que a decisão final seria proferida no prazo de 30 dias após a apresentação de alegações escritas pela Requerida ou do termo do prazo a esta concedido.
10. Apenas a Requerente optou por apresentar alegações escritas, tendo-o feito em 28-03-2019.
Síntese da posição das Partes
A. Da Requerente:
11. Para fundamentar o seu pedido, alega a Requerente, em síntese, que:
A Requerente foi destinatária de uma acção inspectiva, ao abrigo das Ordens de Serviço OI2015... e OI2016..., da qual resultaram correcções à matéria colectável e ao subsequente cálculo de imposto, em sede de IRC, do período de tributação de 2014, que originaram a liquidação adicional de IRC n.º 2016..., com um valor a pagar, incluindo juros compensatórios, de € 58.885,38.
Das correcções operadas pela AT, a Requerente não aceita a correcção do montante de € 16.981,20, referente a parte dos gastos incorridos no âmbito da actividade de exploração de alojamento local, bem como a correcção do montante de € 128.750,00, respeitante a uma comissão paga a uma entidade residente em Hong Kong, a qual não foi aceite fiscalmente nos termos a alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, com consequente tributação autónoma sobre o gasto incorrido com esse pagamento a entidade residente em Hong Kong, nos termos do n.º 8 do artigo 88.º do Código do IRC, tudo melhor resumido nos quadros infra:
Descrição dos gastos não aceites fiscalmente pela AT RIT Montante (€) Montante (€) dos gastos cuja não aceitação pela AT mais choca a requerente
Gastos com o jardim Ponto III.2.2.1.1 67,93 67,93
Gastos com flores Ponto III.2.2.1.2 448,42 -
Gastos com o barco Ponto III.2.2.1.3 1.322,45 1.322,45
Gastos com viagens Ponto III.2.2.1.4 11.845,80 -
Gastos com refeições Ponto III.2.2.1.5 394,30 394,30
Gastos com aluguer de tenda Ponto III.2.2.1.6 502,93 -
Gastos com “… in China” Ponto III.2.2.1.7 128.750,00 128.750,00
Gastos suportados com depreciações de edifícios e outras construções Ponto III.2.2.1.8 15.196,52 15.196,52
TOTAL 158.528,35 145.731,20
Demonstração da liquidação de IRC considerando as correcções da AT que mais chocam a requerente Montante (€)
Lucro tributável declarado 109.753,86
Gastos não aceites fiscalmente 145.731,20
Lucro tributável corrigido 255.485,06
Prejuízos fiscais corrigidos 178.839,54
Matéria Colectável 76.645,52
Aplicação da taxa (1.º escalão) 2.550,00
Aplicação da taxa (2.º escalão) 14.178,47
Colecta total 16.728,47
Pagamento especial por conta 5.002,65
Retenções na fonte 394,18
IRC a pagar 11.341,64
Tributação Autónoma declarada 246,03
Tributação Autónoma acrescida pela AT 45.062,50
Tributação Autónoma total 45.308,53
IRC a pagar 56.640,17
IRC já pago (autoliquidação) 1.522,22
IRC adicional 55.117,95
Determinação da parte dos juros correspondente às correcções que mais chocam a requerente Montante (€)
Total de imposto liquidado pela AT € 58.885,38
Parcela de imposto contestada € 55.117,95
Percentagem do imposto contestada 93,6%
Total de juros compensatórios liquidados pela AT € 2.884,43
Parcela de juros compensatórios contestada € 2.699,82
Total da liquidação adicional contestada € 57.817,77
A Requerente apresentou reclamação graciosa contra a referida liquidação, a qual foi indeferida pela AT, por despacho notificado à Requerente em 26 de Junho de 2018.
A Requerente alega que a referida liquidação é ilegal, desde logo, pela falta de notificação do projecto de relatório de inspecção tributária, com consequente preterição do direito de audição.
Ainda segundo a Requerente, a liquidação é também ilegal por vício de violação de lei por errónea apreciação dos factos e do direito.
Assim, segundo a Requerente, os encargos incorridos por referência à actividade de alojamento turístico a que se encontra afecta a “Quinta ...” estão relacionados com a actividade desenvolvida, sendo evidente a relação directa entre o gasto, a actividade da requerente e o rendimento obtido, devendo a AT reconhecer a indispensabilidade dos encargos em causa.
Por seu turno, no que respeita ao gasto incorrido com a comissão paga a entidade de Hong Kong pela venda de imóvel a cidadão chinês, a operação comercial pela qual a requerente pagou a contrapartida combinada (e normal e generalizada no mercado do imobiliário que recorre ao mercado chinês) é real, e o montante dessa contrapartida pago à entidade com sede em Hong-Kong não é exagerado, correspondendo a valores normais praticados no segmento de mercado de actuação da referida entidade, para além de que esse montante foi integralmente repercutido no preço de venda ao comprador chinês.
Peticionando, a final, pela declaração de ilegalidade e anulação (i) do indeferimento da reclamação graciosa na medida em que recusou a anulação da liquidação adicional de IRC na parte contestada de € 55.117,95, bem como (ii) da liquidação adicional de IRC na parte contestada de € 55.117,95, e pelo reconhecimento a juros indemnizatórios, sobre a parte do imposto liquidado adicionalmente ora contestada e pago (no montante de € 55.117,95), contados desde a data em que foi efectuado o respectivo pagamento (isto é, desde 12 de Dezembro de 2016).
B. Da Requerida:
12. Por seu turno, nos termos da resposta apresentada, a Requerida:
remete, por motivos de economia processual, para a fundamentação, de facto e de direito, subjacente ao processo administrativo tributário junto aos autos.
sem prejuízo, responde que quanto à alegada preterição do direito de audição da Requerente em sede de procedimento de inspecção, conforme se constata do processo administrativo tributário, nomeadamente da resposta à Reclamação Graciosa, a Requerente foi notificada. No entanto, ainda que assim não se considerasse, sempre se teria de ter por sanada tal irregularidade, por ter tido a Requerente oportunidade de se pronunciar em sede de Reclamação Graciosa, quanto à matéria em apreço.
Relativamente à factura de ... in China, responde a Requerida que a Requerente não provou em sede de procedimento inspetivo (e continua a não provar) que o montante facturado corresponde a operações efectivamente realizadas (não dando por provada a real existência do alegado prestador de serviços, uma vez que o referido modelo não está certificado pelas autoridades nacionais, o pagamento não foi efectuado para qualquer conta que lhe pertença e por consequência o identifique e, a mera existência de papéis como sejam o contrato e a factura, não permitem retirar tal conclusão) ou que, tendo acontecido a admitir-se, serviços de intermediação, estes são normais e não de valor excessivo (nomeadamente, efectuando prova de que outros operadores, cobram um valor aproximado do que lhes foi facturado, pela prestação de serviços similares).
Termos em que a correção promovida pelos serviços de inspeção tributária não padece de qualquer vício, devendo, assim, ser julgado o pedido arbitral improcedente.
II. Saneamento
13. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT, e é competente.
14. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
15. Não foram invocadas excepções que cumpram apreciar.
16. O processo não padece de vícios que o invalidem.
Tudo visto, cumpre proferir:
III. Decisão
III. 1. Factos dados como provados
a) A Requerente é uma sociedade comercial, sob a forma anónima, que tinha como objecto a “Administração de bens e valores, designadamente, mobiliários mantidos como reserva ou para fruição, incluindo a gestão de imóveis próprios, compra de prédios para habitação dos seus acionistas e, ainda, construção de imóveis, celebração de negócios de compra, compra para revenda e venda de imóveis, bem como prestação de serviços de administração imobiliária e de consultadoria imobiliária, financeira e de gestão.”
b) A Requerente utiliza um conjunto de imóveis, infra-estruturas e outros activos que compõem uma unidade de negócio designada por “Quinta...”, na qual desenvolve a actividade de alojamento local.
c) A Requerente dispõe de um alvará de alojamento local, de 12 de Outubro de 2010, emitido pela Câmara Municipal de ... .
d) A Requerente não efetuou nenhum registo de alojamento local junto da Câmara Municipal de ... .
e) Em 19 de Novembro de 2013, a Requerente celebrou um contrato de prestação de serviços de “marketing research” com a F..., sociedade com sede em Hong Kong.
f) Em 11 de Abril de 2014, a Requerente alienou a um cidadão chinês um imóvel do qual era proprietária, sito na freguesia de..., concelho de Cascais, pelo preço de € 515.000,00.
g) Em virtude da alienação referida no facto anterior, a Requerente procedeu ao pagamento à F... de uma comissão no valor de € 128.750,00.
h) O pagamento da comissão procedeu-se mediante entrega de cheque a favor da G... Sociedade de Advogados, por indicação da F... .
i) A AT efectuou uma acção inspectiva à Requerente, ao abrigo das Ordens de Serviço OI2015... e OI2016... .
j) Por ofício n.º..., de 08-08-2016, foi enviado à Requerente o projeto de relatório de inspeção, para o exercício do direito de audição prévia, expedido na mesma data, por carta registada, dirigida para a morada sita na Rua ..., n.º ... – Quinta ..., ..., ...-... ..., com o n.º de registo dos CTT, RF...PT.
k) Por ofício n.º ..., de 20-09-2016, foi enviado à Requerente o relatório de inspeção tributária, expedido na mesma data, por carta registada, dirigida para a morada sita na Rua ..., n.º ... – Quinta ..., ..., ...-... ..., com o n.º de registo dos CTT, RF...PT.
l) O Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido, refere, além do mais, o seguinte:
III.1.3 – Análise global dos valores declarados
(…)
- Ano de 2014
Em relação às prestações de serviço de estadias para o período de tributação de 2014 as mesmas encontram-se discriminadas no quadro seguinte:
(…)
Da análise efetuada pode concluir-se que cerca de 79% da faturação (41.100 euros do total de 52.300 Euros, sem IVA) do alojamento/estadia é emitida em nome de:
- E..., NIF..., presidente do Conselho de Administração do sujeito passivo;
- H..., NIF..., esposa do Eng. E...;
- I..., NIF..., filho do casal anteriormente mencionado;
- J..., NIF..., filha do casal anteriormente mencionado;
- K..., NIF..., filho do casal anteriormente mencionado e
- L..., NIF..., filha do casal anteriormente mencionado.
(…)
No ano de 2014, e da análise efetuada no decurso da ação verificou-se que independentemente do nome em que é emitida a fatura de alojamento/estadia, todas as faturas referentes a esta parte da atividade do sujeito passivo estão lançadas na conta 21111872425 – E..., presidente do conselho de administração do sujeito passivo, o que faz com que a totalidade (100%) dos alojamentos faturados estejam diretamente ligados ao uso da família e rede de contactos dos proprietários da B... conforme é assumido na resposta à notificação.
Relativamente aos recebimentos, verificou-se que o sujeito passivo não utilizada a conta 11 – Caixa, sendo que todos os recebimentos e pagamentos são efetuados e registados através da conta 12-Bancos.
(…)
Em relação às faturas de estadias emitidas no ano de 2014, não foi efetuado durante esse período qualquer pagamento, embora na conta 21111872425 – E..., exista um pagamento de 3.000,00 Euros (registado na contabilidade pelo documento interno 30005 do diário de bancos do mês de março de 2014), cujo descritivo no extrato bancário é “empréstimo acionista E... .
Foi notificada a Câmara Municipal de..., pelo ofício nº ... de 02/06/2015, com vista ao envio dos seguintes elementos:
• Indicação da data da comunicação prevista no nº 1do artigo 5º do Decreto Lei nº 128/2014 de 29/08 para registo como estabelecimento de alojamento local efetuada pelo sujeito B..., S.A, NIPC... .
• Indicação da data da vistoria prevista no nº 1 do artigo 8º do Decreto Lei nº 128/2014 de 29/08, bem como dos documentos relacionados com a mesma.
• Cópia do documento emitido pelo Balcão Único emitido nos termos do artigo 7º do Decreto Lei nº 128/2014 de 29/08.
• Indicação do número do registo atribuído ao sujeito passivo mencionado anteriormente na qualidade de alojamento local.
Em resposta a esta notificação a Câmara Municipal de ... informou:
“Em resposta ao ofício da Autoridade nº ... de 02/06/2015, processo OI2015.../OI2016..., registado nos nossos serviços sob o nº ... de 03/06/2016, sobre o assunto supra referido, levo ao conhecimento de V. Exa. que, após consulta da base de dados do Município, se constatou que a empresa B..., SA, com o NIPC ... não efetuou nenhum registo de alojamento local, até à presente data.”
Foi ainda notificado o Turismo de Portugal, IP, através do ofício ... de 06/06/2016, para prestar os esclarecimentos seguintes:
“Informação sobre a existência ou não existência de um alojamento local no concelho de ..., distrito de Santarém, cujo nome do titular de exploração seja B... Lda, NIPC..., com a indicação da data e nº registo.”
Em resposta a esta notificação o Turismo de Portugal informou que:
“Com referência ao assunto em epígrafe, informa-se que, consultado o Registo Nacional do Alojamento Local (RNAL), não foi possível localizar qualquer estabelecimento de alojamento local em ..., cujo titular de exploração seja B... Lda, NIPC... .
Contactada telefonicamente a Câmara Municipal de ..., foi-nos confirmada a informação de que não existe naquela edilidade registo do citado alojamento, nem se encontra pendente na presente data, qualquer pedido relativo à sociedade.”
Conclui-se então que embora o sujeito passivo emita nos anos em análise faturas respeitante a alojamento/estadias, o mesmo não se encontra legalmente autorizado e registado para exercer essa atividade, nem houve no Município de ... nenhum pedido nesse sentido, conforme está previsto no Decreto-Lei 128/2014 de 29/08, nem anteriormente ao abrigo doutros diplomas que regulam esta atividade.
Para além disso podemos reforçar o facto do sujeito passivo estar registado na AT para o exercício das seguintes atividades:
- Arrendamento de bens imobiliários, CAE 68200, como atividade principal;
- Outras atividades de consultoria para os negócios e a gestão, CAE 70200, como atividade secundária 1 e
- Compra e venda de bens imobiliários, CAE 68100, como atividade secundária 2.
Nenhum destes CAE se adequa ao exercício da atividade de alojamento local, e até à presenta data não foi efetuada qualquer alteração.
No ponto 4 da notificação referida no Item II.3.3 deste relatório de inspeção foi solicitado ao sujeito passivo que indicasse qual a capacidade máxima de ocupação e de que forma era feita a divulgação destes alojamentos. Em resposta o sujeito passivo afirmou que a capacidade máxima de alojamento na Quinta ... é de 20 hóspedes por dia e que a publicitação destes serviços foi inicialmente realizada através de publicidade dirigida a clientes-alvo e da rede de contactos dos proprietários da B..., sendo que hoje a maior divulgação é feita pelos próprios clientes satisfeitos com a experiência como hóspedes, na Quinta... . Para além disso a divulgação é realizada através do site da quinta (http://...)
Em relação ao site importa salientar o seguinte:
- ao fazer uma pesquisa no motor de busca mais utlizado no mundo (www.google.com) verifica-se que não se encontra nenhuma referência a esta quinta de alojamento local conforme se comprova das imagens seguintes.
(…)
- Se no mesmo motor de busca colocarmos o endereço fornecido pelo sujeito passivo não nos são devolvidos quaisquer resultados, conforme se pode comprovar da imagem seguinte.
(…)
- apenas se colocarmos o endereço fornecido pelo sujeito passivo na barra de endereços é que conseguimos aceder a esta página, conforme se verifica da imagem seguinte.
(…)
Este é mais um facto que nos leva a crer que o sujeito passivo não pretende que o alojamento seja divulgado e de acesso ao público em geral, mas apenas para pessoas da rede de contactos dos proprietários da B... .
Em resumo relativamente aos montantes registados na contabilidade do sujeito passivo nos anos de 2013 e 2014 no que respeita às prestações de serviços de estadias importa salientar o seguinte:
- nenhum dos CAE com que o sujeito passivo está registado se adequa ao exercício da atividade de alojamento local, e até à presente data não se verificou qualquer alteração;
- o Município de ... afirmou que o empresa B... SA, não efetuou nenhum registo de alojamento local até à presente data;
- o Turismo de Portugal informou que após consulta ao registo nacional do alojamento local (RNAL) não foi possível localizar qualquer estabelecimento de alojamento local em ... cujo titular de exploração seja B... SA;
- o Turismo de Portugal referiu ainda que contactado a Câmara Municipal de ... lhes foi confirmado a não existência na edilidade do registo deste alojamento, nem se encontrar pendente qualquer pedido relativo a esta sociedade;
- os “hóspedes” do alojamento têm sido a família e a rede de contactos do sujeito passivo, conforme é assumido pelo próprio na resposta à notificação mencionada anteriormente;
- os pagamentos existentes relativos à parte dos alojamentos são na sua maioria feitos através de transferências ordenadas pelo Sr. Engº E...;
- as maioria das faturas emitidas em 2013 e a totalidade em 214 relativas às “estadias/alojamento”, independentemente do nome que foi emitida encontram-se registada na conta 21 – Clientes do Sr. Engº E...;
- em relação à forma de divulgação deste espaço de “alojamento local” na internet verifica-se que o mesmo não aparece em qualquer pesquisa que se faça, e que mesmo colocando o endereço fornecido pelo sujeito passivo na resposta à notificação no motor de busca “Google” o mesmo não devolve qualquer resultado, ou seja apenas escrevendo na barra de endereços o endereço fornecido pelo sujeito passivo conseguimos chegar à referida página web, o que indicia que não há qualquer interesse que o dito espaço seja conhecido e acessível ao público em geral.
Tendo em conta o exposto anteriormente somos levados a concluir que a parte do “alojamento” apenas existe com o intuito de ser utilizada pela família e rede de contactos do administrador da sociedade Eng.º E..., não consubstanciando por isso uma atividade económica na verdadeira acepção da expressão.
III.2.2- Análise específica – Incorreções detetadas – Ano de 2014
III.2.2.1 – Em sede de IRC
III.2.2.1.1 – Gastos com o jardim
O sujeito passivo tem registado na sua contabilidade a fatura-recibo C11/3661 de 24/05/2014, emitida por M..., Lda, cuja cópia se encontra em anexo 17 – 1 fl, que se encontra registada na contabilidade conforme se discrimina de seguida:
(…)
Atendendo a que se trata de aquisição de diversas plantas, foi o sujeito passivo notificado (…) para esclarecer qual o destino destas plantas, em resposta informou que esta fatura se refere à aquisição de diversas plantas e arbustos para os jardins da B..., os quais precisam e alguma renovação de tempos a tempos, juntando uma foto. (…)
Ora, os hóspedes do alojamento (…) apenas têm sido família e rede de contactos dos proprietários da B... conforme é assumido na resposta à notificação, acrescendo ainda o facto, confirmado pela Câmara Municipal de ... e Turismo de Portugal, da não existência de nenhum alojamento local em nome do sujeito passivo em análise também descrito nesse item do relatório, motivo pelo que não se considera este gasto como indispensável à realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que não são aceites, nos termos do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, tendo em conta a fundamentação mencionada no Item III.2.1.1 deste relatório de inspeção.
Assim, não é aceite como gasto o montante de 67,93 Euros, pois infringe o disposto no artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, punível pelo nº 1 do artigo 119º do Regime Geral das Infrações Tributárias.
(…)
III.2.2.1.3 – Gastos com o barco
O sujeito passivo tem registado na sua contabilidade a fatura recibo A1938 de 05/09/2014, emitida por N..., O... Lda , cuja cópia se encontra em anexo 19 – 1 fl, que se encontra registada na contabilidade conforme se discrimina de seguida:
(…)
No ponto 1.26 da notificação atrás mencionada, atendendo a que este documento se refere a gasolina para um barco, foi solicitado ao sujeito passivo que esclarecesse qual o destino desta gasolina.
Em resposta o sujeito passivo esclareceu que esta fatura se refere à aquisição de gasolina para o barco adquirido pela B... em 2012 e do qual usufruem os clientes da Quinta ... .
Ora, atendendo a que os clientes da B..., na parte respeita ao alojamento, são a família e rede de contactos dos proprietários da B... conforme é assumido na resposta à notificação, acrescendo ainda o facto, confirmado pela Câmara Municipal de ... e Turismo de Portugal, da não existência de nenhum alojamento local em nome do sujeito passivo em análise também descrito nesse item do relatório, não se considera este gasto como indispensável à realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que não são aceites, nos termos do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, tendo em conta a fundamentação mencionada no Item III.2.1.1 deste relatório de inspeção.
Assim, não é aceite como gasto o montante de 1.322,45 Euros, pois infringe o disposto no artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, punível pelo nº 1 do artigo 119º do Regime Geral das Infrações Tributárias.
III.2.2.1.5 – Gastos com refeições
O sujeito passivo tem registado na sua contabilidade a fatura recibo FT 002/11017 de 16/11/2014, emitida por restaurante P... Lda, cuja cópia está em anexo 21 – 1 fl, referente a 18 refeições, conforme se discrimina no quadro seguinte:
(…)
No ponto 1.28 da notificação já por diversas vezes mencionada solicitou-se ao sujeito passivo que esclarecesse qual o objetivo desta aquisição, comprovando documentalmente a indispensabilidade dos gastos.
Em resposta o sujeito passivo indica que esta fatura se refere a um jantar oferecido a clientes da B..., não apresentando qualquer documento comprovativo desta afirmação, nem indicando quais os clientes e não apresentando nada que comprovasse a indispensabilidade destes gastos, não se considera este gasto como indispensável à realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que não são aceites, nos termos do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, tendo em conta a fundamentação mencionada no Item III.2.1.1 deste relatório de inspeção.
Assim, não é aceite como gasto o montante de 394,30 Euros, pois infringe o disposto no artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, punível pelo nº 1 do artigo 119º do Regime Geral das Infrações Tributárias.
III.2.2.1.7 – Gastos com “… in China”
Conforme já foi mencionado no ponto III.1 deste relatório de inspeção no ano de 2014 o sujeito passivo vendeu dois imóveis, um dos quais foi vendido a um cidadão de nacionalidade chinesa, Q..., NIF..., pelo montante de 515.000,00 Euros. (…) Esta venda foi realizada em 11/04/2014.
Em relação a este imóvel importa salientar que o mesmo foi adquirido pela B... Sa em 07/04/2014 à empresa R... Sa, NIPC ... pelo montante de 235.000,00 Euros.
Em anexo 23 – 2 fls encontra-se o extrato das contas 32112 - Travessa ... nº ... ... e 6111 – Mercadorias CMVC. Da análise aos mesmos verifica-se que o apuramento do gasto das mercadorias vendidas e matérias consumidas ascende a 387.286,07 e que inclui para além do valor da compra outras despesas, conforme se discrimina no quadro seguinte:
Data Descrição Valor Diário Nº doc interno
07-04-2014 Escritura de compra 235.000,00 € 30 40001
14-04-2014 … in China 128.750,00 € 30 40003
07-04-2014 Imposto do selo 1.880,00 € 50 40010
15-05-2014 Comissão venda imóvel 21.656,07 € 30 50005
TOTAL 387.296,07 €
Relativamente à verba de 128.750,00 Euros trata-se de uma fatura com o número 0010/2014 datada de 14/04/2014, emitida por F..., com sede em Hong-Kong.
Este território consta da portaria nº 150/2004 de 13/02, alterada pela Portaria 292/2011 de 08/11, como um país, território com regime de tributação privilegiada claramente mais favorável.
Nos termos da alínea r) do nº 1 do artigo 23º A do Código do imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizados como gastos do período as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas coletivas ou singulares residentes fora do território português e aí submetidas a um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caracter anormal ou um montante exagerado.
Assim, nos termos do nº 8 do artigo 23º A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas foi o sujeito passivo notificado para :
“(…)
1 – Proceder à produção da prova referida anteriormente, ou seja demonstrar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou montante exagerado.
2 – Relativamente à operação titulada pela fatura supra identificada apresentar cópia do meio de pagamento utilizado para liquidação da mesma com identificação clara e inequívoca do beneficiário desse pagamento e, no caso de ser cheque, fotocópia do mesmo cheque frente e verso.
3 – Juntar cópia do formulário 21-RFI apresentado pelo beneficiário desse pagamento com vista à dispensa de retenção na fonte sobre os rendimentos auferidos por entidades não residentes, conforme se encontra disposto no artigo 98º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.
(…)
No dia 05/05/2016 foi recebida nestes serviços a seguinte resposta:
“…
B... Sa (designada abreviadamente por B...), pessoa coletiva nº..., notificada para o efeito, vem apresentar os esclarecimentos e documentos solicitados relativamente às questões colocadas na notificação de 5 de abril de 2016.
1 – Proceder à produção da prova referida anteriormente, ou seja demonstrar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou montante exagerado.
A fatura emitida pela “F... (designada abreviadamente por F...) refere-se ao pagamento de uma comissão por serviços de intermediação prestados por esta entidade no âmbito da venda de um imóvel propriedade da B... (fatura em anexo como doc. nº 1).
De facto no âmbito da sua atividade imobiliária a B... celebrou um contrato de consultoria e marketing com a F... para promover as propriedades que tinha em carteira junto de investidores chineses (cfr. contrato como anexo como doc. nº 2).
Neste âmbito a F... promoveu/intermediou a compra/venda do prédio urbano denominado lote 12, situado em..., Travessa..., nº..., ..., tendo por esse serviço auferido € 128.750,00 (correspondente a 25% do valor da venda) conforme pode ser confirmado pelo contrato de compra e venda celebrado em 11 de abril de 2014 (em anexo como doc. nº 3).
Ou seja, os serviços prestados pela F... permitiram que a venda do imóvel fosse efetivamente concretizada junto de um investidor chinês.
Refira-se que a F... é uma entidade independente da B... pelo que o valor da comissão auferido está de acordo com o valor de mercado e com o valor acrescentado gerado por esta entidade no âmbito da referida transação. De facto, no âmbito dos serviços que a F... prestou à B..., a F... não só identificou os investidores interessados no imóvel como possibilitou a concretização da transação por um valor superior àquele que era a expectativa da B..., atendendo às especificidades do mercado chinês.
Conforme descrito, a B... entende ter demonstrado que (i) os encargos pagos à F... correspondem a operações efetivamente realizadas – vide contrato celebrado entre a B... e a F... e a escritura de compra e venda do imóvel celebrado entre a B... e o Mr.Q...; e (ii) que o seu valor não tem um caracter anormal ou exagerado.
2 – Relativamente à operação titulada pela fatura supra identificada apresentar cópia do meio de pagamento utilizado para liquidação da mesma com identificação clara e inequívoca do beneficiário desse pagamento e, no caso de ser cheque, fotocópia do mesmo cheque frente e verso.
A fatura da F... foi paga através de cheque emitido à G...– Sociedade de Advogados, conforme pode ser verificado pela cópia do extrato bancário, do documento de pedido de emissão de cheque e da nota de débito (em anexo como docs. Nº 4, 5 e 6).
Não obstante a F... ser a entidade beneficiária deste pagamento o mesmo foi pago, a pedido desta, por cheque emitido à ordem de G...– Sociedade de Advogados.
3 – Juntar cópia do formulário 21-RFI apresentado pelo beneficiário desse pagamento com vista à dispensa de retenção na fonte sobre os rendimentos auferidos por entidades não residentes, conforme se encontra disposto no artigo 98º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.
Nos termos do disposto no artigo 98.º do CIRC, de modo a dispensar a retenção na fonte em Portugal nos termos do ADT celebrado com Hong Kong, o beneficiário do rendimento deve fazer prova do cumprimento dos pressupostos que resultam da convenção destinada a evitar a dupla tributação junto da entidade obrigada a efetuar a retenção na fonte mediante a apresentação de um formulário de modelo aprovado pelo responsável da área de finanças (i) certificado pelas autoridades competentes do respetivo estado de residência ou (ii) acompanhado de um documento emitido pelas autoridades competentes que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a respetiva sujeição a imposto.
Deste modo a B... junta em anexo como doc. nº 7 e 8 o formulário 21-RFI devidamente preenchido e o certificado de residência fiscal da F... emitido pelas autoridades competentes de Hong Kong.
…”
Passaremos agora à análise à resposta:
A fatura 010/2014 de 14/04/2014 emitida pro F... no valor de 128.750,00, encontra-se registada na contabilidade do sujeito passivo conforme se discrimina no quadro seguinte:
Fatura Fornecedor Mês N.º documento Diário Contas Tipo de movimento Valor
0010/2014 F… abril … 30 321112 Débito 128.750,00 €
22113005137 Crédito 128.750,00 €
O sujeito passivo afirma que este valor se trata do pagamento de comissão por serviços de intermediação prestado no âmbito da venda do imóvel situado na Travessa..., nº ..., ..., Cascais, registado na matriz predial urbana através do artigo ... da freguesia de..., concelho de Cascais. Este imóvel foi vendido em 11/04/2014 pelo valor de 515.000,00 Euros, ou seja esta comissão corresponde a 25% do valor da venda.
O sujeito passivo junta como documento nº 2 um contrato de consultoria e marketing lavrado em língua inglesa entre F... e B... SA. Este contrato foi assinado em 19/11/2013, com a premissa (vide B do contrato em anexo 20) de que até 18 de janeiro de 2014 a B... Sa se tornasse proprietária do artigo ... da freguesia de ... . Este artigo deu origem ao artigo urbano ... da mesma freguesia.
Ora este artigo só passou para a propriedade do sujeito passivo 07/04/2014 (5 dias antes da data da venda).
Importa ainda referir que para além desta comissão na venda do imóvel o sujeito passivo pagou ainda outra comissão relativa à venda deste mesmo imóvel, conforme documento que se junta em anexo 25 – 1 fl, no valor de 21.656,07 Euros, que corresponde a uma comissão de cerca de 4% sobre o montante da venda, valor esse que se coaduna com os valores de mercado praticados nesta atividade.
Isto significa que só em comissões para a venda deste imóvel foram pagos pelo sujeito passivo 150.406,07 Euros (21.656,07 + 128.750,00), o que ascende a uma percentagem de 29% do valor da venda e 64% sobre o valor da compra.
Quanto ao pagamento da fatura emitida pela F... Ltd no valor de 128.750,00 verifica-se, através dos elementos enviados, que o mesmo foi efetuado através da emissão de um cheque bancário cujo beneficiário é G... Sociedade de Advogados, e não a empresa emitente da fatura. O sujeito passivo justificou esta situação alegando que o pagamento foi feito desta forma a pedido da emitente dessa fatura.
O sujeito passivo juntou ainda o certificado de residência do emitente da fatura emitido pelas entidades competentes.
Quanto ao modelo 21-RFI apresentado pelo sujeito passivo verifica-se que no quadro I o beneficiário identificado é a F... Ltd. No quadro III desse mesmo modelo não consta a certificação das entidades competentes, e no quadro VIII a data que consta é de 03/05/2016, ou seja data essa bastante posterior à realização deste negócio e já no decurso deste procedimento inspectivo.
Importa salientar que neste mesmo período de tributação foi vendido pelo sujeito passivo em análise outro imóvel (artigo ... H da freguesia ...) cujo valor da venda foi de 130.000,00 Euros, e que se verificou que neste caso foi paga uma comissão de venda à empresa S..., Lda, no valor de 3.075,00, registada na contabilidade através do documento interno 2003 do diário de fornecedores do mês de fevereiro, valor que corresponde a cerca de 2% do valor da venda, ou seja, bastante inferior ao 25% pagos neste caso em análise.
Nos termos da alínea r) do nº 1 do artigo 23º A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizados como gastos do período, as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.
Ora, após ter sido concedido o prazo previsto no nº 8 do mesmo artigo, o sujeito passivo, através dos elementos enviados e previamente já analisados e de tudo o que foi referido ao longo deste ponto do relatório, consideramos que não fez prova de que o montante não é exagerado (corresponde a 25% do valor da venda) e não tem um caracter anormal, condições essenciais para que o montante de 128.750,00 Euros seja aceite como gasto. Acresce que ainda tem registo de pagamento de comissão imobiliária nacional, conforme já foi mencionado anteriormente.
Assim, não se aceita como gasto o montante de 128.750,00 Euros nos termos da alínea r) do nº 1 do artigo 23º A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, punível pelo nº 1 do artigo 119º do Regime Geral das Infrações Tributárias.
III.2.2.1.8 – Gastos suportados com depreciações de edifícios e outras construções
O sujeito passivo tem registado na conta 432111 – Outras Frações o artigo ... da freguesia ... no valor de 759.825,99 Euros, que corresponde ao artigo onde se encontram implantadas as construções que se encontram relacionadas com a parte do alojamento local. Relativamente ao qual o sujeito passivo depreciou à taxa de2%, de acordo com o código 2010 previsto no Decreto Regulamentar 25/2009 de 14 de setembro. Assim encontra-se registadas na conta 642121 – Depreciações – Edifícios e outras construções o montante de 15.196,52 Euros respeitantes à depreciação deste imóvel.
(…)
Ora, os hóspedes do alojamento, conforme já foi referido no Item III.1 deste relatório de inspeção, apenas têm sido família e rede de contactos dos proprietários da B... conforme é assumido na resposta à notificação, acrescendo ainda o facto, confirmado pela Câmara Municipal de ... e Turismo de Portugal, da não existência de nenhum alojamento local em nome do sujeito passivo em análise também descrito nesse item do relatório, não se considera este gasto como indispensável à realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que não são aceites, nos termos do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, tendo em conta a fundamentação mencionada no Item III.2.1.1 deste relatório de inspeção.
Assim, não é aceite como gasto o montante de 15.196,52 Euros, pois infringe o disposto no artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, punível pelo nº 1 do artigo 119º do Regime Geral das Infrações Tributárias.
III.2.2.2 – Tributação autónoma dos gastos com “... in China”
Nos termos do nº 8 do artigo 88º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas colectivas estão sujeitas a tributação autónoma à taxa de 35% as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caracter anormal ou montante exagerado.
Ora conforme se encontra exposto no ponto III.2.2.1.7 deste relatório, o sujeito passivo apesar de notificado para fazer essa prova, não o fez pelo que o montante de 128.750 Euros deverá ser tributado autonomamente à taxa de 35% conforme previsto no preceituado legal mencionado no paragrafo anterior, pelo que há um valor de tributação autónoma em falta no montante de 45.062,50 Euros (128.750*35%=45.062,50).
(…)
III.2.2.4 – Síntese das correções em sede de IRC, da matéria colectável, das correções à tributação autónoma e retenções de IRC em falta
(…)
IX – Direito de Audição – Fundamentação
O sujeito passivo foi notificado pelo ofício nº ... de 08/08/2016 para nos termos do artigo 60º da Lei Geral Tributária e artigo 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira exercer no direito de audição. Esta notificação foi enviada por meio de carta registada cujo nº de registo é RF ... PT. A notificação veio devolvida com indicação de “objeto não reclamado”. Nos termos do nº 1 do artigo 39º do Código do Procedimento e de Processo Tributário considera-se que o sujeito passivo se encontra notificado.
No dia 5 de setembro de 2016 deu entrada nestes serviços o seguinte email:
“Exmos Srs
(…)
Em relação à inspeção em curso realizada sobre a B... SA, julgamos que importa esclarecer algumas questões relacionadas com o Alojamento Local nas instalações desta sociedade.
1. A B... tem um alvará de Alojamento Local emitido pela Câmara Municipal de ... (CM...) em 12-10-2010 (cópia em anexo).
2. A legislação em vigor nessa altura era constituída pelo DL 39/2008, alterado e republicado pelo DL 228/2009, que referia que os Estabelecimentos de Alojamento Local deveriam estar registados na respectiva Câmara Municipal.
3. Foi na altura referido à B... que a simples emissão do alvará pela CM... subentendia que implicitamente esse registo estava feito, pelo que se começou logo a operar nessa atividade.
4. Na verdade, a atividade de alojamento na B... começou já em 2009, altura em que se iniciou o processo junto da CM... (processo 01/114/2009), datando dessa data as primeiras faturas emitidas aos clientes.
5. Não havia, há data, para o Alojamento Local, qualquer necessidade de informação ao Turismo de Portugal, que apenas tinha de intervir noutro tipo de estabelecimentos turísticos mais elaborados (aldeamentos, hotéis, etc.). Competia às Câmaras Municipais facultar ao Turismo de Portugal o acesso informático ao registo do AL.
6. Apenas em 2014, o DL 15/2014, de 23 de janeiro, acrescenta que os estabelecimentos de AL estão sujeitos a registo na CM respectiva, na sequência de mera comunicação prévia, sendo aqui pela 1ª vez referida esta necessidade.
7. O DL 128/2014, de 29 de agosto, resulta da necessidade de autonomizar a figura do alojamento local em diploma próprio. Aqui se refere que o registo de estabelecimento de AL é efetuado mediante comunicação prévia dirigida ao presidnete da respetiva CM, sendo que essa comunicação é realizada unicamente no Balcão Único Eletrónico, que confere a cada pedido um número de registo de estabelecimento de AL e que remete automaticamente a comunicação para o Turismo de Portugal.
8. O DL 63/2015, de 23 de abril, faz ainda algumas alterações, mas mais para o caso dos hostels, pelo que nos parece que nada de substancial muda para o caso da B... .
9. Foi entendimento da B... que não haveria necessidade de se realizar um novo registo, o que é suportado pela informação disponibilizada pelo Turismo de Portugal no seu site, no documento “Perguntas frequentes sobre a legislação do alojamento local” (documento em anexo) onde se refere, na página 9:
“Tenho um alojamento local já registado, tenho de registar agora no balcão único eletrónico?
Não, os estabelecimentos de alojamento local registados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 128/2014, de 29 de agosto, isto é, antes de 27 de novembro de 2014m são registados pelas câmaras municipais, sendo depois disponibilizados aos respetivos titulares um novo número de registo”.
10. Por razões que desconhecemos, mas às quais somos alheios, a CM... não efetuou o registo eletrónico do alojamento local da B... no portal do Turismo de Portugal.
11. Detetada agora essa falha, deslocámo-nos aos serviços da CM... onde foi realizada, com os técnicos da autarquia, esta comunicação prévia no portal da AMA (Agência de Modernização Administrativa), cujo registo se anexa. A data de início desta atividade de AL da B... foi registada como 1 de janeiro de 2009.
12. Foram também criados para a B..., na repartição de finanças de ..., os seguintes códigos secundários:
CAE Secundário 1 – 55201: Alojamento Mobilado para Turistas e pelo
CAE Secundário 2 – 55204: Outros locais de Alojamento de Curta Duração
Anexa-se também cópia deste registo.
13. Foram contactados os serviços da CM...para validação de que a B... cumpre, nas suas instalações, todas as normas referentes às condições de habitabilidade, higiene e segurança, requeridas pelos estabelecimentos de alojamento local.
(…)
Importa salientar que o ofício mencionado pelo sujeito passivo (ofício ... de 29/07/2016) se trata de um ofício que se destinou única e exclusivamente a notificar o sujeito passivo da prorrogação da ação inspetiva, nos termos dos artigo 36º nº 4, 37º, 38º nº 1, e 42º todos do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, ao qual não caberia qualquer resposta. No entanto e atendendo a que o sujeito passivo vem nessa resposta alegar matéria que consta deste relatório de inspeção passaremos a analisar essa resposta.
O sujeito vem alegar no ponto 1 possuir um alvará de alojamento local emitido pela Câmara Municipal de..., enviando cópia de um documento datado de 12/10/2010. Ora no âmbito destes procedimentos inspetivos notificámos o Município de..., pelo ofício nº ... de 02/06/2015, com vista ao envio dos seguintes elementos:
“
• Indicação da data da comunicação prevista no nº 1 do artigo 5º do Decreto Lei nº 128/2014 de 29/08 para registo como estabelecimento de alojamento local efetuada pelo sujeito B..., S.A, NIPC....º
• Indicação da data da vistoria prevista no nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei 128/2014 de 29/08, bem como dos documentos relacionados com a mesma.
• Cópia do documento emitido pelo Balcão Único emitido nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei 128/2014 de 29/08.
• Indicação do número do registo atribuído ao sujeito passivo mencionado anteriormente na qualidade de alojamento local.”
Em resposta a esta notificação a Câmara Municipal de ... informou:
“Em resposta ao ofício da Autoridade nº ... de 02/06/2015, processo OI2015.../OI2016..., registado nos nossos serviços sob o nº ... de 03/06/2016, sobre o assunto supra referido, levo ao conhecimento de V. Exa. que, após consulta da base de dados no Município, se constatou que a empresa B..., SA, com o NIPC ... não efetuou nenhum registo de alojamento local, até á presenta data.”
Ora atendendo ao exposto anteriormente verificamos a existência de uma contradição entre aquilo que o sujeito passivo alega e a resposta obtida por nós através de via oficial.
O sujeito passivo vem nos pontos 2 a 9 fazer referência à legislação do alojamento local (anterior à data dos factos e atual). A legislação em 2010 previa o registo do alojamento na respetiva Câmara Municipal, e a informação que a Câmara Municipal de ... foi no sentido da inexistência desse registo.
A partir de 2014 com a entrada em vigor do Decreto-Lei 128/2014 passou a ser obrigatório o registo no Turismo de Portugal. No decurso destas ações inspetivas foi também notificado o Turismo de Portugal, IP, através do ofício ... de 06/06/2016, para prestar os esclarecimentos seguintes:
“Informação sobre a existência ou não existência de um alojamento local no concelho de ..., distrito de Santarém, cujo nome do titular de exploração seja B... Lda, NIPC..., com a indicação da data e nº do registo.”
Em resposta a esta notificação o Turismo de Portugal informou que:
“Com referência ao assunto em epígrafe, informa-se que, consultado o Registo Nacional do Alojamento Local (RNAL), não foi possível localizar qualquer estabelecimento de alojamento local em ..., cujo titular de exploração seja B... Lda, NIPC... .
Contactada telefonicamente a Câmara Municipal de..., foi-nos confirmada a informação de que não existe naquela edilidade registo do citado alojamento, nem se encontra pendente na presente data, qualquer pedido relativo à sociedade.”
É também referido pelo sujeito passivo no ponto 10, desconhecer o motivo pelo qual o registo eletrónico no Turismo de Portugal não ter sido efetuado pela Câmara Municipal de ... . Esta justificação pode estar no facto de não existir nessa Câmara qualquer registo de alojamento local em nome do sujeito passivo, conforme nos foi informado por essa entidade no decurso do procedimento inspetivo.
No pontos 11 e 12 o sujeito passivo alega que efetuou o registo no portal da Agência de Modernização Administrativa e também entregou no Serviço de Finanças de ... uma declaração de alterações tendo em vista a inserção dos CAE secundários 55201 – Alojamento mobilado para turistas e 55204 – Outros locais de alojamento de curta duração. De salientar que todas estas alterações foram feitas em data posterior à deste relatório e da assinatura da nota de diligência (18/08/2016 e 24/08/2016 respetivamente). À data dos factos a situação era outra, e não existia qualquer registo do sujeito passivo como alojamento local em nenhuma das entidades oficiais competentes para tal.
(…).
m) Em 20-09-2016, a AT notificou a Requerente do Relatório da Inspecção Tributária.
n) Sequentemente, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2016..., relativa ao exercício de 2014 com o valor a pagar de € 58.885,38, da liquidação de juros compensatórios n.º 2016..., no valor total de € 2.884,43 e da demonstração de acerto de contas n.º 2016..., no montante global a pagar de € 58.885,38, com data limite de pagamento a 2016-12-05 [cf. documento n.º 2 anexo ao pedido de pronúncia arbitral].
o) Em 12-12-2016, a Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado, no montante de € 56.000,95.
p) Em 24-03-2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa.
q) Em 26 de Junho de 2018, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2017..., por despacho de 19 de Junho de 2018, proferido pela Divisão da Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa.
r) Em 20 de setembro de 2018, foi apresentado o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD].
III. 2. Factos dados como não provados
17. Não se provou que a notificação do projecto de relatório de inspecção tivesse sido devolvida, com a indicação de “objeto não reclamado”.
III.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
18. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido apresentado pelos Requerentes.
19. No tocante à apreciação da prova, o Tribunal formula o seu juízo, em atenção ao princípio da livre apreciação, a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência.
20. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e testemunhal e o processo administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
21. Todas as testemunhas e a parte aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que referiram.
III.4 DO DIREITO
22. Na presente acção arbitral, as questões fulcrais a apreciar e decidir relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais das partes, são a de saber (i) se houve preterição do direito de audição e (ii) se os gastos incorridos (a) com a actividade de alojamento local e (b) com «market research services» deverão ser dedutíveis, para efeitos de IRC, na esfera da Requerente.
Vejamos então, separadamente, cada uma delas.
§1. Questão da preterição do direito de audição prévia
23. A Requerente imputa à liquidação impugnada vício por preterição do direito de audição, porquanto não foi notificada do projecto de Relatório da Inspecção Tributária – alegando, a esse respeito, não ter recebido por correio o projecto do relatório de inspecção, bem como qualquer aviso relativo ao objecto postal em causa –, não tendo, por conseguinte, tido oportunidade de se pronunciar sobre as correcções que a AT se propunha efectuar.
24. O artigo 60º, n.º 1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPIT), na redacção vigente à data dos factos, estipulava que «Concluída a prática de actos de inspecção e caso os mesmos possam originar actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspeccionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projecto de conclusões do relatório, com a identificação desses actos e a sua fundamentação.»
25. As notificações no procedimento de inspecção seguem as regras previstas nos artigos 37.º e segs. do RCPIT. Ou seja, podem ser efetuadas pessoalmente, no local em que o notificando for encontrado, ou por via postal através de carta registada (cfr. artigo 38.º, n.º 1, na redacção vigente à data dos factos)
26. E dispõe o n.º 1 do artigo 43.º do RCPIT (na redacção vigente à data dos factos) que “presumem-se notificados os sujeito passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta.»
27. Do probatório resulta que a notificação do projecto de conclusões foi efetuada por carta registada para o domicílio fiscal da Requerente em 08/08/2016.
28. Embora a AT alegue, no relatório de inspecção tributária, que a notificação veio devolvida com a indicação de “objeto não reclamado”, a verdade é que não fez prova disso, nomeadamente, juntando aos autos o aludido objecto postal com a indicação “Não reclamado“, pelo que, desse modo, não se pode ter por verificada a presunção enunciada no n.º 1 do artigo 43.º do RCPIT.
29. No entanto, sempre se poderá dizer, na esteira do entendimento consagrado em acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 26 de Setembro de 2018 (proferido no processo n.º 1506/17.8BALSB, disponível em www.dgsi.pt) que «No caso sub judice, a ora Recorrente interpôs reclamação graciosa da liquidação adicional e neste meio de reacção administrativa teve a oportunidade de se pronunciar, como efectivamente se pronunciou, sobre todas as questões relativamente às quais lhe deveria ter sido previamente concedida a faculdade de se pronunciar previamente à liquidação. Por isso, devemos considerar que ficou sanado o vício de preterição de formalidade legal por omissão de notificação para exercício do direito de audiência prévia à liquidação.
Parafraseando os citados Autores, podemos afirmar que a decisão administrativa final acaba por ser o acto de segundo grau (por que foi decidida a reclamação graciosa), pelo que deverá ser em relação a este acto que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação.»
30. Vide, igualmente, a este respeito, o proferido pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, «Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem formado uma sólida orientação no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam, e que as formalidades procedimentais essenciais se podem degradar em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las. Consequentemente, e tendo em conta que a audiência prévia dos interessados não é um mero rito procedimental, a formalidade em causa (essencial) só se podia degradar em não essencial (não invalidante da decisão) se essa audiência não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, e se se impusesse, por isso, o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur. O que exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso» (cfr. acórdão de 22 de Janeiro de 2014, proferido no processo n.º 441/13, disponível em www.dgsi.pt).
31. Ou seja, entre as situações em que se admite que não se produza o efeito anulatório da preterição do direito de audiência prévia, a par daquelas em que se demonstre que o exercício desse direito não poderia influenciar de modo algum a decisão, contam-se também aquelas em que, tendo sido omitida a audiência no procedimento de primeiro grau, o interessado teve a oportunidade de se pronunciar em procedimento de segundo grau.
32. Assim, considerando que foi deduzida reclamação graciosa contra a liquidação, considerando que nesse procedimento de segundo grau, a Requerente pronunciou-se sobre as correcções efectuadas pela AT, considerando também que a AT manteve as correcções efectuadas na decisão da reclamação graciosa e considerando ainda que é esta decisão o acto impugnado nos presentes autos, conclui o Tribunal que se deve ter por sanado o vício de preterição de formalidade legal por omissão de notificação para o exercício de audição prévia.
33. Termos em que não procede, nesta parte, o pedido arbitral.
§2. Questão da dedutibilidade dos gastos relativos ao Alojamento Local
34. Nesta sede, a questão controvertida é a de saber se os gastos suportados pela Requerente com a actividade de alojamento local aqui contestados – gastos com jardim, gastos com gasolina para o barco, gastos com refeições e gastos suportados com depreciações de edifícios e outras construções – são dedutíveis fiscalmente nos termos do disposto no artigo 23.º do CIRC.
35. Nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, na redação em vigor à data dos factos, “1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
(…)
3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.”
36. Com a referência a todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, o legislador abandonou o conceito de indispensabilidade, objeto de constantes litígios entre a AT e os contribuintes, e que deixa, assim, de ser a pedra angular do regime da dedução de gastos, optando por consagrar como princípio geral que são dedutíveis os gastos relacionados com a atividade do sujeito passivo e por este incorridos ou suportados, assente na ideia de que basta a conexão com a atividade empresarial, independentemente da efetiva contribuição para os rendimentos sujeitos a imposto. Promove-se, assim, uma agilização pelas empresas da dedução de gastos para efeitos fiscais (vide, entre outras, decisões arbitrais proferidas nos Processo nº 33/2018-T e Processo nº 171/2018-T, disponíveis em disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/).
37. Conforme entendimento do Tribunal Arbitral no já mencionado Processo n.º 171/2018-T e que este Tribunal Arbitral acompanha:
«Em síntese conclusiva, deve entender-se que a atividade empresarial que gere custos dedutíveis há de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito (e não um obrigatório nexo de causalidade imediata) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento. Nesse sentido, a atividade produtiva não deverá ser entendida em sentido restritivo, mas sim em sentido amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Ao buscar-se o sentido do conceito de atividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços, mas pressupõe uma relação com as operações económicas globais de exploração ou com as operações ou atos de gestão que se insiram no interesse próprio da entidade que assume os custos (cfr. neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 480/2016).
É nesse âmbito compreensivo que deve entender-se a nova redação introduzida pela Lei n.º 2/2014, que, visando implementar um maior grau de certeza na aplicação concreta dos critérios de dedutibilidade, passou a consagrar como princípio geral que são dedutíveis os gastos relacionados com atividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados, reforçando a ideia de que basta a conexão com a atividade empresarial, independentemente da efetiva contribuição para os rendimentos sujeitos a imposto (cfr. Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, 30 de junho de 2013).»
38. Nesta linha de pensamento, teremos de concluir que concluir que a relevância fiscal de um gasto depende unicamente da sua conexão com a actividade da empresa, independentemente do mérito da opção de gestão empresarial que tenha sido seguida na assunção desse encargo, havendo apenas de afastar-se os gastos que tenham sido determinados por outras motivações.
39. Revertendo ao caso em análise, a AT considera que, face aos elementos recolhidos, «(…) a parte do “alojamento” apenas existe com o intuito de ser utilizada pela família e rede de contactos do administrador da sociedade Eng.º E..., não consubstanciando por isso uma atividade económica na verdadeira acepção da expressão.».
40. Ou seja, tudo se passará no plano estritamente pessoal e não empresarial, pelo que, nessa medida, os gastos incorridos com esta actividade não poderão ser aceites.
41. Ora, resulta da prova produzida que a Requerente desenvolveu efectivamente a actividade de alojamento local, sendo esta uma actividade manifestamente de natureza empresarial, que, de resto, se harmoniza com o seu objecto social (gestão de imóveis próprios, de que a exploração de alojamento local é forma acessória dessa gestão).
42. O cariz da natureza económica de uma actividade não pode, nem deve ficar afastado ou prejudicado pelo facto de esta operar entre partes relacionadas, que, de resto, não estão vedadas, ab initio, pelo CIRC (cfr. artigo 63.º do CIRC).
43. A actividade de alojamento local exercida pela Requerente gerou rendimentos tributáveis na sua esfera, os quais não foram questionados pela AT.
44. De facto, seria curial que a AT, uma vez desconsiderada a actividade prestada pela Requerente de alojamento local como «uma actividade económica na verdadeira acepção da expressão», ao não aceitar, em consequência, os gastos nela incorridos, procedesse também a exercício idêntico no que respeita aos rendimentos declarados pela Requerente com essa actividade, não os tributando, o que não veio a suceder.
45. A AT não pode, pois, sob pena de incongruência e insustentabilidade do resultado da quantificação da matéria tributável, deixar de considerar os gastos suportados que sejam, habituais, comuns, no exercício do tipo de atividade comercial em causa – claro está, desde que devidamente documentados, o que, no presente caso, não foi posto em causa –, sob pena de estabelecer um resultado totalmente irrealista e desprovido de adesão com a realidade.
46. No caso, é inquestionável que existe um nexo causal entre os gastos em causa suportados pela Requerente e a actividade empresarial por si desenvolvida.
47. O facto de o alojamento local da Requerente não estar registado junto da Câmara Municipal de ..., não obstante a Requerente possuir alvará válido para o exercício da actividade que, de resto, se coaduna com o seu objecto, não basta para que a AT extrapole, a partir daí, a rejeição liminar dos gastos incorridos nesta sede, uma vez que, conforme acima visto, a relevância fiscal de um gasto depende unicamente da sua conexão com a actividade da empresa e, nesse âmbito, considera o Tribunal ter a Requerente exercido a actividade, existindo nexo causal entre os gastos suportados e os rendimentos que auferiu no âmbito da mesma, sujeitos a tributação.
48. Relativamente às dúvidas suscitadas pela AT quanto à divulgação do alojamento local, considerando não existir «qualquer interesse que o espaço seja conhecido e acessível ao público em geral», não se afiguram justificadas, na medida em que a forma de divulgação do espaço insere-se na manifestação típica da liberdade de gestão empresarial e, consequentemente, da liberdade de gestão fiscal das empresas.
49. Consequentemente, o acto de liquidação relativo ao exercício de 2014 enferma, nesta parte, de vício de violação do artigo 23.º do CIRC, na redacção que nesse ano vigorava, devendo por isso ser anulado, e procedendo consequentemente o pedido arbitral.
§3. Questão da dedutibilidade dos gastos relativos a “... in China” e sua tributação autónoma
50. A Requerida não aceitou a dedutibilidade dos gastos da Requerente relativos a pagamentos à F..., entidade sedeada em Hong-Kong, com fundamento na alínea r) do nº 1 do artigo 23º-A do CIRC, procedendo à consequente tributação autónoma.
51. Em causa está a aplicação dos artigos 23.º-A, n.º 1, alínea r) e 88.º, n.º 8 do CIRC, que estabelecem, no que ao caso interessa:
Artigo 23.º-A
Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais
1- Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período:
(…)
r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.
Artigo 88.º
Taxas de tributação autónoma
(…)
8- São sujeitas ao regime dos n.os 1 ou 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35 % ou 55 %, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável a que se refere o n.º 1 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária, ou cujo pagamento seja efetuado em contas abertas em instituições financeiras aí residentes ou domiciliadas, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.
52. Em 2014, o território de Hong Kong estava incluído na «lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis», que consta da Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, que alterou a Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro.
53. Em sede de inspecção tributária, a Requerente apresentou vários documentos para prova da operação realizada com a F... .No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que o montante pago à F... não é dedutível, em suma, pelas seguintes razões:
«O sujeito passivo junta como documento nº 2 um contrato de consultoria e marketing lavrado em língua inglesa entre F... Ltd e B... SA. Este contrato foi assinado em 19/11/2013, com a premissa (vide B do contrato em anexo 20) de que até 18 de janeiro de 2014 a B... Sa se tornasse proprietária do artigo ... da freguesia de... . Este artigo deu origem ao artigo urbano ... da mesma freguesia.» «Ora este artigo só passou para a propriedade do sujeito passivo 07/04/2014 (5 dias antes da data da venda).»
«Importa ainda referir que para além desta comissão na venda do imóvel o sujeito passivo pagou ainda outra comissão relativa à venda deste mesmo imóvel, conforme documento que se junta em anexo 25 – 1 fl, no valor de 21.656,07 Euros, que corresponde a uma comissão de cerca de 4% sobre o montante da venda, valor esse que se coaduna com os valores de mercado praticados nesta atividade.»
«Isto significa que só em comissões para a venda deste imóvel foram pagos pelo sujeito passivo 150.406,07 Euros (21.656,07 + 128.750,00), o que ascende a uma percentagem de 29% do valor da venda e 64% sobre o valor da compra.»
«Ora, após ter sido concedido o prazo previsto no nº 8 do mesmo artigo, o sujeito passivo, através dos elementos enviados e previamente já analisados e de tudo o que foi referido ao longo deste ponto do relatório, consideramos que não fez prova de que o montante não é exagerado (corresponde a 25% do valor da venda) e não tem um caracter anormal, condições essenciais para que o montante de 128.750,00 Euros seja aceite como gasto. Acresce que ainda tem registo de pagamento de comissão imobiliária nacional, conforme já foi mencionado anteriormente.»
54. Nos termos do artigo 23.º do CIRC a regra da não dedutibilidade destes gastos poderá, porém, ser afastada no caso de o contribuinte provar, por qualquer modo, que tais encargos correspondem a:
(i) Operações efetivamente realizadas; e
(ii) Operações que não tenham um caráter anormal ou um montante exagerado.
55. Ocorre assim uma inversão do ónus da prova que passa a onerar o sujeito passivo. Conforme consta do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 04.11.2003, proferido no processo n.º 07464/02 (disponível em www.dgsi.pt): “Em suma, o legislador desconfiou das operações realizadas com estas entidades, em que são contabilizados custos, e presumiu que estes não têm as contrapartidas invocadas, ressalvando em todo o caso, a possibilidade da efectiva demonstração pela contribuinte dessas contrapartidas, que melhor que ninguém saberá, concretamente, quais foram.”
56. A lei não exige qualquer formalismo nestas provas, assim vigorando quanto às mesmas o sistema da prova livre e podendo socorrer-se o sujeito passivo de todos os meios de prova permitidos pela lei (artigos 352 e seg. do Código Civil, 115º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29º, n.º 1, al. a) do RJAT).
Prova da realização da operação
57. Quanto à prova do primeiro requisito, resultou da prova produzida realizada pela Requerente, a aquisição de imóvel com o objectivo de rentabilizá-lo, quer no mercado nacional, quer, propositadamente, no mercado chinês, atento, neste último caso, o programa de Vistos Gold, responsável por atrair bastante investimento imobiliário estrangeiro, em especial por parte de cidadãos da China.
58. Nesse âmbito, a Requerente contratou os serviços da F... para proceder, na China, à prospecção, selecção e identificação de potenciais clientes chineses e acompanhamento dos mesmos a, e em, Portugal, com vista à compra do imóvel em causa.
59. O facto, que não é controvertido, de a Requerente ter vendido o imóvel a um cidadão chinês é uma prova indirecta, mas convincente, de que houve uma eficiente actividade de angariação levada a cabo pela F..., pois sem esta não se vislumbra como poderia o investidor ter conhecimento de que a Requerente dispunha de imóvel para venda.
60. Por outro lado, o facto de que a remuneração acordada entre as partes só era paga se tivesse como resultado a concretização da venda, assegura que não houve pagamentos que não tivessem subjacente a actividade de angariação.
61. Assim, é de considerar provado que o pagamento corresponde a operação efectivamente realizada.
Prova da não anormalidade e não exagero
62. Em relação à prova do segundo requisito, teremos de verificar se o pagamento da comissão à F... é normal e não é exagerado.
63. É indispensável que ambos os requisitos (normalidade e não exagero) estejam preenchidos, de modo a que as empresas possam efetivamente deduzir os pagamentos efetuados a entidades sediadas em paraísos fiscais.
64. Esta questão já foi amplamente discutida em acórdãos arbitrais anteriores (entre outras, as decisões proferidas nos processos 198/2017-T, 297/2017-T, 86/2018-T ou 152/2018-T, todos disponíveis em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/).
65. A esse respeito, vide o quanto se escreveu no acórdão arbitral proferido no processo 198/2017, com o qual estamos em pleno acordo que, por desnecessidade de quaisquer outras considerações, se passa agora reproduzir:
«Para decidir se há ou não exagero não pode tomar-se como termos de comparação as percentagens das comissões que a Autoridade Tributária e Aduaneira diz serem cobradas habitualmente pelas empresas imobiliárias, entre 3% e 5%, pois a desenvolvida pela B… não se limita à que normalmente é levada a cabo na mediação imobiliária, que não envolve despesas da ordem das que se provou serem suportadas pela B… (pagamento de viagens, alojamento, alimentação, transportes, intérpretes, etc.).
Por outro lado, a aferição do requisito do não exagero, deverá ser efectuada tendo em conta a situação do sujeito passivo, procurando apurar se o pagamento deve considerar-se excessivo, sob a sua perspectiva, no contexto em que tem de decidir pagar os serviços.
Desta perspectiva, será exagerado o pagamento quando se demonstrar que o sujeito passivo podia obter o que o mesmo serviço por quantia inferior
Resulta da prova produzida que a Requerente pretendia vender o mais rapidamente possível os imóveis, pois estava previsto que o processo de construção e venda dos imóveis estivesse concluído até 2010, cinco anos após o início do processo de construção, e ainda não os tinha conseguido vender até 2013 e 2014, devido à situação de crie económica e financeira que afectava Portugal.
A prova produzida é também no sentido de que a Requerente não conseguia obter a angariação de clientes com pagamento de comissões inferiores, quer à B…, que não as aceitava, nem a outros prestadores de serviços de angariação, pois nenhum lhe proporcionava clientes que pagassem os preços de venda que a Requerente pretendia para si obter.
Nestas condições o pagamento não se pode considerar exagerado, pois está justificado pela necessidade de obtenção dos serviços de angariação e não haver alternativa a preço inferior.
A razoabilidade dos pagamentos efectuados à B… é ainda reforçada pelo facto de a Requerente não ser afectada pelos pagamentos que lhe fazia, pois apenas lhe pagava quando concretizasse a venda dos imóveis e o que pagava à B… acrescia ao preço de venda que a própria Requerente fixava e pretendia obter para si.
Pelo exposto, conclui-se que a Requerente provou que os pagamentos efectuados à B… não foram anormais nem exagerados.»
66. Como se refere no aresto transcrito, julga-se que a aferição do carácter normal e não exagerado das operações se deve reportar ao caso concreto, tendo em conta a situação específica em que tais operações se realizaram, não se podendo formular “tabelas” ou fórmulas a priori, que excluam mecanicamente determinados tipos de operações do âmbito da razoabilidade, ou as remetam para o plano do exagero.
67. Desta perspectiva, será exagerado o pagamento quando se demonstrar que o sujeito passivo podia obter o mesmo serviço por quantia inferior.
68. Ora, resulta da prova produzida que a Requerente pretendia vender o imóvel, não circunscrevendo o negócio ao mercado interno, uma vez que, à época, existia uma forte procura do mercado imobiliário português por parte de cidadãos estrangeiros, em especial, da China, por força do regime dos Vistos Gold, o que levou a Requerente a querer, também, explorar esse mercado.
69. É, pois, nesse contexto que surge a parceria estabelecida com a F..., pois a Requerente não conseguia obter a angariação de clientes chineses sem recurso a agências especializadas na captação desses investidores.
70. Resulta também da prova produzida que a F... propiciava um negócio a um preço e num curto espaço de tempo, que a Requerente (ou as empresas mediadoras portuguesas) seria incapaz de encontrar para o seu imóvel.
71. A contrapartida estabelecida era o pagamento de uma comissão de 25%, valor que está em linha com o que se pratica por outras empresas de mediação asiática, as quais, pela prestação dos seus serviços, remuneram-se por comissões muito superiores àquelas que são praticadas no mercado nacional.
72. A razoabilidade dos pagamentos efectuados à F... é ainda reforçada pelo facto de a Requerente não ser afectada pelos pagamentos que lhe fazia, pois apenas lhe pagou quando concretizou a venda do imóvel.
73. Sendo o serviço pago, unicamente, em função do resultado, verifica-se um risco acrescido para o prestador, que tem de suportar – notoriamente – custos avultados para trazer clientes “do outro lado do mundo”, e uma segurança adicional para o adquirente dos serviços, que apenas se constitui na obrigação de pagar, tendo assegurado o retorno decorrente da concretização das suas vendas, sendo de notar, ainda, que a actividade em questão permitia acomodar o custo adicional, assegurando uma margem de lucro para o vendedor.
74. Nestas condições o pagamento feito pela Requerente não se pode considerar exagerado.
75. Quanto ao facto de o pagamento da comissão ter sido feito directamente à sociedade de advogados G..., por indicação da F..., acompanhamos o exarado pelo Tribunal Arbitral no processo 86/2018-T, segundo o qual «(…) julga-se ser facto público e notório que nem sempre os pagamentos são feitos directamente ao credor, sendo legal e admissível que sejam feitos a terceiros, por indicação daquele, por um lado, ou que sejam feitos ao credor, mas em jurisdição diferente da sua sede, sendo um caso típico, no nosso país, os pagamentos feitos em Portugal, relativos a serviços prestados em Angola.
Por fim, e também em contraciclo com o ponderado no RIT, sob um ponto de vista da normalidade da actividade fraudulenta ou elisiva, o habitual será fazer pagamentos devidos a entidades não residentes em paraísos fiscais, em entidades bancárias sedeadas nestes. Tal procedimento é que dificulta a actuação das autoridades tributárias, dada a hermeticidade característica dos territórios qualificados como de tributação privilegiada.
O contrário, que é o que se passa no caso, quando o pagamento a uma entidade sedeada em territórios qualificados como de tributação privilegiada, é efectuado fora destes, integra uma circunstância que, de per si não o demonstrando, corrobora outros indícios da normalidade da operação, por denotar que não é feito esforço de opacizar os pagamentos, quando facilmente se poderia fazê-lo.»
76. Deste modo, não se poderá concluir de outra forma que não a de que, in casu, foi demonstrado, para lá da dúvida razoável, que a operação em causa com a F... não em um carácter anormal, nem exagerado.
77. Estão, assim, verificados os requisitos da al. r) do n.º 1 do art. 23.º-A do CIRC, sendo dedutível o valor de € 128.750,00 para efeitos de determinação do lucro tributável.
78. Consequentemente, o acto de liquidação relativo ao exercício de 2014 enferma, nesta parte, de vício de violação do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r) e n.º 8 do art. 88.º do CIRC, nas respectivas redacções que nesse ano vigoravam, devendo por isso ser anulado, e procedendo consequentemente o pedido arbitral.
IV. Juros indemnizatórios
79. A Requerente peticionou ainda a condenação da Requerida em juros indemnizatórios, por considerar ter pago imposto em montante superior ao legalmente devido por erro imputável aos serviços.
80. Nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito».
81. Por conseguinte, e conforme o estatuído no artigo 100.º da LGT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT: «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
82. Assim, e não obstante o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT utilizar a expressão «declaração de ilegalidade» para delinear o âmbito material de competência dos tribunais arbitrais, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreende no seu escopo os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários.
83. Com efeito, é esta a interpretação que melhor se coaduna com o propósito subjacente à criação dos tribunais arbitrais em matéria tributária, i.e., que estes constituíssem um meio alternativo de resolução de litígios e, por conseguinte, alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.
84. Saliente-se que apesar de o processo de impugnação judicial consubstanciar um contencioso de mera anulação de actos tributários, é admissível a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios, conforme o preceituado no artigo 43.º, n.º 1 da LGT.
85. Nos termos do artigo anteriormente mencionado: «[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» (negritos e sublinhados nossos).
86. Mais ainda, decorre do próprio artigo 24.º, n.º 5 do RJAT que «[é] devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.»
87. No que concerne ao âmbito das decisões arbitrais, os tribunais arbitrais em funcionamento no CAAD têm, reiteradamente, condenado no pagamento de juros indemnizatórios (neste sentido e a título de exemplo, as decisões proferidas nos processos n.º 680/2016-T; n.º 321/2014-T; n.º 12/2013-T; ou, ainda, n.º 22/2012-T, todas disponíveis em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/index.php?).
88. O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios implica, necessariamente, a existência de erro imputável aos serviços «entendido este como o “erro sobre os pressupostos de facto e de direito imputável à Administração Fiscal» como se regista no presente caso (Cfr. decisão arbitral proferida no processo n.º 30/2017-T, disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/index.php?).
89. No caso em apreço, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
90. No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do acto é imputável à AT, que, ao errar no enquadramento legal a seguir, incorreu em erro nos pressupostos de direito.
91. Tem, assim, a Requerente direito a juros indemnizatórios, calculados à taxa legal relativamente à parte da liquidação que é anulada, calculados desde a data em que foi efetuado o pagamento do imposto respectivo.
V - Decisão
Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2017... e de anulação parcial do acto tributário de liquidação adicional de IRC n.º 2016..., relativa ao exercício de 2014, quanto ao montante de € 55.117,95, com as consequências jurídico-tributárias legalmente aplicáveis;
b) Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios sobre o valor de € 55.117,95, a partir da data do pagamento efetuado (12 de Dezembro de 2016) até integral reembolso.
c) Condenar a Requerida nas custas do processo.
VI – Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 55.117,95, nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII – Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 15 de maio de 2019
O Árbitro
(Francisco Melo)
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.