Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 317/2018-T
Data da decisão: 2019-05-13  IMT  
Valor do pedido: € 96.460,00
Tema: Fundos de Investimento Imobiliário – Isenção na aquisição de imóveis – Art. 1.º do DL 1/87, 03/01
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Dr. Nuno Pombo e Dr. André Festas da Silva (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 17 de setembro de 2018, acordam no seguinte:

               

I.             RELATÓRIO

 

A...– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., pessoa coletiva número..., com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa, na qualidade de sociedade gestora e em representação do FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO ABERTO – B..., com o número de identificação fiscal..., também com sede na ..., n.º ... andar, em Lisboa, adiante designado por “Requerente”, apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e alterações subsequentes, na sequência da formação da presunção de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa respeitante aos atos de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) n.º ..., de 4 de julho de 2014, no valor de € 49.010,00, e n.º..., de 24 de junho de 2015, no valor de € 47.450,00, perfazendo o total de € 96.460,00.

 O Requerente visa a anulação do ato silente de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa e, bem assim, dos atos de liquidação de IMT subjacentes, com fundamento em vício de violação de lei (erro de direito), por entender não ter sido revogada a norma de isenção prevista no artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87, de 3 de janeiro. Neste âmbito, peticiona adicionalmente a restituição do valor pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal desde a data do pagamento até à efetiva restituição.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT, em 13 de julho de 2018.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

                Em 28 de agosto de 2018, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo oposto recusa, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 17 de setembro de 2018, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.

 

Em 16 de outubro de 2018, a Requerida apresentou a sua resposta, pugnando pela improcedência com as legais consequências. Sustenta, para o efeito, que, com o aditamento da previsão do IMT ao artigo 46.º, n.º 1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), efetuado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, esse artigo passou a regular os benefícios fiscais do IMT nas aquisições de imóveis pelos fundos de investimento, pelo que, regulando a mesma matéria, revogou tacitamente o artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87, de 3 de janeiro.

 

Por outro lado, segundo a Requerida, com a revogação, pela Lei n.º 7- A/2016, de 30 de março, do artigo 49.º do EBF, que sucedeu ao referido artigo 46.º, nenhuma das normas está atualmente em vigor.

 

No que se refere aos juros indemnizatórios, a Requerida entende que, em caso de procedência do pedido do Requerente, os mesmos apenas são devidos a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, que ocorreu em 19 de dezembro de 2017, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, em conformidade com o disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da Lei Geral Tributária (“LGT”).

 

Na sequência do requerido pela AT, em 18 de outubro de 2018, o Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo (artigo 16.º, alínea c) do RJAT) e em face do princípio de economia processual, que reclama não ser lícita a prática de atos inúteis (artigo 130.º do Código de Processo Civil – “CPC”), deferiu:

 

(a)          A dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, uma vez que não foram suscitadas exceções, nem solicitada produção de prova;

(b)          A dispensa de junção do processo administrativo, por se afigurar que seria mera repetição dos documentos já juntos aos autos.

 

                As partes foram notificadas para alegações escritas, sucessivas e facultativas, tendo optado por não o fazer.

 

                Por despacho de 11 de março de 2019, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.

 

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias, previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, a contar a data de formação da presunção de indeferimento tácito, nos termos conjugados do artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 57.º, n.ºs 1 e 5 da LGT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A cumulação de pedidos é admissível, porquanto se trata de apreciar as mesmas circunstâncias de facto e os mesmos princípios ou regras de direito, relativos à vigência e âmbito de aplicação da isenção de IMT prevista no artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, para as aquisições de bens imóveis efetuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respetiva sociedade gestora.

 

O processo não enferma de nulidades, nem foram suscitadas exceções. 

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

 

1.            MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

A.           O FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO ABERTO – B..., aqui também designado de “FUNDO”, destina-se a ser comercializado junto de investidores não qualificados (público em geral) e qualificados, e tem como sociedade gestora a A...– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A. – cf. Relatório e contas 2016, junto com o pedido de pronúncia arbitral (ppa) como documento 2.

 

B.            O FUNDO foi constituído com duração indeterminada, iniciou a respetiva atividade em 16 de julho de 2010 e atua com o código da Comissão de Mercado de Valores Imobiliários n.º ... – cf. Relatório e contas 2016, junto com o ppa como documento 2.

 

C.            Em 7 de julho de 2014, o FUNDO adquiriu, pelo preço de € 1.508.000,00, o prédio urbano sito em Lisboa, na ..., n.ºs..., ... e ..., e na Rua ... n.ºs..., ..., ... e ..., freguesia da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º... daquela freguesia e inscrito na matriz da freguesia da ... sob o artigo ... – cf. cópia de escritura de compra e venda junta com o ppa como documento 3.

 

D.           Neste âmbito, foi liquidado e pago o IMT, no valor de € 49.010,00, em 4 de julho de 2014, conforme documento de liquidação identificado com o n.º ... – cf. cópia do documento de liquidação e comprovativo de pagamento juntos com o ppa como documentos 4 e 5, respetivamente.

 

E.            Em 24 de junho de 2015, o FUNDO adquiriu, pelo preço de € 1.460.000,00, a fração autónoma designada pela letra “B” do prédio urbano sito no Porto, na Rua..., n.ºs..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e..., e na Rua de ..., n.º..., freguesia de..., descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ... daquela freguesia e inscrito na matriz da freguesia de União das Freguesias de ... e ... sob o artigo ... – cf. cópia de escritura de compra e venda junta com o ppa como documento 6.

 

F.            Tendo sido liquidado e pago o IMT correspondente, no valor de € 47.450,00, em 24 de junho de 2015, conforme documento de liquidação identificado com o n.º ... – cf. cópia do documento de liquidação e comprovativo de pagamento juntos com o ppa como documentos 7 e 8, respetivamente.

 

G.           O Requerente remeteu por via postal, em 19 de dezembro de 2017, ao Serviço de Finanças de Lisboa ..., Pedido de Revisão Oficiosa dirigido à Diretora-geral da AT, ao abrigo do artigo 78.º, n.ºs 1 e 2 da LGT, para revisão dos atos de liquidação de IMT mencionados nos pontos D e F que antecedem. O Pedido deu entrada no referido Serviço em 20 de dezembro de 2017 – cf. cópia do registo postal e do requerimento de entrada do pedido junta com o ppa como documento 1.

 

H.           Em 6 de julho de 2018, não se conformando com as duas liquidações de IMT supra identificadas, o Requerente apresentou junto do CAAD o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo.

 

2.            MOTIVAÇÃO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e na posição consensual assumida pelas partes, cuja divergência é estritamente de direito.

 

3.            FACTOS NÃO PROVADOS

 

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

2.            DO DIREITO

 

2.1.        DA NÃO REVOGAÇÃO DA ISENÇÃO DE IMT APLICÁVEL ÀS AQUISIÇÕES DE IMÓVEIS EFETUADAS POR FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO

 

O artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87, de 3 de janeiro dispõe que são isentas de sisa [leia-se de IMT] “as aquisições de bens imóveis efetuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respetiva sociedade gestora” (cf. artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87), sendo a “incidência do IMT regulada pela legislação em vigor ao tempo em que se constituir a obrigação tributária”, ou seja, com referência ao momento em que ocorrer a transmissão, como esclarece o artigo 5.º, n.ºs 1 e 2 do Código do IMT.

 

Discute-se nos presentes autos uma só questão que é a de saber se esta isenção, cujos pressupostos objetivos e subjetivos se verificam na situação vertente, vigorava à data em que ocorreram as transmissões dos dois imóveis acima identificados [2014 e 2015].

 

Com efeito, é inequívoca e não vem questionada a subsunção do quadro fático aos requisitos objetivos do citado artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87, pois estamos perante a aquisição de dois imóveis que ingressaram no património do Requerente por efeito da sua aquisição pela respetiva sociedade gestora (em sua representação). E do ponto de vista subjetivo o Requerente é, sem dúvida, um Fundo de Investimento Imobiliário aberto, constituído e a operar nos termos do correspondente regime jurídico, sob a supervisão da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários.

 

Assim, os prédios em causa foram integrados no património de um fundo de investimento imobiliário – o Requerente – que se constituiu de acordo com a legislação nacional e que operava de acordo com essa mesma legislação, preenchendo-se nas duas dimensões, objetiva e subjetiva, a hipótese normativa da isenção do artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87.

 

A dissensão suscita-se quanto à vigência da norma de isenção invocada à data dos factos, porquanto, segundo a AT, a mesma foi tacitamente revogada com a alteração introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, no artigo 46.º do EBF , pelo que à data da realização das operações não se encontrava em vigor.

 

Na perspetiva da AT, o artigo 46.º do EBF passou a regular os benefícios fiscais do IMT nas aquisições de imóveis pelos fundos de investimento, pelo que ao reger sobre a mesma matéria prevista no citado artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87, revogou-o implicitamente.

 

Sem prejuízo de se tratar de uma interpretação possível a que aderiram diversos operadores jurídicos e a praxis do setor dos fundos de investimento imobiliário, incluindo o próprio Requerente, cujo Relatório e Contas para 2016 chega a afirmar que a partir da entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, os prédios integrados em fundos de investimento imobiliários abertos ou fechados de subscrição pública passaram a estar sujeitos a Imposto Municipal sobre Imóveis e Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas pelas taxas gerais (págs. 18 e 19), ou seja, admitindo implicitamente a revogação do Decreto-lei 1/87, afigura-se que não é aquela que do ponto de vista da segurança jurídica deve ser seguida.

 

Esta questão foi já apreciada pela jurisprudência arbitral, no processo do CAAD n.º 544/2016-T, de 28 de abril de 2017, cuja fundamentação foi subscrita nos processos n.ºs 677/2016-T, de 26 de junho de 2017; 440/2017-T, de 15 de janeiro de 2018, e 547/2017-T, de 15 de março de 2018.

 

Defende-se aí a tese preconizada pelo Requerente, que aqui se acompanha nos termos da argumentação jurídica constante da decisão arbitral do processo n.º 544/2016-T, que se transcreve, dada a sua plena aplicabilidade à situação sub iudice:

 

“Foi pelo Decreto-Lei n.º 246/85, de 12 de julho que se regulamentou a atividade dos fundos de investimento. Por seu turno, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, é expressamente reconhecido o «importante contributo que este novo tipo de instituições financeiras poderá trazer à formação das poupanças e à sua mobilização para investimentos no sector imobiliário. Acrescem os efeitos positivos que por essa via se induzirão nas indústrias da construção e no mercado de arrendamento de imóveis para habitação e para escritórios.» Assim, e na perspetiva do legislador tornou-se «necessário, no sentido de estabelecer condições para criação de fundos de investimento com estas características, definir um quadro fiscal adequado.»

Com este objetivo em mente, o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, determinou que:

«são isentas de Sisa as aquisições de bens imóveis efetuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respetiva sociedade gestora».

De acordo com o teor literal desta norma, as aquisições de bens imóveis levadas a cabo com o intuito de passarem a integrar um fundo de investimento imobiliário estariam isentas de Sisa.

Mais tarde, o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, procedeu à reforma da tributação do património, aprovando o CIMI, e o CIMT, publicados, respetivamente, nos seus anexos I e II.

Dali em diante, no que respeita às remissões, determinou o artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, que:

1 - Todos os textos legais que mencionam Código da Contribuição Autárquica ou contribuição autárquica consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) ou ao imposto municipal sobre imóveis (IMI).

2 - Todos os textos legais que mencionem Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, imposto municipal de sisa ou imposto sobre as sucessões e doações consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), ao Código do Imposto do Selo, ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e ao imposto do selo, respetivamente. (sublinhado nosso)

Além disso, o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, incluiu ainda uma norma de revogação, no seu artigo 31.º, cujo n.º 6 dispunha:

«Mantêm-se em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI, bem como os respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante ao Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41969, de 24 de novembro de 1958, e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, que passam a ser reportados ao IMT.» (sublinhado nosso)

Assim, de acordo com o teor literal dos artigos 28.º e 31.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, as isenções ao imposto de Sisa deveriam considerar-se reportadas ao IMT, pelo que as aquisições de bens imóveis levadas a cabo por uma sociedade gestora de um fundo de investimento imobiliário com o intuito de os mesmos passarem a integrar esse fundo continuariam isentas de IMT (aquela isenção de sisa prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro). A isenção existiria sempre que o fundo se encontrasse na posição de adquirente do imóvel.

Refira-se que esta isenção tinha uma finalidade clara e inteiramente assumida pelo legislador tributário. Em causa estava o objetivo, de natureza social e económica, de definição de um quadro fiscal suscetível de incentivar a criação de fundos de investimento com capacidade para mobilizar as poupanças para a realização de investimentos no sector imobiliário, estimulando, desse modo, as indústrias da construção e o mercado de arrendamento de imóveis para habitação e para escritórios.

O artigo 82.º da Lei n.º /2006 de 29 de dezembro (LOE de 2007), veio alterar o artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), passando a prever, a par da isenção da Contribuição Autárquica (IMI) para os prédios integrados em fundos imobiliários abertos, uma isenção de IMT para esses mesmos prédios. Assim, os prédios integrados nos fundos mistos ou fechados, verificadas certas condições, gozariam de uma redução de taxa para metade (artigo 46.º, n.º 2 do EBF). No entanto, o referido artigo 82.º da LOE de 2007 não fez qualquer referência à isenção de Sisa (IMT) constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro.

Por conseguinte, a questão que se coloca, na sequência do que se disse supra, prende-se com a problemática de saber se a isenção de IMT introduzida no artigo 46.º do EBF pela LOE de 2007 veio ou não revogar – e, se sim, expressa ou tacitamente – a isenção de Sisa (IMT) constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro – que, até então, ninguém duvidou manter-se. Esta questão é pertinente na medida em que, nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do Código Civil, a regra geral em matéria de cessação da vigência da lei é que «quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei.»

Ora, o Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, não contém qualquer indicação de que o seu artigo 1.º pretendia ter uma vigência temporária, pelo que, admitindo-se a sua não revogação por outra lei, a isenção dali constante, permanecerá – ainda hoje – em vigor. E a resposta a esta questão responderá à que ora se trata nos presentes autos: a de saber se o ato de liquidação da Administração Tributária padece, ou não, de um vício de violação de lei, por desconsideração de uma norma de isenção de imposto.

Ora, recuperando o que se disse supra, para determinar se houve ou não revogação da norma constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, que prevê uma isenção de Sisa (IMT), importa atentar ao disposto no artigo 7.º, n.º 2, do Código Civil que se ocupa do conceito de revogação da lei. Aí se dispõe que

«a revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior.»

A existência de regras de reconhecimento, orientadas para a identificação clara e precisa das normas que se encontram em vigor no ordenamento jurídico e das que já foram expressa ou tacitamente revogadas, reveste-se do maior significado, desde logo do ponto de vista do princípio da legalidade, designadamente na sua dimensão de legalidade tributária, afirmando a exigência de segurança jurídica e proteção da confiança ínsita no princípio constitucionalmente estruturante do Estado de direito. Os cidadãos, os agentes económicos e os operadores jurídicos devem poder saber com certeza quais as normas que estão e quais as que não estão em vigor no ordenamento jurídico. O artigo 7.º do Código Civil estabelece então três critérios alternativos de revogação, cujo preenchimento ou não tem relevantes implicações no caso concreto.

Importa, pois, aferir se ocorreu alguma das três alternativas que, segundo o artigo 7.º, n.º 2 do Código Civil, conduziram à revogação do artigo 1.º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de janeiro, a saber:

a) a declaração expressa de revogação;

b) a incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes; ou

c) a circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior.

Relativamente ao primeiro aspeto, em vão se procurará no artigo 46.º do EBF, na redação que lhe foi dada pelo artigo 82.º da LOE de 2007, uma qualquer norma de revogação expressa do artigo 1.º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro. Assim conclui-se que não houve qualquer declaração expressa de revogação pelo que a haver revogação ela só poderia acontecer pela verificação de qualquer das restantes condições.

De incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes, que configura a segunda alternativa do artigo 7.º, n.º 2 do Código Civil, também não se pode falar. Bem pelo contrário, uma leitura conjunta da nova disposição do artigo 46.º do EBF e da regra precedente do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro, permite razoavelmente concluir que a partir da entrada em vigor da nova redação do artigo 46.º do EBF passariam a estar isentas do IMT, não apenas as aquisições de bens imóveis levadas a cabo por sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário com o intuito de as mesmas passarem a integrar esses fundos – tal como estabelecido na regra precedente – como também os prédios integrados nos fundos imobiliários – tal como estabelecido naquele artigo 46.º do EBF. Por outras palavras, a isenção de IMT valeria doravante quer para imóveis adquiridos para virem a integrar fundos imobiliários, como até então se estabelecia, quer para esses mesmos imóveis se e enquanto integrados em fundos imobiliários, nos termos do artigo 46.º do EBF.

No primeiro caso, a isenção seria aplicável sempre que o fundo se encontrasse na posição de adquirente do imóvel. No segundo caso a isenção seria aplicável sempre que o fundo se encontrasse na posição de alienante do imóvel. Assim, é forçoso concluir-se pela inexistência de uma incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes.

Abra-se aqui um parêntesis quanto à distinção entre imóveis a integrar no fundo e imóveis integrados no fundo, a qual reveste, ao que se crê, grande relevância no caso sub judice. Nos termos do artigo 22.º, n.º 1 do CIMT, a liquidação do IMT precede o ato ou facto translativo dos bens, devendo ser efetuada no momento da celebração do contrato-promessa de compra e venda com tradição do imóvel. Nesse momento, os bens adquiridos pelo sujeito passivo ainda não estavam integrados no fundo de investimento imobiliário. Com efeito, a sociedade gestora do fundo de investimento imobiliário pretendia adquirir o bem imóvel em causa precisamente para o vir a integrar no respetivo fundo. Daí que ela pudesse reclamar a isenção prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n. º 1/87, de 3 de janeiro, e não a do artigo 49.º do EBF, na medida em que vale unicamente para bens imóveis integrados no fundo imobiliário, realidade que só se consumaria depois da celebração do contrato promessa de compra e venda com a tradição da coisa.

Não obstante as diferenças estruturais que separam ambas as isenções, a verdade é que em ambos os casos as sociedades gestoras de fundos de investimento são colocadas numa posição economicamente vantajosa: ou porque não têm que pagar o IMT quando adquirem imóveis para os integrar no respetivo fundo de investimento imobiliário, ou porque os podem colocar no mercado mais facilmente em virtude de o prospetivo adquirente estar isento de IMT. As novas disposições e as regras precedentes não só são inteiramente compatíveis como criam um regime fiscal especialmente apetecível para as sociedades gestoras de fundos imobiliários.

Compreende-se bem a isenção de IMI a favor dos imóveis integrados em fundos imobiliários, na medida em que isso os liberta do pagamento deste imposto anual sobre o património imobiliário, prevista no artigo 46.º do EBF antes da redação que lhe foi dada pela Lei LOE de 2007. No entanto, também não é negligenciável a utilidade de que a isenção de IMT, acrescentada por este diploma, se revista no caso das transações de imóveis integrados em fundos imobiliários.

Com efeito, apesar de, nos termos do artigo 4.º do CIMT, o IMT dever ser suportado pelo adquirente do bem imóvel – que na generalidade dos casos será alguém inteiramente alheio à atividade de investimento imobiliário – a verdade é que esta isenção coloca os fundos de investimento imobiliário numa posição economicamente favorável e competitiva no seio do mercado imobiliário, na medida em que lhes permite escoar os seus bens imóveis mais facilmente, a um preço mais atrativo do ponto de vista do consumidor, porque está isento de IMT ou beneficia de uma redução de taxa.

Por esse motivo, a isenção do atual artigo 49.º do EBF, mesmo na sua versão atenuada de redução das taxas de IMT para metade, constitui um suplemento não despiciendo e não redundante relativamente à isenção estabelecida pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro. Trata-se de uma isenção estrutural e teleologicamente distinta desta última, cuja introdução e manutenção na ordem jurídica assenta numa distinta valoração de política fiscal.

E tanto assim é que chegou a existir uma proposta de lei do Governo dirigida à Assembleia da República, a PL 478/2006, de 13 de outubro de 2006, para aprovação do Orçamento do Estado, onde se previa a inserção de um artigo 81.º, n.º 3, alínea e) em que expressamente se revogava o Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro. Proposta essa que não foi objeto de aprovação.

De resto, a possibilidade de coexistência jurídico-normativa de isenções de IMT nos momentos da aquisição e de alienação de um imóvel está longe de constituir uma solução anómala ou sistemicamente disfuncional. Tal coexistência pode ser encontrada hoje no próprio EBF, em matéria de prédios urbanos destinados a reabilitação, verificados determinados pressupostos. Com efeito, o artigo 45.º, n.º 2 determina que «Ficam isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as aquisições de prédios urbanos destinados a reabilitação urbanística, desde que, no prazo de três anos a contar da data de aquisição, o adquirente inicie as respetivas obras.»

Paralelamente, o artigo 71. º, n.º 8 do EBF dispõe que «São isentas do IMT as aquisições de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, na primeira transmissão onerosa do prédio reabilitado, quando localizado na ‘área de reabilitação urbana». Também aqui uma isenção ao IMT no momento da aquisição do imóvel a reabilitar coexiste com a isenção no momento da alienação do imóvel reabilitado, num quadro de complementaridade jurídica pleno de racionalidade económica e social.

Solução estruturalmente idêntica pode encontrar-se também no artigo 8. º, n.º 7 do Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro – Capítulo X, onde se dispõe que ficam isentos do IMT «a) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1; b) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.»

Por fim, também atendendo ao último dos critérios do artigo 7.º, n.º 2 do Código Civil se dirá que a simples introdução da isenção do artigo 46.º do EBF dificilmente poderá ser interpretada como uma medida de revogação e substituição da isenção criada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro. Por um lado, resulta das considerações precedentes que o artigo 46.º do EBF não veio regular toda a matéria constante do artigo 1.º do Decreto-Lei nº 1/87. Em rigor, é introduzida uma nova isenção para além da já existente, a qual permanece intocada. Por outro lado, o EBF não tem o monopólio dos benefícios fiscais, podendo os mesmos ser consagrados e subsistir em legislação avulsa. Pense-se, por exemplo, nos benefícios fiscais constantes do Código Fiscal do Investimento.

Não se preenche, por isso, o último dos critérios que, nos termos do artigo 7.º, n.º 2 do Código Civil, sinalizam alternativamente a presença de uma revogação. Com efeito, para além do distinto teor literal, as duas isenções em discussão são estruturalmente diferentes, económica e fiscalmente compatíveis, e, em rigor, complementares. E mesmo que se entenda que o EBF constitui lei geral em matéria de benefícios fiscais, o artigo 7.º, n.º 3 do Código Civil dispõe que «a lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador». Sendo certo que nenhum dado de facto ou de direito permite discernir uma intenção inequívoca do legislador no sentido da revogação da isenção do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro.

A este respeito, poder-se-á ainda atentar às sucessivas alterações de que foi sendo alvo a norma constante do artigo 46.º do EBF. Com efeito, a redação do artigo 46.º do EBF foi sofrendo várias vicissitudes e alterações ao longo do tempo, designadamente:

             a previsão, no artigo 88.º da Lei n.º 53-A/2006, de 31 de dezembro (LOE de 2007), de um regime transitório para fundos mistos ou fechados em determinadas circunstâncias;

             a renumeração do artigo 46.º do EBF, que passou a 49.º, efetuada pelo artigo 109.º da Lei n.º 2-B/2010, de 28 de abril (LOE de 2010), que reserva a isenção do IMT a fundos de investimento imobiliário abertos;

             a extensão da isenção do IMT a fundos fechados de subscrição pública efetuada pelo artigo 119.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (LOE de 2011);

             a substituição da isenção de IMT dos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública por uma redução para metade das taxas de IMT, operada pelo artigo 206.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (LOE de 2014), acompanhada por um regime transitório no artigo 209.º.

Todas as vicissitudes e alterações mencionadas tiveram como objeto a isenção de IMT respeitante a imóveis integrados em fundos imobiliários, tal como consagrada no EBF.

Não existe nenhum texto-prova (dicta probandi) que permita concluir que as mesmas se reportavam à isenção – criada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, e factualmente sustentada pela legislação subsequente – para as aquisições de imóveis levadas a cabo por sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário para os mesmos virem a integrar estes fundos.

As isenções em análise são substancial e estruturalmente diferentes e independentes uma da outra, não podendo, de modo algum, ser consideradas contrárias, contraditórias ou logicamente inconciliáveis. E muito menos poderão ser tidas como jurídica e economicamente incompatíveis. Uma conserva a sua utilidade própria independentemente do que venha a suceder à outra.

A introdução e evolução do regime do artigo 46.º (e depois 49.º) do EBF, respeitante à isenção e redução de taxa de IMT para as transações envolvendo bens imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário tem o seu próprio efeito útil e em nada afeta o efeito útil da isenção criada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, em matéria de aquisições de bens imóveis a integrar em fundos imobiliários, pelo que não há nenhum motivo para concluir que a posterior revogou ainda que tacitamente a anterior.

Não admira, por isso, que, em 2009, o Estudo da Política Fiscal, Competitividade, Eficiência e Justiça do Sistema Fiscal – Subgrupo 3 Tributação do Património, sob a coordenação do Professor Doutor Sidónio Pardal, tenha vindo a concluir pela vigência da isenção da Sisa (IMT) criada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, surgindo o mesmo incluído na lista de Síntese dos Benefícios Fiscais e Desagravamentos Estruturais Vigentes em Sede de IMT e de IMI (a páginas 81). Esta conclusão não foi infirmada por uma recente e criteriosa análise da evolução do regime dos fundos de investimento imobiliário, a qual, pelo contrário, corroborou o entendimento segundo o qual o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, nunca chegou a ser revogado (apesar de se ter contemplado essa hipótese na proposta de lei para o Orçamento do Estado para 2007), pelo que os FII, independentemente da sua tipologia, mantêm a isenção em sede de IMT na aquisição de imóveis.

Por tudo o exposto, dúvidas não subjazem de que a isenção de Sisa prevista o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, e que passou a reportar-se ao IMT, nos termos dos artigos 28.º e 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, que aprovou o CIMT, se mantém, ainda, em vigor, pelo que, estão isentas de IMT as aquisições de bens imóveis efetuadas para um fundo de investimento imobiliário pela sua respetiva sociedade gestora, ou seja, levadas a cabo com o intuito de as mesmas passarem a integrar o próprio fundo.”

 

Convém notar que o artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87 vigorou até à sua revogação pelo artigo 319.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro (LOE 2019), ou seja, o legislador considerou que não tinha sido, até então, revogado, expressa ou tacitamente. Em consequência, estava em plena vigência quando ocorreram as aquisições dos imóveis que conduziram às liquidações impugnadas que, por esse motivo, são ilegais.

 

Admitir o contrário seria imputar ao legislador de 2018 um erro palmar, revogando expressamente uma norma já então inexistente no ordenamento jurídico.

 

Concluindo-se pela não caducidade ou revogação expressa ou tácita do artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, à data dos factos , as transmissões geradoras da entrada no património do Requerente dos dois imóveis supra identificados, em 2014 e 2015, beneficiam de isenção de IMT, pelo que os correspondentes atos de liquidação deste imposto padecem de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito e devem, por essa razão, ser anulados.

 

2.2.        JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Quando está em causa a errada interpretação e aplicação pela Requerida de normas de incidência tributária, tem sido pacificamente entendido que os Tribunais Arbitrais Tributários  têm competência para proferir pronúncias condenatórias em moldes idênticos aos que são admitidos em processo de impugnação judicial, incluindo portanto as que derivam do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT.

 

                O direito a juros indemnizatórios depende de um conjunto de pressupostos constitutivos, sendo imprescindível que a Requerente tenha previamente procedido ao pagamento do imposto relativamente ao qual reclama a contagem de juros. 

 

                Na situação vertente, a Requerente comprovou o pagamento integral dos atos de liquidação. Acresce ter ficado demonstrado que os atos tributários padecem de erro de direito imputável à AT que não deveria ter procedido à liquidação de IMT, pelo que procede o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre a quantia de € 96.460,00.

 

                No entanto, na situação concreta, tratando-se de um procedimento de Revisão Oficiosa sob o impulso do sujeito passivo, ultrapassado que estava o prazo para deduzir Reclamação Graciosa, é aplicável o disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT, segundo o qual os juros indemnizatórios são devidos “quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste”.

 

Deste modo, a contagem do prazo inicia-se decorrido um ano após a apresentação do pedido, ou seja, um ano após 19 de dezembro de 2017, e não nos termos do disposto no artigo 61.º, n.º 5 do CPPT, isto é, desde a data do pagamento do imposto indevido. Neste sentido também se pronuncia a jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente nos processos n.ºs 560/05, de 6 de julho de 2005; 890/16, de 18 de janeiro de 2017, e 159/14, de 10 de maio de 2017.

 

Assim, os juros peticionados pelo Requerente apenas são devidos a partir de 19 de dezembro de 2018.

               

                EM SÍNTESE,

 

                À face do exposto, os atos tributários de liquidação de IMT identificados sob os n.ºs ..., de 4 de julho de 2014, e..., de 24 de junho de 2015, nos valores de € 49.010,00 e de € 47.450,00, respetivamente, são anuláveis por vício de violação de lei, em conformidade com o disposto no artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), com correspondência no artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

 

                Ilegal é também o indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa deduzido contra os mencionados atos tributários.

 

São devidos juros indemnizatórios à taxa legal, sobre as quantias liquidadas, contados a partir de 19 de dezembro de 2018, atento o preceituado no artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT. 

 

IV.          DECISÃO

 

                Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

 

(a)          Julgar procedente o pedido de anulação dos atos tributários de liquidação de IMT supra identificados e, bem assim, do indeferimento (silente) do Pedido de Revisão Oficiosa que os tinha por objeto;

(b)          Condenar a AT à restituição à Requerente do IMT pago no valor de € 96.460,00;

(c)          Condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios devidos sobre essa quantia contados a partir de 19 de dezembro de 2018 até ao processamento da respetiva nota de crédito.

 

* * *

 

                Fixa-se ao processo o valor de € 96.460,00, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

                Custas no montante de € 2.754,00, a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Lisboa, 13 de maio de 2019

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT]

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins

Nuno Pombo

André Festas da Silva