Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 156/2018-T
Data da decisão: 2019-05-10   Outros 
Valor do pedido: € 12.487,55
Tema: Contribuição sobre o Setor Bancário.
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DECISÃO ARBITRAL

 

1. Relatório

Em 28-03-2018, a sociedade A..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, sucursal em Portugal da B..., S.A., doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista, de forma imediata, à declaração de ilegalidade do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa interposta, e de forma mediata, à declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Contribuição sobre o Setor Bancário, relativa ao ano de 2016, no valor total de 12.487,55 €.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD em 29-03-2018 e notificado à Requerida na mesma data.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º n.º 2 alínea a) do RJAT, foi designado como árbitro a Sra. Doutora Suzana Fernandes da Costa, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 21-05-2018, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

 

 

 

Na mesma data foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 12-06-2018.

Em 13-06-2018, foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerida para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional e remeter ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta.

Em 03-09-2018, a Requerida apresentou a sua resposta e juntou aos autos o processo administrativo.

Em 14-09-2018, a Requerente apresentou requerimento a pronunciar-se sobre as exceções invocadas pela Requerida.

No dia 20-09-2018, foi proferido despacho a designar o dia 12-10-2018, pelas 14:30 horas, para a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, e para a inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente.

A Requerente apresentou, em 03-10-2018, requerimento a informar que as testemunhas não tinham disponibilidade nessa data para comparecer no CAAD, e a requerer o adiantamento da reunião e da inquirição das testemunhas para qualquer data após 15-11-2018.

Em 09-10-2018, foi proferido novo despacho a dar sem efeito a reunião agendada para 12-10-2018, e a designar o dia 16-11-2018 pelas 14:30 horas.

No dia 13-11-2018, a Requerente enviou requerimento a designar como tradutora a senhora C..., que seria necessário comparecer na inquirição de testemunhas, uma vez que a testemunha  D... não dominaria a língua portuguesa.

No dia 16-11-2018, pelas 14:30 horas, teve lugar a reunião do tribunal arbitral. Estiveram presentes na reunião o Ex.mo Dr. E..., na qualidade de mandatário da Requerente, e o Ex.mo Dr. F... e o Ex.mo Dr. G..., juristas em representação da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.

O representante da Requerente declarou prescindir da inquirição da testemunha H... . Foram inquiridas as restantes testemunhas indicadas pela Requerente: D..., I... e J... .

Na reunião foram ainda produzidas declarações de parte por I... .

Os representantes da Requerente e da Requerida produziram as correspondentes alegações orais.

O tribunal solicitou às partes o envio das peças produzidas em formato word, designou o dia 06-12-2018 para a prolação da decisão arbitral, e advertiu a Requerente para até àquela data, juntar aos autos o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.

Em 23-11-2018, a Requerente juntou aos autos o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.

Em 06-12-2018, foi proferido despacho a prorrogar para o dia 14-01-2019, o prazo para a prolação da decisão arbitral, atenta a complexidade da questão e por não se encontrar concluída a análise da questão de fundos e jurisprudência existente, ao abrigo do disposto no artigo 21º, n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

No dia 08-01-2019, a Requerente veio aos autos juntar a decisão arbitral do processo n.º 142/2018-T de 28-12-2018, pelo seu interesse no âmbito do presente processo.

Em 14-01-2019, foi proferido despacho a prorrogar para o dia 29-01-2019, tendo em conta o período de férias judiciais verificado entre 16-07-2018 e 31-08-2018 e entre 22-12-2018 e 03-01-2019.

E em 29-01-2019, foi proferido novo despacho a prorrogar o prazo para a decisão para o dia 10-02-2019, tendo em conta que conta que as férias judiciais são de 60 dias e que o prazo referido no n.º 1 do artigo 21º n.º 2 do RJAT termina no dia 10-02-2019.

No dia 12-04-2019, tendo em conta a complexidade da questão e por não estar concluída a análise da questão de fundo e jurisprudência citada por ambas as partes, foi proferido despacho a prorrogar por um mês o prazo para a emissão da decisão arbitral nos presentes autos, tendo-se decidido que a mesma seria emitida até ao dia 10-05-2019.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O pedido arbitral é tempestivo, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro e do artigo 102º n.º 1 alínea a) do Código do Procedimento e do Processo Tributário.

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.

 

2. Posição das partes

 

O Requerente começa por alegar a ilegalidade e a inconstitucionalidade do regime jurídico-tributário da Contribuição sobre o Sector Bancário aplicável às sucursais de Instituições Bancárias residentes na União Europeia (UE), a Requerente faz alusão a três ordens de razões:

A)           O regime legal da CSB é ilegal por violação da reserva de lei parlamentar;

B)           O regime legal da CSB é ilegal por violação do princípio da igualdade tributária, na vertente do princípio da equivalência, uma vez que é manifesto que não existem quaisquer presunções, nem mesmo difusas ou presumidas, que sejam provocadas ou sequer aproveitadas pela Requerente;

C)           Este regime, aplicado especificamente à Requerente, por ser sucursal de uma Instituição Bancária residente noutro Estado Membro da UE, viola também o Direito da União Europeia.

Quanto ao último ponto, a Requerente refere que o regime viola o Direito da União Europeia porque viola a proibição de discriminação e a liberdade de estabelecimento, uma vez que as regras de determinação da base de incidência da CSB preveem, grosso modo, a tributação das sucursais UE em sede de CSB sobre o seu passivo «bruto», sem qualquer dedução, designadamente relacionada com capitais próprios, enquanto as mesmas regras de determinação da base de incidência da CSB para as entidades residentes preveem grosso modo, a tributação das entidades residentes em sede de CSB sobre o seu passivo «líquido», permitindo a dedução, designadamente relacionada com os seus capitais próprios.

A Requerente faz ainda referência ao facto de antes de 2016, desde que a Requerente passou a operar em Portugal como sucursal de instituição de crédito com sede no Luxemburgo, que não procedeu à autoliquidação da Contribuição sobre o Setor Bancário, nem a mesma lhe foi cobrada pela Administração fiscal.

Em relação ao vício de violação da reserva de lei parlamentar, a Requerente referencia que o princípio da reserva de lei e toda a restante Constituição Fiscal, nomeadamente os artigos 103.º e 104.º da CRP, se aplicam às contribuições proprio sensu, fazendo alusão aos acórdãos n.º 313/92 e 616/2003 do Tribunal Constitucional. Para a Requerente, as contribuições são tributos que deverão ser tratados, para aqueles efeitos, como impostos, mesmo que com algumas especialidades.

No entender da Requerente, o princípio da legalidade no âmbito tributário, nas vertentes da reserva de lei material e formal, previstas no artigo 103.º, n.º 2, e na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, impõe que os elementos essenciais dos impostos (e, conforme a doutrina e jurisprudência antes citadas, das contribuições) devam estar contidos em Lei da Assembleia da República, permitindo-se ao Governo legislar (que não exercer poder regulamentar, que aqui não existe) apenas mediante autorização legislativa. Nesta conformidade, refere a Requerente que aquelas normas obrigam, desde logo, a que seja a Lei — em sentido material — a definir a disciplina normativa de um tributo na sua totalidade, o que inclui necessariamente a determinação das respetivas taxa e base tributável. E refere que as taxas da Contribuição sobre o Setor Bancário e a sua base de incidência, dois aspetos essenciais dos tributos, foram fixadas por uma portaria e não por lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei autorizado por lei da Assembleia da República.

Adicionalmente, a Requerente entende que os artigos 3.º e 4.º do regime da Contribuição sobre o Setor Bancário, não se encontrando suficientemente densificados quanto à definição da incidência objetiva e à taxa daquela contribuição, são inconstitucionais por violação do princípio de reserva de lei material, vertida do número 2 do artigo 103.º da CRP, o que igualmente fere a autoliquidação efetuada pela Requerente de vício de violação de lei.

Concluiu a Requerente que o ato de autoliquidação efetuado ao abrigo das referidas normas deve ser anulado por ilegalidade e inconstitucionalidade material, por violação do disposto no artigo 8.º da Lei Geral Tributária e do disposto no número 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa.

Quanto à violação do princípio da equivalência, a Requerente alega que o facto de a Contribuição sobre o Setor Bancário ser uma verdadeira contribuição, levaria sempre a que a autoliquidação em causa fosse anulada, por violação do princípio da equivalência como critério de adequação do princípio da igualdade tributária.

Em conclusão, alega a Requerente que a sujeição da Requerente à Contribuição sobre o Setor Bancário não preenche o fundamento paracomutativo das contribuições, uma vez que viola o princípio da equivalência, enquanto manifestação do princípio mais amplo da igualdade tributária consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

Assim, no entender da Requerente, o ato de autoliquidação efetuado ao abrigo das referidas normas deve ser anulado por vício de violação de lei e inconstitucionalidade material.

Já quanto à violação do Direito da União Europeia, vício do qual enferma a liquidação em causa, de acordo com a posição da Requerente, esta começa por referir que os Estados-Membros conservam a liberdade de definir a organização e a conceção do seu sistema fiscal (Acórdão Bachmann, Proc. C-204/90) e de determinar a necessidade de repartir entre si o poder de tributação (Acórdão Saint-Gobain ZN, C-307/97 e, mais recentemente, Nordea Bank Denmark, C 48/13).

Na posição da Requerente, as regras especialmente aplicáveis às sucursais UE, na definição da sua base de incidência da Contribuição sobre o Setor Bancário, implicam uma clara discriminação da Requerente, face às instituições de crédito residentes em território português, ao determinar a aplicação de uma carga fiscal agravada e uma taxa efetiva de tributação mais alta, o que não é permitido pelo Direito da União Europeia.

Concluiu a Requerente que, verificada a incompatibilidade com da aplicação do regime da Contribuição sobre o Setor Bancário com o direito da União, deve a respetiva liquidação ser declarada ilegal e o regime desaplicado.

Mas quanto às violações do Direito da União Europeia, a Requerente refere ainda que se verifica a violação da Diretiva 2014/59/UE, que estabelece um enquadramento harmonizado a nível europeu para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento.

A Requerente refere ainda que a imposição desta contribuição à Requerente cria uma verdadeira situação de dupla tributação internacional, em si mesma e pelas suas circunstâncias também violadora da Diretiva, já que em 2016 o A... pagou no Luxemburgo uma contribuição periódica no valor de € 1.903.995,35, sendo que parte dessa contribuição corresponde ao passivo da Requerente em Portugal. Nestes termos, para a Requerente, ela será sempre duplamente tributada, uma vez em Portugal através da Contribuição sobre o Setor Bancário e, de novo, no Luxemburgo, através das contribuições previstas na Diretiva.

Por fim, pede a Requerente, ao abrigo do mecanismo do reenvio prejudicial previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que se solicite ao Tribunal de Justiça da União Europeia que se pronuncie sobre se:

•             O artigo 56.° do TFUE se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no regime doméstico português da Contribuição sobre o Sector Bancário, que tributa as sucursais em Portugal de instituições financeiras residentes noutros Estados Membros da União Europeia sobre a totalidade do seu passivo, sem lhes dar a possibilidade de deduzir os capitais próprios, ao passo que essa possibilidade é expressamente reconhecida às instituições financeiras residentes, colocando as primeiras em situação desfavorável face às segundas?

•             A Directiva 2014/59/UE se opõe à aplicação do regime doméstico português da Contribuição sobre o Sector Bancário às instituições financeiras (residentes ou não residentes) a operar em Portugal através de uma sucursal, devendo este regime ter sido eliminado e substituído, aquando da transposição para o ordenamento jurídico português da referida Directiva, pelas contribuições previstas naquela Directiva?

•             A Directiva 2014/59/UE se opõe especificamente à aplicação do regime doméstico português da Contribuição sobre o Sector Bancário às sucursais em Portugal de instituições financeiras residentes noutro Estado Membro da União Europeia?

A Requerente pede ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, por motivo exclusivamente imputável à AT.

E indica três testemunhas e pede declarações de parte na pessoa do gestor da Requerente.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta alegando a conformidade legal do ato tributário objeto do pedido arbitral.

A Requerida começa por apresentar defesa por exceção, alegando a incompetência material do tribunal arbitral por se atacar a legalidade da norma e não a autoliquidação, e a incompetência material do tribunal por se tratar de uma contribuição e não um imposto.

Quanto à primeira exceção, a AT refere que o que a Requerente pretende é atacar a legalidade da norma que prevê a Contribuição sobre o Setor Bancário e não a respetiva autoliquidação, já que a mesma não assaca nenhum vício à liquidação, mas sim ao próprio normativo que institui a Contribuição sobre o Setor Bancário.

Para a AT, a apreciação da constitucionalidade da norma encontra-se vedada quer à AT, quer ao próprio Tribunal Arbitral, motivo que impede a manutenção da instância, por ocorrência de exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito.

De acordo com a Requerida, os termos do disposto no artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março, a AT vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida das referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto–lei n.º 10/2011 de 20 Janeiro (RJAT), com exceção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos do disposto no artigo 131.º do CPPT.

Para a AT, o processo de pronúncia arbitral constitui um contencioso de legalidade de liquidação de tributos, donde resulta que a arbitrabilidade terá que ser referente ao ato de liquidação e não à (i)legalidade da norma que permite o acto de liquidação, como pretende a Requerente.

Na posição da Requerida, a pretensão da Requerente visa não a apreciação da legalidade do ato de autoliquidação, mas a apreciação da legalidade (e inconstitucionalidade) da norma subjacente ao ato de autoliquidação (não ao próprio ato), pelo que terá de concluir-se pela impossibilidade do presente tribunal arbitral decidir o litígio, sendo a Requerida absolvida da instância.

A Requerida alega que, se assim não se entender, tal interpretação ser não só ilegal, mas manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.

Quanto à segunda exceção invocada, a Requerida refere que o tribunal é materialmente incompetente porquanto estamos perante uma contribuição e não um imposto. E quanto a esta questão, a Requerida alude ao acórdão arbitral do processo n.º 347/2017–T que decidiu pela incompetência do tribunal.

Para fundamentar a sua posição, a AT faz referência aos artigos 3.º, n.º 2, e 4.º, ambos da LGT.

A Requerida alega que a doutrina e a jurisprudência têm entendido que o critério distintivo entre impostos e taxas é a sua unilateralidade ou bilateralidade, ou seja, a existência ou inexistência de contrapartida específica consistente em prestação administrativa (cf. neste sentido, e entre outros, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 365/03, de 14/07/2003). E que as contribuições, enquanto tertium genus de tributo, situando-se numa categoria intermédia entre a taxa e o imposto, constituem prestações pecuniárias e coativas exigidas por uma entidade pública em contrapartida de uma prestação administrativa apenas presumivelmente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo.

A Requerida refere que as contribuições não são tributos unilaterais como é o caso dos impostos pois, como se escreveu no Acórdão n.º 313/92 do Tribunal Constitucional, o imposto «constitui, por si, uma receita estadual - ou até da entidade pública legalmente habilitada a cobrá-lo - que não é directamente destinada à satisfação das utilidades do tributado como contrabalanço do usufruto dessa satisfação».

Para a AT, a Contribuição sobre o Setor Bancário constitui uma contribuição, não apenas em sentido formal mas também material, porquanto é possível identificar uma contrapartida presumivelmente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo.

Assim, para a Requerida, a Contribuição sobre o Setor Bancário configura, formal e materialmente, uma contribuição financeira.

A Requerida conclui que, nos termos conjugados dos artigos 4.º n.º 1 do RJAT e o artigo 2.º da PV, o tribunal será materialmente incompetente para apreciar o mérito da presente causa, pelo que deve a Requerida ser absolvida da instância.

A Requerida apresentou ainda defesa por impugnação, alegando que não se verifica qualquer violação da reserva de lei parlamentar.

Para fundamentar esta posição, a AT refere que a Lei n.º 55-A/2010 (OE 2011), que criou o regime da Contribuição sobre o Sector Bancário, teve na sua base uma conjuntura económico-financeira excecional expressamente motivada pela necessidade de redução do défice orçamental, prevista no “PEC” (plano de estabilidade e crescimento).

A AT faz alusão ao facto desta lei ter determinado os elementos essenciais desta Contribuição, nomeadamente a sua incidência (subjetiva e objetiva) e as taxas aplicáveis, que poderiam variar entre determinadas percentagens em função dos valores apurados.

A AT refere também que a Portaria n.º 121/2011, tendo esta por objeto a regulamentação da contribuição estabelecida pela Lei n.º 55-A/2010, das suas condições de aplicação, bem como a aprovação da declaração de modelo oficial n.º 26, para efeitos de (auto)liquidação da mesma.

A AT alude ao facto do artigo 103º Constituição da República Portuguesa (CRP), os impostos são criados por lei que deverá determinar a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (art.8º da LGT é corolário deste ditame constitucional). Assim, para a Requerida, não se verificou qualquer inconstitucionalidade por violação do princípio da reserva de lei, sendo que, o art.141º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2011), enunciou os elementos essenciais do tributo, procedendo à definição quer da incidência (objetiva e subjetiva), quer das “balizas” a aplicar em sede de taxas,  deixando para a Portaria 121/2011 de 30 de Março, e como consta de tal diploma legal a densificação “dos conceitos relevantes para a determinação da base de incidência estabelecida pela Lei n.º 55-A/2010( ….)”

Assim, conclui a Requerida que não se verifica o vício de inconstitucionalidade orgânica invocado pela Requerente, não existindo qualquer violação da Lei Fundamental.

Quanto à alegada violação do princípio da equivalência como critério do princípio da igualdade tributária, a AT refere que a mesma não se verifica.

Quanto ao princípio da equivalência invocado pela Requerente, a AT alega que tal princípio surge como corolário do princípio da igualdade, igualdade essa que determina que as taxas (de impostos e contribuições) sejam repartidas de acordo com o custo provocado pelo contribuinte ou de acordo com o benefício que lhe é proporcionado. Para a AT, o que tal princípio visa evitar é que o valor dos tributos configure um sacrifício (desadequado) para os sujeitos passivos em proveito da comunidade, o que, como já ficou dito acima, não é de todo o que acontece na situação sub judice. De acordo com a Requerida, o que se pretende com a criação da Contribuição sobre o Sector Bancário é exatamente o contrário, ou seja, evitar que sejam os contribuintes a suportar as perdas e os encargos gerados pelo sector bancário.

Assim, é opinião da AT que as normas que introduziram e regulamentaram a Contribuição sobre o Sector Bancário não são inconstitucionais por violação do princípio da equivalência como critério do princípio da igualdade tributária devendo também improceder o pedido da Requerente neste ponto da matéria controvertida.

Já quanto à alegada violação do Direito da União Europeia, a AT refere que a mesma não se verifica.

Quanto ao pedido da Requerente de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a AT alega que esse pedido deve ser indeferido, sendo o presente Tribunal Arbitral completamente competente e qualificado para interpretar o direito nacional plasmado no regime da Contribuição sobre o Setor Bancário, sendo o mesmo suficiente para dirimir a questão sub judice. Em relação ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios efetuado pela Requerente, a AT alega que não se verifica qualquer erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não devendo, por isso, ser reconhecido à Requerente qualquer indemnização, nos termos do disposto no art. 53.º da

Quanto à prova testemunhal, a Requerida refere que, atenta a natureza da matéria controvertida, não se antevê a necessidade da realização da respetiva inquirição.

 

3. Matéria de facto

4. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental, as declarações de parte e a prova testemunhal produzida, bem como a posição das partes constante das peças processuais, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

1.            A Requerente é sucursal em Portugal do B... (…), S.A., instituição de crédito de direito luxemburguês, com sede e administração efetiva no Luxemburgo.

2.            Em 22-06-2017, a Requerente procedeu à autoliquidação da Contribuição sobre o Setor Bancário do ano de 2017, no valor de 12.487,55 €, mediante a submissão da modelo 22, conforma cópia da mesma junta ao pedido arbitral como documento 2.

3.            A Requerente procedeu ao pagamento da referida Contribuição sobre o Setor Bancário no valor de 12.487,55 €, conforme documento 5 junto ao pedido arbitral.

4.            A autoliquidação foi feita tendo por base o passivo bruto, sem dedução de qualquer valor a título de capitais próprios, por se tratar de uma sucursal, entidade sem personalidade jurídica.

5.            A Requerente, não concordando com a autoliquidação em causa, interpôs reclamação graciosa da mesma em 16-10-2017, conforme documento 1 junto ao pedido arbitral.

6.            Até à data de entrada do pedido arbitral, não tinha a Requerente sido notificada de qualquer decisão da reclamação graciosa.

7.            A Requerente interpôs o presente pedido de pronúncia arbitral em 28-03-2018.

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

4.2. Factos não provados

Não se verificaram quaisquer factos que não tenham sido provados.

 

4.3. Fundamentação da matéria de facto provada:

A convicção do árbitro fundou-se nos documentos juntos aos autos pela Requerente e na posição das partes demonstrada nas peças processuais produzidas.

 

5. Matéria de direito:

5.1. Objeto e âmbito do presente processo

As questões essenciais de direito que se colocam neste processo são as seguintes:

a)            a de saber se a Requerente, enquanto sucursal em Portugal de uma instituição de crédito não residente, com sede num país da União Europeia, está ou não sujeita à incidência da Contribuição sobre o Setor Bancário;

b)           a de determinar se se verificam os seguintes vícios:

•             o de violação da reserva de lei parlamentar;

•             o de violação do princípio da equivalência;

•             o de violação do direito da União Europeia, nas vertentes da proibição de discriminação e da violação da liberdade de estabelecimento e da violação da Diretiva 2014/59/EU.

No entanto, previamente cabe apreciar a matéria de exceção de incompetência do tribunal arbitral, cujo conhecimento, que é oficioso, precede o de qualquer outra questão, conforme dispõe os artigos 13º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 278º n.º 1 alínea a) do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 29º n.º 1 alíneas d) e e) do RJAT.

 

Questão prévia

5.2. Competência do Tribunal Arbitral

Quanto à incompetência do Tribunal Arbitral, a AT apresentada dois fundamentos autónomas:

i)             A incompetência quanto ao conhecimento da inconstitucionalidade de normas;

ii)            A incompetência para conhecer das ilegalidades da liquidação da Contribuição sobre o Setor Bancário por se tratar de uma contribuição financeira e não de um imposto.

A competência em razão da matéria afere-se necessariamente em função da relação material controvertida, atendendo aos termos em que surge formulada na petição inicial a pretensão do Autor, incluindo os seus fundamentos.

5.2.1. Competência do Tribunal Arbitral quanto ao conhecimento da inconstitucionalidade de normas

Quanto a esta exceção invocada, AT refere que o que a Requerente pretende é atacar a legalidade da norma que prevê a Contribuição sobre o Setor Bancário e não a respetiva autoliquidação, já que a mesma não assaca nenhum vício à liquidação, mas sim ao próprio normativo que institui a Contribuição sobre o Setor Bancário.

Para a AT, a apreciação da constitucionalidade da norma encontra-se vedada quer à AT, quer ao próprio Tribunal Arbitral, motivo que impede a manutenção da instância, por ocorrência de exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito.

De acordo com a Requerida, os termos do disposto no artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março, a AT vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida das referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto–lei n.º 10/2011 de 20 Janeiro (RJAT), com exceção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos do disposto no artigo 131.º do CPPT.

Notificada para se pronunciar sobre esta questão, a Requerente veio dizer que o pedido formulado é o da declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação e Contribuição sobre o Setor Bancário, e não a da declaração de invalidade de qualquer norma abstratamente aplicável.

Ora, o n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, com a epigrafe “Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável”, refere que:

“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a)            A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b)           A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; (Redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

c)            (Revogada) (Redacção da Lei n.º 64-B/2002, de 30 de Dezembro)”;

Por sua vez, determina o n.º 1 do art.º 4º do RJAT que:

1 — A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. (Redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)”.

E o artigo 2º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março, dispõe o seguinte:

“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo .2º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (…)”.

Assim, os Tribunais Arbitrais têm poderes para apreciar a legalidade de atos de liquidação.

A este respeito, veja-se o referido na decisão arbitral do processo n.º 115/2012-T: “o âmbito da jurisdição arbitral tributária ficou (...) delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos (alínea a)).”; “Através da Portaria de Vinculação (Portaria n.º 112-A/2011, de 20 de Abril), o Governo, pelos Ministros de Estado e das Finanças e Justiça, vinculou os serviços da Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo que a estes serviços corresponde, presentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, que aprova a estrutura orgânica desta Autoridade, resultante da fusão de diversos organismos. Nesta Portaria, estabelecem-se condições adicionais e limites de vinculação tendo em conta a especificidade das matérias e o valor em causa”.

O acórdão proferido no processo arbitral n.º 48/2012-T também refere que: “A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT). Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral”.

Assim, a apreciação da legalidade da liquidação poderá ter como fundamento questões de inconstitucionalidade.

Tal como disposto nos artigos 204º, 209º n.º 2 e 280º da CRP, a competência para fiscalizar a constitucionalidade das normas, suscitada a propósito de casos concretos, é reconhecida a todos os tribunais, onde necessariamente se incluem os tribunais arbitrais constituídos no CAAD.

Neste seguinte, o artigo 25.º n.º 1 do RJAT refere que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é suscetível de recurso para o Tribunal Constitucional na parte em que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que aplique uma norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada”.

Sobre esta questão, já se pronunciaram no sentido da competência do tribunal, os acórdãos do CAAD dos processos n.º 347/2017-T, 139/2017-T e 142/2018-T.

Com efeito, verifica-se que este Tribunal é competente para analisar de uma eventual anulação do ato de liquidação impugnado com fundamento na desaplicação da norma que o autoriza, com base na sua inconstitucionalidade.

Termos em que se julga improcedente, quanto a este fundamento, a invocada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, quanto ao conhecimento da inconstitucionalidade de normas.

 

5.2.2. Competência do Tribunal Arbitral para conhecer da legalidade da liquidação de Contribuição do Setor Bancário em atenção à respetiva natureza tributária

A Requerida refere que o tribunal é materialmente incompetente porquanto estamos perante uma contribuição e não um imposto. Para fundamentar a sua posição, a AT faz alusão aos artigos 3.º, n.º 2, e 4º da LGT.

A Requerida alega que a doutrina e a jurisprudência têm entendido que o critério distintivo entre impostos e taxas é a sua unilateralidade ou bilateralidade, ou seja, a existência ou inexistência de contrapartida específica consistente em prestação administrativa (cf. neste sentido, e entre outros, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 365/03, de 14/07/2003). E que as contribuições, enquanto tertium genus de tributo, situando-se numa categoria intermédia entre a taxa e o imposto, constituem prestações pecuniárias e coativas exigidas por uma entidade pública em contrapartida de uma prestação administrativa apenas presumivelmente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo.

A Requerida refere que as contribuições não são tributos unilaterais como é o caso dos impostos pois, como se escreveu no Acórdão n.º 313/92 do Tribunal Constitucional, o imposto «constitui, por si, uma receita estadual - ou até da entidade pública legalmente habilitada a cobrá-lo - que não é directamente destinada à satisfação das utilidades do tributado como contrabalanço do usufruto dessa satisfação».

Já a Requerente alega que este tributo é administrado pela AT, não havendo qualquer fundamentação ou motivo para que a AT não esteja sujeita à arbitragem tributária.

O artigo 3º n.º 2 da LGT dispõe que «os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas».

E o artigo 4º da LGT refere que:

«1 - Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património.

2 - As taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.

3 - As contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade são consideradas impostos».

Ora, o presente pedido arbitral incide sobre a Contribuição do Setor Bancário, sendo que o objeto é constituído pela autoliquidação da Contribuição sobre o Setor Bancária efetuada pela Requerente, através do envio da modelo 26, na sequência da formação do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada, tal como consta dos factos provados.

A Contribuição sobre o Setor Bancário é um tributo criado nos termos do regime consagrado pelo artigo 141º da Lei n.º 55-A/2010 de 31-12, posteriormente alterado, com a regulamentação resultante da Portaria n.º 121/2011 de 30-03, posteriormente alterada.

O artigo 2º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22-03 refere que “os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (…)”.

Esta disposição surge na sequência do estabelecido pelo n.º 1 do artigo 4.º do RJAT que dispõe que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.

Entendemos que o único sentido que se pode atribuir à interpretação literal-sistemática dos preceitos é o de que a referência a impostos em vez de tributos no artigo 2º da Portaria n.º 112-A/2011, seguida da remissão expressa de um conjunto de exceções, indicia que o legislador da Portaria não teve a intencionalidade restritiva de incluir apenas os impostos, pois se assim fosse teria feito alusão expressa a essa restrição na lista das alíneas que contêm as exceções, tal como referem as decisões dos processos n.º 312/2015-T, 139/2017-T e 142/2018-T

Assim, concordamos com a decisão do processo n.º 139/2017-T quando refere que “convocados os elementos teológico e racional da interpretação jurídica também não apontam no sentido de uma tal restrição mas apenas para a “limitação do âmbito de vinculação da AT através da titularidade dos poderes para administrar os tributos”, sendo esse, de resto, o limite lógico da vinculação – não abrangendo a restrição assim os relacionados com “contribuições” também por ela liquidadas”.

A mesma decisão, com a qual concordamos, refere ainda que, o procedimento de liquidação e cobrança da Contribuição sobre o Setor Bancário, mesmo que a consideremos inserida na categoria jurídica de contribuições, em nada se distingue da dos impostos, na sua natureza e estrutura. Desde logo porque a AT atua como se de impostos se tratasse, e ao caráter unilateral desta contribuição, em tudo semelhante ao que carateriza o imposto.

Na senda deste nosso entendimento, os autores Sérgio Vasques e Carla Castelo Trindade, in “O âmbito material da arbitragem tributária”, Cadernos de Justiça Tributária n.º 00 (abril/junho 2013), página 24, referem que “os serviços e organismos referidos no artigo anterior [hoje, a AT] vincularam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro. Nos termos do art.º 2.º do DL n.º 118/2011, de 15/12, o qual aprovou a Lei Orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira, esta entidade tem assim sob a sua égide a administração dos direitos aduaneiros, dos impostos sobre o rendimento, dos impostos sobre o património e dos impostos sobre o consumo e, bem assim, dos demais tributos que lhe sejam legalmente atribuídos como, por exemplo, as contribuições especiais”.

Concordamos também com o entendimento do Prof. Doutor Rui Morais, vertido no acórdão do CAAD do processo n.º 347/2017-T, que transcreve parte da decisão arbitral n.º 312/2015-T:

“Em primeiro lugar, o teor literal e a articulação sistemática dos preceitos não permitem um esclarecimento direto e evidente do sentido das normas. E se algum sentido se pode atribuir de forma mais próxima e fiel à interpretação literal-sistemática dos preceitos é o de que a referência a “impostos” em vez de “tributos” no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, seguida da remissão expressa para o n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e da enunciação expressa de um conjunto de exceções, indicia que o ‘legislador’ da Portaria não teve a intencionalidade restritiva clara que a AT invoca, pois se assim fosse teria feito alusão expressa a essa restrição no leque das alíneas que contemplam as exceções.

Em segundo lugar, a convocação dos elementos teleológico e racional da interpretação jurídica também não apontam para a razoabilidade de uma tal restrição, mas apenas para a “limitação do âmbito de vinculação da AT através da titularidade dos poderes para administrar os tributos”, sendo esse, de resto, o limite lógico da vinculação – não abrangendo a restrição assim os relacionados com “contribuições” também por ela liquidadas.

O facto é que o procedimento de liquidação e cobrança dessas “contribuições” em nada se distingue, na sua natureza e estrutura, do dos “impostos” (a AT atua aí como se de impostos se tratasse), donde não há razão válida para excluir a vinculação da AT, nesses casos, à arbitrabilidade.

A inexistência de uma referência expressa no texto do artigo 2.º da mencionada Portaria n.º 112-A/2011 a esse tipo de tributos dever-se-á apenas, ao fim e ao cabo, ao facto de, à data dela, ainda não se encontrar atribuído à administração da AT qualquer tributo com tais características. Mais, a doutrina em que a AT se louva não permite sustentar uma posição diversa, antes pelo contrário.

Assim, p. ex., SÉRGIO VASQUES e CARLA CASTELO TRINDADE em «O âmbito material da arbitragem tributária», Cadernos de Justiça Tributária n.º 00 (Abril/Junho 2013), pág. 24, deixam claro que “os serviços e organismos referidos no artigo anterior [hoje, a AT] vincularam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro. Nos termos do art.º 2.º do DL n.º 118/2011, de 15/12, o qual aprovou a Lei Orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira, esta entidade tem assim sob a sua égide a administração dos direitos aduaneiros, dos impostos sobre o rendimento, dos impostos sobre o património e dos impostos sobre o consumo e, bem assim, dos demais tributos que lhe sejam legalmente atribuídos como, por exemplo, as contribuições especiais”.

Consideramos, assim, que o âmbito dos tribunais arbitrais abrange, como decorre da interpretação conjugada dos artigos 2.º do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011, a apreciação das pretensões relativas a tributos cuja administração esteja cometida à AT, com exceção dos casos enunciados nas alíneas do artigo 2.º da Portaria n.º 112- A/2011- abrangendo, portanto, também as pretensões relativas a “contribuições” por ela administradas.

Sendo a Contribuição sobre o Setor Bancário um tributo administrado pela AT, cujo procedimento de liquidação e cobrança é estruturalmente idêntico ao dos impostos, o tribunal arbitral é competente para dirimir o presente litígio, independentemente de este tributo vir a ser qualificado como contribuição ou como imposto, improcedendo assim a exceção invocada pela Requerida.

 

5.3. Da (i)legalidade da liquidação da Contribuição sobre o Setor Bancário

 

Analisadas que estão as questões relacionadas com a matéria de exceção de incompetência do Tribunal Arbitral, cumpre agora analisar a (i)legalidade da liquidação de Contribuição do Setor Bancário aqui em causa.

Vejamos cada um dos vícios apontados pela Requerente à liquidação em causa:

 

5.3.1. Da (alegada) violação da reserva de lei parlamentar

 

A Requerente alega que o regime legal da CSB é ilegal por violação da reserva de lei parlamentar, invocando que o princípio da legalidade fiscal impõe que seja uma lei ou um Decreto-Lei emitido pelo Governo ao abrigo de autorização legislativa a criar os impostos e a definir os seus elementos essenciais, designadamente a sua incidência e taxas, nos termos do art.103º n.º 2 da CRP e do art. 8.º da LGT.

Ora, a Lei n.º 55-A/2010 (Lei do Orçamento de Estado para 2011) criou o regime da Contribuição sobre o Setor Bancário. Esta lei foi criada em moldes idênticos aos que já existiam noutros Estados Membros da união europeia e teve origem em vários aspetos discutidos na Cimeira de Pittsburg de Setembro de 2009 e no conselho ECOFIN de Maio de 2010, onde se afirmou que deveria ser o sector financeiro a suportar os encargos por ele gerados, através da criação de um imposto sobre os bancos.

A referida lei teve na sua base uma conjuntura económico-financeira excecional motivada ela necessidade de redução do défice orçamental prevista no plano de estabilidade e crescimento (PEC).

A Lei n.º 55-A/2010 estabeleceu os elementos essenciais da Contribuição sobre o Setor Bancário, nomeadamente a sua incidência objetiva e subjetiva e as taxas aplicáveis.

A lei estabeleceu que são sujeitos passivos desta contribuição as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português; as filiais em Portugal de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português; as sucursais, em Portugal, de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora da União Europeia (i.e. Estados terceiros).

A lei estabeleceu também que a Contribuição incide sobre o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzidos dos fundos próprios de base (Tier1) e complementares (Tier2) e dos depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos, e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.

Já quanto à base de incidência, a lei determinou que a mesma poderia variar entre determinadas percentagens em função dos valores apurados.

Vejamos o seguinte:

•             Os elementos fundamentais do tributo em causa foram definidos por

Lei da Assembleia da República, não obstante alguma densificação em

Portaria, conforme o próprio regime previa;

•             A reserva de lei formal, atenta a mais recente jurisprudência do Tribunal

Constitucional, não abrange a criação de contribuições financeiras

como a dos autos;

•             Ainda que a criação da contribuição financeira fosse abrangida pela

reserva de lei formal, 0 facto de os seus carateres essenciais estarem

previstos em Lei da Assembleia da República implica que não se

verifique violação do art.° 165.0, n.° 1, al. i), da CRP;

•             O facto de a Portaria n.° 121/2011, de 30 de março, densificar alguns dos

aspetos relativos ao tributo, nos termos em que o próprio regime o

previa, não a fere igualmente do mencionado vício;

•             O regime constante do OE/2011 vai além da mera criação do tributo,

dali constando os seus elementos essenciais, que foram apenas objeto

de alguma densificação por portaria;

•             A própria taxa foi fixada dentro de um intervalo previsto no OE/2011 e

nos termos ali previstos, intervalo esse que reveste amplitude

circunscrita (entre 0,01% e 0,05%, nos casos enquadrados no n.° 1 do art.° 4º, e entre 0,00010% e 0,00020%, nos casos abrangidos pelo n.° 2, do

mesmo art.° do regime da contribuição sobre o setor bancário), não se

considerando, dada tal circunscrição, que o poder dado ao Governo, no

art.° 8.°, do regime, atente nos termos já explanados contra a lei

fundamental, conferindo-lhe flexibilidade dentro de uma margem

concretamente definida e não com total discricionariedade (aliás, a

técnica de definição de intervalo de taxas não é inovatória deste tributo, como

se verifica, por exemplo, da análise do regime do IMI - cfr. art.° 112.°, do

CIMI).

A Portaria n.º 121/2011 de 30-03 veio estabelecer a regulamentação da contribuição estabelecida pela Lei n.º 55-A/2010, das suas condições de aplicação e da aprovação da declaração modelo 22, para efeitos de autoliquidação da aludida Contribuição sobre o Setor Bancário.

A CRP determina, no artigo 103º n.º 2 da CRP, que os impostos são criados por lei, lei essa que deve regular a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

Ora, no caso em apreço, não se verificou qualquer inconstitucionalidade por violação do princípio da reserva de lei, já que o artigo 141º da Lei n.º 55-A/2010 determinou os elementos essenciais do tributo, disciplinando a incidência objetiva e subjetiva e o intervalo de taxas a aplicar.

Assim, temos que entender que os elementos essenciais da Contribuição sobre o Setor Bancário, que são as regras de incidência e as taxas) estão determinados pela Lei n.º 55-A/2010 de 31-12. E a Portaria publicada apenas veio determinar as formas de determinação do valor tributável.

Em conclusão, improcede a alegada violação da reserva de lei parlamentar, alegada pela Requerente.

 

5.3.2. Da (alegada) violação do princípio da equivalência como critério do princípio da igualdade tributária

A Requerente alega que as normas que introduziram e regulamentaram a Contribuição sobre o Setor Bancário são inconstitucionais, por violação do princípio da equivalência como critério do princípio da igualdade.

Vejamos que da Cimeira de Pittsburg (Setembro de 2009) e do Conselho Ecofin (de 18 de Maio de 2010) saíram duas orientações:

a)            a de que não podiam continuar a ser os contribuintes a “pagar” a cobertura das perdas do sector bancário, e

b)           a de que deverá ser o próprio sector a suportar os encargos que gera – mediante a criação de um tributo sobre o sector.

O espírito que presidiu à criação da CSB foi então, o de criar um tributo “(…) com o duplo propósito de reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro e de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos que lhe estão associados”. (conforme preâmbulo da Portaria n.º 121/2011).

O relatório do Orçamento de Estado (Ponto III 2.2.3.2) refere que a razão de ser da criação da Contribuição sobre o Sector Bancário foi a de “aproximar a carga fiscal suportada pelo sector bancário da que onera o resto da economia e de fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas e de prevenção de riscos sistémicos (…).

Esta mitigação de riscos sistémicos está presente em várias normas, nomeadamente:

i.             No n.º 1 do art.4º da Portaria quando procede à definição do que se entende por passivo (para efeitos de incidência objetiva prevista no art.3º), como tal qualificando todos os elementos reconhecidos em balanço que representem dívida para com terceiros (independentemente da sua forma ou modalidade) excluindo apenas um conjunto muito reduzido de realidades:

ii.            No art.3º e 4º da Portaria n.º 121/2011, quando procede à desconsideração, para efeitos de base tributável, dos depósitos abrangidos pelo Fundo de garantia de Depósitos na parcela do respectivo valor que seja objecto de cobertura por esse mesmo fundo;

iii.           No art.3º alínea b) e art.4º n.º 3 da portaria, quando determina que não façam parte da base tributável os instrumentos financeiros derivados de cobertura de risco e aqueles cujas posições em risco se compensem mutuamente;

O princípio da equivalência surge como corolário do princípio da igualdade, igualdade essa que determina que as taxas (de impostos e contribuições) sejam repartidas de acordo com o custo provocado pelo contribuinte ou de acordo com o benefício que lhe é proporcionado.

Tal princípio visa evitar que o valor dos tributos configure um sacrifício (desadequado) para os sujeitos passivos em proveito da comunidade.

No entanto, entendemos que não se verifica a violação de tal princípio no presente caso.

Sérgio Vasques (in “O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária” Ed. Almedina) alude ao facto do sentido essencial do princípio da equivalência estar em proibir que se introduzam nos tributos comutativos diferenciações alheias ao custo ou ao benefício, assim como em proibir que o valor destes tributos ultrapasse esse mesmo custo ou benefício, sacrificando os respetivos sujeitos passivos em proveito da comunidade.

Vejamos o que consta do Relatório de Estabilidade Financeira emitido pelo Banco de Portugal e publicado em Novembro 2013, sendo, o mesmo, extremamente claro quanto à situação da banca portuguesa:

“Neste contexto, refira-se que a posição de liquidez dos bancos portugueses (e de uma forma mais geral, dos bancos da área do euro) tem beneficiado da actuação do BCE, ao nível das medidas convencionais e das medidas não convencionais de política monetária. Ao nível das medidas convencionais, destaca-se a descida das taxas de juro oficiais, com o estreitamento do corredor definido pelas taxas de juro das facilidades permanentes a contribuir para a redução na volatilidade das taxas de juro do mercado monetário. No que diz respeito às medidas não convencionais, releva-se o regime de taxa fixa e satisfação integral da procura adoptado para as operações de financiamento junto do Eurosistema, a condução de operações de refinanciamento por prazos longos (com destaque para as duas operações pelo prazo de três anos), bem como as medidas que impactaram as regras de elegibilidade de colateral, permitindo o alargamento do colateral disponível. Os bancos portugueses puderam assim aumentar de forma significativa as suas pools de colateral junto do Eurosistema, isto é, o conjunto de ativos elegíveis como garantia para as operações de crédito junto do Eurosistema. Foi deste modo possível aumentar o grau de sobrecolateralização das operações de refinanciamento, facto que confere às instituições uma capacidade acrescida para, no curto prazo, acomodar choques adversos ao nível das suas necessidades de liquidez.”

(…)

“Dado este enquadramento, refira-se que em termos gerais, e quando avaliada pelos gaps de liquidez, a situação de liquidez dos bancos portugueses manteve-se relativamente confortável no decurso do primeiro semestre de 2013. (…)

O recurso ao financiamento do Eurosistema, em condições de estabilidade e a custo reduzido, tem minimizado estes impactos, ainda que, conforme referido, esta fonte de financiamento se tenha mantido relativamente estável ao longo de 2013. (…)

No que se refere ao sul da Europa, os títulos de rendimento fixo continuam a oferecer taxas de rendibilidade genericamente mais elevadas, suportando as garantias oferecidas. Em Portugal, interessa referir que uma parte significativa das carteiras das instituições financeiras é composta por ativos nacionais, designadamente de dívida soberana, que continuam a proporcionar níveis de rendibilidade relativamente elevados.”

Em conclusão, entendemos que terá que improceder a alegada violação do princípio da equivalência como critério do princípio da igualdade tributária.

 

5.3.3. Da (alegada) violação do Direito da União Europeia

 

A Requerente alega que a liquidação em causa nestes autos sempre teria que ser anulada por violação do Direito da União Europeia.

Nos termos da jurisprudência do TJUE, os artigos 52.º e 65.º do TFUE produzem efeito direto, pelo que o juiz nacional, enquanto juiz comum do direito da União, tem o dever de desaplicar no caso concreto a norma nacional incompatível com aquelas liberdades fundamentais e/ou interpretar o direito nacional de modo a harmonizá-lo com o direito da União, à luz dos princípios do primado e da interpretação conforme do direito da União e do artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

Decorre igualmente de jurisprudência assente que «qualquer juiz nacional tem, no âmbito da sua competência enquanto órgão de um Estado Membro, a obrigação, por força do princípio da cooperação consagrado no artigo 4.º, n.º 3 do Tratado da União Europeia, de aplicar integralmente o direito da União diretamente aplicável e de proteger os direitos que este confere aos particulares, não aplicando nenhuma disposição eventualmente contrária da lei nacional, seja ela anterior ou posterior à norma do direito da União» (cfr. acórdão Philips Electronics UK, proc. C-18/11, n.º 38,  Simmenthal, proc. 106/77, n.ºs 16 e 21, e Factortame e o., proc. C 213/89, n.° 19 e)

Importa ainda ter em conta que, nos termos do princípio da interpretação conforme do direito da União, «cabe ao tribunal nacional dar à lei interna, em toda a medida em que uma margem de apreciação lhe seja concedida pelo respetivo direito interno, uma interpretação e uma aplicação em conformidade com as exigências do direito comunitário e, na medida em que tal interpretação não seja possível, deixar inaplicada qualquer disposição de direito interno de sentido contrário» (V. entre outros o acórdão Murphy, proc. 157/86, n.º 11).

Como se lê no pedido arbitral  “os Estados-Membros conservam a liberdade de definir a organização e a concepção do seu sistema fiscal (Acórdão Bachmann, Proc. C-204/90) e de determinar a necessidade de repartir entre si o poder de tributação (Acórdão Saint-Gobain ZN, C-307/97 e, mais recentemente, Nordea Bank Denmark, C 48/13)”.

Poderes que devem compatibilizar com o respeito pelos princípios e liberdades decorrentes dos Tratados e com a jurisprudência do TJUE.

Vejamos os princípios que alegadamente estarão a ser violados pela CBS.

 

Da proibição de discriminação e da violação da liberdade de estabelecimento

 

Nos termos do artigo 49.º do TFUE, que consagra o direito de estabelecimento, são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro da União no território de outro Estado-Membro.

Para efeitos do direito de estabelecimento, o artigo 54.º TFUE equipara as pessoas singulares nacionais dos Estados-Membros às sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado-Membro e que aí tenham a sua sede estatutária, a sua administração central ou o seu principal estabelecimento. O princípio da não discriminação proíbe não apenas as discriminações diretas ou ostensivas, baseadas na nacionalidade, mas também qualquer forma dissimulada de discriminação que, por aplicação de outros critérios de distinção, leve, de facto, ao mesmo resultado (acórdãos Comissão/Itália, proc. C 212/99, n.º 24, e Comissão/Itália, proc. C 224/00, n.º 15).

É o que sucede com a discriminação com base na residência — ou discriminação indireta — já que por regra, e na maioria dos casos, os não residentes em um determinado Estado-Membro são também não nacionais desse Estado-Membro, pelo que de acordo com a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça esta discriminação dissimulada é também proibida pois conduz, efetivamente, ao mesmo resultado que é discriminar não nacionais face a nacionais.

O artigo 49.º impede, desde logo, que os Estados-Membros tomem medidas que favoreçam as sociedades residentes em detrimento das sociedades não residentes (v.g. acórdãos Schumacker, n.º 30, e Royal Bank of Scotland, n.º 26).

Assim, o direito de livre estabelecimento, que nas palavras do TJUE constitui uma das disposições fundamentais do direito da União, proíbe todas as medidas nacionais suscetíveis de dificultar ou tornar menos atraente a constituição e a gestão de empresas, bem como a criação de agências, sucursais ou filiais num Estado-Membro, pelas sociedades sedeadas ou estabelecidas noutro Estado-Membro (acórdãos Comissão/França, proc. 270/83, n.° 13, Royal Bank of Scotland, proc. C-311/97, n.º 22, e Gebhard, C-55/94, n.º 37).

De acordo com jurisprudência unânime, o artigo 49.º do TFUE destina-se a pôr em prática, no domínio das atividades não assalariadas, o princípio da igualdade de tratamento, princípio geral do direito da União, consagrado no artigo 18.º do TFUE, considerando uma violação da liberdade de estabelecimento qualquer discriminação em razão da nacionalidade que resulte das legislações nacionais.  Por esta razão, qualquer medida nacional que seja incompatível com o artigo 49.º é-o também com o artigo 18.º do TFUE (acórdãos Comissão/Grécia, proc. 270/83, n.º 14, Comissão/Grécia, proc. 305/87, n.os 12 e 13, e Royal Bank of Scotland, proc. C-311/97, n. os 21 e 22).

A este respeito, importa recordar que o princípio da não discriminação proíbe não apenas as discriminações diretas ou ostensivas, baseadas na nacionalidade, mas também qualquer forma dissimulada de discriminação que, por aplicação de outros critérios de distinção, leve, de facto, ao mesmo resultado (acórdãos Comissão/Itália, proc. C 212/99, n.º 24, e Comissão/Itália, proc. C 224/00, n.º 15).

É o que sucede com a discriminação com base na residência — também denominada de discriminação indireta — já que por regra, e na maioria dos casos, os não residentes em um determinado Estado-Membro são também não nacionais desse Estado-Membro, pelo que de acordo com a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça esta discriminação dissimulada é também proibida pois conduz, efectivamente, ao mesmo resultado que é discriminar não nacionais face a nacionais.

O artigo 49.º impede, desde logo, que os Estados-Membros tomem medidas que favoreçam as sociedades residentes em detrimento das sociedades não residentes (v.g. acórdãos Schumacker, n.º 30, e Royal Bank of Scotland, n.º 26) – o que parece, aliás, uma evidência e que por isso deve ser analisado com todo o cuidado in casu.

Como ficou provado a Requerente é uma sucursal UE que actua em Portugal, ao abrigo da liberdade de estabelecimento. E daqui decorre que das regras de determinação da base de incidência da CSB são diferentes do que as que se aplicam às instituições financeiras residentes.

Para efeitos de incidência objetiva, a CSB incide sobre o passivo deduzido dos elementos que integram os fundos próprios dos sujeitos passivos — cfr. art.º 3.º, alínea a), do regime da CSB.

Por sua vez, a Portaria n.º 121/2011, de 30 de Março, prevê que para efeitos de definição do passivo, entende-se «…o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com excepção […] dos elementos que, segundo as normas da contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios […]» — cfr. art.º 4.º, n.º 1, alínea a), da referida Portaria (cit.)

Ora, como é sabido, as sucursais UE não têm personalidade jurídica, efectuando directamente, no todo ou em parte, operações inerentes à actividade da instituição de crédito não residente que integram — cfr. art.º 2.º-A, alínea ll), do RGICSF.

A ausência de personalidade jurídica determina, a priori, a inexistência de capital social e, deste passo, a inexistência de capitais próprios tal como estes são considerados e contabilizados para efeito das instituições de crédito com sede e efetiva administração em Portugal.

O que implica a impossibilidade de aplicar às sucursais UE a dedução que é conferida às instituições residentes tal como vertida no art.º 4.º, n.º 1, alínea a), da Portaria n.º 121/2011, de 30 de Março.

Isto significa que, no caso das instituições de crédito residentes a CSB incide sobre o seu passivo «líquido», depois de deduzidos os capitais próprios, ao passo que no que às sucursais UE diz respeito a CSB incide sobre o seu passivo «bruto», sem qualquer dedução relacionada com capitais próprios, colocando as últimas em situação desfavorável face às primeiras.

Nestes termos, este tratamento discriminatório funda-se apenas na nacionalidade das instituições em causa, pelo que o mesmo se mostra contrário ao Direito da União Europeia em geral, violando a liberdade de estabelecimento associada ao exercício de uma atividade por parte de uma instituição de crédito residente de um Estado-Membro da UE, por via da constituição de uma sucursal localizada em Portugal.

Pois bem, prevê o art.º 18.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia que:

«é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade» (cit.).

Por outro lado, sobre a liberdade de estabelecimento, um dos corolários fundamentais da proibição de discriminação, o Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia é claro no sentido de que:

«são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro. Esta proibição abrangerá igualmente as restrições à constituição de agências, sucursais ou filiais pelos nacionais de um Estado-Membro estabelecidos no território de outro Estado-Membro. A liberdade de estabelecimento compreende tanto o acesso às atividades não assalariadas e o seu exercício, como a constituição e a gestão de empresas e designadamente de sociedades, na aceção do segundo parágrafo do artigo 54.º, nas condições definidas na legislação do país de estabelecimento para os seus próprios nacionais, sem prejuízo do disposto no capítulo relativo aos capitais» — cfr. art.º 49.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (cit., sublinhado nosso).

A liberdade de estabelecimento é um dos pilares essenciais do funcionamento do mercado interno, estabelecendo o artigo 26.º do aludido Tratado que:

«[a] União adota as medidas destinadas a estabelecer o mercado interno ou a assegurar o seu funcionamento, em conformidade com as disposições pertinentes dos Tratados» e que «o mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições dos Tratados» (cit.).

Nestes termos, a previsão de uma contribuição nacional, que na fixação da respetiva base de incidência discrimina e prejudica as sucursais UE face às instituições de crédito nacionais e residentes em território português, é claramente incompatível com o direito da União Europeia e viola expressamente a liberdade de estabelecimento, não podendo subsistir.

Nos termos da jurisprudência do Tribunal da União Europeia, para que uma diferença de tratamento fiscal seja discriminatória é necessário que as entidades em questão se encontrem em situações objetivamente comparáveis, sendo a comparabilidade objetiva das situações analisada tendo em conta o objetivo prosseguido pelo regime nacional em questão (acórdãos Comissão/Hungria, proc. C-253/09, n.º 50, e X Holding, proc. C-337/08, n.º 17)

A este respeito note-se que o TJUE já se pronunciou sobre o critério de comparabilidade entre entidades residentes e não residentes em relação à dedução de despesas profissionais (cfr. acórdãos Gerritse, proc. C-234/01, n.º 27; Conijn, proc. C-346/04, n.º 20; Centro Equestre da Lezíria Grande, proc. C-345/04, n.º 23, e Scorpio C-290/04, n.º 42).

Acresce que, não obstante as sucursais não disporem, como já referido, de capitais próprios stricto sensu, poderia a Administração fiscal ter adoptado orientações para a incidência da CSB com base em pressupostos similares àqueles que fundaram as orientações que adoptou para efeitos de IRC, no que diz respeito ao designado free capital das sucursais.

Ao contrário, a Portaria n.º 165-A/2016, de 14 de Junho, que aprovou a nova declaração de modelo oficial n.º 26 da Contribuição sobre o Sector Bancário, aprovou também as respectivas instruções de preenchimento, nos termos das quais se determina “que no caso das sucursais, em Portugal, de instituição de crédito com sede principal e efectiva fora de território nacional, de acordo com as regras contabilísticas, o respectivo passivo inclui as dívidas para com a sede (principal e efectiva fora de território nacional) e/ou outras sucursais desta, as quais são, assim, consideradas dívidas para com terceiros”, sendo, assim, negada qualquer relevância ao free capital (cfr. Ponto 5 – Base da contribuição - das instruções de preenchimento da declaração modelo oficial n.º 26, aprovada pela Portaria n.º 165-A/2016, de 14 de Junho) (nosso negrito).

Ante o que se veio de plasmar, não restam dúvidas de que as regras especialmente aplicáveis às sucursais UE, na definição da sua base de incidência da CSB, implicam uma clara discriminação da Requerente, face às instituições de crédito residentes em território português, ao determinar a aplicação de uma carga fiscal agravada e uma taxa efectiva de tributação mais alta, o que não é permitido pelo Direito da União Europeia.

Aliás, existe jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a violação do direito de estabelecimento, da liberdade de prestação de serviços e de circulação de capitais, especialmente no que diz respeito ao sector financeiro.

Nessa jurisprudência vasta são constantes os acórdãos a julgar incompatível com as liberdades fundamentais e com a proibição de discriminação entre entidades nacionais de diferentes Estados-Membros as situações de tratamento diferenciado de instituições financeiras residentes e instituições financeiras não residentes.

Veja-se a título de exemplo o que dispõe o recente Acórdão do TJUE de 13 de Julho de 2016, Acórdão Brisal, proferido no processo C-18/15, em que foi parte o Estado Português:

«O artigo 49.° CE opõe se a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, regra geral, tributa as instituições financeiras não residentes pelos rendimentos de juros obtidos no interior do Estado Membro em causa, sem lhes dar a possibilidade de deduzir as despesas profissionais directamente relacionadas com a actividade em questão, ao passo que essa possibilidade é reconhecida às instituições financeiras residentes.» (cit.)

No acórdão Brisal o Tribunal de Justiça confirmou que os não residentes devem ser tratados da mesma maneira que os residentes e por isso devem poder deduzir as despesas da mesma natureza que os residentes podem deduzir (cfr. acórdão Brisal, proc. C-18/15, n.º 45).

Segundo a Advogada-Geral Juliane Kokott, nas conclusões do Acórdão Brisal: «Diferente da questão relativa às desvantagens resultantes da técnica especial de cobrança do imposto é a de saber se o método diferente de cálculo do imposto sobre os rendimentos de juros de residentes, por um lado, e de não residentes, por outro lado, constitui violação da livre prestação de serviços» (cit. n.º 24).

O TJUE concluiu ainda em diversos outros momentos que o artigo 49.° do Tratado CE se opõe a uma legislação nacional que, regra geral, ao tributar os não residentes, toma em conta os rendimentos ilíquidos sem dedução de despesas, enquanto os residentes são tributados pelos seus rendimentos líquidos, após dedução dessas despesas, nomeadamente nos acórdãos Gerritse, C-234/01, de 12 de Junho de 2003, Scorpio Konzertproduktionem, C-290/04, de 3 de Outubro de 2006 e Centro Equestre da Lezíria Grande, C-345/04, de 15 de Fevereiro de 2007.

Por sua vez, no acórdão Futura Participations SA e outro vs. Administration des Contributions, de 15 de maio de 1997 (C-250/95 ), o Tribunal de Justiça entendeu, pela primeira vez, ser contrário ao direito europeu o facto de um estado exigir o uso das suas regras contabilísticas a um não residente. Segundo o TJUE “o artigo 52._ do Tratado CE não se opõe a que um Estado-Membro faça depender o transporte de perdas anteriores, solicitado por um contribuinte que tem uma sucursal no seu território sem aí ter estabelecido a sua residência, da condição de as perdas estarem em relação económica com os rendimentos obtidos pelo contribuinte nesse Estado, desde que os contribuintes residentes não sejam objeto de um tratamento mais favorável. Em contrapartida, opõe-se a que esse transporte de perdas dependa da condição de, durante o exercício em que as perdas se verificaram, o contribuinte tenha mantido e conservado, nesse Estado, uma contabilidade relativa às actividades que aí exerceu, em conformidade com as regras nacionais na matéria. Todavia, o Estado-Membro em causa pode exigir que o contribuinte não residente demonstre, de forma clara e precisa, que o montante das perdas, que alega ter sofrido, corresponde, de acordo com as regras nacionais relativas ao cálculo dos rendimentos e das perdas aplicáveis durante o exercício em causa, ao montante das perdas verdadeiramente suportados pelo contribuinte nesse Estado.

 

No âmbito da referida jurisprudência, o Tribunal de Justiça da União Europeia esclareceu por diversas vezes que um tratamento fiscal desvantajoso, contrário a uma liberdade fundamental, não pode ser considerado compatível com o direito da União, o que o levou a declarar que uma restrição à liberdade de estabelecimento não pode, salvo circunstâncias muito excepcionais e devidamente fundamentadas, ser justificada por uma opção de legislação interna de cada Estado-Membro.

Segundo a jurisprudência, uma medida nacional que constitua uma violação à liberdade de estabelecimento e à livre circulação de capitais apenas pode ser considerada compatível com o direito da União se for justificada por uma das derrogações previstas, respetivamente, nos artigos 52.º e 65.º do TFUE ou por razões imperiosas de interesse geral e se, em ambos os casos, respeitar o princípio da proporcionalidade (v., entre outros, os acórdãos Cadbury Schweppes, proc. C-196/04, n.º 47 e Comissão/Países Baixos, C-521/07, n.º 42). O mesmo é dizer que as causas justificativas não podem ser usadas discricionariamente pelos Estados por forma a viabilizarem a aplicação de medidas contrárias ao direito da União Europeia.

No caso em concreto não estamos presente situações que justifiquem a compatibilidade da medida com o direito da União.

 

Em suma, dúvidas parece não haver no direito do legislador nacional na inclusão das sucursais no âmbito de incidência da contribuição do setor bancário desde 01.01.2016.

O que se poderá discutir é se, de facto, haverá diferenças de cálculo que consubstanciem carácter discriminatório para as entidades não residentes e que possam constituir entraves à liberdade de estabelecimento e livre prestação de serviços.

Encontra-se junto como doc. 1 o modelo 26 o documento onde a Requerente procedeu à autoliquidação da contribuição bancária.

Pese embora esse modelo seja formalmente igual para todas as entidades, o certo é que há campos que só são preenchidos pelas entidades com personalidade jurídica e que têm algum valor, nos termos da lei, a deduzir ao valor do passivo.

No caso concreto da Requerente, pelo facto de ser sucursal não tem, de facto, tendo em conta as regras jurídicas de organização destas entidades, capitais próprios, e na forma de cálculo da contribuição verá sempre o valor da contribuição ser calculado sem nada poder deduzir ao valor do passivo a título de capital próprio.

Essa diferença na norma de desenvolvimento da incidência das sucursais em relação às pessoas coletivas residentes sujeitas ao Código das Sociedades Comerciais, ao normativo contabilístico, e ao CIRC, implica, na prática, uma restrição à liberdade de estabelecimento.

 

Assim, conclui-se que a liquidação da CSB deve ser declarada ilegal, por manifesta violação do Direito da União Europeia, em particular a violação do direito de estabelecimento e do princípio da não-discriminação, previstos nos art.os 49.º e 18.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

Face ao exposto, julga-se procedente o pedido da Requerente e anula-se a liquidação da contribuição extraordinária sobre o setor bancário.

 

Da inutilidade do conhecimento dos restantes vícios imputados aos atos de liquidação

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações que são objeto do presente processo, por vício que impede a renovação dos atos, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados pela Requerente. O art.º 124.º CPPT, subsidiariamente aplicável por força do 29.º, 1 RJAT, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes.

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente aos atos cuja declaração de ilegalidade pediu.

Do pedido de reenvio prejudicial

 

A Requerente, ao abrigo do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, requer que se solicite ao Tribunal de Justiça da União Europeia que se pronuncie sobre se:

•             O artigo 56.° do TFUE se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no regime doméstico português da Contribuição sobre o Sector Bancário, que tributa as sucursais em Portugal de instituições financeiras residentes noutros Estados Membros da União Europeia sobre a totalidade do seu passivo, sem lhes dar a possibilidade de deduzir os capitais próprios, ao passo que essa possibilidade é expressamente reconhecida às instituições financeiras residentes, colocando as primeiras em situação desfavorável face às segundas?

•             A Directiva 2014/59/UE se opõe à aplicação do regime doméstico português da Contribuição sobre o Sector Bancário às instituições financeiras (residentes ou não residentes) a operar em Portugal através de uma sucursal, devendo este regime ter sido eliminado e substituído, aquando da transposição para o ordenamento jurídico português da referida Directiva, pelas contribuições previstas naquela Directiva?

•             A Directiva 2014/59/UE se opõe especificamente à aplicação do regime doméstico português da Contribuição sobre o Sector Bancário às sucursais em Portugal de instituições financeiras residentes noutro Estado Membro da União Europeia?

Como se lê no acórdão do CAAD 600/2018-T, “Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

A jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia (  ). E, quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial”.

De acordo com jurisprudência decorrente do Acórdão Cilfit de 06.10.82 (Processo 283/81)  a obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode ser dispensada quando: “i) a questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal; ii) o Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma; iii) o Juiz Nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente («teoria do acto claro», cujos exigentes e cumulativos critérios de verificação foram igualmente definidos no mesmo acórdão)” (Guia Prático do Reenvio Prejudical, CEJ, ebook).

Vejamos:

Quanto à primeira questão colocada, e como já se expôs acima, o Juiz Nacional não tem dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente, dispensa-se o reenvio prejudicial.

Nas outras duas questões, dispensa-se o reenvio uma vez que, tendo em conta que já se concluiu pela procedência do pedido, não se julga ser necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal o referido reenvio das questões para o TJUE.

 

 

6.            Juros indemnizatórios

A Requerente pede que seja condenada a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º n.º 1 da LGT.

O artigo 43º n.º 1 da LGT determina que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 4 do art. 61.º do CPPT que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Nos presentes autos, verifica-se que a ilegalidade da liquidação controvertida é imputável à AT.

Assim, a Requerente tem direito, em conformidade com o disposto nos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago e aos juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos arts. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados desde a data do pagamento do imposto, à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que serão incluídos.

 

7. Decisão

Em face do exposto, determina-se:

a)            Julgar procedente o pedido formulado pela Requerente no presente processo arbitral, quanto à ilegalidade da liquidação de Contribuição sobre o Setor Bancário, relativa ao ano de 2016, no valor total de 12.487,55 €.

b)           Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente o valor do imposto pago, do pagamento de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tal pagamento foi efetuado até à data do integral reembolso do mesmo;

c)            Dispensar o pedido de reenvio prejudicial para o TJUE.

d)           Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

8. Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 306º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 12.487,55€.

 

9. Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 918,00 €, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º n.º 4 do RJAT.

 

Notifique.

Lisboa, 10 de maio de 2019.

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.

 

O árbitro singular

 

 

Suzana Fernandes da Costa