Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 377/2018-T
Data da decisão: 2019-02-28  IRC  
Valor do pedido: € 196.056,00
Tema: IRC - art. 32.º do EBF; Revogação e Circular n.º 7/2004
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros José Poças Falcão (presidente), Vasco Valdez Matias e Francisco Nicolau Domingos (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente tribunal arbitral, acordam no seguinte:

 

 

  • RELATÓRIO

 

  •  A... SGPS, S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., n.º..., ...–... Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou em 08/08/2018 pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral respeitante ao ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2017... que manteve a autoliquidação de IRC n.º 2015... por, no seu juízo, padecer do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

  • O Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo legal.

 

  • No dia 17/10/2018 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

  • Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) foi a Requerida, em 24/10/2018 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e remeter o processo administrativo (PA).

 

  • Em 28/11/2018 a Requerida apresentou a sua resposta, na qual defende a improcedência integral de todos os pedidos formulados no presente processo arbitral.

 

  • O tribunal em 30/11/2018 decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com base na inexistência de exceções a conhecer e na desnecessidade de convidar as partes a corrigir as peças processuais, concedeu vinte dias para que estas, querendo, apresentassem as alegações finais escritas simultâneas e designou o dia 07/02/2019 como data limite para proferir a decisão arbitral.

 

  • A Requerente não apresentou alegações finais escritas.

 

  • A Requerida apresentou as suas alegações finais escritas no dia 12/12/2018, mantendo a sua posição inicial.

 

 

  • POSIÇÃO DAS PARTES

 

A Requerente começa por alegar que a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa padece do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) entende que os encargos financeiros (juros) não são dedutíveis, por não terem sido incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), como impõe o art. 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), pois sendo a Requerente uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), os seus rendimentos beneficiam da isenção do art. 51.º-C do CIRC.

No seu juízo, os juros suportados estão relacionados com a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC, os juros auferidos dos financiamentos que efetuou à B..., S.A. (B...).

Em segunda linha, alega que a decisão de indeferimento expresso também padece do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, pois a interpretação preconizada pela AT, quando sustenta que, pese embora a revogação do art. 32.º do  Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), a dedutibilidade dos juros de financiamentos incorridos por  uma SGPS para a aquisição de participações sociais continua a ser negada pelo art. 23.º do CIRC, que, sistematicamente, deve ser interpretado em articulação com o art. 67.º igualmente do CIRC.  E este último normativo, limita a dedutibilidade dos juros a 30% do EBITDA do contribuinte, art. 67.º, n.º 1, al. b) do CIRC, embora para o cálculo do EBITDA, não entram as mais-valias que beneficiam do regime da participacion exemption do art. 51.º-C do CIRC, como resulta do art. 67.º, n.º 13, al. d) do CIRC.  Assim, se uma empresa que apenas aufere mais-valias isentas ao abrigo do art. 51.º-C do IRC não tem EBITDA para esses efeitos e, não o tendo, não tem rendimentos sujeitos a IRC, consequentemente, os juros não são dedutíveis para efeitos fiscais, por força do art. 23.º do CIRC.

Alega a Requerente que, a errada interpretação e aplicação das normas legais verifica-se, pois, o legislador considerou a exclusão de tributação nas mais-valias e a não dedutibilidade dos juros como consequências associadas e reflexas, não lhes atribuindo um caráter de indissociabilidade temporal.  Por conseguinte, a sua vontade foi a de que os juros associados a financiamentos destinados à aquisição de participações fossem acrescidos, para efeitos de determinação do lucro tributável, na medida em que as mais-valias que resultassem da alienação dessas participações não seriam, em princípio, tributadas.

Para além do mais, a Circular n.º 7/2004, de 30 de março, dispunha que: «…caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores».  Assim, pugna que no exercício em que se verificasse a impossibilidade de benefício do regime de exclusão de tributação das mais-valias, os encargos financeiros suportados deviam ser deduzidos.

Deste modo, se essa impossibilidade foi materializada com a revogação do regime fiscal das SGPS (art. 32.º do EBF) com efeitos a 1 de janeiro de 2014 e sem que a Requerente tivesse apurado qualquer mais-valia não tributada, é no exercício de 2014 que os encargos financeiros devem ser deduzidos.

Em resumo, a Requerente pugna pelo reconhecimento do direito à dedução dos encargos financeiros suportados na aquisição das participações, pois se assim não fosse, estaríamos perante uma tributação mais gravosa do que aquela aplicável às restantes sociedades comerciais, violando essa interpretação o princípio da igualdade, previsto no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

A Requerida na sua resposta defende-se da seguinte forma:

 

  1. Violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito

 

 

Em primeiro lugar, não releva o enquadramento que a Requerente faz da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa, pois o que está verdadeiramente em causa é saber se esta tem efetivamente direito, no ano de 2014, a deduzir a totalidade dos encargos financeiros uma vez que não vendeu a participação social em causa. Ou, dito de outro modo, ancora a sua pretensão, não na ocorrência de um qualquer facto tributário, mas na revogação do regime previsto no art. 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

Em segundo lugar defende-se sustentando que: o modus operandi da revogação do art.32.º do EBF foi concretizado pela circular 7/2004, de 20 de março, na qual o n.º 6 prevê que: «Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para a aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício , à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custos em exercícios anteriores». Ou seja, a aplicação desse número ocorre no momento da alineação das participações, condição essa que não se verifica nos presentes autos.

Paralelamente acrescenta que, com a Lei 2/2014, de 16 janeiro foi introduzida no CIRC o regime da participation exemption, que passou a abranger todas as sociedades, na qual o legislador estende o método da isenção, anteriormente aplicável às SGPS, a todos os sujeitos passivos de IRC que exerçam a título principal uma atividade comercial, industrial ou agrícola quando observados os pressupostos de aplicação estabelecidos no art. 51.º-C do CIRC.  O novo regime, por uma questão de simplicidade, reforça assim a restrição à dedutibilidade de gastos de financiamento prevista no art. 67.º do CIRC, evitando a criação de mais regras especiais limitativas da dedutibilidade. Assim, a globalidade dos sujeitos passivos de IRC a partir de 01/01/2014, os encargos financeiros podem ser gastos desde que cumpridos os requisitos exigidos nos artigos 23.º e 67.º do CIRC.

Em terceiro lugar, defende ainda que a pretensão da Requerente de aplicação retroativa e de uma única vez da regra da dedutibilidade dos encargos suportados de 2006 a 2010 com a aquisição de partes sociais e cujas mais-valias ou menos-valias não entravam para o cômputo do lucro tributável, nos termos do art. 32.º, n.º 2 do EBF, tem implícita a ampliação, sem habilitação legal, do regime especial de tributação para as SGPS (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro). Assim, inconstitucional por violação do princípio da legalidade, da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real.

Por último, alega que a pretensão da Requerente da dedução de € 196 056 ao seu resultado fiscal de 2014, com fundamento nos encargos financeiros suportados de 2006 a 2010 com a aquisição de partes sociais não pode proceder pois não demonstra de forma inequívoca o referido montante. Ou seja, não cumpre com o seu ónus da prova – os documentos apresentados não estão suportados em elementos contabilísticos que possam sustentar a posição da Requerente.

 

Nesta sequência, é a seguinte questão que o tribunal deve apreciar: se o indeferimento expresso da reclamação graciosa padece do vício de violação da lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

 

  • SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído com base nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1 do RJAT, sendo competente para apreciar e decidir o pedido de pronúncia arbitral.

As partes, que estão devidamente representadas, gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 

4. MATÉRIA DE FACTO

4.1. Factos que se consideram provados

4.1.1. A Requerente no período de 2007 a 2013 encontrava-se sujeita ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS).

4.1.2. A Requerente tem por objeto social a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta do exercício de atividades económicas e a prestação de serviços de administração e gestão a sociedades em que detenha participações, encontrando-se sujeita ao Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, que define o regime jurídico das sociedades gestoras de participações sociais e ao art. 32.º do EBF, em vigor até 31  de dezembro de 2013.

4.1.3. No âmbito da sua atividade recorreu a financiamentos com o objetivo de adquirir participações noutras entidades, não procedendo à dedução dos juros suportados.

4.1.4. Em resultado dos juros emergentes desses financiamentos, acresceu ao seu lucro tributável os seguintes montantes:

i) € 48 118,14, em 2006, decorrente de encargos financeiros suportados em virtude de financiamento contraído para a aquisição de 33,05% do capital social da B...;

ii) € 5 551, 17, em 2007, decorrente de encargos financeiros suportados em virtude de financiamento contraído para a aquisição da aludida participação social;

iii) € 8 901,60, em 2008, decorrente de encargos financeiros suportados em virtude de financiamento contraído para a aquisição da aludida participação social;

iv) € 74 016,72, em 2009, decorrente de encargos financeiros suportados em virtude de financiamento contraído para a aquisição da aludida participação social;

v) € 59 468,36, em 2010, decorrente de encargos financeiros suportados em virtude de financiamento contraído para a aquisição da aludida participação social.

4.1.5. Nos exercícios compreendidos de 2006 a 2010, a Requerente adicionou ao seu lucro tributável, encargos financeiros no montante total de € 196 056,00.

4.1.6. A Requerente efetuou suprimentos à sua participada B..., suprimentos esses que venciam juros.

4.1.7. Em 26/05/2015 a Requerente submeteu a declaração de rendimentos de IRC – Modelo 22 – relativa ao período de tributação do ano de 2014.

4.1.8. Da apresentação da declaração resultou um montante a reembolsar de € 37 717,66.

4.1.9. A Requerente no dia 18/05/2017 apresentou junto da Direção de Finanças de Lisboa uma reclamação graciosa contra o ato de liquidação de IRC do exercício de 2014, peticionando uma correção parcial ao lucro tributável de € 196 056,00 pela consideração de um gasto dedutível desse montante.

4.1.10. Por despacho, datado de 22/05/2018, notificado a 24/05/2018, a reclamação graciosa foi expressamente indeferida.

4.1.11. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 08/08/2018.

4.2. Factos que não se consideram provados

Não existem quaisquer factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

 A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.

5.MATÉRIA DE DIREITO

  1.   Do Direito aplicável

A matéria sub judice tem vindo a ser objeto de apreciação no âmbito do CAAD, tendo sido tiradas diversas decisões arbitrais, das quais destacamos a 285/2017-T, de 2018-05-24 (em sentido favorável ao contribuinte) e a 610/2017-T, de 2018-09-17 (em sentido desfavorável ao contribuinte).  Acrescem, ainda, a decisão arbitral   645/2017-T, de 2018-05-10, igualmente favorável ao contribuinte e a tirada no âmbito do processo 754/2016-T, de 2017-06-14, também favorável, mas num contexto substancialmente diverso, já que, antes da revogação do artigo 32.º do EBF, a SGPS renunciara ao seu estatuto, passando a ser uma sociedade “normal”, sem as vantagens e os constrangimentos decorrentes do regime mencionado naquele artigo.

Basicamente, como se disse na descrição da argumentação da Requerente e da Requerida, a questão tem a ver com o facto de a A... SGPS, S.A ter adquirido participações sociais, como é próprio do seu objeto social, recorrendo a financiamento, mas não deduzindo os respetivos encargos financeiros.

Tal resultou do facto de a legislação, mais concretamente, o artigo 31.º, n.º 2 do EBF (posteriormente renumerado pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de julho como artigo 32.º), na redação dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro (OE para 2013) dispor o seguinte:

As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

O preceito do artigo 32.º do EBF sofreu, ao longo dos anos, diversas alterações, mas sem significado para a questão que ora nos ocupa, já que manteve o n.º 2, nos moldes antes transcritos, para as SGPS.

Todavia, com a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Lei do OE para 2014), vem revogar-se integralmente o artigo 32.º do EBF.

Finalmente, para a análise que vimos fazendo desta matéria, importa, ainda, levar em linha de conta a Circular n.º 7/2004, em particular o seu n.º 6, que dispunha:

Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correção fiscal dos que tiverem sido suportados com as aquisições de participações que sejam suscetíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do artigo 31.º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.

  1. Razão de ser dos normativos relativos às SGPS

Começar-se-á por dizer que o legislador consagrou um generoso regime fiscal para a tributação das mais-valias no tocante às mais-valias realizadas por SGPS, com requisitos bem menos exigentes do que para as restantes empresas.

Um aspeto que foi alterado, como se disse anteriormente, teve a ver com a nova redação dada ao artigo 31.º, n.º 2 do EBF (posteriormente renumerado para 32.º), que estabeleceu o princípio de que existe uma isenção das mais-valias realizadas nas transmissões onerosas de partes de capital pelas SGPS desde que estas fossem detidas por um período não inferior a um ano. Em contrapartida, como neste caso havia uma isenção, foi entendimento do legislador, por razões de equidade e maior justiça fiscal, desconsiderar os encargos financeiros que ocorreram para financiar a aquisição de tais partes sociais. Dito por outras palavras, se havia uma não tributação das mais-valias, então também se deveriam desconsiderar encargos financeiros atinentes à sua aquisição, sob pena de o regime ser demasiado desequilibrado em favor das SGPS.

Aliás, de algum modo, o relatório do OE para 2013 explicita tal justificação ao dizer que se estabelece a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos da determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira diretamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS.

Aliás, na decisão arbitral proferida no âmbito do processo 610/2017-T faz-se uma análise detalhada das razões que presidiram a tal modificação, para tanto socorrendo-se do que foi escrito noutras decisões arbitrais, pelo que transcreveremos alguns excertos:

Por outras palavras, o objetivo do regime instituído em 2003 foi o de contrabalançar a atribuição de um benefício – a exclusão total de tributação das mais-valias – com a não concorrência de certos encargos financeiros suportados, criando um ambiente de neutralidade entre os eventuais ganhos com determinados ativos (certas imobilizações financeiras) e o passivo necessário à criação das condições para a obtenção de tais ganhos, isto é, o passivo relacionado com a aquisição de tais participações.

No fundo o legislador não quis que se cumulassem dois benefícios, as SGPS já viam as suas mais valias de partes sociais isentas de imposto: pelo que, quando tal sucedesse, não poderiam elas cumular com o benefício de aceitação fiscal dos juros suportados com o financiamento para a aquisição dessas partes de capital.

Como dissemos, o regime do artigo 32.º, em especial do seu n.º 2, manteve-se no essencial ao longo dos anos, ou seja, de 2003 até 2014, porquanto, como supra se mencionou, o mencionado artigo foi revogado na Lei do OE para 2014.

Se nada de especial consta no Relatório da proposta de lei apresentada à Assembleia da República como justificativo para a revogação em causa, a mesma tem de entender-se à luz das justificações apresentadas pela Comissão de Reforma do IRC (cuja materialização seria concretizada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro e produzindo genericamente efeitos a 1.1.2014), no seu relatório de junho de 2013, mais especificamente a propósito do regime de participation exemption onde se diz:

Numa preocupação de escopo diametralmente oposto, a adoção do novo regime de participation exemption veio tornar redundantes, na perspetiva da Comissão de Reforma, diversos regimes fiscais especiais atualmente existentes. Por esta razão, propõe-se a eliminação dos seguintes regimes: (…)

c) uma vez que o novo regime também consome o regime fiscal previsto para as SGPS, e atendendo a que estas não lograram atingir o objetivo originariamente proposto de se afirmarem como veículo de investimento fiscalmente competitivo no plano internacional, propõe-se a eliminação do artigo 32.º do EBF, recomendando ainda que seja extinto o regime jurídico-societário destas entidades, hoje previsto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro.

Materialmente, o regime de participation exemption foi concretizado no artigo 51.º-C que haveria de ser aditado ao CIRC, em termos de conceder isenção de IRC às mais-valias realizadas com a transmissão onerosa de participações sociais (nas condições aí previstas), podendo, simultaneamente as sociedades deduzirem os encargos com o financiamento em termos gerais, nos moldes previstos no artigo 67.º do CIRC e passando este regime a ser válido para todas as sociedades, independentemente de serem SGPS ou não.

Finalmente, uma referência à Circular n.º 7/2004, em particular ao seu n.º 6. É evidente que tal circular é vinculativa para os serviços da AT (à data DGCI), mas não para os particulares ou para os tribunais, como é pacífico.

Por consequência, o regime nela consagrado aplicar-se-á na justa medida em que a AT não pode desconsiderá-lo, como se compreende. Coisa distinta desta, é saber se a leitura que se faz da referida circular corresponde ao preconizado pela Requerente, facto a que procuraremos dar resposta no ponto seguinte onde tomaremos posição sobre as diversas questões em apreço.

  1. Aplicação do Direito no caso em concreto

Desde já se dirá que seguiremos de perto, dada a nossa concordância com os mesmos, os argumentos aduzidos na decisão arbitral 610/2017-T.

Nesta conformidade, começaremos por mencionar que a Requerente, ao abrigo do disposto no ponto n.º 6 da Circular7/2004, entendeu que seria no exercício de 2014 possível deduzir os encargos financeiros suportados com a aquisição das partes sociais no montante de € 196.056,00, que correspondiam aos encargos que havia acrescido sucessivamente ao lucro tributável nos anos de 2006 a 2010.

Em consequência do indeferimento da reclamação graciosa que havia efetuado da autoliquidação, intentou a presente impugnação.

Começaremos por mencionar, na esteira do que foi dito na mencionada decisão arbitral, que, do nosso ponto de vista, a entidade Requerente não tem razão ao invocar a Circular n.º 7/2004, no seu ponto n.º 6, porquanto esta expressamente dizia que tal reconhecimento havia de fazer-se no  momento da alienação das participações, facto que não ocorreu, pelo que não se vê como podemos entender que se encontra preenchido o requisito fáctico que permitiria a consideração como custo fiscal os encargos financeiros.

É que, enquanto perdurou o regime do artigo 32.º do EBF, nunca a Requerente alienou as participações sociais que lhe dariam o direito a considerar como custo fiscal os encargos financeiros, nos termos da Circular.

Como se diz na decisão arbitral tirada no processo 610/2017-T:

Na verdade, no quadro do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, às SGPS apenas era permitido, no momento da alienação das participações sociais, deduzir os encargos (até esse momento incorridos) com a aquisição das mesmas, caso a vantagem obtida (a isenção de mais-valias) não pudesse ser obtida.

Ora o que a Requerente pretende é, sem alienar as participações, deduzir desde já os encargos incorridos no passado com a aquisição de partes sociais, num quadro jurídico em vigor que lhe garante simultaneamente a isenção da tributação de eventuais mais-valias que possa vir a obter.

O que significaria favorecer a Requerente em relação a todas as demais SGPS que não tenham formulado pretensão idêntica.

Por outro lado, esta situação não poderia ser desconhecida do legislador e verifica-se que, quer no âmbito da Lei do OE para 2014, quer na extensa norma com regimes transitórios constante da Lei de Reforma do IRC – que, repete-se – produziu os seus efeitos a janeiro de 2014, não há nenhuma norma que discipline a situação ora em apreço, consagrando um regime excecional de regularização de encargos financeiros que tivessem deixado de ser deduzidos, resultante da revogação do artigo 32.º do EBF.

Como se menciona na decisão arbitral que vimos citando com efeito o legislador previu normas transitórias para as situações acima descritas de entrada em vigor da lei nova, pelo que, se tivesse querido salvaguardar a dedução dos encargos financeiros no ano de 2014, tê-lo-ia previsto na Lei que revogou o artigo 32.º do EBF ou, no limite, na Lei de Reforma do IRC.

Logo, não tendo estabelecido uma norma transitória sobre os encargos financeiros não deduzidos ao abrigo da lei antiga, não pode o intérprete criar essa norma transitória, admitindo a dedução dos encargos financeiros, na totalidade, no exercício de 2014.

Finalmente, como se poderá intuir do que ficou dito supra, os pretensos vícios de violação de lei perpetrados no âmbito da reclamação graciosa, a que se refere a Requerente,  não merecem acolhimento porquanto, como se viu, a questão sub judice não tem a ver com a  realização de proveitos decorrentes de os empréstimos às participadas serem onerosos, mas, como exaustivamente se disse, de a lei mandar desconsiderar os encargos financeiros na aquisição das partes sociais por virtude de a SGPS estar isenta de mais-valias na alienação de tais participações e de que o reconhecimento dos encargos financeiros pretender ser feito no ano de 2014 e não no momento da venda, se posterior, nos termos e condições do artigo 67.º do CIRC. Não existindo, por conseguinte, qualquer violação do princípio da igualdade.

 

  1. DECISÃO

Termos em que decide este Tribunal:

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se o ato de indeferimento da reclamação graciosa e o ato tributário de autoliquidação de IRC, na parte impugnada, relativo ao ano de 2014;
  2. Absolver a Requerida dos pedidos formulados;
  3. Condenar a Requerente nas custas.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 196.056,00 (cento e noventa e seis mil e cinquenta e seis euros), nos termos do artigo 296.º, n.º 1 do CPC e 97.º-A, n.º 1 alíneas a) e b) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

  1. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o valor das custas em € 3.672,00 conforme resulta da respetiva Tabela I, valor a ser suportado integralmente pela entidade Requerente.

 

Lisboa, 28 de fevereiro de 2019

 

Os Árbitros:

 

(José Poças Falcão-Presidente)

 

(Vasco Valdez-Vogal)

 

(Francisco Nicolau Domingos-Vogal)