DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa como árbitro singular em 28 de Fevereiro de 2019, profere a seguinte decisão arbitral:
I. RELATÓRIO:
A...– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., com o número de identificação fiscal ... e sede na ..., ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, na qualidade de sociedade gestora e em representação do B...– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, com o número de identificação fiscal ... e sede na mesma morada, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e nos n.os 1 e 2 do artigo 10.º, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária” ou “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, veio requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL para efeitos de obter a declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) n.º..., emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) a 19 de Novembro de 2018, no valor de € 54.795,00, com fundamento em erro nos pressupostos de facto e de direito, por entender que as operações de aquisição de imóveis levadas a cabo por uma sociedade gestora para o património dos (em representação dos) fundos de investimento imobiliário geridos e administrados pela mesma que estão isentas de IMT com a consequente condenação da AT a devolver ao Requerente o imposto indevidamente liquidado e por ele pago, com a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal de 4%, contados desde a data do pagamento indevidos até integral reembolso ao Requerente do montante indevidamente pago.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 20-12-2018.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 20-12-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 28-2-2019.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou resposta, tendo declarado por requerimento de 18-3-2019, prescindir desse direito.
Por despacho arbitral de 25-3-2018, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18º, do RJAT e, porque as questões suscitadas estão suficientemente debatidas na diversa Jurisprudência que tem sido produzida pelos Tribunais constituídos no âmbito do CAAD, dispensadas as partes de produzir alegações finais atenta a sua desnecessidade (cfr. artigo 18º-2, do RJAT), informando-se as partes que a data limite para prolação e notificação da decisão final seria 2 de maio de 2019. A Requerente deverá dar oportuno cumprimento ao disposto no artigo 4º-3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, ou seja, pagamento, antes da decisão e pela forma regulamentar, do remanescente da taxa arbitral.
II. DESPACHO SANEADOR:
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, é o competente, em razão da matéria, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas, não havendo outras excepções ou nulidades de conhecimento oficioso que cumpra conhecer.
III. FACTOS PROVADOS:
Atentos os documentos juntos pela requerente, consideram-se provados os seguintes factos:
a) O B...– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado é um fundo de investimento imobiliário fechado, cuja actividade é actualmente regulada nos termos previstos no Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro. (regulamento interno em https://web3.cmvm.pt/sdi/fundos/docs/....)
b) Como consta do ponto 2, al. a) desse Regulamento Interno, o Fundo é gerido pela sociedade O Fundo é gerido pela A...– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário S.A., com sede na ..., ..., ..., sala..., ...-... Lisboa (freguesia de ..., concelho de Lisboa).
c) Como consta ainda do ponto 2, al. d) I, desse Regulamento Interno, essa sociedade tem por finalidade, além de outras, “gerir e administrar o Fundo, praticando todos os actos e operações necessários à boa concretização da política de investimentos do Fundo, em especial, a gestão do património do Fundo, incluindo a selecção, aquisição e alienação dos activos, cumprindo as formalidades necessárias para a sua válida e regular transmissão e o exercício dos direitos relacionados com os mesmos e a gestão do risco associado ao investimento do Fundo, incluindo a sua identificação, avaliação e acompanhamento”.
d)A Requerente A...– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A. é uma sociedade anónima que tem por objecto “a administração, em representação dos participantes, de um ou mais fundos de investimento imobiliário”(certidão permanente com o código de acesso ...)
e) No dia 20 de Novembro de 2018, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial a cargo da notária C..., lavrada de folhas vinte e dois a folhas vinte e sete verso do livro de notas para escrituras diversas duzentos e vinte -A, a Requerente, em representação do Fundo B...– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, declarou adquiriu para o referido fundo do direito de propriedade dos imóveis inscritos com as diferentes fracções correspondentes aos artigos matriciais U-...-AP, U-...-AQ, U-...-BA, U-...-BB, U-...-BC, U-...-CV e U-...-CX todos do prédio urbano denominado por “...”, sito na Rua ..., números ... e ... e Rua ..., número ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ..., afecto ao regime da propriedade horizontal nos termos da inscrição correspondente à apresentação catorze de nove de março de mil novecentos e noventa e cinco, que o fundo vendedor aí identificado declarou vender (escritura pública junta sob o nº. 2 com a petição arbitral)
f) Por essa aquisição de fracções de imóveis, referida na alínea anterior, foi liquidado pela requerida IMT, tendo sido emitida a nota de liquidação com o número de identificação de documento..., sendo o montante global de imposto a pagar de € 54.795,00 (nota de liquidação junta sob o nº. 1 com a petição arbitral)
g) O valor de imposto referido na alínea anterior foi pago pela requerente em 20-11-2018.
h) A petição do presente pedido arbitral deu entrada em 19-12-2018.
Com interesse para a decisão dos presentes autos, nenhum outro facto se provou.
IV. QUESTÕES A DECIDIR
1. Considerando os factos provados e a matéria de direito constante do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente a única questão a decidir é a de saber se é legal o acto de liquidação de IMT ao fundo representado pela ora requerente e resultante da aquisição das fracções do imóvel referido na al. e) dos factos provados. E concluindo-se pela sua ilegalidade decidir a sua anulação e consequente restituição do valor dessa liquidação pago pela requerente, acrescido de juros legais.
2. Defende a Requerente que a transacção imobiliária que efectuou goza da isenção de IMT consagrada no artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro, o qual estabelece que "são isentas de Sisa as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora".
Em seu entender, o legislador teve a intenção de manter, em sede de IMT, as isenções aplicáveis à sisa; e a isenção não foi revogada por lei expressa, nem tacitamente; nomeadamente, não o foi pelo artigo 46º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
E, assim sendo, a liquidação impugnada é ilegal.
Invoca, em apoio do seu entendimento, a jurisprudência deste Centro de Arbitragem Administrativa.
Por fim, constatado que houve por parte da AT errónea interpretação da lei, pretende a Requerente que lhe sejam pagos juros indemnizatórios incidentes sobre a quantia ilegalmente liquidada, por si paga em devido tempo.
3. A AT, não tendo exercido o direito de resposta, não explanou a sua posição.
Mas, que ela é a oposta à da Requerente, logo resulta do facto de ter efectuado a liquidação impugnada, e de não ter procedido às respectivas revisões oficiosas.
Ou seja, para a Requerida, a isenção de que a Requerente pretende gozar não existe. E não existe - sabemo-lo pelo que em outros casos tem defendido nos tribunais arbitrais, de que este tribunal tem conhecimento por força do exercício das suas funções (artº. 412º., nº. 2 do Cod. Proc. Civil) por ter sido tacitamente revogada pelo artigo 46º do EBF, o qual terá substituído a isenção de que beneficiavam as aquisições feitas por Fundos de Investimento Imobiliário por uma isenção atinente às alienações efectuadas pelos mesmos Fundos.
Assim sendo, é de supor que, para a AT, não existe erro que lhe seja imputável, e carecerá de fundamento a pretensão da Requerente relativa a juros indemnizatórios.
4. O que se segue é transcrição, com as necessárias alterações, de trechos da decisão proferida no processo nº 478/2018, deste CAAD, que, por comodidade vamos seguir, mas que corresponde ao sentido da unanimidade das decisões que conhecemos deste Centro de Arbitragem Tributária sobre esta questão.
5. Conhecemos, pelo que ficou estabelecido em sede de matéria de facto, a natureza do sujeito passivo, a verificação do facto tributário e a do acto tributário questionado. A data precisa da ocorrência desse facto tributário foi fixada, com a celebração da respectiva escritura de comora e venda ocorrida em 20 de Novembro de 2018, conforme resulta do facto provado constante da al. e) dos factos provados.
Trata-se de factualidade que, para além de não controvertida, na falta de resposta da AT, está demonstrada pelos documentos juntos ao processo.
A questão que se nos coloca é, pois, a da (in)existência de uma norma impeditiva da tributação: a Requerente pretende que não há lugar a tributação por beneficiar de uma norma que lhe atribui isenção; a AT, tendo procedido à liquidação identificada, entenderá que a norma de isenção não está em vigor.
A norma em causa é a do artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro.
Estabelece o artigo 7º do Código Civil:
“1. Quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei.
2. A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior”.
Já à luz do regime anterior ao actual Código Civil (o de 1867, na sua singular sistemática, não se ocupava da matéria) doutrinavam os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, nas Noções Fundamentais de Direito Civil (5ª edição, Coimbra, 1961, pág. 109 e segs.), que “A lei pode deixar de estar em vigor ou por ter sido revogada ou por ter caducado.(…) Fala-se em caducidade da lei quando esta deixa de vigorar por foça de qualquer circunstância inerente à própria lei, independentemente, portanto, de uma nova manifestação de vontade do legislador”.
A caducidade da lei resulta, mais frequentemente, de ela própria estabelecer o seu prazo de vigência (quando esse prazo se esgotar), ou de visar atingir um determinado fim (quando este for alcançado), ou de ser uma lei transitória (quando terminado o estado de coisas que lhe serve de pressuposto).
Quanto à revogação, dizem os citados Autores que “(…) resulta de uma nova manifestação de vontade do legislador, contrária à que serviu de base à vigência da lei”.
A revogação pode ser expressa – a nova lei aponta as disposições que quer revogar – ou tácita – a lei antiga é incompatível com a nova, prevalecendo a opção legislativa mais recente.
Esclarecem, por fim, que “A incompatibilidade entre as duas leis pode resultar dum conflito directo e substancial existente entre os respectivos preceitos ou da circunstância de a nova lei estabelecer um novo regime, completo, das relações em causa”.
Já muito antes, em 1922, o Professor José Tavares – Os Princípios Fundamentais do Direito Civil, Coimbra, 1922, volume I, pág. 167 – escrevia que “A incompatibilidade de duas ou mais disposições legais dá-se quando elas são de tal modo antinómicas, opostas, ou contrárias, que se torna impossível executá-las simultaneamente. Nestas condições, não pode deixar de prevalecer a última, porque é essa que representa a vontade do legislador”.
Por recuados que sejam estes ensinamentos, não deixam de ser ainda hoje actuais, continuando a ser adoptados pelas hodiernas doutrina e jurisprudência.
6. No caso vertente, não há sinais ou disposições legais de que resulte que o Decreto-Lei nº 1/87 tenha caducado. Importa, pois, saber se foi revogado.
Ainda aqui há que distinguir, pois não se conhece, ao tempo do facto tributário e da liquidação, norma que expressamente tenha colocado termo à vigência do Decreto-Lei nº 1/87.
Deste modo, o que importa decidir é se ocorreu revogação tácita.
7. No artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro, estabeleceu-se que "são isentas de Sisa as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora".
Vigorava então o Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD), aprovado pelo Decreto-Lei nº 41969, de 24 de Novembro de 1958. Na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 223/82, de 7 de Junho, a sisa incidia "sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis".
No uso da autorização legislativa dada pela Lei nº 26/2003, de 30 de Julho, foi publicado o Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, que aprovou o Código do IMT.
Os textos legais anteriores que referiam a sisa passaram a considerar-se referidos ao IMT, conforme determina o artigo 28º nº 2 do Decreto-Lei nº 287/2003; e o artigo 31º, revogando o CSISSD, manteve expressamente em vigor “(…) os benefícios fiscais (…) respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante ao Código aprovado pelo Decreto-Lei nº 41969, de 24 de Novembro de 1958, e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, que passam a ser reportados ao IMT" .
Até este momento parece seguro que os fundos de investimento imobiliário gozavam de isenção de IMT nas aquisições de imóveis.
8. Em 2006, a Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, alterou o artigo 46º nº 1 do EBF, o qual passou a dispor que ficavam isentas de IMT “as transmissões onerosas de imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário (…)”.
Os imóveis integrados num fundo não são senão os que esse fundo já tenha adquirido – o que leva à conclusão de que, desta feita, a isenção se referia à alienação e não à aquisição.
O artigo 81º nº 3 alínea e) da Proposta de Lei nº 478/2006, de 13 de Outubro – proposta de Lei de Orçamento para 2007 -, revogava expressamente o Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro, mas tal revogação não veio a ser consagrada na Lei do Orçamento para 2007 – Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro.
É certo que o não acolhimento, pela Lei do Orçamento para 2007, daquela proposta, não constitui argumento definitivo, porquanto pode ter dois sentidos.
Um, é que o legislador não quis revogar o Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro, por pretender mantê-lo em vigor.
Outro, é que o legislador entendeu não revogar expressamente o dito Decreto-Lei nº 1/87 por considerar que ele já não estava então em vigor, o que tornaria redundante (e mesmo errónea, como técnica legislativa) a revogação.
Mas esta segunda hipótese não é plausível e não favorece a tese da AT: é que foi na Lei do Orçamento para 2007 que o legislador alterou o artigo 46º nº 1 do EBF, consagrando a (nova) isenção de IMT para os fundos de investimento imobiliário “constituídos e que operem de acordo com a legislação nacional”.
Ou seja: se o legislador, ao estabelecer o novo benefício fiscal, quisesse extinguir o anterior, por substituição, era o momento adequado para dizer que ficava revogado o Decreto-Lei nº 1/87.
É que os dois benefícios são distintos um do outro, pelo que se não concebe que o da Lei de 2006 substituísse, sem mais, o do Decreto-Lei de 1987.
O legislador de 1987 isentou (numa leitura actualista) de IMT “(…) as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora".
O de 2006 isentou de IMT “as transmissões onerosas de imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário (…)”.
Enquanto em 1987 se falava de aquisições, não abrangendo, claramente, as alienações, em 2006 fala-se em transmissões (que tanto podem ser aquisições como alienações), sendo pela aposição do vocábulo “integrados em” que se conclui que a referência se limita a alienações. Aquilo que já está “integrado em” não pode mais ser adquirido, mas só alienado, pelo “integrador”; reflexamente, aquilo que ainda não está “integrado em” não pode ser alienado por quem o não integra, só pode ser adquirido para passar a estar “integrado em”.
Parece, pois, claro, não só que o legislador de 1987 beneficiou as aquisições pelos fundos de investimento imobiliário, como que o legislador de 2006 bafejou as alienações por esses mesmos fundos.
Um e outro benefício, distintos que são, não se excluem reciprocamente, não se contrariam, não são antinómicos, podem ser aplicados ambos sem nenhuma incoerência.
E não se pode pretender que o legislador de 2006, ao consagrar um benefício atinente às alienações, estabeleceu um regime completo dos benefícios fiscais a favor dos fundos de investimento imobiliário e revogou, com esse integral tratamento da matéria, o benefício vigente desde 1987.
Em súmula, o legislador da Lei nº 53-A/2006, ao rejeitar a proposta do Governo de revogar expressamente o Decreto-Lei nº 1/87, sabia que:
- esse Decreto-Lei estava em vigor;
- o benefício que, pelo artigo 82º, introduzia no artigo 46º do EBF, era cumulável com o do artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87;
- a Lei nº 53-A/2006 não continha um regime integral dos benefícios fiscais atribuídos aos fundos de investimento imobiliário;
Portanto, não pode concluir-se, a partir daquela rejeição da proposta do Governo, senão que quis manter o benefício atribuído pelo Decreto-Lei nº 1/87.
9. Por outro lado, nada existe, na evolução legislativa ocorrida desde a aprovação do EBF pelo Decreto-Lei 215/89, de 1 de Julho, e nas sucessivas Leis do Orçamento, que possa qualificar-se como uma sistematização do regime de benefícios fiscais em sede de impostos sobre o património dos fundos de investimento imobiliário, de tal modo que possa pretender-se que em algum momento o legislador criou um novo regime, completo, incompatível com a subsistência do Decreto-Lei nº 1/87. Nem nenhuma norma concreta há que se mostre inconciliável com este diploma. Como se viu, o artigo 46º (depois 49º) do EBF, na redacção que lhe foi dada pela Lei do Orçamento de 2003, é harmonizável com o artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87.
10. O que ficou dito é suficiente para suportar a decisão que adiante se ditará.
Mas importa ainda acrescentar que a questão que vem colocada a este tribunal já foi outras vezes posta a tribunais arbitrais no âmbito do CAAD, e por eles decidida, pelo menos, por dez vezes.
Todas estas decisões foram no sentido propugnado pela Requerente.
Está, pois, formada, nos tribunais arbitrais, uma forte corrente jurisprudencial, convergente e sem dissidências, que flui no sentido da manutenção na ordem jurídica do artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro após a Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro.
O que não deixa de ser significativo, e deve ser atendido, em reforço dos fundamentos aduzidos, face ao comando do artigo 8º nº do Código Civil, que determina que “(…) o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.
11. Entretanto, entrou em vigor a Lei nº 71/2018, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2019.
Dispõe ela, no seu artigo 319º:
“São revogados (…) os artigos 1º e 8º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de janeiro, que cria incentivos fiscais à constituição de fundos de investimento imobiliário”.
Ora, esta disposição não deixa dúvidas sobre o acerto do que até aqui se expendeu.
O referido artigo 1º do decreto-lei nº 1/87 vigorou até à sua revogação pela Lei nº 71/2018, ou seja, não tinha, até então sido expressa ou tacitamente revogado.
12. Consequentemente, estava em plena vigência quando ocorreram as aquisições de imóveis que conduziram à liquidação impugnada e mantida pela AT, ao não proceder à sua revisão oficiosa, pelo que a referida liquidação é ilegal e não pode subsistir na ordem jurídica.
Admitir o contrário seria imputar ao legislador de 2018 um erro palmar, revogando expressamente uma norma já então inexistente no ordenamento jurídico, pelo que provado que está que o imposto liquidado foi pago antes da aprovação e entrada em vigor da Lei nº. 71/2018, de 31 de Dezembro, deve ser declarada a sua anulação.
V. DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS:
O requerente peticiona ainda a condenação da requerida no pagamento dos juros indemnizatórios, calculados sobre a totalidade do imposto pago – alíneas f) dos factos provados - desde a data em que foi pago imposto liquidado ora anulado até à data em que vier a ser reembolsado ao requerente o indevidamente pago, juros esses vencidos e vincendos, desde aquela data.
A propósito dos juros indemnizatórios, prescreve o artigo 43º nº 1 da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
No caso ora em apreciação, o erro que afeta a liquidação impugnada é exclusivamente imputável à requerida AT, que liquidou o imposto sem qualquer suporte factual ou legal e até contra lei expressa, pelo que dúvidas não existem de que tem o requerente direito ao recebimento dos juros indemnizatórios.
É que, nos termos da alínea b) do artigo 24º do RJAT, 35º nº 10 e 43º nº 1 da Lei Geral Tributária e 61º nº 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a requerida incorreu em erro que lhe é imputável ao proceder à liquidação, pelo que deve pagar à Requerente juros indemnizatórios sobre a quantia paga, contados à taxa legal, desde o seu pagamento até à restituição do imposto.
Portanto, tem o ora requerente direito a ser reembolsado relativamente à quantia que pagou indevidamente e, ainda, a ser indemnizado pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
VI - DECISÃO
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IMT impugnada e relativa à aquisição de bens imóveis pelo fundo representado, pela escritura de 20 de Novembro de 2018, que se anula para todos os devidos e legais efeitos
b) Condenar a Administração Tributária e Aduaneira a restituir ao requerente o montante de imposto indevidamente pago, quantia essa acrescida de juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor.
c) Condenar a Requerida nas custas do presente processo, por ser a parte vencida.
Valor do processo: Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em euros de € 54.795,00.
Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 2 142.00, a cargo da Requerida (AT).
Lisboa, 22 de Abril de 2019,
O Árbitro
José Joaquim Sampaio e Nora