Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 486/2018-T
Data da decisão: 2019-02-28   Outros 
Valor do pedido: € 682.500,00
Tema: Fundos de investimento imobiliário - Isenção
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), José Coutinho Pires e Francisco José Nicolau Domingos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 01 de Outubro de 2018, A...– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, NIPC..., com sede na..., n.º..., ..., Lisboa, representado pela B...– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., NIPC ... e sede no mesmo local, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) n.º..., no valor de € 682.500,00.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que a liquidação em crise padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

 

3.            No dia 02-10-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 21-11-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 11-12-2018.

 

7.            No dia 23-12-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações pelas partes.

 

9.            Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

10.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 2, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A A...– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO (doravante, “Fundo”) é um organismo de investimento colectivo constituído sob a forma de fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular, ao abrigo da autorização emitida em 16-06-2016 pela Comissão de Mercado de Valores Mobiliários.

2-            Em 09-09-2016, o “Fundo” iniciou a sua actividade sob gestão da B...– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A.

3-            Integram o património do “Fundo” os prédios urbanos ou suas fracções autónomas, destinados a revenda ou à exploração económica por via do arrendamento ou de outra forma de exploração onerosa.

4-            Em 03-07-2018, o “Fundo” apresentou a declaração Modelo 1 de IMT registada sob o n.º 2018/..., manifestando à Autoridade Tributária a intenção de adquirir a C... (NIF...), D... (NIF...), E... (NIF...) e F... (NIF...) casado em comunhão de adquiridos com G... (NIF...) dois imóveis.

5-            Os imóveis que o Requerente manifestou intenção de adquirir são os seguintes:

             Prédio urbano destinado a comércio sito na Rua ..., n.ºs ... a ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de ... sob o artigo ..., pelo preço de € 8.228.000,00;

             Prédio urbano destinado ao comércio sito na Rua ..., n.ºs ... a..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de ... sob o artigo ..., pelo preço de € 2.272.000,00.

6-            Em 03-07-2018, a Autoridade Tributária emitiu a liquidação de IMT n.º ..., apurando imposto a pagar no montante total de €682.500,00.

7-            O referido valor corresponde à aplicação da taxa de 6,5% ao valor dos negócios referidos.

8-            Em 04-07-2018, o Requerente procedeu ao pagamento da referida liquidação de IMT.

9-            Nessa mesma data, o Requerente adquiriu por escritura pública os dois imóveis acima descritos.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

Em causa, na presente acção arbitral está a questão de saber se o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro se mantém em vigor e, portanto, se os Fundos de Investimento Imobiliários estão isentos de IMT na aquisição de imóveis.

Para tal, importa decidir se a isenção de IMT introduzida no artigo 46.º do EBF pela Lei do Orçamento de Estado para 2007 veio ou não revogar – e, se sim, expressa ou tacitamente – a isenção de sisa (IMT) constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87.

Sobre esta questão já se pronunciaram, entre outras as decisões do CAAD proferidas nos processos arbitrais n.º 544/2016-T, n.º 677/2016-T e n.º 440/2017-T .

Importa desde logo elencar as normas jurídicas relevantes à data de ocorrência dos factos.

De acordo com o artigo 5.º, n.º 1 do Código do IMT, a incidência do IMT é regulada pela legislação em vigor ao tempo em que se constituir a obrigação tributária, estabelecendo o n.º 2 que esta se constitui no momento em que ocorrer a transmissão.

Ora, conforme consta da factualidade assente, o Requerente é um fundo de investimento imobiliário fechado, a operar nos termos previstos no Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro.

O Requerente adquiriu, por escritura pública, em 04-07-2018, dois imóveis sitos na freguesia de Santa Maria Maior, a que correspondem os artigos matriciais n.º ... e ... .

Por ser relevante, começar-se-á por fazer um enquadramento do regime jurídico aplicável aos fundos de investimento, criado pelo Decreto-Lei n.º 246/85, de 12 de Julho, e complementado, subsequentemente, pelo Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro, que procedeu à criação de incentivos fiscais à constituição de fundos de investimento imobiliário.

No preâmbulo deste Decreto-Lei n.º 1/87 é expressamente reconhecido o importante contributo que este novo tipo de instituições financeiras poderá trazer à formação das poupanças e à sua mobilização para investimentos no sector imobiliário, além dos efeitos positivos que por essa via se induzirão nas indústrias da construção e no mercado de arrendamento de imóveis para habitação e para escritórios.

O artigo 1.º do referido Decreto-Lei n.º 1/87, de 03 de Janeiro determinou que “são isentas de Sisa as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora”.

Assim, de acordo com esta norma legal, as aquisições de bens imóveis efectuadas com o objectivo de integrarem um fundo de investimento imobiliário estariam isentas de Sisa.

Mais tarde, o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, procedeu à reforma da tributação do património, aprovando o CIMI, e o CIMT, publicados, respetivamente, nos seus anexos I e II.

Relativamente às remissões, determinou o artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, que:

“1 - Todos os textos legais que mencionam Código da Contribuição Autárquica ou contribuição autárquica consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) ou ao imposto municipal sobre imóveis (IMI).

2 - Todos os textos legais que mencionem Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, imposto municipal de sisa ou imposto sobre as sucessões e doações consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), ao Código do Imposto do Selo, ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e ao imposto do selo, respectivamente.”

O referido Decreto-Lei n.º 287/2003, incluiu ainda uma norma de revogação, no seu artigo 31.º, cujo n.º 6 dispunha:

“Mantêm-se em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI, bem como os respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante ao Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41969, de 24 de Novembro de 1958, e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, que passam a ser reportados ao IMT.”

Com efeito, de acordo com os artigos 28.º e 31.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 287/2003, e conforme refere a decisão do CAAD do processo arbitral n.º 544/2016-T, “as isenções de imposto de sisa deveriam considerar-se reportadas ao IMT, pelo que as aquisições de bens imóveis levadas a cabo por uma sociedade gestora de um fundo de investimento imobiliário com o intuito de os mesmos passarem a integrar esse fundo continuariam isentas de IMT (aquela isenção de sisa prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro). A isenção existiria sempre que o fundo se encontrasse na posição de adquirente do imóvel.”

Refira-se, tal como se escreveu na citada decisão do CAAD do processo arbitral n.º 544/2016-T, “que esta isenção tinha uma finalidade clara e inteiramente assumida pelo legislador tributário. Em causa estava o objectivo, de natureza social e económica, de definição de um quadro fiscal susceptível de incentivar a criação de fundos de investimento com capacidade para mobilizar as poupanças para a realização de investimentos no sector imobiliário, estimulando, desse modo, as indústrias da construção e o mercado de arrendamento de imóveis para habitação e para escritórios.”

A Lei do Orçamento de Estado para 2007, no seu artigo 82.º, alterou a redação do artigo 46.º do EBF, que passou a prever, além da isenção da Contribuição Autárquica (IMI) para os prédios integrados em fundos imobiliários abertos, uma isenção de IMT para os referidos prédios. Assim, os prédios integrados nos fundos mistos ou fechados, verificadas certas condições, teriam direito à redução de 50% na taxa de IMT.

Este artigo 82.º não fez qualquer referência à isenção de sisa (IMT) que se encontrava consagrada no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 03 de Janeiro.

Tal como alude a supra-citada decisão do CAAD do processo arbitral n.º 544/2016-T, a questão que se coloca prende-se com a problemática de saber se a isenção de IMT introduzida no artigo 46.º do EBF pela LOE de 2007 veio ou não revogar – e, se sim, expressa ou tacitamente – a isenção de Sisa (IMT) constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro – que, até então, ninguém duvidou manter-se. Esta questão é pertinente na medida em que, nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do Código Civil, a regra geral em matéria de cessação da vigência da lei é que “quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei.”.

Ora, o Decreto-Lei n.º 1/87 não contém qualquer indicação de que o artigo 1.º teria uma vigência temporária, pelo que, admitindo-se a sua não revogação por outra lei, a isenção dali constante, permanecerá – ainda hoje – em vigor, tal como concluiu a decisão do CAAD do processo arbitral n.º 544/2016-T.

Deste modo, a resposta a esta questão indicará a resposta à questão de saber se os actos de liquidação de IMT em causa nestes autos, são ou não ilegais.

O artigo 7.º, n.º 2 do Código Civil dispõe que “a revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior.”

Como se explicou na decisão do CAAD do processo arbitral n.º 544/2016-T, “a existência de regras de reconhecimento, orientadas para a identificação clara e precisa das normas que se encontram em vigor no ordenamento jurídico e das que já foram expressa ou tacitamente revogadas, reveste-se do maior significado, desde logo do ponto de vista do princípio da legalidade, designadamente na sua dimensão de legalidade tributária, afirmando a exigência de segurança jurídica e protecção da confiança ínsita no princípio constitucionalmente estruturante do Estado de direito. Os cidadãos, os agentes económicos e os operadores jurídicos devem poder saber com certeza quais as normas que estão e quais as que não estão em vigor no ordenamento jurídico. O artigo 7.º do Código Civil estabelece então três critérios alternativos de revogação, cujo preenchimento ou não tem relevantes implicações no caso concreto.”

Como refere o Requerente, só se poderia considerar que não é aplicável a isenção prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, caso se entendesse “que a vigência do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro cessou porque aquele preceito: (i) tinha vigência temporária; ou (ii) foi expressamente revogado; ou (iii) foi tacitamente revogado”.

Vejamos então se ocorreu alguma das três alternativas que, segundo o artigo 7.º, n.º 2 do Código Civil, conduziriam à revogação do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro.

As três alternativas do artigo 7.º, n.º 2 do Código Civil são:

a)            a declaração expressa de revogação;

b)           a incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes; ou

c)            a circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior.

Quanto à primeira delas, não existe no artigo 46.º do EBF, na redação que lhe foi dada pelo artigo 82.º da Lei do Orçamento de Estado para 2007, qualquer norma de revogação expressa do referido artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87.

Quanto à segunda das alternativas, a isenção de IMT constante da nova redação do artigo 46.º aplicar-se-ia sempre que o fundo fosse o adquirente do imóvel, enquanto que a isenção de IMT constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87 aplicar-se-ia quando o fundo se encontrasse na posição de alienante do imóvel. Com efeito, não se verifica qualquer incompatibilidade entre as novas disposições (novo artigo 46.º do EBF) e as regras precedentes (artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87), mas antes como se refere o Requerente aplicam-se “a momentos distintos do processo de aquisição/alienação dos imóveis e, nessa medida, também a diferentes sujeitos passivos”. Assim, nota-se que as novas disposições e as regras precedentes não só são compatíveis como criam um regime fiscal especialmente apetecível para as sociedades gestoras de fundos imobiliários.

Note-se também que a redução para metade das taxas de IMT, constante do atual artigo 49.º do EBF, constitui um suplemento não despiciendo e não redundante relativamente à isenção estabelecida pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87. Trata-se de uma isenção estrutural e teleologicamente distinta desta última, cuja introdução e manutenção na ordem jurídica assenta numa distinta valoração de política fiscal.

Continuando com o quanto se exarou na decisão do processo arbitral n.º 544/2016-T do CAAD, “a possibilidade de coexistência jurídico-normativa de isenções de IMT nos momentos da aquisição e de alienação de um imóvel está longe de constituir uma solução anómala ou sistemicamente disfuncional. Tal coexistência pode ser encontrada hoje no próprio EBF, em matéria de prédios urbanos destinados a reabilitação, verificados determinados pressupostos. Com efeito, o artigo 45.º, n.º 2 determina que “Ficam isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as aquisições de prédios urbanos destinados a reabilitação urbanística, desde que, no prazo de três anos a contar da data de aquisição, o adquirente inicie as respectivas obras.” Paralelamente, o artigo 71. º, n.º 8 do EBF dispõe que “São isentas do IMT as aquisições de prédio urbano ou de fracção autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, na primeira transmissão onerosa do prédio reabilitado, quando localizado na área de reabilitação urbana”. Também aqui uma isenção ao IMT no momento da aquisição do imóvel a reabilitar coexiste com a isenção no momento da alienação do imóvel reabilitado, num quadro de complementaridade jurídica coerente com a racionalidade económica e social dos regimes instituídos.

Solução estruturalmente idêntica pode encontrar-se também no artigo 8.º, n.º 7 do Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro - Capítulo X, onde se dispõe que ficam isentos do IMT “a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1; b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.””

Em relação à terceira alternativa do artigo 7.º, n.º 2 do Código Civil, a introdução da isenção do artigo 46.º do EBF não pode ser interpretada como uma revogação por substituição da isenção constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, desde logo, porquanto os benefícios fiscais não se encontram só previstos no EBF, podendo constar de legislação avulsa.

Assim, temos que concluir que as duas isenções são diferentes, compatíveis e complementam-se uma à outra.

Posto isto, vejam-se agora as várias alterações que foram efectuadas, ao longo do tempo, ao referido artigo 46.º do EBF:

             a previsão, no artigo 88.º da Lei n.º 53-A/2006, de 31 de Dezembro (LOE de 2007), de um regime transitório para fundos mistos ou fechados em determinadas circunstâncias;

             a renumeração do artigo 46.º do EBF, que passou a 49.º, efectuada pelo artigo 109.º da Lei n.º 2-B/2010, de 28 de Abril (LOE de 2010), que reserva a isenção do IMT a fundos de investimento imobiliário abertos;

             a extensão da isenção do IMT a fundos fechados de subscrição pública efetuada pelo artigo 119.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (LOE de 2011);

             a substituição da isenção de IMT dos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública por uma redução para metade das taxas de IMT, operada pelo artigo 206.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (LOE de 2014), acompanhada por um regime transitório no artigo 209.º.

As referidas alterações tiveram como objecto a isenção de IMT respeitante a imóveis integrados em fundos imobiliários. Nada decorre das mesmas que possa fazer concluir que as mesmas se reportavam à isenção constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87.

Neste contexto, forçosamente se há-de concluir como se concluiu na decisão do CAAD do processo arbitral n.º 544/2016-T, ou seja que a isenção de Sisa prevista o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro, e que passou a reportar-se ao IMT, nos termos dos artigos 28.º e 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, se mantém, em vigor. Pelo que, estão isentas de IMT as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela sua respetiva sociedade gestora.

Ora, o Requerente adquiriu dois imóveis que afectou ao próprio fundo. Deste modo, a isenção de IMT prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 03 de Janeiro, é aplicável à aquisição em causa, não devendo haver lugar ao pagamento de IMT por força da referida aquisição.

Assim, e em conclusão, assiste razão ao Requerente determinando-se a declaração de ilegalidade da liquidação impugnada, pelo que procede o pedido arbitral com a consequente anulação da referida liquidação de IMT, e demais consequências.

 

*

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pelo Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Com efeito, dispõe o artigo 43.º/1 da LGT que:

“São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

Tem, pois, direito a ser reembolsado o Requerente da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a ser indemnizado pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

a)            Anular o acto de liquidação de IMT n.º..., no valor de € 682.500,00;

b)           Condenar a AT na devolução do montante de imposto indevidamente pagos, e no pagamento de juros indemnizatórios nos termos acima indicados;

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 682.500,00, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €10.098,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2018

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

 

O Árbitro Vogal

(José Coutinho Pires)

 

 

O Árbitro Vogal

(Francisco José Nicolau Domingos)