Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 525/2018-T
Data da decisão: 2019-04-26  IVA  
Valor do pedido: € 77.014,73
Tema: IVA – Gasóleo colorido e mercado.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Sofia Ricardo Borges e Dr. José Coutinho Pires (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 07-01-2019, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A..., LDA., sociedade comercial com o número único de pessoa colectiva e de matrícula no Registo Comercial n.º..., com sede no Lugar de ..., freguesia de ... e ... e concelho de ..., (doravante designada por "Requerente"), veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

A Requerente pretende a anulação da liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios, referentes aos períodos de 201412T, 201512T, 201612T, 201703T e 201712T, das quais decorre um montante total a pagar de EUR 77.014,85.

 

 

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 25-9-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, os Árbitros que inicialmente foram designados pelo Conselho Deontológico comunicaram a aceitação do encargo, no prazo aplicável.

Em 24-12-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 07-01-2019.

A Administração Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 07-02-2019, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

Por despacho de 11-02-2019 foi suspensa a instância até que fosse proferida decisão no processo arbitral n.º 322/2018-T, que tem por objecto liquidações relativas a ISP e CSR baseadas nos factos que estão subjacentes às liquidações de IVA impugnadas no presente processo.

            O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1.  A Requerente tem como actividade principal a distribuição e comercialização de combustíveis líquidos no mercado português, de entre os quais se inclui a distribuição de gasóleo colorido e marcado, vulgarmente designado por “gasóleo verde;
  2. A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspeção à Requerente. em sede de IVA, ao abrigo das ordens de serviço n.º OI2018..., OI2018..., OI2018... e OI2018..., com início em 04-05-2018;
  3. Nessa inspecção foi elaborado projecto de Relatório, que foi notificado à Requerente;
  4. A Requerente exerceu o direito de audição sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária;
  5. Na sequência do exercício do direito de audição foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária, que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas

III.1.-IVA

Em 2017-09-29 foi iniciada uma ação de natureza inspetiva pela Alfândega de ... -Delegação Aduaneira de ... ao posto de abastecimento de combustível do sujeito passivo, sediado em ... n.º ... - ..., onde foi efetuada a inventariação de existências, com a elaboração do termo de varejo (inventário), e foram recolhidos e analisados os elementos contabilísticos, nomeadamente, contas correntes de fornecedores de combustíveis, registos efetuados nas subcontas da conta compras de combustíveis, subcontas de vendas de mercadorias — combustíveis, entre outras. Foram, também, recolhidos os ficheiros SAF-T, bem como informação da base de dados da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR), relativamente ao gasóleo colorido e marcado (GCM) vendido a detentores de cartão eletrónico, bem como ao GCM adquirido por titulares de cartões inválidos ou suspensos.

Das análises efetuadas detetaram-se divergências em sede de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e de Taxa de Contribuição do Serviço Rodoviário (CSR).

No quadro seguinte consta, por ano, a indicação dos montantes em falta:

 

           

Nota: Os quadros acima relativos aos anos de 2014 a 2017, bem como as notas de rodapé, foram transcritos do relatório da Alfândega de ... - Delegação Aduaneira de ... e que deu origem a esta ação de inspeção.

No quadro seguinte, indica-se resumidamente, por período de imposto, o total do IVA em falta.

IX. Direito de Audição - Fundamentação

Através do ofício n.º ... de 2018-05-14 foi o sujeito passivo notificado, nos termos do artigo 60º da LGT a artigo 60º do RCPIT, para, no prazo de 15 dias, querendo, exercer o direito de audição sobre o conteúdo do Projeto de Relatório.

O sujeito passivo exerceu o referido direito na forma escrita, subscrito por mandatário, tendo o respetivo documento dado entrada na Direção de Finanças da ... no dia 29-05-2018, tendo sido atribuído o n.º 2018... .

Em resumo, alega que discorda com o teor do relatório final, realizado pelos serviços Alfandegários, referindo que pretende impugnar as suas conclusões bem como e em consequência, as liquidações que dali resultaram, estando a preparar o pedido de constituição do tribunal arbitral do CAAD - Centro de Arbitragem Tributária. Por essa razão e no seu entendimento, o presente processo deveria ficar suspenso (pontos 3 e 4 do direito de audição).

Apreciando a fundamentação apresentada pelo sujeito passivo, conclui-se que carece de fundamentação legal a possibilidade de suspensão das liquidações de IVA inerente às correções efetuadas pelos serviços alfandegários.

Alegou ainda, resumidamente, que a legislação não prevê qualquer liquidação adicional em sede de IVA, à semelhança do que acontece em sede do CIEC (pontos 5 a 14 do direito de audição).

Sobre esta matéria reitera-se a fundamentação descrita no capítulo III do presente relatório de inspeção.

Resumidamente e tal como referido no capítulo III do presente relatório, sendo que o texto da referida verba 2.3 da lista II do Código do IVA refere "petróleo e gasóleo, coloridos e marcados, comercializados nas condições e para as finalidades legalmente definidas, e fuelóleo e respetivas misturas", é inequívoco que a taxa de 13% prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, apenas pode ser aplicada, nas transmissões de petróleo e gasóleo, colorido e marcados, quando comercializadas nas condições e para as finalidades legalmente definidas. Quando a comercialização não for feita nessas condições, não cumpre com o previsto na referida verba, nem em qualquer outra verba que constam das listas l e II anexas ao código do IVA, pelo que, a taxa de IVA a aplicar é a prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA (23%).

Da mesma forma e relativamente à liquidação da diferença de IVA, esta vai de encontro ao determinado no ponto do n.º 10 da informação n.º 2187, de 18/08/2014, da Direção de Serviços do IVA, que dispõe o seguinte: "... só na medida em que as regras de comercialização do gasóleo colorido e marcado sejam satisfeitas é que a taxa intermédia do IVA pode ser aplicada, resultando tal aceção, não apenas de uma interpretação que atende ao elemento lógico-sistemático da verba 2.3 da lista II anexa ao CIVA, como de um imperativo decorrente das regras do sistema comum do imposto, pelo que o desrespeito pelas normas de comercialização confere à AT a faculdade de proceder à liquidação adicional do imposto, aplicando ao preço de venda a diferença entre a taxa do IVA que foi aplicada (13%) e a normal (23%)

Em face do exposto, será de manter o teor do presente relatório de inspeção, bem como e em consequência do mesmo, as respetivas liquidações de IVA, não sendo dado provimento às pretensões do sujeito passivo, elencadas no direito de audição.

 

  1. Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios, referentes aos períodos de 201412T, 201512T, 201612T, 201703T e 201712T, das quais decorre um montante total a pagar de EUR 77.014,85, com os seguintes números:

- Liquidação de IVA n.º 2018... do período 201412T;

- Liquidação de juros compensatórios n.º 2018... do período 201412T; - Liquidação de IVA n.º 2018... do período 201512T;

- Liquidação de juros compensatórios n.º... do período 201512T;

- Liquidação de IVA n.º 2018... do período 201612T;

- Liquidação de juros compensatórios n.º ... do período 201612T;

- Liquidação de IVA n.º 2018... do período 201703T;

- Liquidação de juros compensatórios n.º ... do período 201703T;

- Liquidação de IVA n.º 2018... do período 201712T;

- Liquidação juros compensatórios n.º... do período 201712T;

  1.  A Requerente instaurou processo arbitral no CAAD – Centro de Arbitragem Tributária, que corre termos sob o n.º 322/2018-T, em que impugnou o decidido pela Autoridade Tributária e Aduaneira sobre irregularidades respeitantes à venda de Gasóleo Colorido de Marcado (GCM);
  2.  Nesse processo n.º 322/2018-T foi proferida decisão em que se deram como provados, além de outros, os seguintes factos:

C. Entre os anos 2014 e 2017, a Requerente registou no sistema eletrónico, através do TPA/POS n.º..., abastecimentos de gasóleo colorido e marcado no volume total de 389.219,80 litros, distribuídos da seguinte forma:

D. Os abastecimentos de gasóleo colorido e marcado registados pela Requerente no sistema eletrónico de controlo, constam de listagem emitida pela DGADR que identifica, relativamente a cada um, os seguintes elementos de informação:

(i) Nome do cliente que abasteceu;

(li) Data e hora do abastecimento;

(iii) Número de litros;

(iv) Número do cartão de microcircuito utilizado; e

(v) Número de beneficiário do cartão de microcircuito (...)

E. No período entre janeiro de 2014 e setembro de 2017, os abastecimentos de gasóleo colorido e marcado registados pela Requerente no sistema eletrónico de controlo foram superiores aos adquiridos aos fornecedores e que efetivamente vendeu em cerca de 60.000 litros (...);

F. Os clientes, agricultores, que abastecem gasóleo colorido e marcado no estabelecimento da Requerente, frequentes vezes não transportam consigo, no momento do abastecimento, o cartão eletrónico de microcircuito, pelo que não o passam nessa altura no TPA/POS n.º ... da Requerente e não é feito o seu registo imediato. Nesses casos, a Requerente faz o apontamento manual dos litros abastecidos e regista-os posteriormente em conjunto, seja no final do dia, da semana ou do mês (...);

G. Quando os clientes passam o cartão de microcircuito no TPA, é frequente que insiram uma quantidade superior à do abastecimento efetivo, seja porque esse passo é, em regra, prévio ao do abastecimento e têm de fazer uma estimativa do combustível necessário para atestar o depósito, não sendo possível fazer a retificação subsequente do consumo efetivo, por intermédio do TPA, pois o sistema não o permite, ao contrário do que sucede, por exemplo, com o funcionamento dos cartões bancários de débito e de crédito; seja porque pretendem manter um histórico de consumos elevado, para assegurar os seus ''plafonds'" de gasóleo colorido e marcado (com receio de, caso consumam valores inferiores, verem diminuídos esses "plafonds"), registando consumos por excesso, ao que a Requerente acede. O valor faturado corresponde ao do consumo efetivo (...);

H. No período de 01.01.2014 a 29.09.2017, o volume de 273.033,88 litros de gasóleo colorido e marcado vendidos pela Requerente foi registado no sistema eletrónico de controlo desta (terminal de pagamento automático POS n.º...) em momento diferente daquele em que ocorreu o abastecimento (...);

I. No período de 01.01.2015 a 29.09.2017, foram emitidas, pela Requerente, faturas de venda de 227.339,75 litros de gasóleo colorido e marcado, sem nome, isto é, assumindo como destinatário a categoria genérica de "consumidor final", NIF 999 999 990;

J. No período de 01.01.2014 a 29.09.2017, foram debitados / faturados pela Requerente 6.276,41 litros de gasóleo colorido e marcado a entidades que não são titulares do cartão eletrónico de microcircuito, dos quais 1.620,08 litros foram faturados à própria Requerente e 2.693,11 litros a B... (...);

K. O terminal POS utilizado pela Requerente para registar as quantidades vendidas de gasóleo colorido e marcado frequentemente não funciona por falta de rede (...);

L. Quando o terminal POS não funciona por falta de rede, a Requerente aponta em papel a quantidade que vendida e o cliente respetivo, sendo essa informação registada no terminal POS em momento posterior (...);

M. Em 29.09.2017. em cumprimento da ordem de serviço n.º OI2017..., a Delegação Aduaneira de ... iniciou uma ação de natureza inspetiva à Requerente, de procedimento externo, tendo por âmbito o ISP - controlo de venda de gasóleo colorido e marcado, no período compreendido entre 01.01.2014 e 29.09.2017 (...)

N. A inspeção efetuada teve por principal objetivo apurar se a comercialização de gasóleo colorido e marcado estava a ser feita em cumprimento do estipulado no artigo 93.º do Código dos IEC e da Portaria n.º 361-A/2008, de 12.05 (...);

O. Em resultado desta ação inspetiva, em 20.02.2018, a Requerente foi notificada do projeto de conclusões, para exercer o direito de audição sobre a seguinte proposta de correções:

(a) Imposto de Consumo sobre Gasóleo Rodoviário - € 106.229,65;

(b) Contribuição de Serviço Rodoviário sobre o Gasóleo ("CSR") - € 53.055,97;

(c) Encargos de Cobrança de CSR - 1.082,77 (...)

P. A Requerente optou por não exercer o direito de audição e a AT procedeu à notificação do Relatório Final de Inspeção por ofício datado de 21.03.2018, sobre o qual recaiu despacho concordante do Chefe de Delegação com a mesma data, que manteve as correções projetadas (...) extraindo-se a seguinte fundamentação com relevo para a matéria em discussão nos presentes autos arbitrais:

 

“Capítulo IV – Controlos efetuados

[…] o procedimento inspetivo teve início com a inventariação do gasóleo colorido e marcado existente nas instalações da empresa.

 Na contabilidade da empresa, foram analisados os elementos contabilísticos considerados relevantes, nomeadamente as contas correntes de fornecedores de combustíveis, os registos efetuados nas subcontas da conta compras de combustíveis, subcontas da conta de vendas de mercadorias – combustíveis, entre outras.

 Foram recolhidos os ficheiros do SAF-T, relativos ao período em análise.

 Recolheu-se informação da base de dados da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR), relativamente ao GCM vendido a detentores de cartão eletrónico, bem como ao GCM adquirido por titulares de cartões inválidos ou suspensos.

 Cruzou-se informação entre os registos contabilísticos (compras de CCM) e os abastecimentos efetuados pelos fornecedores.

Controlos efetuados:

[…]

2 – Análise das compras de combustíveis

 Da análise dos documentos registados na contabilidade financeira da empresa, constatou-se que no período em análise foi adquirido gasóleo colorido e marcado (G.C.M) a três fornecedores, conforme se demonstra no quadro seguinte:

As aquisições supra identificadas foram confirmadas através do cruzamento de informação junto das empresas fornecedoras.

[…]

3 – Análise das vendas de gasóleo colorido e marcado

Para o apuramento das quantidades de GCM que não ficaram registadas no sistema eletrónico de controlo, terminal POS n.º..., bem como, apuramento das quantidades para as quais não foi emitida a correspondente fatura em nome do titular do cartão, foram efetuadas as seguintes diligências:

Ø Foi feita a recolha e análise de elementos dos ficheiros SAF-T, relativos aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017;

Ø Extraíram-se listagens da base de dados da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR), relativas aos registos efetuados no terminal POS (TPA) n.º...;

Ø Procedeu-se, à confrontação dos dados recolhidos dos ficheiros SAF-T, com os registos efetuados no terminal POS (TPA) n.º... .

4. Da confrontação dos dados recolhidos dos ficheiros SAF-T, com os registos efetuados no terminal POS n.º..., apura-se:

4.1 A quantidade de gasóleo colorido e marcado vendido e não registado no sistema eletrónico de controlo em violação do disposto no n.º 5 do artigo 93.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC) e n.ºs 4 e 6 da Portaria n.º 361-A/2008, de 12/05, cuja quantidade apurada está sujeita a imposto sobre os produtos petrolíferos, resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado.

 […]

4.2. Gasóleo colorido e marcado vendido sem que a transação fosse titulada com a emissão de fatura em nome do dono do cartão eletrónico, em violação do disposto no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC e n.º 8 da Portaria 361-A/2008 de 12 de maio, cuja quantidade apurada está sujeita a imposto sobre os produtos petrolíferos, resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado.

 […]

6 – Determinação dos resultados

 Para a determinação do resultado final foi considerado o somatório dos litros de GCM, por período, conforme se demonstra nos Quadros II a XXXVII

i. Litros de GCM vendidos que não foram registados no sistema eletrónico de controlo, terminal POS n.º...;

ii. Litros de GCM vendidos/saídos para os quais não foram emitidas as correspondentes faturas em nome dos titulares do cartão eletrónico;

iii. Litros de GCM vendidos a não detentores do cartão eletrónico.

                 […]

 

  1.  Em 24-19-2018, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base no Relatório da Inspecção Tributária, nos documentos juntos pela Requerente e na decisão do processo n.º 322/2018-T.

As irregularidades invocadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira para efectuar as liquidações impugnadas são as que como tal foram consideradas para efectuar as liquidações cuja legalidade foi apreciada no processo n.º 322/2018-T, não tendo mesmo o Relatório da Inspecção Tributária em que se basearam as liquidações impugnadas no presente processo qualquer fundamentação de facto própria.

A prova produzida nesse processo n.º 322/2018-T é relevante no presente processo, de harmonia com o preceituado no artigo 421.º do Código de Processo Civil, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

Por outro lado, não havendo recurso da matéria de facto em processos arbitrais, os juízos probatórios formulados nesse processo n.º 322/2018-T sobre os factos que servem de base às liquidações impugnadas devem considerar-se assentes, atento o preceituado no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, que estabelece que «nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».

 

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente é revendedora de combustíveis.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu terem ocorrido irregularidades na venda pela Requerente de gasóleo colorido e marcado.

O Relatório da Inspecção Tributária subjacente às liquidações de IVA tem por base os factos apurados na inspeção que esteve subjacente às liquidações de ISP e CSR que foram objecto de apreciação no processo arbitral n.º 322/2018-T.

O regime de contencioso previsto no RJAT é de mera legalidade, visando-se apenas a declaração de ilegalidade de actos dos tipos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do seu artigo 2.º.

Por isso, tem de se aferir da legalidade dos actos impugnados tal como foram praticados, com a fundamentação que neles foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a hipotéticos outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo jurisdicional.

Assim, não pode o Tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos e deixar de declarar a ilegalidade do concreto acto praticado por, eventualmente, existir a possibilidade abstracta um hipotético acto com conteúdo decisório total ou parcialmente idêntico, com outra fundamentação, que seria legal, mas não foi praticado. ( [1] )

 Com base no Relatório da Inspecção Tributária referente às liquidações de ISP e CSR conclui-se que as irregularidades na comercialização de gasóleo colorido e marcado que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu justificarem a tributação são as seguintes:

– vendas que não foram registadas no sistema electrónico de controlo;

 – vendas para as quais não foram emitidas facturas em nome dos titulares de cartão electrónico;

– vendas a entidades não titulares de cartão electrónico.

 

E os fundamentos de direito das liquidações invocados no Relatório da Inspecção Tributária são o n.º 5 do artigo 93.º do CIEC, os n.ºs 4, 5, 6 e 8 da Portaria 361-A/2008 de 12 de Maio e o artigo 18.º, n.º 1, alínea b) e a verba 2.3 da lista II do Código do IVA.

É, assim, à face desta fundamentação de direito e da matéria de facto fixada que há que apreciar a legalidade das liquidações impugnadas.

Da matéria de facto fixada, resultante da prova produzida no processo n.º 322/2018-T, consta que:

 

H. No período de 01.01.2014 a 29.09.2017, o volume de 273.033,88 litros de gasóleo colorido e marcado vendidos pela Requerente foi registado no sistema eletrónico de controlo desta (terminal de pagamento automático POS n.º...) em momento diferente daquele em que ocorreu o abastecimento (...);

I. No período de 01.01.2015 a 29.09.2017, foram emitidas, pela Requerente, faturas de venda de 227.339,75 litros de gasóleo colorido e marcado, sem nome, isto é, assumindo como destinatário a categoria genérica de "consumidor final", NIF 999 999 990;

J. No período de 01.01.2014 a 29.09.2017, foram debitados / faturados pela Requerente 6.276,41 litros de gasóleo colorido e marcado a entidades que não são titulares do cartão eletrónico de microcircuito, dos quais 1.620,08 litros foram faturados à própria Requerente e 2.693,11 litros a B... (...);

 

3.1. Posições das Partes

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, no Relatório da Inspecção Tributária, o seguinte, no essencial:

(...) sendo que o texto da referida verba 2.3 da lista II do Código do IVA refere "petróleo e gasóleo, coloridos e marcados, comercializados nas condições e para as finalidades legalmente definidas, e fuelóleo e respetivas misturas", é inequívoco que a taxa de 13% prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, apenas pode ser aplicada, nas transmissões de petróleo e gasóleo, colorido e marcados, quando comercializadas nas condições e para as finalidades legalmente definidas. Quando a comercialização não for feita nessas condições, não cumpre com o previsto na referida verba, nem em qualquer outra verba que constam das listas l e II anexas ao código do IVA, pelo que, a taxa de IVA a aplicar é a prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA (23%).

Da mesma forma e relativamente à liquidação da diferença de IVA, esta vai de encontro ao determinado no ponto do n.º 10 da informação n.º..., de 18/08/2014, da Direção de Serviços do IVA, que dispõe o seguinte: "... só na medida em que as regras de comercialização do gasóleo colorido e marcado sejam satisfeitas é que a taxa intermédia do IVA pode ser aplicada, resultando tal aceção, não apenas de uma interpretação que atende ao elemento lógico-sistemático da verba 2.3 da lista II anexa ao CIVA, como de um imperativo decorrente das regras do sistema comum do imposto, pelo que o desrespeito pelas normas de comercialização confere à AT a faculdade de proceder à liquidação adicional do imposto, aplicando ao preço de venda a diferença entre a taxa do IVA que foi aplicada (13%) e a normal (23%)

 

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira apurou o IVA que considerou em falta aplicando a diferença entre a taxa normal de 23% e a taxa reduzida de 13%, com base nas quantidades de GCM que considerou terem sido irregularmente comercializadas.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente defende, em suma:

  • não existe qualquer norma do CIVA que regule a utilização desse produto ao contrário do CIEC, que restringe e regulamenta a comercialização a titulares de cartão de microcircuito;
  • «quanto ao gasóleo colorido marcado, o mesmo nunca constou do Código do IVA limitando-se a inserir este produto na lista de produtos aplicável à taxa intermédia»;
  • tal regime constou da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril, que estabelecia a obrigação de liquidação de ISP e IVA, pelas diferenças de taxa aplicáveis aos dois tipos de gasóleo, sendo que o CIEC incorporou no seu artigo 93.º, n.º 5 do CIEC o regime que constava daquela Portaria, com a diferença de ter eliminado qualquer referência ao IVA;
  • aquela Portaria foi declarada organicamente inconstitucional;
  • o ISP não faz parte da base tributável do IVA, não se subsumindo no art. 16.º, n.º 5, al. a), uma vez que os factos geradores são distintos, estando o ISP a montante do IVA;
  • a posição da AT é contraditória uma vez que não efetuou qualquer alteração à taxa de IVA incluída na fatura emitida pela requerente aos seus clientes, mantendo aqui a taxa de 13%, apenas aplicando a taxa de 23% sobre a diferença positiva entre o nível de tributação do gasóleo rodoviário e o nível de tributação de tributação aplicada ao gasóleo colorido e marcado, em sede de ISP;
  • a tributação do gasóleo colorido e marcado a uma taxa de IVA diversa da prevista na lei, em consequência da comercialização irregular de tal produto, carece de base legal prévia, de acordo com a reserva de lei fiscal, nos termos dos artigos 165.º, n.º 1, al. i) e 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa;
  • a liquidação não pode basear-se em diretivas internas da Autoridade Tributária e Aduaneira;
  • o gasóleo em causa não deixou de ser marcado e colorido e passou a ser considerado gasóleo rodoviário pela circunstância de não terem sido, alegadamente, cumpridas as formalidades da Portaria n.º 361-A/2008 de 12 de Maio;
  • através da emissão desse cartão, a Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural reconhece e certifica que o seu titular preenche os requisitos objetivos e subjetivos para poder beneficiar do desagravamento fiscal;
  • a obrigação de registar as vendas nos terminais TPA/POS e a obrigação de emitir as faturas em nome dos titulares do cartão não são elementos constitutivos do benefício, servindo apenas o propósito de permitir controlo de que efectivamente o gasóleo é (e foi) vendido a quem tem o direito de o comprar com redução de taxa;
  • o cartão microcircuito é um documento ad substantiam, pois sem ele não pode ser efectuada qualquer venda com redução de taxa. Porém, o registo das vendas e a emissão da factura nos termos referidos constituem documentos (ou requisitos) ad probationem;
  • o direito à redução de taxa deverá manter-se se estiverem verificados os requisitos da sua atribuição – entenda-se aquisição do gasóleo por parte de um titular de um cartão microcircuito – e se existirem provas que tais requisitos foram respeitados, ainda que as formalidades previstas na lei não tenham sido cumpridas;
  • sendo formalidades ad probationem, as mesmas podem ser substituídas por outros meios de prova.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende a posição assumida no Relatório da Inspecção Tributária dizendo, no essencial, o seguinte:

  • Atendendo ao descrito na Lista II da tabela anexa ao CIVA (Verba 2.3) referente aos “Bens e serviços sujeitos a taxa intermédia”, o GCM é tributado em IVA à taxa de 13%;
  • A aplicação da taxa intermédia de IVA às transmissões do GCM pressupõe que as mesmas sejam efectuadas com observância das disposições legais relativas ao benefício da redução de taxa de ISP, tal como estabelecidas no CIEC e legislação complementar;
  • na medida em que a taxa intermédia de IVA só pode ser aplicada quando sejam satisfeitas as finalidades legalmente definidas e as respectivas condições de comercialização do GCM, o desrespeito de tais normas confere à AT a faculdade de proceder à liquidação adicional do imposto, aplicando ao preço de venda a diferença entre a taxa do IVA que foi aplicada (13%) e a normal (23%);
  • a norma que constava na Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril, que dispunha expressamente a responsabilidade dos proprietários dos postos de abastecimento pelo pagamento do ISP e do respectivo IVA (1) - e que, nas palavras da Requerente, não passou para o CIEC - foi criada num determinado contexto histórico, relacionado com a existência de um regime especial de tributação de combustíveis líquidos (gasolina e gasóleo) que constava do Decreto-Lei n.º 521/85, de 31 de Dezembro, e que viria a ser revogado a partir de 01.01.2004, pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro.
  • com a revogação do regime especial que constava do Decreto-Lei n.º 521/85, e a introdução do novo regime especial no CIVA, os revendedores de combustíveis líquidos passaram a ser sujeitos passivos de imposto, e a liquidação e obrigação de entrega ao Estado do imposto devido pelas transmissões deste tipo de bens passou a fazer-se em toda a cadeia de comercialização, nos termos constantes dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1 e 27.º e 37.º do CIVA;
  • na sequência dessas decisões do Tribunal Constitucional, e de várias outras ao nível dos tribunais administrativos e fiscais, o legislador alterou, através da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, o artigo 74.º, n.º 5, do anterior CIEC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de Dezembro, tendo esta norma sido complementada por normas de natureza regulamentar, designadamente as constantes das Portarias n.ºs 117-A/2008, de 8 de Fevereiro, e 361-A/2008, de 12 de Maio, ambas aprovadas ainda na vigência do anterior Código dos Impostos Especiais de Consumo, e tendo por referência habilitante o seu artigo 74.º, mas mantidas em vigor aquando da aprovação do novo CIEC, por força do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 73/2010, que aprovou este último Código;
  • com a aprovação do novo Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC) pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, a matéria passou a constar do artigo 93.º, o qual prevê a responsabilidade directa e objectiva dos titulares de postos de abastecimento, pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao GCM, relativamente às quantidades vendidas em desrespeito do fim e das condições de comercialização do GCM;
  • o CIVA não sofreu, no entanto, qualquer alteração por força das decisões sobre a inconstitucionalidade do n.º 7.º da Portaria n.º 234/97 e da sua posterior revogação, no sentido de prever a responsabilidade do titular ou responsável pela exploração do posto de abastecimento pela diferença resultante da aplicação da taxa normal de IVA e não intermédia a esses abastecimentos de GCM não registados no sistema de microcircuito;
  • nem era necessário que tal alteração legislativa tivesse ocorrido no CIVA, pois em sede de IVA, deixou de ser necessária a previsão legal especial de responsabilidade tributária dos revendedores titulares dos postos de abastecimento pelo imposto decorrente da diferença de tributação entre o gasóleo rodoviário e o gasóleo colorido e marcado, uma vez que, como se referiu já, essa responsabilidade resulta, desde a revogação do Decreto-Lei n.º 521/85, directamente das normas gerais de incidência objectiva e subjectiva previstas no CIVA, bem como da respectiva exigibilidade do Imposto;
  • esta correcção de imposto não é diferente de qualquer outra em que o sujeito passivo líquido imposto a taxa inferior àquela que era legalmente devida, a qual, aliás, é alheia às razões que estiveram na origem da adopção dessa taxa, sendo a liquidação adicional devida, salvo situações muito excepcionais, mesmo nas situações de erro;
  • não existe uma lacuna de previsão, pois a redacção da verba 2.3. da Lista II anexa ao CIVA, viria a ser alterada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, passando então a referir-se, não só ao GCM, como também às suas condições de comercialização e às finalidades legalmente definidas: “2.3 - Petróleo e gasóleo, coloridos e marcados, comercializados nas condições e para as finalidades legalmente definidas, e fuelóleo e respetivas misturas”;
  • tal intervenção legislativa teve, precisamente, por finalidade clarificar o âmbito da referida verba, evidenciando o carácter interpretativo da alteração, no sentido da aplicação da taxa intermédia apenas nas situações em que a comercialização respeita as condições e finalidades legal e regulamentarmente definidas, assim como pela prerrogativa da AT proceder às devidas correcções do imposto nos termos gerais do CIVA;
  • não existe, assim, qualquer lacuna ou omissão, porquanto, actualmente, aquela norma subordina a tributação à taxa intermédia de IVA ao condicionalismo estabelecido no artigo 93.º do CIEC e demais regras de comercialização a que o GCM se encontra sujeito, transpondo para o domínio daquele tributo as regras o direito nacional (anterior ou posterior) tem de se conformar e ser interpretado de acordo com estas directivas de harmonização do IVA, em obediência ao princípio do primado do direito comunitário sobre o direito nacional e ao princípio da interpretação conforme do direito nacional ao direito comunitário, sob pena de violação ou incumprimento do direito comunitário por parte do Estado Português;
  • não se afigura que seja admissível a qualquer Estado-membro a tributação a uma taxa reduzida de gasóleo rodoviário, per se;
  • A Directiva 2006/112/CE, actualmente em vigor, continuou a permitir, no seu artigo 118.º, a aplicação de taxas reduzidas para transmissões de certos bens não expressamente enumerados no seu Anexo III, para os Estados-Membros que já aplicassem essas reduções desde 1991 (tratando-se de um regime excepcional);
  • no entanto, por um lado, tal regime tinha carácter transitório e, por outro, se é verdade que Portugal, aquando da introdução do IVA no direito interno, tributava o gasóleo em geral a uma taxa reduzida de IVA, aquando da aprovação e entrada em vigor desta Directiva, tal já não acontecia, sendo o gasóleo rodoviário tributado à taxa normal;
  • fora dessas situações excepcionais abrangidas pelo artigo 118.º, a Directiva 2006/112/CE apenas admite, como regra geral, a aplicação de reduções de taxa nos termos do seu artigo 98.º, conjugado com o seu Anexo III;
  • e, no n.º 11) do seu Anexo III, prevê-se a aplicação de taxa reduzida de IVA a operações tributáveis sobre bens que se destinem a ser utilizados na produção agrícola;
  • nos termos dos artigos 73.º, 78.º e 79.º da Directiva n.º 2006/112/CE e do artigo 16.º, n.º 1, do CIVA, os impostos especiais incluem-se na base tributável do CIVA.

 

 

 

3.2. Regime aplicável

 

Na Lista II anexa ao CIVA, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, relativa aos «bens e serviços sujeitos a taxa intermédia», refere-se o seguinte, na verba 2.3:

 

2.3 – Petróleo e gasóleo, coloridos e marcados, e fuelóleo e respectivas misturas.

 

C0m a redacção da Lei n.º 82/2014, de 31 de Dezembro, esta verba 2.3 passou a ter a seguinte redacção:

 

2.3 – Petróleo e gasóleo, coloridos e marcados, comercializados nas condições e para as finalidades legalmente definidas, e fuelóleo e respetivas misturas

 

            O regime da comercialização do gasóleo colorido e marcado a taxas reduzidas, consta do artigo 93.º do CIEC que estabelece o seguinte:

 

Artigo 93.º

Taxas reduzidas

1 - São tributados com taxas reduzidas o gasóleo, o gasóleo de aquecimento e o petróleo coloridos e marcados com os aditivos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

2 – (...)

3 - O gasóleo colorido e marcado só pode ser consumido por:

a) Motores estacionários utilizados na rega;

b) Embarcações referidas nas alíneas c) e h) do n.º 1 do artigo 89.º;

c) Tratores agrícolas, ceifeiras debulhadoras, motocultivadores, motoenxadas, motoceifeiras, colhedores de batata automotrizes, colhedores de ervilha, colhedores de forragem para silagem, colhedores de tomate, gadanheiras-condicionadoras, máquinas de vindimar, vibradores de tronco para colheita de azeitona e outros frutos, bem como outros equipamentos, incluindo os utilizados para a atividade aquícola e na pesca com a arte-xávega, aprovados por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da agricultura e do mar; (Redação dada pelo artigo 211.º, da Lei n.º 42 /2016, de 28 de Dezembro) ( [2] )

d) Veículos de transporte de passageiros e de mercadorias por caminhos-de-ferro;

e) Motores fixos;

f) Motores frigoríficos autónomos, instalados em veículos pesados de transporte de bens perecíveis, alimentados por depósitos de combustível separados, e que possuam certificação ATP (Acordo de Transportes Perecíveis), nos termos a definir em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da agricultura e dos transportes.

4 – (...)

5 - O gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido pelos titulares do cartão eletrónico instituído para efeitos de controlo da sua afetação aos destinos referidos no n.º 3, sendo responsável pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo, bem como em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas em nome do titular de cartão. (Redação dada pelo artigo 207.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro)( [3] )

              6 - A venda, a aquisição ou o consumo dos produtos referidos no n.º 1 com violação do disposto nos n.ºs 2 a 5 estão sujeitos às sanções previstas no Regime Geral das Infrações Tributárias e em legislação especial.

              7 - Para efeitos deste artigo, entendem-se por motores fixos os motores que se destinem à produção de energia e que, cumulativamente, se encontrem instalados em plataformas inamovíveis.

 

            O CIEC é ainda complementado por normas regulamentares, designadamente a Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de Maio, relativa ao gasóleo colorido e marcado, que é invocada no Relatório da Inspecção Tributária ( [4] ) e que estabelece o seguinte nos seus n.ºs 5 a 9:

 

5.º O gasóleo colorido e marcado só pode ser vendido nos postos de abastecimento aos beneficiários de uma isenção ou redução de taxa de ISP que sejam titulares de cartões de microcircuito emitidos para o efeito pela DGADR, através dos quais são registadas todas as transacções de gasóleo colorido e marcado no sistema informático gerido pela Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS).

6.º As vendas a que se refere o número anterior são obrigatoriamente registadas nos terminais POS no momento em que ocorram.

7.º Os abastecimentos aos equipamentos autorizados a consumir gasóleo colorido e marcado que não possam ser efectuados no local do posto de abastecimento, nomeadamente alguns equipamentos agrícolas e florestais e os motores fixos, podem ser registados em terminal POS móvel, no acto e no local do respectivo abastecimento.

8.º O registo no sistema informático, através dos terminais POS, de cada abastecimento efectuado, não dispensa a emissão da respectiva factura ou documento equivalente, emitida em nome do titular do respectivo cartão de microcircuito.

9.º Os registos das transacções referidas no n.º 5.º são enviados em suporte informático pela SIBS à DGADR, a qual, para além das funções de coordenação nacional que lhe incumbem, gere a base de dados relativa ao gasóleo colorido e marcado e é responsável pela emissão, suspensão ou cancelamento dos cartões.

 

 

 

3.3. Questão das vendas que não foram registadas no sistema electrónico de controlo

 

Como se referiu, um dos pressupostos em que assentam as liquidações impugnadas é  o de haver «gasóleo colorido e marcado vendido e não registado no sistema eletrónico de controlo em violação do disposto no n.º 5 do artigo 93.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC) e n.ºs 4 e 6 da Portaria n.º 361-A/2008, de 12/05».

A quantidade de gasóleo colorido e marcado que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu ter sido vendido e não registado no sistema informativo foi de 273.033,88 litros de gasóleo, no período de 01-01-2014 a 29-09-2017.

Na decisão do processo arbitral n.º 322/2018-T considerou-se demonstrado que não houve vendas de gasóleo colorido e marcado que não tenham sido registadas no sistema.

Na verdade, entendeu-se nesse processo que:

– «resulta da prova produzida nos autos que os abastecimentos de gasóleo colorido e marcado registados pela Requerente no sistema eletrónico de controlo, através do seu terminal de pagamento automático POS n.º..., relativamente ao período em causa (de 01.01.2014 a 29.09.2017), de 389.219,80 litros, foram substancialmente superiores (em quase 60.000 litros), ao montante das compras desse combustível a fornecedores, no mesmo período de referência, e, em consequência, das vendas realizadas e faturadas aos clientes».

– «esta circunstância é explicada pelo facto de os clientes da Requerente solicitarem o registo de abastecimentos em volume superior ao efetivo, tendo em vista assegurarem os “plafonds” anuais de consumo de gasóleo colorido e marcado que lhes são atribuídos, numa reminiscência do regime anterior, pois agora os referidos limites são apenas indicativos e não inibitórios como sucedia no passado. Assim, os clientes preferem registar consumos por excesso com receio de, caso consumam valores inferiores, verem diminuídos os seus “plafonds”, ao que a Requerente acede»;

– «por outro lado, também contribui para o registo em excesso dos abastecimentos de gasóleo colorido e marcado, o facto de, em regra, (dever) ser passado o cartão de microcircuito no TPA antes do abastecimento. Desta forma, o que é registado não é o valor do consumo exato, mas uma estimativa do mesmo, pelo que para evitar falhas ou insuficiências de abastecimento para atestar os depósitos, é usual que o cliente indique um valor superior no momento do registo, o qual não é passível de correção no TPA.

«em qualquer caso, independentemente das motivações do mencionado registo por excesso, é inequívoco que a Requerente registou no sistema gerido pela DGADR os abastecimentos de gasóleo colorido e marcado realizados aos seus clientes, até em quantidade superior ao que o foram. Estes clientes encontram-se devidamente identificados, através do seu nome, do número do cartão de microcircuito utilizado, do número de beneficiário e do dia e hora em que foi “passado” o cartão, que devia corresponder ao do abastecimento do gasóleo colorido e marcado»;

–  «deste modo, ao contrário do que a AT alega como fundamento da sua correção, o problema que se suscita não é o de omissão da obrigação de registo no sistema eletrónico de controlo, por parte da Requerente, mas o da temporalidade do mesmo, tendo sido identificado que, em virtude do registo “por atacado” que a Requerente pratica com diversos clientes, muitos dos abastecimentos são reportados posteriormente à sua efetivação, numa base semanal, mensal ou outra. Assim, a questão central reside em saber se o registo foi feito no momento em que devia ter sido e, se não foi, quais as consequências dessa dilação temporal na esfera da Requerente»;

«Como acabou de se mencionar e consta do probatório, é frequente que a Requerente proceda ao registo dos abastecimentos de gasóleo colorido e marcado, no sistema eletrónico de controlo, dias ou semanas após a sua efetivação. Se em alguns casos tal sucede por opção voluntária dos intervenientes, pois os clientes da Requerente (agricultores que circulam com os seus tratores) nem sempre transportam consigo o “cartão verde” quando abastecem o gasóleo colorido e marcado, regularizando a situação em momento ulterior; noutros casos, deriva de circunstâncias de força maior, por motivos de ordem técnica que se prendem com a irregularidade da rede de internet que serve o estabelecimento, pois amiúde, dada a localização remota do posto de abastecimento, a conexão à rede é deficiente e o terminal fica inoperacional, desde logo quando se verificam determinadas condições atmosféricas, impedindo o registo contemporâneo das operações, o qual é necessariamente feito em momento ulterior. Além do mais, o problema é frequente, sendo suscetível de afetar a atividade da Requerente de forma significativa e não apenas pontualmente»;

– «no caso, as referidas quantidades foram de facto registadas no sistema, com todos os detalhes exigíveis que permitem identificar quem comprou, com que cartão e em que quantidade».

    

Assim, independentemente de constituir ilegalidade o diferimento do registo das vendas no sistema electrónico de controlo (que poderá implicar responsabilidade por contra-ordenação tributária), tem de se concluir que não tem correspondência com a realidade o fundamento invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira de haver «gasóleo colorido e marcado vendido e não registado no sistema eletrónico de controlo».

Por isso, as liquidações impugnadas enfermam de erro sobre os pressupostos de facto, que constitui vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, na parte respectiva.

 

 

3.4. Questão da venda de gasóleo colorido e marcado vendido sem que a transação fosse titulada com a emissão de fatura em nome do dono do cartão eletrónico, em violação do disposto no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC e n.º 8 da Portaria 361-A/2008 de 12 de maio

 

No processo n.º 322/2018-T considerou-se provado que «no período de 01.01.2015 a 29.09.2017, foram emitidas, pela Requerente, faturas de venda de 227.339,75 litros de gasóleo colorido e marcado, sem nome, isto é, assumindo como destinatário a categoria genérica de "consumidor final", NIF 999 999 990».

Estão em causa, neste ponto, factos posteriores a 01-01-2015, a que é aplicável a redacção introduzida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, na verba 2.3. da Lista II anexa ao CIVA, de que resulta que a taxa reduzida é aplicável a vendas de

«2.3 – Petróleo e gasóleo, coloridos e marcados, comercializados nas condições e para as finalidades legalmente definidas, e fuelóleo e respetivas misturas».

 

            Refere-se ainda naquele acórdão que «é um facto incontestado que a Requerente emitiu faturas de venda de gasóleo colorido e marcado sem ter identificado o número de identificação fiscal do adquirente e titular do cartão de microcircuito. Não obstante, ficou de igual modo estabelecido que as vendas foram registadas no sistema de controlo e que os respetivos adquirentes eram titulares do referido cartão, i.e., com acesso ao benefício fiscal, pelo que não está em questão a realidade e regularidade desses fornecimentos».

            Assim, para efeitos daquela verba 2.3. é de considerar assente que as vendas com taxa reduzida foram feitas a titulares de cartão electrónico e «para as finalidades legalmente definidas».

            Por isso, a não aplicação da taxa reduzida só poderá basear-se num entendimento de que o gasóleo colorido e marcado não foi comercializado «nas condições legalmente definidas».

            Afigura-se que esta referência às «condições» se reporta aos requisitos de que depende a legalidade da comercialização de gasóleo colorido e marcado, designadamente a de que «só pode ser adquirido pelos titulares do cartão eletrónico instituído para efeitos de controlo da sua afetação aos destinos referidos no n.º 3», condição prevista no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC , que tem ínsita a do registo da venda no sistema electrónico a que se destina o cartão (obrigatoriamente efectuado no momento em que a venda ocorre, no termos do n.º 6 da Portaria n.º 361-A/2008, que viabiliza o controlo da afectação). ( [5] )

            A emissão de factura em nome do titular do cartão é uma formalidade posterior à realização da venda e que não tem de ser necessariamente satisfeita no momento em que ela ocorre, quer nos termos do artigo 36.º, n.º 1, do CIVA, quer nos termos daquela Portaria. Aliás, no n.º 8.º desta Portaria n.º 361-A/2018 nem se cria uma regra específica para a comercialização de gasóleo colorido e marcado, pois limita-se a esclarecer que não se «dispensa a emissão da respectiva factura ou documento equivalente, emitida em nome do titular do respectivo cartão de microcircuito», nos termos gerais previstos para a sua emissão.

            Este entendimento de que não são equiparáveis e devem distinguir-se a condição de comercialização que é a aquisição por quem é titular de cartão com microcircuito e a formalidade complementar que é a emissão de factura em nome do titular do cartão é corroborado pela alínea q) do n.º 2 do artigo 109.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) que prevê como contra-ordenação de «introdução irregular no consumo» «adquirir ou consumir gasóleo colorido e marcado sem ser titular de cartão com microcircuito» e não também a aquisição ou consumo por aqueles titulares sem emissão de factura em seu nome.

            Por isso, como se entendeu na decisão arbitral proferida no processo n.º 322/2018-T, no caso em apreço «ficou demonstrado que apesar de a emissão das faturas não ter observado o requisito de identificação do adquirente, que, assinale-se, consubstancia um requisito inovador da LOE 2015, a comercialização do gasóleo colorido e marcado foi efetuada com observância das condições legalmente estabelecidas para aplicação do regime de desagravamento fiscal: a venda a titulares do cartão de microcircuito, que foram devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo».

            Pelo exposto, não tem fundamento legal, à face da matéria de facto apurada, a liquidação de IVA por falta de identificação do titular do cartão nas facturas emitidas após as vendas.

            Assim, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão da comercialização de 227.339,75 litros de gasóleo colorido e marcado, sem identificação nas facturas do adquirente, nas situações em que vendas foram imediatamente registadas no sistema de controlo e os respetivos adquirentes eram titulares do respectivo cartão.

           

            3.5. Questão da venda de gasóleo colorido e marcado a não titulares de cartão eletrónico

           

            Outro fundamento das liquidações impugnadas é a venda a entidades não titulares de cartão electrónico.

            Na decisão do processo n.º 322/2018-T, considerou-se provado que, no período de 01-01-2014 a 29-09-2017, foram debitados / faturados pela Requerente 6.276,41 litros de gasóleo colorido e marcado a entidades que não são titulares do cartão eletrónico de microcircuito, dos quais 1.620,08 litros foram faturados à própria Requerente e 2.693,11 litros a B... .

            Relativamente a estas vendas, é manifesto que a Requerente não as podia ter efectuado, designadamente à face do n.º 5 do artigo 93.º do CIEC e n.º 5 da Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de Maio.

            No entanto, em sede de IVA, as consequências são distintas, antes e depois da redacção que a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, deu à verba 2.3 da Lista II anexa ao CIVA.

           

            3.5.1. Vendas de gasóleo colorido e marcado a não titulares de cartão eletrónico      efectuadas em 2014

 

            Na redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, a referida verba 2.3. determinava a aplicação da taxa intermédia às vendas de «Petróleo e gasóleo, coloridos e marcados, e fuelóleo e respectivas misturas», não distinguindo as situações em que fossem observadas ou não as condições legais para a sua comercialização.

            Mas, como diz a Requerente, «o gasóleo em causa não deixou de ser marcado e colorido e passou a ser considerado gasóleo rodoviário pela circunstância de não terem sido, alegadamente, cumpridas as formalidades da Portaria n.º 361-A/2008 de 12 de Maio». Na verdade, mesmo que corresponda à realidade que, como afirma a Autoridade Tributária e Aduaneira, o gasóleo marcado e colorido tenha as mesmas características do gasóleo comum, o certo é que, por ele ser marcado e colorido, pode distinguir-se do gasóleo comum e não pode ser utilizado para fins diferentes dos legalmente previstos no artigo 93.º do CIEC. ( [6] )

            Assim, à face da redacção da verba 2.3 anterior à Lei n.º 82-B/2014, aplicável às vendas efectuadas no ano de 2014, não havia suporte legal para deixar de aplicar a taxa reduzida à mercadoria vendida, que foi gasóleo marcado e colorido.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira alude na sua Resposta a hipotética natureza interpretativa da nova redacção da verba 2.3, mas o certo é que tal natureza não foi invocada como fundamento das correcções efectuadas e não lhe foi atribuída legislativamente tal natureza, nem tal seria constitucionalmente admissível. ( [7] )

            Por isso, a liquidação relativa ao ano de 2014 (período 201412T) enferma de vício de violação de lei, também quanto às vendas efectuadas a não titulares de cartão electrónico (2.340 litros, como se vê  nas páginas 14 a 16 do Relatório da Inspecção Tributária relativo à inspecção respeitante ao ISP e CSR, que consta do ficheiro do Processo Administrativo designado «PA-Proc-525-2018-T-pag-70-80»).

            Procede, assim o pedido de pronúncia arbitral, na parte respectiva.

 

            3.5.1. Vendas de gasóleo colorido e marcado a não titulares de cartão eletrónico      efectuadas em 2015, 2016 e 2017

 

            Quanto às vendas efectuadas a não titulares de cartão electrónico nos anos de 2015, 2016 e 2017, é aplicável a nova redacção da verba 2.3, que restringiu a aplicação da taxa intermédia de IVA aos casos em que o gasóleo colorido de marcado seja comercializado «nas condições e para as finalidades legalmente definidas».

            À face desta redacção, não sendo permitida a venda a não titulares de cartão electrónico, é manifesto que a Requerente deveria aplicado a taxa normal pelo que se justifica a liquidação adicional da diferença entre o IVA resultante da aplicação da taxa intermédia e o IVA resultante da aplicação da taxa normal.

            Improcede assim o pedido de pronúncia arbitral, quanto às liquidações relativas aos anos de 2015, 2016 e 2017, na parte em têm subjacentes vendas a não titulares de cartão electrónico.

 

            3.6. Juros compensatórios

 

As liquidações de juros compensatórios têm como pressupostos as liquidações de IVA, pelo que enfermam dos mesmos vícios que afectam as liquidações e na parte correspondente às suas ilegalidades.

Assim, sendo totalmente ilegal a liquidação de IVA relativa ao ano de 2014 (período 20142T) procede o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação da liquidação de juros compensatórios relativa ao ano de 2014 (período 201412T), com o n.º 2018... .

No que concerne às restantes liquidações de juros compensatórios, são ilegais nas percentagens em que são ilegais as correspondentes liquidações de IVA, isto é, na medida em que não têm como pressuposto a venda de gasóleo colorido e marcado a não titulares de cartão electrónico.

 

 

4. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2.  Anular totalmente as liquidações relativas ao período de20142T, a de IVA com o n.º 2018..., no valor de € 13.459,93 e de juros compensatórios com o n.º 2018 ... no valor de € 1.691,42;
  3. Anular parcialmente, na parte em que não têm como pressuposto a venda de gasóleo colorido e marcado a não titulares de cartão electrónico, as liquidações seguintes liquidações:

– de IVA n.º 2018..., que tem o valor de € 23.620,54, relativa ao período 201512T;

– de juros compensatórios n.º..., no valor de € 2.297,52, relativa ao período 201512T;

– de IVA n.º 2018..., que tem o valor de € 24.376,29, relativa ao período 201612T;

– de juros compensatórios n.º..., no valor de € 1.266,33, relativa ao período 201612T;

– de IVA n.º 2018..., que tem o valor de € 1.000,08, relativa ao período 201703T;

– de juros compensatórios n.º..., no valor de € 53,78, relativa ao período 201703T;

– de IVA n.º 2018..., que tem o valor de € 12.503,51, relativa ao período 201712T;

– de juros compensatórios n.º..., no valor de € 147,978, relativa ao período 201712T.

 

 

5. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 77.014,73.

 

6. Custas

            Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 0,78% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 99,22%.

           

Lisboa, 26-04-2019

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(Sofia Ricardo Borges)
 

 

 

(José Coutinho Pires)

 



[1] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

– de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207;

– de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289;

– de 09/10/2002, processo n.º 600/02;

– de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.

               

                Em sentido idêntico, podem ver-se:

– MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é «irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto», e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que «não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa»;

– MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade».

 

[2] A anterior redação, que abrange os factos relativos aos anos 2014, 2015 e 2016, é essencialmente idêntica, para o que aqui interessa:

c) Tratores agrícolas, ceifeiras-debulhadoras, motocultivadores, motoenxadas, motoceifeiras, colhedores de batata automotrizes, colhedores de ervilha, colhedores de forragem para silagem, colhedores de tomate, gadanheiras-condicionadoras, máquinas de vindimar, vibradores de tronco para colheita de azeitona e outros frutos, bem como outros equipamentos, incluindo os utilizados para a atividade aquícola, aprovados por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da agricultura e do mar;”

[3] A redação anterior, relevante para os factos ocorridos no ano 2014, não previa a responsabilização do proprietário ou responsável pela exploração do estabelecimento, no caso de não serem emitidas faturas com a identificação fiscal do titular do cartão:

“5 - O gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido pelos titulares do cartão eletrónico instituído para efeitos de controlo da sua afetação aos destinos referidos no n.º 3, sendo responsável pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo.”

[4] Esta Portaria n.º 361-A/2008, aprovada ao abrigo do anterior CIEC, foi mantida em vigor pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, que aprovou o novo CIEC.

[5] É com este alcance de se reportar aos requisitos substantivos da comercialização, aqueles sem cuja verificação a comercialização é proibida, e não também a obrigações complementares de facturação que o CIEC utiliza o conceito de «condições de comercialização», designadamente nos seus artigos 70.º e 108.º.

[6] Aliás, é esta a perspectiva do Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 03-10-2007, proferido no processo n.º 0363/07, ao dizer, sobre uma situação semelhante, relativamente à questão paralela que se colocava relativamente ao ISP, antes do novo CIEC:

«não se está perante uma situação de falta de liquidação do imposto devido relativamente à mercadoria vendida, pois o que foi vendido, apesar do não cumprimento das formalidades legais, foi gasóleo marcado e colorido vendido e não gasóleo rodoviário, e o ISP à taxa reduzida que incide sobre a comercialização daquele primeiro tipo de gasóleo foi liquidada e paga. Pelo facto de não terem sido cumpridas essas formalidades, o gasóleo referido não deixou de ser marcado e colorido e não passou a ser considerado gasóleo rodoviário, não deixando de continuar a ser punida a sua utilização como gasóleo rodoviário, se eventualmente o adquirente o utilizou como tal».

 

[7] Como tem vindo a decidir o Tribunal Constitucional: acórdãos n.º 267/2017. de 31-05-2017, n.º 385/2017, de 12-07-2017, e de 107/2017 22-08-2018.