Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 86/2014-T
Data da decisão: 2014-10-15  IUC  
Valor do pedido: € 8.021,58
Tema: Incidência do imposto
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Decisão Arbitral

 

I - RELATÓRIO

 

A - PARTES

 

A sociedade A..., Lda, designada por “Requerente”, com sede na Rua …, Figueira da Foz, contribuinte fiscal n.º ..., impugnante no procedimento tributário acima e à margem referenciado, veio, invocando o disposto nos artigos 2.º, nº 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de tribunal arbitral singular, tendo em vista a apreciação da seguinte demanda que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, a seguir designada por “Requerida” ou “AT”.

 

B - PEDIDO

1 - O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 05/02/2014 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) na mesma data.

2 - Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 6.º e na alínea a) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, o Conselho Deontológico designou, em 21/03/2014, como árbitro singular António Correia Valente, que comunicou a aceitação do encargo.

3 - Em 21-03-2014 foram as Partes notificadas dessa designação, nos termos conjugados do disposto no art.º 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redacção introduzida pelo art.º 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e nos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, não tendo, as mesmas manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.

4 - Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo art.º 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi regularmente constituído em 07/04/2014.

5 - No dia 06 de Outubro de 2014, o Tribunal Arbitral, ao abrigo do art.º 16.º, alínea c) do RJAT, suscitou, junto das partes, a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, tendo em conta, quer a circunstância do objecto do litígio respeitar fundamentalmente a matéria de direito, quer a inexistência de excepções a apreciar e a decidir, e não terem sido requeridas, pelas partes, quaisquer diligências de prova autónomas, constando do processo os documentos pertinentes e mostrando-se junto aos autos o processo administrativo, dispensa que, em 09-10-2014, se concretizou.

6 - A ora Requerente pretende que o presente Tribunal Arbitral:

> Se pronuncie sobre todas as consequências legais das liquidações de Imposto Único de Circulação (de ora em diante designado por IUC) n.ºs 2008 …; 2008 …; 2008 …; 2008 …; 2008 …; 2008 …; 2008 …; 2008 …; 2008 …, cujos valores totalizam o montante de € 8.021,58, tal como indicado no pedido de pronúncia arbitral, respeitantes aos veículos, em número de dez, identificados nos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

 

C - CAUSA DE PEDIR

 

7 - A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:

8 - Que, enquanto empresa actuante no mercado de aluguer de máquinas de terraplanagem, nomeadamente, retroescavadoras, bobcats, mini - giratórias e camiões para transporte de terras, era proprietária dos dez veículos identificados nos autos, que, em 06 de janeiro de 2006, vendeu à sociedade B..., SL, contribuinte fiscal n.º ..., D-U-N-S n.º …, com sede em Calle … - Salamanca.

9 - Que os mencionados veículos, com as matrículas ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-..,, foram, todos eles, vendidos à sociedade espanhola B..., SL, em data anterior àquela a que o imposto respeita, não sendo, pois, proprietária de tais veículos à data identificada pela Requerida, como sendo aquela em que ocorreu o facto gerador do imposto.

10 - Que a empresa espanhola compradora dos veículos em questão não realizou o pagamento integral correspondente à sua compra, pelo que foi obrigada a intentar o adequado procedimento judicial no competente tribunal espanhol, por via do qual se demonstra, inequivocamente, que a compra e venda dos mencionados veículos ocorreu em 06 de Janeiro de 2006.

11 - Que, em 11-10-2012, exerceu o seu direito de audição prévia, dando a conhecer à AT que, em 06-01-2006, vendera os dez mencionados veículos à referida sociedade espanhola, deixando, por isso, desde então, de estar na posse desses veículos;

12 - Que, em Outubro de 2012, foi notificada pela AT, da não aceitação dos argumentos aduzidos em sede de audição prévia, tendo em, Novembro de 2012, sido notificada das liquidações oficiosas de IUC referentes ao ano de 2008, relativamente aos dez referidos veículos, identificados no pedido de pronúncia arbitral pelo respectivo número de matrícula.

13 - Que, em 08-04-2013, apresentou Reclamação Graciosa das liquidações do IUC, relativamente aos dez mencionados veículos, referentes ao ano de 2008, Reclamação que mereceu decisão de indeferimento.

14 - Que, em 07-08-2013, deduziu Recurso Hierárquico da decisão de indeferimento da aludida Reclamação Graciosa, o qual, em 14-11-2013, foi indeferido pela AT.

15 - Que, as referidas liquidações oficiosas deturpam inteiramente a verdade dos factos tributários, já que não violou qualquer disposição legal, nem deixou de cumprir qualquer dever/obrigação tributária, o que comprovou aquando da apresentação, quer da reclamação graciosa, quer do recurso hierárquico.

16 - Que os meios de prova apresentados, quer na audição prévia, quer no quadro dos referidos meios de impugnação administrativa, foram constituídos pela cópia da Petição Inicial apresentada no Tribunal de 1.ª Instância de Ciudad Rodrigo - Salamanca e pela certidão da respectiva sentença.

17 - Que, por força do contrato de compra e venda com a empresa espanhola, em 06-01-2006, a propriedade dos veículos foi imediatamente transferida para a referida empresa, não dispondo a Requerente, desde então, nem da propriedade nem da posse dos veículos.

18 - Que, no caso do contrato de compra e venda de veículos automóveis, a transferência da sua propriedade para o comprador dá-se por mero efeito do contrato, não dependendo o mesmo de qualquer formalidade especial, sendo válido mesmo quando celebrado por forma verbal.

19 - Que, quando, a propósito dos sujeitos passivos do IUC, o legislador acrescenta no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, a expressão “considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”, apenas pretende introduzir um elemento enunciativo de quem detém a propriedade.

20 - Que o disposto no art.º 3.º do CIUC consagra uma presunção legal, necessariamente ilidível, face ao disposto no art.º 73.º da LGT, o que significa que os sujeitos passivos do imposto são, presumivelmente e em princípio, as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados, podendo essa presunção ser ilidida mediante prova em contrário.

21 - Que o registo dos veículos não tem valor constitutivo, mas, no entendimento do legislador, efeitos meramente enunciativos, tendo o referido registo a finalidade essencial de dar publicidade à situação jurídica dos veículos, não podendo a falta de registo de propriedade por parte do comprador prejudicar o vendedor.

22 - Que, conforme estabelecido no art.º 1.º do CIUC, o imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam.

23 - Por fim, pronunciando-se sobre o Requerimento da AT, junto aos autos em 24/09/2014, a Requerente vem, em 06-10-2014, dizer que entendeu conveniente, para além de reagir perante os actos de liquidação em crise no presente processo, desenvolver esforços no sentido de promover o cancelamento das matrículas dos veículos, com efeitos à data da sua efectiva transferência de propriedade, o que fez em 24 de Julho de 2014, tendo, em 12 de Agosto de 2014, obtido reposta afirmativa do IMTT no sentido do cancelamento das referidas matrículas, com efeitos a partir de 06 de Janeiro de 2006. Acrescenta,

24 - Que, apesar de todos os esforços desenvolvidos, “as liquidações de IUC, em causa no presente procedimento, mantém-se em vigência no ordenamento jurídico”, pelo que a causa de pedir do presente procedimento se mantém totalmente inalterada, “devendo a lide proceder nos termos, precedentemente, requeridos”, posto que só após a apreciação e análise dos actos tributários de liquidação do IUC em causa, “a situação tributária da requerente fica resolvida”.

 

D - RESPOSTA DA REQUERIDA

 

25 - A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT), apresentou, em 15/05/2014, Resposta, e procedeu à junção de cópia do Processo Administrativo Tributário, para efeitos do previsto, respectivamente, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT).

26 - Na referida Resposta, a AT considera, desde logo, como questão prévia, que os documentos apresentados pela Requerente, como prova dos factos alegados, corporizados nas peças processuais dos tribunais espanhóis, nomeadamente na Petição Inicial e na correspondente sentença nº 49/08 do Tribunal de 1.ª Instância de Ciudad Rodrigo - Salamanca, não lhe permitem a apreensão do seu conteúdo, não podendo, assim, exercer o contraditório, face à sua apresentação em língua estrangeira, requerendo, nesse quadro, face ao estabelecido no n.º 1 do art.º 134.º do CPC, a junção das correspondentes traduções, as quais, nessas circunstâncias, foram oportunamente apresentadas.

27 - A propósito dos mencionados documentos, suscita ainda a questão da sua certificação pela autoridade judiciária que os emitiu, “com vista a aferir da sua genuidade” (Cfr. art.º 16 da Resposta)

28 - Refere ainda, relativamente à venda dos veículos à empresa espanhola, a não junção do contrato de compra e venda dos mencionados veículos à sociedade B..., SL.

29 - Por outro lado, no quadro da impugnação do pedido de pronúncia arbitral subjacente ao presente processo, entende que as alegações da Requerente, designadamente, quando sustenta que o facto gerador de tributação sendo, embora, constituído pela propriedade do veículo e pelo seu registo, é ilidível, “fazem uma interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso notoriamente errada” (Cfr. art.º 21.º da Resposta)

30 - A interpretação notoriamente errada da Requerente, traduz-se, no entender da Requerida, não só numa leitura enviesada da lei, mas também numa interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o IUC e, mais amplamente todo o sistema jurídico-fiscal, traduzindo-se ainda numa interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no referido artigo. (Cfr. art.º 23.º da Resposta)

31 - Salienta que o legislador não usou a expressão “presume-se” como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”. (Cfr. art.º 29 da Resposta)

32 - Sobre o elemento sistemático de interpretação, considera que a solução propugnada pela Requerente é intolerável, não encontrando o entendimento por esta sufragado qualquer apoio legal, o que resulta não só do disposto no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, mas também do estabelecido no art.º 6.º do referido Código, quando estabelece no seu n.º 1 que “O facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestado pela matrícula ou registo em território nacional” (Cfr. art.ºs 41.º, 42.º e 43.º da Resposta)

33 - Considera que, mesmo admitindo que do ponto de vista das regras do direito civil e do registo predial, a ausência de registo não afecta a qualidade de proprietário e que o registo não é condição de validade dos contratos com eficácia real, o certo é que o legislador tributário quis intencional e expressamente, que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais [os veículos] se encontrem registados.

34 - Sobre a ignorância da “ratio” do regime, a AT considera que, à luz de uma interpretação teleológica do regime consagrado em todo o Código do IUC, a interpretação propugnada pela Requerente, no sentido de que o sujeito passivo do IUC é o proprietário efectivo, independentemente de não figurar no registo automóvel, é manifestamente errada, na medida em que é a própria ratio do regime consagrado no CIUC que constitui prova clara de que o pretendido pelo legislador fiscal foi a criação de um IUC assente na tributação do proprietário do veículo, tal como consta do registo automóvel. (Cfr. art.º 64.º da Resposta)

35 - Acrescenta que o novo regime de tributação do IUC veio alterar de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública.

36 - Neste sentido, refere ser este o entendimento inscrito, nomeadamente, na recomendação n.º 6-B/2012. Proc. n.º R-3478/10, de 22/06/2012, do Senhor Provedor de Justiça, dirigida ao Secretário de Estado das Obras Públicas, dos Transportes e das Comunicações.

37 - A interpretação veiculada pela Requerente é, também, para além do que já foi referido, desconforme com a Constituição, designadamente porque, entre outros, viola o princípio da eficiência do sistema tributário, que tem dignidade constitucional.

38 - A ofensa ao princípio da eficiência do sistema tributário traduz-se e corporiza-se, no entender da Requerida, num entorpecimento e encarecimento das competências atribuídas à Requerida, com óbvio prejuízo para os interesses do Estado Português, de que quer a Requerente quer a Requerida fazem parte. (Cfr. art.º 87.º da Resposta)

39 - Face a toda a argumentação que aduziu, considera a AT que os actos tributários em crise são válidos e legais, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários, não tendo ocorrido qualquer erro imputável aos serviços.

40 - Por fim, em Requerimento, cuja junção aos autos foi suscitada em 24/09/2014, vem a Requerida referir, designadamente, que “conforme diligências telefónicas [por si] encetadas junto do Serviço de Finanças de Figueira da Foz 2, e das diligências por este efectuadas junto da Conservatória do Registo de Automóvel, constatou-se que foi operada uma actualização do registo relativamente às viaturas objecto do presente pedido [de pronúncia arbitral], com data de 2006.01.06”, com excepção do concernente ao veículo de matrícul … .

 

E - QUESTÕES DECIDENDAS

 

41 - Cumpre, pois, apreciar e decidir.

42 - Face ao exposto, relativamente às posições das Partes e aos argumentos apresentados, as principais questões a decidir são as de saber:

a) Se a norma de incidência subjectiva constante do artigo 3.º nº 1 do CIUC, estabelece ou não uma presunção.

b) Qual o valor jurídico do registo automóvel na economia do CIUC, particularmente para efeitos da incidência subjectiva deste imposto.

c) Se, na data da ocorrência do facto gerador do imposto, o veículo já tiver sido anteriormente alienado, embora o direito de propriedade deste continue registado em nome do seu anterior proprietário, para efeitos do disposto no artigo 3.º, nº. 1, do CIUC, sujeito passivo do IUC é o anterior proprietário ou o novo proprietário.

 

F - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

43 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

44 - As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

45 - O processo não enferma de vícios que o invalidem.

46 - Tendo em conta o processo administrativo tributário remetido pela AT, e a prova documental junto aos autos, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa nos seguintes termos.

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

 

G - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

47 - Em matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:

48 - A Requerente é uma empresa, cuja actividade se inscreve no mercado de aluguer de máquinas de terraplanagem, nomeadamente, retroescavadoras, bobcats, mini - giratórias e camiões para transporte de terras, sendo, nessa circunstância, proprietária dos dez veículos identificados nos autos.

49 - A Requerente procedeu à venda de nove dos dez veículos identificados no processo, como resulta dos documentos apresentados para o efeito, ou seja, dos veículos com as matrículas ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-...

50 - A venda dos mencionados veículos à empresa espanhola B..., ocorreu em 06-01-2006, à excepção do veículo pesado, da categoria C, de marca Mercedes - Benz, com a matrícula ..-..-...

51 - Como prova das mencionadas vendas, a Requerente juntou, quer a cópia da Petição Inicial apresentada no Tribunal de 1.ª Instância de Ciudad Rodrigo - Salamanca, subjacente ao Processo Ordinário 0000252/2007, quer a certidão da sentença n.º 49/08 do Tribunal de 1.ª Instância de Ciudad Rodrigo - Salamanca, que na sequência da atrás mencionada Petição Inicial, condenou a sociedade espanhola B..., SL, enquanto compradora dos veículos em causa no presente processo, ao integral pagamento do preço contratualizado.

52 - A Requerente exerceu o seu direito de Audição Prévia, apresentou Reclamação Graciosa e deduziu Recurso hierárquico, respectivamente, em 11-10-2012, 08-04-2013 e 07-08-2013, tendo, então, dando a conhecer à AT a venda, em 06-01-2006, dos mencionados veículos à referida sociedade espanhola,

53 - A venda dos referidos veículos, à empresa espanhola B..., SL, face ao constante nos mencionados documentos, ocorreu em data anterior ao momento da exigibilidade do imposto único de circulação.

54 - Relativamente, porém, a um deles, ou seja, ao veículo pesado, da categoria C, de marca Mercedes- Benz, com a matrícula ..-..-.., tal não aconteceu. Com efeito,

55 - Quanto ao referido veículo, com a matrícula ..-..-.., não se conhece qualquer prova de que o mesmo foi vendido à B..., SL, em 06 de Janeiro de 2006, ou a qualquer outra entidade, em qualquer outra data.

56 - A Requerente, em conformidade com o estabelecido no n.º 1 do art.º 134.º do CPC, providenciou a junção aos autos da tradução oficial da Petição Inicial apresentada no Tribunal de 1.ª Instância de Ciudad Rodrigo - Salamanca e da correspondente sentença n.º 49/08, documentados apresentados como prova documental.

57 - A Requerida, em 24-09-2014, suscitou a junção aos autos de um Requerimento onde, designadamente, vem referir que “conforme diligências telefónicas [por si] encetadas junto do Serviço de Finanças de Figueira da Foz 2, e das diligências por este efectuadas junto da Conservatória do Registo de Automóvel, constatou-se que foi operada uma actualização do registo relativamente às viaturas objecto do presente pedido [de pronúncia arbitral], com data de 2006.01.06”, operando-se, com efeitos a esta data, o cancelamento das matrículas dos mencionados veículos, em nome da Requerente.

 

FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

58 - Os factos dados como provados estão baseados nos documentos mencionados, relativamente a cada um deles, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.

 

FACTOS NÃO PROVADOS

 

59 - Não existem factos dados como não provados, dado que todos os factos tidos como relevantes para a apreciação do pedido foram provados.

 

H - FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

60 - A matéria de facto está fixada, importando agora proceder à sua subsunção jurídica e determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões decidendas enunciadas no n.º 42.

61 - A questão essencial nos presentes autos, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT traduz-se em saber se a norma de incidência subjectiva constante do nº 1 do art.º 3.º do CIUC estabelece ou não uma presunção ilidível.

62 - As posições das partes são conhecidas. Com efeito, para a Requerente, aquela norma, “consagra uma presunção legal, necessariamente ilidível, face ao disposto no art.º 73.º da LGT, o que significa que os sujeitos passivos do imposto são, presumivelmente e em princípio, as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados, podendo essa presunção ser ilidida mediante prova em contrário”, enquanto para a Requerida a interpretação que a Requerente faz do disposto no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC é notoriamente errada, na medida em que resulta de uma “enviesada leitura da letra da lei”, não atende ao “elemento sistemático” de interpretação, violando a “unidade do regime consagrado em todo o CIUC” e “ignora a ratio do regime” consagrado no referido artigo, traduzindo também uma desconformidade com a Constituição, designadamente porque entre outros, viola o princípio da eficiência do sistema tributário.

 

I - INTERPRETAÇÃO DA NORMA DE INCIDÊNCIA SUBJECTIVA CONSTANTE DO Nº 1 DO ARTIGO 3.º DO CIUC

 

63 - Importará notar, antes de mais, ser pacífico o entendimento, na doutrina, de que na interpretação das leis fiscais valem plenamente os princípios gerais de interpretação. Trata-se de um entendimento que tem, aliás, acolhimento no artigo 11.º da Lei Geral Tributária.

64 - É comummente aceite que, tendo em vista a apreensão do sentido da lei, a interpretação socorre-se de diversos meios, importando, em primeiro lugar, reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, o que significa, procurar, desde logo, o seu sentido literal. O referido sentido, como também é pacífico, corresponde ao grau mais baixo da actividade interpretativa, importando, por isso, valorá-lo e aferi-lo à luz de outros critérios, intervindo, a esse propósito, os designados elementos de natureza lógica, sejam de sentido racional (ou teleológico), de carácter sistemático ou de ordem histórica.

65 - A propósito da interpretação da lei fiscal, cabe lembrar, como, aliás, a jurisprudência vem assinalando, nomeadamente nos Acórdãos do STA de 05/09/2012 e de 06/02/2013, processos nºs 0314/12 e 01000/12, respectivamente, disponíveis em: www.dgsi.pt, a importância do disposto no artigo 9.º do Código Civil (CC), enquanto preceito fundamental da hermenêutica jurídica, que, neste quadro, não pode deixar de considerar-se.

66 - A actividade interpretativa é, pois, incontornável na resolução das dúvidas suscitadas pela aplicação das normas jurídicas em causa.

67 - No entender de FRANCESCO FERRARA, in Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL DE ANDRADE, (2.ª ed.), Arménio Amado, Editor, Sucessor - Coimbra, 1963, p. 131, a referida actividade interpretativa “[…] é única [e] complexa, de natureza lógica e prática, pois consiste em induzir de certas circunstâncias a vontade legislativa”, acrescentando, ibidem, p.130, que “Mirando à aplicação prática do direito, a interpretação jurídica é de sua natureza essencialmente teleológica”.

68 - A finalidade da interpretação, diz-nos também o referido autor, ibidem, pp. 134/135, é “[…] determinar o sentido objectivo da lei […]”. A lei, sendo a expressão da vontade do Estado, é uma “[…] vontade que persiste de modo autónomo, destacada do complexo dos pensamentos e das tendências que animaram as pessoas que contribuíram para a sua emanação”. Daí que a actividade do interprete deva ser a de “[…] buscar não aquilo que o legislador quis, mas aquilo que na lei aparece objectivamente querido: a mens legis e não a mens legislatoris”.

69 - Para MANUEL DE ANDRADE, citando FERRARA, in Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, p. 16 (2.ª ed.), Arménio Amado, Editor, Sucessor - Coimbra, 1963, “A interpretação procura a voluntas legis, não a voluntas legislatoris […], e procura a vontade actual da lei, não a sua vontade no momento da aplicação: não se trata, pois, de uma vontade do passado, mas de uma vontade sempre presente enquanto a lei não cessa de vigorar. É dizer que a lei, uma vez formada, se destaca do legislador, ganhando consistência autónoma; e, mais do que isso, torna-se entidade viva, que não apenas corpo inanimado […]”.

 

DO ELEMENTO LITERAL

 

70 - É neste enquadramento que importará encontrar resposta para as questões decidendas, particularmente para a que visa saber se o artigo 3.º, nº 1 do CIUC, estabelece ou não uma presunção, começando, desde logo, pelo elemento literal.

71 - Sendo o elemento literal o primeiro que importa utilizar, em busca do pensamento legislativo, é, necessariamente, por aí que se deverá começar, procurando alcançar o sentido da expressão considerando-se como tais as pessoas inscritas no referido artigo 3.º, nº 1 do CIUC.

72 - Dispõe o n.º 1 do referido artigo 3.º do CIUC que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.” (sublinhado nosso)

73 - A formulação usada no referido artigo, importará notá-lo, antes de mais, socorre-se da expressão “considerando-se”, o que suscita a questão de saber se, a tal expressão, pode ser atribuído um sentido presuntivo, equiparando-se, assim, à expressão “presumindo-se”. Trata-se de expressões frequentemente utilizadas com sentidos equivalentes, como é patente em diversas situações do ordenamento jurídico português.

74 - Na verdade, são imensas as normas que consagram presunções, conjugando, para o efeito, aliás, o verbo considerar de diversas formas. Não é, pois, difícil identificar situações, em diversas áreas do direito, em que se utiliza a expressão “considerando-se” ou “considera-se” com sentido equivalente à expressão “presumindo-se” ou “presume-se”, expressões a que, seja ao nível das presunções inilidíveis, seja no quadro das presunções ilidíveis, é conferido, imensas vezes, um significado equivalente.

75 - Não se afigurando pertinente voltar a referenciar exemplos reveladores dessas situações, dado que tais exemplos estão abundantemente enunciados nalgumas das decisões dos tribunais arbitrais tributários, de que são exemplo as proferidas no quadro dos Processos nºs 14/2013 - T, 27/2013 - T e 73/2013 - T, damos aqui os mesmos por inteiramente reproduzidos.

76 - Nestas circunstâncias, sendo as mencionadas expressões recorrentemente usadas com um propósito e significado equivalentes, pode concluir-se não ser apenas o uso do verbo “presumir” que nos coloca perante uma presunção, mas também o uso de outros termos podem servir de base a presunções, como, designadamente, ocorre com a expressão “considerando-se”, o que, em nosso entender, será justamente o que se verifica no nº 1 do art.º 3.º do CIUC.

Trata-se, assim, de um entendimento que, não se afigurando corresponder a uma enviesada leitura da letra da lei, como considera a AT, se revela em sintonia com o disposto no n.º 2 do art.º 9.º do CC, na medida em que assegura, ao pensamento legislativo, o mínimo de correspondência verbal aí exigido.

77 - Na perspectiva literal, face ao que se deixa exposto, dúvidas não há de que a interpretação que considera estabelecida uma presunção ilidível no n.º 1 do art.º 3.º tem total respaldo na formulação aí consagrada, face à mencionada equivalência entre a expressão “considerando-se como tais” e a expressão “presumindo-se como tais”.

O elemento linguístico, como atrás se referiu, sendo o primeiro que deve ser utilizado em busca do pensamento legislativo, deve, porém, a fim de se encontrar o verdadeiro sentido da norma, ser submetido ao controlo dos demais elementos de interpretação de natureza lógica. (sejam tais elementos de sentido racional (ou teleológico), de carácter sistemático ou de ordem histórica).

78 - Com efeito, como se retira da obra de MANUEL DE ANDRADE, atrás citada, p. 28, “[…] a análise puramente linguística dum texto legal é apenas o começo […], o primeiro grau […] ou o primeiro acto da interpretação. Por outras palavras, só nos fornece o provável pensamento e vontade legislativa […] ou, melhor, a delimitação gramatical da possível consistência da lei […], o quadro dentro do qual reside o seu verdadeiro conteúdo”.

79 - Assim sendo, vejamos, então o elemento racional (ou teleológico).

 

DO ELEMENTO HISTÓRICO E RACIONAL (OU TELEOLÓGICO)

 

80 - Atendendo aos elementos de interpretação de pendor histórico, cabe, desde logo, lembrar o que, expressamente, vem exarado na exposição de motivos da Proposta de Lei N.º 118/X de 07/03/2007, subjacente à Lei nº 22-A/2007 de 29/06, quando aí se refere que a reforma da tributação automóvel é concretizada por via da deslocação de parte da carga fiscal do momento da aquisição dos veículos para a fase de circulação e visa “formar um todo coerente” que, embora destinado à angariação de receita pública, pretende que a mesma seja angariada na “medida dos custos ambientais que cada indivíduo provoca à comunidade”, acrescentando-se, a propósito do imposto em causa e dos diferentes tipos e categorias de veículos, que “como elemento estruturante e unificador […] consagra-se o princípio da equivalência, deixando-se assim claro que o imposto, no seu conjunto, se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária”.

81 - Neste quadro, parece claro que a lógica e racionalidade do novo sistema de tributação automóvel só poderá conviver com um sujeito passivo do imposto, no pressuposto de ser esse, e não outro, o real e efectivo sujeito causador dos danos viários e ambientais, tal como decorre do princípio da equivalência, inscrito do art.º 1.º do CIUC.

82 - O referido princípio da equivalência, que informa o actual Imposto Único de Circulação, tem, ao menos na parte em que especificamente respeita ao ambiente, subjacente o princípio do poluidor - pagador, e concretiza a ideia, nele inscrita, de que quem polui deve, por isso, pagar. O referido princípio que, de algum modo, tem assento constitucional, na medida em que representa um corolário do disposto na alínea h) do n.º 2 do art.º 66.º da nossa Constituição, tem também consagração no plano do direito comunitário, seja ao nível do direito originário, o que se verifica desde 07 de Fevereiro de 1992, altura em que foi assinado, em Maastrich, o Tratado da União Europeia, em cujo art.º 130.º-R, n.º 2, o aludido princípio passou a constar como suporte da política Comunitária no domínio ambiental, seja ao nível do direito derivado.

83 - O que se visa alcançar por via do referido princípio é internalizar as externalidades ambientais negativas, o que, afinal, no caso dos autos, mais não significa do que fazer com que os prejuízos que advêm para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus “proprietários - económico - utilizadores”, como custos que só eles deverão suportar.

84 - Regressando ao mencionado princípio da equivalência, dir-se-á que o mesmo tem, na economia do CIUC, um papel absolutamente estruturante, nele se alicerçando o edifício normativo do Código em questão. O referido princípio não pode, pois, deixar de constituir um fim que se pretende legalmente prosseguir, corporizando, nessa medida, uma luz de assinalável fulgor que, constante e continuadamente, não pode deixar de iluminar o caminho do intérprete.

85 - Relativamente ao referido princípio, cabe notar o que nos diz Sérgio Vasques, quando, in Os Impostos Especiais de Consumo, Almedina, Coimbra, 2001, p. 122, a propósito da concretização técnica desse princípio considera que “Em obediência ao princípio da equivalência, o imposto deve corresponder ao benefício que o contribuinte retira da actividade pública; ou ao custo que o contribuinte imputa à colectividade pela sua própria actividade”.

86 - Abordando especificamente o IUC, acrescenta o mencionado autor, op. cit., que ”Assim, um imposto sobre os automóveis assente numa regra de equivalência será igual apenas se aqueles que provoquem o mesmo desgaste viário e o mesmo custo ambiental paguem o mesmo imposto; e aqueles que provoquem desgaste e custo ambiental diverso, paguem imposto diverso também”, acrescentando que a concretização do dito princípio “[…] dita outras exigências ainda no tocante à incidência subjectiva do imposto […]”.

87 - Face ao que vem de referir-se, resulta claro que a tributação dos reais e efectivos poluidores corresponde a um importante fim visado pela lei, no caso pelo CIUC, fim que, no dizer de Francesco Ferrara, in Interpretação e Aplicação das Leis, 2.ª Edição, Arménio Amado, Editor, Sucessor, Coimbra, 1963, p. 130, deve estar sempre diante dos olhos do jurista, dado que, como o mencionado autor aí refere, “[…] a interpretação jurídica é de sua natureza essencialmente teleológica”.

88 - Assim, deve notar-se que, seja face aos referidos elementos históricos, seja à luz dos elementos de carácter racional ou teleológico de interpretação que se deixam referenciados, impõe-se, igualmente, concluir que o n.º 1 do art.º 3.º do CIUC só poderá consagrar uma presunção ilidível.

89 - Caberá ainda considerar o elemento sistemático de interpretação.

 

DO ELEMENTO SISTEMÁTICO

 

90 - Sobre o elemento sistemático diz-nos BAPTISTA MACHADO, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 183, que “este elemento compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico”.

91 - É sabido que um princípio jurídico, no caso o princípio da equivalência, não existe isoladamente, antes está ligado por um nexo íntimo com outros princípios que integram, ao nível mais global, o respectivo ordenamento jurídico, no caso, com os demais princípios corporizados no sistema do IUC. Nesse sentido, cada artigo de um dado diploma legal, no caso do CIUC, só será compreensível se o situarmos perante os demais artigos que o seguem ou antecedem.

92 - No que à sistematização do CIUC diz respeito, as preocupações de ordem ambiental foram determinantes para que o mencionado princípio da equivalência fosse, desde logo, inscrito no 1.º artigo do Código, o que, necessariamente conduz a que os artigos subsequentes, na medida em que têm assentamento em tal princípio, sejam por ele influenciados. Foi o que ocorreu, designadamente, com a base tributável, que passou a ser constituída por diversos elementos, particularmente pelos respeitantes aos níveis de poluição, e com as taxas do imposto, estabelecidas nos artigos 9.º a 15.º, que foram influenciadas pela componente ambiental, e, naturalmente, também com a própria incidência subjectiva, prevista no artigo 3.º do CIUC, que não poderá furtar-se à influência referida.

93 - O elemento sistemático de interpretação e a interacção entre os diversos artigos e princípios que integram o sistema inscrito do CIUC, apelam também ao entendimento de que o estabelecido no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC não pode deixar de consubstanciar uma presunção.

94 - Dispõe o n.º 1 do art.º 9.º do CC que a procura do pensamento legislativo deverá ter “[…] sobretudo em conta […] a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, circunstâncias e condições essas, que, hoje mais do que nunca, são de sensibilidade pelo ambiente e de respeito pelas questões com ele relacionadas.

Neste contexto, as considerações formuladas sobre os mencionados elementos de interpretação, sejam de carácter literal ou de pendor histórico, sejam de natureza racional ou sistemática, apontam no sentido de que o artigo 3.º do CIUC, estabelece uma presunção, ou seja, a ratio legis dessa norma, enquanto razão ou fim que razoavelmente lhe deve ser atribuído, não pode deixar de perspectivar a expressão “considerando-se como tais”, utilizada no referido artigo, como reveladora do estabelecimento de uma presunção, o que significa que os sujeitos passivos do IUC sendo, em princípio, os proprietários dos veículos, considerando-se, como tais, as pessoas em nome dos quais os mesmos se encontrem registados, poderão, a final, ser outros.

Dir-se-á, aliás, que o estabelecimento de uma presunção na mencionada norma corresponderá à interpretação mais compaginável, particularmente, com o princípio da equivalência, atrás mencionado, sendo a que melhor assegura a coerência e harmonia dos diversos elementos que integram o sistema jurídico inscrito no CIUC.

95 - Aqui chegados, cabe lembrar o disposto no art.º 73.º da LGT, quando estabelece que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”, (sublinhado nosso), o que significa que a presunção legal, que se afigura estar estabelecida no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, será necessariamente ilidível.

96 - Neste quadro, os sujeitos passivos do imposto são, presumivelmente, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, ou seja, os referidos sujeitos passivos são, em princípio, e apenas em princípio, as pessoas em nome de quem tais veículos estejam registados.

97 - Com efeito, se o proprietário em nome do qual o veículo se encontra registado, vier, como ocorre no presente processo, indicar e provar quem era o proprietário ou o locatário dos veículos em causa, nada justifica, em nosso entendimento, que quer o anterior proprietário quer o locador sejam responsabilizados pelo pagamento do IUC que for devido.

98 - Acresce, ser esta interpretação do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC a que, em nossa opinião, melhor se ajusta aos princípios a que a AT deve subordinar a sua actividade, nomeadamente ao princípio do inquisitório, em ordem à descoberta da verdade material.

99 - A propósito do referido princípio do inquisitório, cabe aludir aos ensinamentos de Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4ª Edição 2012, Encontro de Escrita, Lda, Lisboa, p. 488/489, quando, em anotações ao citado art.º 58.º, referem que cabe à administração um papel dinâmico na recolha dos elementos com relevância para a decisão, acrescentando que a “[…] falta de diligências reputadas necessárias para a construção da base fáctica da decisão afectará esta não só na hipótese de serem obrigatórias (violação do princípio da igualdade), mas também se a materialidade dos factos considerados não estiver comprovada ou se faltarem, nessa base, factos relevantes, alegados pelo interessado, por insuficiência de prova que a Administração deveria ter colhido […]”.

O princípio do inquisitório, acrescentam os referidos autores, op. cit, “[…] tem a ver com os poderes (-deveres) de a Administração proceder às investigações necessárias ao conhecimento dos factos essenciais ou determinantes para a decisão […]”.

100 - A verdade material, consubstanciada, no presente caso, na circunstância dos veículos identificados no pedido de pronúncia arbitral terem, na sua quase totalidade, sido vendidos pela Requerente em momento anterior ao da exigibilidade do imposto, ou seja, à data a partir da qual o credor tributário podia fazer valer, perante o devedor, o seu direito ao pagamento do imposto, era, face ao processo administrativo, do conhecimento da AT.

101 - Não se diga, como faz a AT, que o estabelecimento de uma presunção no art.º 3.º do CIUC e as consequências daí resultantes ofenderiam o princípio da eficiência do sistema tributário, na medida em que conduziriam, nomeadamente, ao “entorpecimento e encarecimento das competências atribuídas à Requerida”. (Cfr. art.º 87.º da Resposta)

A eficiência da Administração em geral, ou da AT em particular, em sentido corrente, corresponderá à capacidade/metodologia de trabalho orientada para a optimização do trabalho executado ou dos serviços prestados, o que significará produzir o máximo, em quantidade e qualidade, com o mínimo de custos, nada tendo a ver com a observância de princípios legalmente consagrados e com o respeito pelos direitos dos cidadãos, seja na qualidade de contribuintes ou não.

102 - Em sentido técnico, dir-se-á que o princípio da eficiência do sistema tributário, é, comummente tido, no domínio do procedimento tributário, como corolário do princípio da proporcionalidade, o qual como é sabido, impõe uma adequada proporção entre as finalidades legais e os meios escolhidos para alcançar esses fins, ou, como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4ª Edição 2012, Encontro de Escrita, Lda, Lisboa, p. 488, nas anotações ao artigo 55.º da LGT, trata-se de um princípio que obriga “[…] a administração tributária a abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações que sejam desnecessárias à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir”.

Neste quadro, o referido princípio da eficiência do sistema tributário significará a capacidade de alcançar os objectivos legalmente fixados em razão dos meios disponíveis, ou melhor, com o mínimo de meios, o que nada terá também a ver com o respeito pelos direitos dos cidadãos, nem com a necessidade de observância dos princípios a que a administração tributária deve subordinar a sua actividade, designadamente o do inquisitório e o da descoberta da verdade material, não podendo, obviamente, a aplicação do mencionado princípio da eficiência ser feita com prejuízo dos direitos dos cidadãos.

 

J - DA AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE DO VEÍCULO E DO VALOR DO REGISTO

 

103 - Antes de mais, deve acrescentar-se, face ao que adiante, explicitamente, se dirá sobre o valor do registo, que os adquirentes dos veículos tornam-se proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, com registo ou sem ele.

104 - São três os artigos do Código Civil que importa ter em conta, a propósito da aquisição da propriedade de um veículo automóvel. São eles, desde logo, o art.º 874.º, que estabelece a noção de contrato de compra e venda, como sendo “[…] o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”; o art.º 879.º, em cuja alínea a) se estatui, como efeitos essenciais do contrato de compra e venda, “a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito” e o art.º 408.º, que tem por epígrafe os contratos com eficácia real, e estabelece no seu nº 1, que “a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei”. (sublinhado nosso)

Estamos, com efeito, no domínio dos contratos com eficácia real, o que significa que a sua celebração provoca a transmissão de direitos reais, no caso, veículos automóveis, determinada por mero efeito do contrato, como decorre expressamente da norma anteriormente mencionada.

105 - A propósito dos referidos contratos com eficácia real, cabe notar os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela, quando, em anotações ao art.º 408.º do CC, nos dizem que “Destes contratos ditos reais (quoad effectum), por terem como efeito imediato a constituição, modificação ou extinção dum direito real (e não apenas as obrigações tendentes a esse resultado) distinguem-se os chamados contratos reais (quoad constitutionem), que exigem a entrega da coisa como elemento da sua formação (cfr. arts. 1129.º, 1142.º e 1185.º) ”.

Estamos, assim, perante contratos em que a propriedade da coisa vendida se transfere, sem mais, do vendedor para o comprador, tendo, como causa, o próprio contrato.

106 - Também da jurisprudência, designadamente do Acórdão do STJ n.º 03B4369 de 19/02/2004, disponível em: www.dgsi.pt, se retira que, face ao disposto no art.º 408.º, nº 1, do C. Civil, "a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei". É o caso do contrato de compra e venda de veículo automóvel (art.ºs 874.° e 879.º al. a) do C. Civil), o qual não depende de qualquer formalidade especial, sendo válido mesmo quando celebrado por forma verbal - conf. Ac do STJ de 3-3-98, in CJSTJ, 1998, ano VI, Tomo I, pág. 117”. (sublinhado nosso)

107 - Tendo o contrato de compra e venda, face ao que se deixa referido, natureza real, com as mencionadas consequências, há que considerar, também, o valor jurídico do registo automóvel objecto desse contrato, na medida em que a transação do referido bem está sujeita a registo público.

108 - Estabelece, com efeito, o n.º 1 do art.º 1.º do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, relativo ao registo de veículos automóveis, (diversas vezes alterado, a última das quais por via da Lei n.º 39/2008, de 11/08), que “O registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”. (sublinhado nosso)

109 - Ficando claro, face à referida norma, qual a finalidade do registo, não há, porém, clareza, no âmbito do referido Decreto-lei, sobre o valor jurídico desse registo, importando considerar o artigo 29.º do mencionado diploma legal, relativo ao registo de propriedade automóvel, quando aí se dispõe que “São aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo de automóveis as disposições relativas ao registo predial, […]”. (sublinhado nosso)

110 - Neste quadro, para que possamos alcançar o procurado conhecimento sobre o valor jurídico do registo de propriedade automóvel, importa ter em conta o que se estabelece no Código do Registo Predial, o qual, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 06 de Julho, e alterado pela última vez, por via do Decreto-Lei n.º 125/2013, de 30 de Agosto, dispõe no seu artigo 7.º que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. (sublinhado nosso)

111 - A conjugação do disposto nos artigos retromencionados, particularmente o estabelecido no n.º 1 do art.º 1.º do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro e no art.º 7.º do Código do Registo Predial, permite considerar, por um lado, que a função fundamental do registo é a de dar publicidade à situação jurídica dos veículos, permitindo, por outro, presumir que o direito existe e que tal direito pertence ao titular, em prol de quem o mesmo está registado, nos precisos termos em que está definido no registo.

112 - Assim, o registo definitivo mais não constitui do que a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos exactos termos do registo, mas presunção ilidível, admitindo, por isso, contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência vem assinalando, podendo, a este propósito, ver-se, entre outros, os Acórdãos do STJ nºs 03B4369 e 07B4528, respectivamente, de 19/02/2004 e 29/01/2008, disponíveis em: www.dgsi.pt.

113 - A função legalmente reservada ao registo é, assim, por um lado, a de publicitar a situação jurídica dos bens, no caso, dos veículos e, por outro lado, permitir-nos presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, como tal inscrito no registo, o que significa que o registo não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador.

114 - Assim, se os compradores dos veículos, enquanto seus “novos” proprietários, não promoverem, desde logo, o adequado registo do seu direito, presume-se, para efeitos do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC e nos termos do disposto no art.º 7.º do Código do Registo Predial, que o veículo continua a ser propriedade da pessoa que o vendeu e que no registo se mantém seu proprietário, sendo, porém, certo que tal presunção é ilidível, seja por força do estabelecido no n.º 2 do art.º 350.º do CC, seja à luz do disposto no art.º 73.º da LGT. Daí que, a partir do momento em que se afaste a referida presunção, mediante prova da respectiva venda, a AT não poderá persistir em considerar como sujeito passivo do IUC o vendedor do veículo, que, no registo, continua a constar como seu proprietário.

 

L - DO PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE

 

115 - A recepção dos veículos, em 06 de Janeiro de 2006, pela sociedade espanhola que procedeu à sua compra, como vem judicialmente reconhecido, pela aludida Sentença de 1.ª Instância n.º 49/08 do Tribunal de Ciudad Rodrigo - Salamanca, suscita o relacionamento dos actos de liquidação referenciados nos autos com o princípio da territorialidade fiscal. Com efeito,

116 - Face ao disposto no art.º 13.º da LGT, e particularmente ao estatuído no seu n.º 1 “[…] as normas tributárias aplicam-se aos factos que ocorram em território nacional”, o que, conferindo um sentido materialmente positivo ao princípio da territorialidade, significa que as leis tributárias nacionais se aplicam aos factos ocorridos em território português.

117 - A conexão entre os referidos elementos, ou seja, entre as normas fiscais portuguesas e os factos ocorridos no espaço fiscal nacional, na medida em que delimita e circunscreve espacialmente os factos tributários, determina, no caso dos autos, a não aplicação do CIUC aos factos tributários subjacentes aos actos de liquidação em crise no presente processo. Dir-se-á, usado um conhecido brocardo latino, que “cessante ratione legis, cessat et ipsa lex”, ou seja, cessando a razão de ser da lei, cessa a própria lei. Na verdade,

118 - Tendo os veículos em questão, no presente processo, sido, por um lado, objecto de “transferência” para Espanha, e estando, por outro lado, o seu “novo” proprietário, igualmente situado em território espanhol, ou seja, num espaço objectivamente diferente daquele onde primitivamente se encontravam, concretiza-se uma situação espacial que as normas do CIUC não alcançam.

119 - O elemento material dos factos tributários, no caso os veículos automóveis, bem como o elemento subjectivo da estrutura dos aludidos factos tributários, não se verificavam, assim, em 2008, nas datas dos aniversários das correspondentes matrículas.

120 - Os factos tributários e a exigibilidade do imposto, face ao disposto nos n.ºs 1 e 3 do art.º 6.º e no n.º 2 do art.º 4.º, ambos do CIUC, reportam-se a 2008, ano em que os veículos e o seu “novo” proprietário não estavam no espaço fiscal nacional, mas sim em território espanhol, não podendo, nestas circunstâncias, haver lugar à prática dos actos de liquidação em crise nos autos.

 

M - DO CANCELAMENTO DAS MATRÍCULAS

121 - A exposição/requerimento apresentado pela AT, e junto aos autos, em 26-09-2014, permitiu conhecer que, na sequência de diligências efectuadas pelo Serviço de Finanças de Figueira da Foz 2, junto da Conservatória do Registo Automóvel, nove dos dez veículos objecto do presente processo, ou seja, todos os veículos, à excepção do veículo detentor da matrícula ..-..-.., foram em, 13-08-2014, objecto de uma actualização do registo, tendo, nessas circunstâncias, sido revelado que as matrículas dos nove referidos veículos foram canceladas em 06-01-2006.

122 - Assim sendo, fica clara a ausência de facto tributário, quer na sua dimensão objectiva, relacionada com os veículos, em conformidade com o disposto no art.º 2.º do CIUC, e com a sua propriedade, quer na sua dimensão subjectiva, associada à titularidade da sua propriedade por parte da Requerente, não podendo, nessas circunstâncias, haver lugar à prática dos actos de liquidação em crise nos autos.

 

N - DOS MEIOS DE PROVA APRESENTADOS

 

123 - Não sendo legalmente exigível a forma escrita para o contrato de compra e venda dos veículos automóveis, a prova da venda correspondente poderá fazer-se por qualquer meio, nomeadamente por via testemunhal ou documental.

124 - Como meio de prova de que procedeu à venda dos dez veículos em questão no presente processo, em data anterior à da exigibilidade do imposto, a Requerente juntou cópia da Petição Inicial apresentada no Tribunal de 1.ª Instância de Ciudad Rodrigo - Salamanca, subjacente ao Processo Ordinário 0000252/2007, em que pede a condenação da sociedade espanhola B..., SL ao pagamento de parte do preço relativo aos veículos, que a mesma comprou e recebeu da Requerente.

125 - Apresentou, igualmente, com interesse para os autos, certidão da sentença n.º 49/08 do Tribunal de 1.ª Instância de Ciudad Rodrigo - Salamanca, que na sequência da atrás mencionada Petição Inicial, condenou a sociedade espanhola B..., SL, enquanto compradora dos veículos em causa no presente processo, ao integral pagamento do preço contratualizado.

126 - O contrato de compra e venda dos veículos vendidos pela Requerente à B..., SL, em número de doze unidades, e os elementos inscritos nesse contrato foram declarados provados na referida sentença, sendo, assim, judicialmente reconhecida a compra dos mencionados veículos pela sociedade espanhola em questão.

127 - Entre os doze veículos que expressamente constituem o objecto do contrato de compra e venda celebrado entre a Requerente e a B..., SL, tal como referenciado na Petição Inicial e na Sentença de 1.ª Instância n.º 49/08, não consta o veículo pesado, da categoria C, de marca Mercedes- Benz, com a matrícula ..-..-…

128 - Não há, pois, neste quadro, qualquer prova de que o referido veículo, com a matrícula ..-..-.., tivesse sido vendido à B..., SL, em 06 de Janeiro de 2006, ou a qualquer outra Entidade, em qualquer outra data, mostrando-se, assim, a liquidação oficiosamente efectuada no montante de € 502,45, sendo € 432,00, a título de IUC e € 70,45, a título de juros compensatórios, em sintonia com o disposto nos artigos 6.º, n.º 3 e 4.º, n.º 2 do CIUC, reportando-se a exigibilidade do imposto a 19-10-2008

129 - Quanto aos demais veículos, ou seja, os detentores das matrículas ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.. ..-..-.. ..-..-.., ..-..-.. , ..-..-.. ..-..-.., foram, todos eles, vendidos em data anterior àquelas em que o correspondente IUC era exigível. Na verdade,

130 - Os mencionados veículos foram, com efeito, em 06 de Janeiro de 2006, vendidos à B..., SL, não sendo, pois, a Requerente proprietária de tais veículos nas datas identificadas pela Requerida, como sendo aquelas em que ocorreram os factos geradores do imposto.

131 - Nestas circunstâncias, a presunção estabelecida no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC foi objecto de ilisão, importando, por outro lado, considerar que, face ao disposto nos artigos 6.º, n.º 3 e 4.º, n.º 2 do CIUC, a exigibilidade do correspondente IUC reporta-se aos aniversários das matrículas, o que, no caso dos autos, corresponde ao ano de 2008.

132 - Sobre os mencionados documentos, (nomeadamente Petição Inicial e correspondente sentença nº 49/08 do Tribunal de 1.ª Instância de Ciudad Rodrigo - Salamanca), considerou a AT, face à sua apresentação em língua estrangeira, não estar em condições de apreender o seu conteúdo, não podendo, assim, exercer o contraditório, tendo, nesse quadro, requerido, face ao estabelecido no n.º 1 do art.º 134.º do CPC, a junção das correspondentes traduções, as quais, nessas circunstâncias, foram, oportunamente, apresentadas.

133 - Por outro lado, foi igualmente feita alusão à ausência de referência dos veículos em causa nos mencionados documentos, considerando, ainda e designadamente, não se poder “aferir da genuidade” dos documentos em questão.

134 - De acordo com o requerido, foram os referidos documentos traduzidos para língua portuguesa, ficando inteligível e claro tudo o que nesses documentos se refere, tendo os novos textos sido notarialmente certificados, sendo visível, nesses mesmos documentos, a sua autenticação por via da aposição de carimbo a óleo da respectiva instância judicial, aposto sobre o logótipo da “Administração de Justiça” espanhola, exarado nas diversas folhas dos documentos em questão, não havendo dúvidas sobre a autenticidade de tais documentos.

135 - A este propósito, é pertinente notar o que nos dizem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, vol. I, Coimbra Editora - 1967, pág. 239, quando, em anotação ao art.º 365.º do mencionado Código, referem que «A obrigatoriedade da legalização dos documentos passados em país estrangeiro, na conformidade da lei desse país, foi, em princípio, abolida. Os tribunais, como quaisquer repartições públicas, devem, pois, atribuir a esses documentos todo o seu valor probatório, independentemente de legalização. Esta, porém, pode tornar-se obrigatória, se vierem a suscitar-se dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento», dúvidas que, como já atrás se referiu, não se suscitam no presente caso.

136 - Por outro lado, importa ter em conta que, no domínio das relações jurídico-tributárias, face à presunção de veracidade dos factos inscritos nos documentos em causa, e estando a venda dos veículos à empresa espanhola B..., SL, expressamente mencionada em tais documentos, devendo a referida venda ser tida como uma efectiva realidade, caberia à AT ter demonstrado que a mesma não ocorreu (art.º 74.º da LGT). Com efeito,

137 - Importa ter em conta o estabelecido no art.º 75.º, n.º 1 da LGT, na medida em que permite considerar que os referidos documentos gozam da presunção de veracidade, o que significa que se não for demonstrada, como não foi, a ausência de correspondência entre o seu teor e a realidade, o seu conteúdo deve considerar-se verdadeiro.

138 - Os documentos apresentados pela Requerente, enquanto meios destinados a fazer prova das transacções dos veículos em causa, gozando, assim, da mencionada presunção de veracidade, afiguram-se com idoneidade bastante, em ordem à demonstração das referidas transacções.

139 - Face ao que vem de referir-se, e tendo em conta, quer a ilisão da presunção estabelecida no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, quer a transferência de propriedade dos veículos em questão, por mero efeito do contrato, antes da data da exigibilidade do imposto, bem como o valor jurídico do registo automóvel na economia do CIUC, quer as atrás referidas razões atinentes ao princípio da territorialidade, quer, enfim, as razões decorrentes do cancelamento da matrícula em data anterior aquela em que o IUC era exigível, os actos tributários em crise, salvo o que respeita ao veículo com a matrícula ..-..-.., não podem merecer o nosso acordo, seja porque não se teve em conta uma adequada interpretação e aplicação das normas legais de incidência subjectiva, o que consubstancia um erro sobre os pressupostos de direito, seja porque os referidos actos assentaram numa matéria de facto, claramente divergente da efectiva realidade, o que consubstancia um erro sobre os pressupostos de facto.

140 - Nestas circunstâncias, tendo em conta, por um lado, que a presunção consagrada no art.º 3.º do CIUC foi ilidida e que, por outro, os veículos em questão no presente processo (todos, à excepção do detentor da matrícula ..-..-..), foram vendidos, a uma empresa espanhola, em data anterior à da exigibilidade do imposto, ou seja, ao momento em que a Administração pode exigir a prestação tributária, não se pode deixar de considerar que, aquando da exigibilidade do imposto, face ao disposto no n.º 3 do artigo 6.º, conjugado com o n.º 2 do artigo 4.º, ambos do CIUC, a Requerente não era sujeito passivo do imposto em questão.

141 - A AT, quando entende que os sujeitos passivos do IUC são, em definitivo, as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados, sem considerar os elementos probatórios que lhe foram apresentados, destinados a identificar os novos proprietários dos veículos, nem ter em conta o princípio da territorialidade fiscal, nem o cancelamento das matrículas, que, afinal, como revelam as diligências efectuadas pelo Serviço de Finanças de Figueira da Foz 2, junto da Conservatória do Registo Automóvel, produz efeitos desde 06-01-2006, diligências que, tivessem sido efectuadas aquando do direito de Audição Prévia, ou da apresentação da Reclamação Graciosa, ou aquando da dedução do Recurso hierárquico, e o pedido de pronúncia arbitral subjacente ao presente processo não teria sido deduzido, está a proceder a liquidações ilegais do IUC, assentes, designadamente, na errada interpretação e aplicação das normas de incidência objectiva e subjectiva do Imposto Único de Circulação, constantes, respectivamente, dos artigos 2.º e 3.º do CIUC, seja ao nível da previsão, seja da estatuição, o que configura a prática de actos tributários falhos de legalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que determina a anulação dos correspondentes actos tributários, por violação de lei.

 

O - DO VEÍCULO COM A MATRÍCULA ..-..-...

 

142 - Como já atrás se referiu o veículo pesado, da categoria C, de marca Mercedes - Benz, com a matrícula ..-..-.., não foi, em 06-01-2006, objecto de venda à empresa espanhola B... ou a qualquer outra Entidade.

143 - A quantia liquidada, sob a liquidação n.º ..., relativa ao mencionado veículo, referente ao ano de 2008, apurou, tal como consta dos autos, um montante no valor de € 502,45, sendo que o montante de € 432,00, respeita a IUC, e a quantia de € 70,45 respeita a juros compensatórios.

144 - Os actos tributários em crise, salvo o que respeita ao veículo com a matrícula ..-..-.., não podem, como já se mencionou, merecer o nosso acordo, devendo os mesmos ser objecto de anulação, o que, naturalmente, se reflecte no valor de € 8.021,58, mencionado no pedido de pronúncia arbitral subjacente ao presente processo, como sendo o que corresponde ao IUC liquidado, relativamente aos dez veículos em questão.

 

P - CUSTAS ARBITRAIS

 

145 - A este propósito, mais concretamente sobre a responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais, que a AT considera serem devidas pela Requerente, “nos termos do art.º 527.º n.º 1 do Novo Código de Processo Civil ex vi do art.º 29.º n.º alínea e) do RJAT”, cabe apenas notar que, face ao estatuído no n.º 2 do referido art.º 527.º do CPC, dá causa “[…] às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for”, sendo, isso mesmo, o que se aplicará no caso dos autos.

CONCLUSÃO

 

146 - No quadro circunstancial que se tem vindo a referir, a AT, ao praticar os actos de liquidação em causa no presente processo, fundados na ideia de que o artigo 3.º, n.º 1 do CIUC não consagra uma presunção ilidível, não tendo, por outro lado, em conta, o princípio da territorialidade, nem as razões decorrentes do cancelamento da matrícula em data anterior aquela em que o IUC era exigível, faz errada interpretação e aplicação desta norma, cometendo um erro sobre os pressupostos de direito, o que constitui violação de lei.

147 - Por outro lado, porque a AT, à data da ocorrência dos factos tributários, considerou a Requerente proprietária dos veículos referenciados no presente processo, considerando-a, como tal, sujeito passivo do imposto, quando tal propriedade, relativamente a nove dos dez veículos em questão, já não estava inscrita na sua esfera jurídica, baseando-se, assim, em matéria de facto divergente da efectiva realidade, comete um erro sobre os pressupostos de facto, e portanto de violação de lei.

 

III - DECISÃO

 

148 - Destarte, atento a todo o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

 

- Julgar parcialmente procedente, por provado, com fundamento em vício de violação de lei, o pedido de pronúncia arbitral no que concerne à anulação dos actos de liquidação de IUC, respeitantes a todos os veículos identificados nos autos, à excepção do veículo com a matrícula ..-..-.., referente ao ano de 2008;

- Anular, consequentemente, os actos de liquidação de IUC, referentes aos anos de 2008, respeitantes aos veículos com as matrículas ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-..;

- Condenar a Requerente e a Requerida em custas, cujo montante se fixa, para cada uma, na proporção do respectivo decaimento, o que, nos termos do disposto o n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, corresponde a 6% a cargo da Requerente e a 94% a cargo da Requerida.

 

VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, nº 2 do CPC (ex-315.º, nº 2) e 97.º - A, nº 1 do CPPT e no artigo 3.º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 8.021,58.

 

CUSTAS

De harmonia com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, in fine, no art.º 22.º, nº 4, ambos do RJAT, e no art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I, que a este está anexa, fixa-se o montante das custas totais em € 918,00.

 

Notifique-se.

Lisboa, 15 de Outubro de 2014

O Árbitro

António Correia Valente

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (ex-138.º, n.º 5), aplicável por remissão do artigo 29.º n.º 1 alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)