DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. João Marques Pinto e Prof.ª Doutora Maria do Rosário Anjos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10-12-2018, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., LDA., NIPC..., com sede no ..., na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Estoril (doravante designada como “Requerente”), veio ao abrigo dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral em que é requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
A Requerente pede a anulação da liquidação de IRC n.º 2017..., relativa ao período de tributação de 2014, com o valor total de € 120.413,85, em que se inclui a quantia de € 4.878,56 de juros compensatórios e a quantia de € 61.233,86 de tributações autónomas.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 31-10-2018.
No prazo referido no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, a Autoridade Tributária e Aduaneira revogou parcialmente a liquidação quanto ao montante de € 7.001,06 de tributações autónomas, relativo a encargos com viaturas ligeiras de passageiros, que foi reduzido de € 8.619,87 para € 1.618,82.
Notificada da decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira, a Requerente manifestou interesse no prosseguimento do processo.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 20-10-2018, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 10-01-2018.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que suscitou a excepção de intempestividade e defendeu a improcedência do pedido.
No dia 13-03-2019, procedeu-se a uma reunião para produção de prova testemunhal, em que se decidiu que o processo prosseguisse com as alegações por escrito.
As Partes apresentaram alegações.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Importa apreciar prioritariamente a excepção da intempestividade.
2. Questão da intempestividade da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral
A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da intempestividade da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral por, em suma, a Requerente o apresentado depois de decorridos 90 dias sobre o termo do prazo de pagamento voluntário da liquidação.
O prazo de pagamento voluntário da liquidação impugnada terminou em 12-06-2017.
Em 22-09-2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação, dentro do prazo de 120 dias previsto no n.º 1 do artigo 70.º do CPPT.
Como resulta do disposto na alínea a) do n.º- 1 do artigo 10.º do RJAT, «o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado» «no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico».
Um dos actos susceptíveis de impugnação autónoma é a decisão da reclamação graciosa, como resulta do preceituado nos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d). da LGT e do artigo 97.º, n.º 1, alínea c), do CPPT.
Por outro lado, como resulta do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o objecto do processo arbitral é o acto de liquidação e não a decisão da reclamação graciosa, pelo que a Requerente não tinha de impugnar esta decisão, meramente confirmativa, mas sim o acto de liquidação confirmado.
Por isso, o prazo para apresentar pedido de constituição do tribunal arbitral de actos de liquidação de que foi deduzida reclamação graciosa é de 90 dias a contar da notificação da decisão de indeferimento da reclamação e não a contar do termo do prazo de pagamento voluntário.
A decisão da reclamação graciosa foi notificada à Requerente por carta expedida em 27-07-2018 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
A notificação foi efectuada para o domicílio fiscal electrónico da Requerente, segundo se infere do texto do ofício que consta do documento n.º 6, em que se refere expressamente que a contagem dos prazos «inicia-se no dia útil seguinte Àquele em que a notificação se concretizou, nos termos do n.º 10 do art.º 39.º do CPPT».
Nos termos deste n.º 10 do artigo 39.º do CPPT, «as notificações efetuadas para o domicílio fiscal eletrónico consideram-se efetuadas no quinto dia posterior ao registo de disponibilização daquelas no sistema de suporte ao serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital ou na caixa postal eletrónica da pessoa a notificar».
Por isso, a notificação expedida em 27-07-2018, considera-se efectuada em 01-08-2018, quinto dia posterior.
É do dia útil seguinte, 02-08-2018, que se conta do prazo de 90 dias, previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, que, por isso, terminou em 31-10-2018.
Como o pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 30-10-2018, tem de se concluir que a apresentação foi efectuada dentro do prazo legal.
Improcede, assim, a expcepção da intempestividade.
3. Matéria de facto
Consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade por quotas com sede em território nacional que tem como objecto social a indústria de construção civil, obras públicas e particulares, urbanizações, compra e venda de imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim, comércio de materiais de construção, construção de edifícios para venda e revenda dos adquiridos para esse fim, bem como o arrendamento de imóveis e alojamento mobilado para turistas, de acordo com o Código de Atividade Económica (CAE) - Rev. 3, n.º 41200, relativo a "Construção de edifícios (residenciais e não residenciais)" e n.º 68200, relativo a "Arrendamento de bens imobiliários";
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Em 27 de Outubro de 2016 teve início uma acção inspectiva efectuada à Requerente Demandante pela Direcção de Finanças de Lisboa que decorreu até 20 de Fevereiro de 2017 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
No Relatório da Inspecção Tributária da inspecção refere-se além do mais, o seguinte:
II.4 Apreciação Contabilístico – Fiscal
Analisadas as declarações entregues pelo sujeito passivo referentes aos anos de 2013 e 2014 verifica-se que houve um aumento bastante significativo do resultado líquido do exercício.
Este aumento deve-se essencialmente ao aumento das vendas no ano de 2014 que se ficou a dever à oportunidade criada pelo programa de Vistos Gold.
Esta oportunidade vem na sequência da aprovação da Lei nº 29/2012, de 9 de Agosto, que produziu alterações à Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, mediante a qual o Governo Português aprovou legislação, que alterou o regime Jurídico da entrada, permanência e saída de estrangeiros do território nacional, permitindo a cidadãos estrangeiros não membros da União Europeia, através de actividades de investimento, obter uma autorização espacial de residência, denominado "VISTO GOLD" ou "GOLDEN VISA", que permite a investidores estrangeiros circular pelos países do espaço "Shengen".
Esta autorização de residência é atribuída aos cidadãos que a requeiram, desde que preencham determinados requisitos, sobretudo os relacionados com investimentos, aquisição de imóveis e/ou geração de emprego, a seguir identificados:
A Aquisição de imóveis de valor igual ou superior a €500.000,00, podendo o investimento corresponder a um ou a vários imóveis;
A Transferência de capitais num montante igual ou superior a €1.000.000,00;
A Investimento que conduza à criação de, pelo menos, 10 postos de trabalho. Perante esta situação relata-se o que de mais significativo se apurou
II.4.1 Em sede de IRC
Exercício 2013
O sujeito passivo no ano económico de 2013 procedeu à venda de um imóvel, a um cliente português perfazendo assim, o valor das vendas o montante global de € 124.000,00, conforme quadro infra:
Exercício 2014
No ano económico de 2014 o sujeito passivo apurou o valor global de vendas de € 5.126.000,00, conforme tabela infra:
Relativamente às vendas efectuadas a adquirentes de nacionalidade chinesa, foram celebrados contratos de prestações de serviços com as seguintes empresas:
– A B… LIMITED, sediada em HONG KONG;
– A C... LTD, sediada em Chipre.
A A... suportou e pagou os gastos com publicidade facturados pela B..., LIMITED no montante de €147.000,00 (anexo III) e à C... LTD no montante de €384.500,00 (anexo l V).
(...)
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
III.1. ANÁLISE NO ÂMBITO DO IRC
III.1.1. CORREÇÕES AO RESULTADO FISCAL
III.1.1.1. SERVIÇOS ADQUIRIDOS A ENTIDADES SEDIADAS EM HONG KONG
A) GASTOS FISCALMENTE NÃO DEDUTÍVEIS - PERÍODO 2014
A legislação fiscal estabelece as condições gerais a que terão que obedecer os gastos para serem fiscalmente dedutíveis, de acordo com o previsto no artigo 23.º do CIRC, que estipula:
"7 - Para a determinação rio lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC."
O legislador faz assim depender a dedutibilidade fiscal do gasto de uma relação justificada com a atividade geradora de rendimentos sujeitos a imposto.
Obviamente que antes de tudo o mais, e sem que a legislação o refira expressamente, importa verificar a efetividade e comprovação da realização dos gastos, o que consistirá na sua prova documental, de apoio aos registos contabilísticos.
Por outro lado, impõe a legislação para a dedutibilidade fiscal do gasto da existência de uma relação justificada com a atividade produtiva, e esta indispensabilidade verifica-se desde que esses encargos se conectem com a obtenção de rendimentos.
Contudo, o princípio geral da dedutibilidade dos gastos sofre uma derrogação no caso de pagamentos a entidades não residentes em Portugal e localizadas em jurisdições de fiscalidade privilegiada, como forma de obviar a erosão da base tributável.
Assim, com vista a combater a evasão e fraude fiscal internacional, e no sentido de restringir a utilização de paraísos fiscais o legislador português optou por introduzir no nosso ordenamento jurídico medidas, genericamente designadas como de anti-abuso, através da criação de cláusulas específicas na lei. i
Neste contexto, estipula o artigo 23.º-A do CIRC que:
"1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
(...)
r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer Ululo, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.
7 - O disposto na alínea r) do n.º 1 aplica-se igualmente às importâncias indiretamente pagas ou devidas, a qualquer titulo, às pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, quando o sujeito passivo tenha ou devesse ler conhecimento do seu destino, presumindo-se esse conhecimento quando existam relações especiais, nos lermos do n.º 4 do artigo 63.º, entre o sujeito passivo e as referidas pessoas singulares ou coletivas, ou entre o sujeito passivo e o mandatário, fiduciário ou interposta pessoa que procede ao pagamento às pessoas singulares ou coletivas.
8 - A Autoridade Tributária e Aduaneira notifica o sujeito passivo para produção da prova referida na alínea r) do n.º 1, devendo, para o efeito, ser fixado um prazo não inferior a 30 dias."
Estas normas visam combater uma espécie de operações evasivas ou fraudulentas, por meio de pagamentos a favor de entidades não residentes e estabelecidas em jurisdições de fiscalidade privilegiada, de modo a transferir rendimentos gerados e localizados em Portugal para locais com regimes fiscais mais favoráveis, com tributação reduzida ou inexistente, e tradicionalmente avessos à colaboração na troca de informações para efeitos fiscais.
A estatuição das mesmas determina o princípio geral de não dedutibilidade dos gastos suportados com este tipo de pagamentos, consagrando, no entanto, uma cláusula de salvaguarda, que se opera mediante a prova, cuja produção cabe ao sujeito passivo, através da demonstração do cumprimento cumulativo de duas condições:
-
Os gastos corresponderem a operações reais e,
-
Não terem um caráter anormal ou um montante exagerado.
Trata-se duma dupla prova que incumbirá ao sujeito passivo demonstrar:
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Que os gastos se materializaram em atos efetivos, não bastando a mera existência formal/documental, como contratos, faturas e transferências bancárias e,
-
Que esses gastos não são anormais ou de montante excessivo, o que se poderá provir mediante a confrontação com situações comparáveis de mercado num contexto de plena concorrência.
A este propósito refira-se o acórdão proferido em 2015-02-19, no processo 08126/14, no Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), que julgou um caso de pagamento a entidades não residentes e sujeitas a um regime fiscal privilegiado, evidenciando a importância da demonstração das provas, em detrimento da forma, cujo sumário se transcreve:
'No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objeto de prova é antes a efetiva prestação de serviços, ou o recebimento de um empréstimo, ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C. . Já quanto à prova da inexistência do caráter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos c/e serviços análogos no mercado."
Na falta da comprovação destes requisitos conclui-se pela não dedutibilidade dos gastos em apreço e o consequente acréscimo dos respetivos montantes no resultado fiscal.
A produção desta prova deverá ser feita pelo sujeito passivo perante a AT, apresentando os meios de prova da efetividade do gasto, do caráter normal e montante não exagerado, a quem compete a sua apreciação com vista à formação dum juízo administrativo sobre a validade dos pagamentos. Trata-se, pois, duma solução legislativa em que é revertido para o sujeito passivo um "ónus probandi" em que, por força do disposto nas normas em referência, no domínio dos pagamentos a entidades domiciliadas em territórios de baixa tributação, é afastada a presunção constante do n.º 1 do artigo 75.º da LGT, de veracidade e de boa-fé das suas declarações e dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade.
Desta forma não logrando o sujeito passivo produzir tal prova, o gasto não é fiscalmente aceite, sendo o lucro tributável aumentado para efeitos de tributação.
No caso concreto, o sujeito passivo, em 2014, efetuou o seguinte pagamento a uma entidade não residente em Território Nacional, e, com sede em Hong Kong:
Ora, da análise documental constatou-se que o sujeito passivo possui:
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Contrato;
-
Fatura nº 08672014, emitida pelo prestador dos serviços em causa em 11.04.2014;
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Comprovativo do pagamento da fatura - transferência bancária, da D... Ref PGF... .
No entanto, embora este conjunto documental dote a operação do preenchimento de requisitos formais, carece de ser comprovada substancialmente, falha que não foi preenchida pelos seguintes motivos:
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Não foi evidenciado que tenha sido praticada qualquer ação, campanha publicitária ou equivalente, concreta e efetiva, pela citada empresa prestadora de serviços visando a venda de frações;
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Que a ter havido, a mesma foi apropriada e direcionada ao objetivo, isto é, na eventualidade de ter sido realizada destinou-se a tentar vender frações ou antes qualquer outro produto;
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A prova de que o serviço foi na realidade prestado;
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E ainda que fossem exibidas as evidências físicas dos trabalhos efetuados, seria ainda necessário demonstrar a adequação de cada um deles aos requisitos do artigo 23.º do CIRC;
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E que, para além do contrato, não foi evidenciada troca de qualquer correspondência ou contactos com o alegado prestador de serviços, conexos com os serviços que alegadamente intermediou.
Não basta, pois, a existência de faturas ou transferências bancárias. É necessária a evidência de todo um conjunto de ações, atuações, como por exemplo de campanhas concretas de publicidade, ou de outros elementos justificativos complementares à documentação fiscalmente relevante, de modo a afastar, de forma concludente, as fundadas dúvidas sobre a efetiva realização da operação que a fatura pretende titular.
Em suma, não existe qualquer comprovação da realização material da prestação de serviços de marketing e promoção por parte do prestador sediado em Hong Kong.
Ora, salientando-se que nos termos da legislação já citada, assiste ao sujeito passivo demonstrar a evidência material que sustente as prestações dos serviços, e não tendo o mesmo logrado fazê-lo, não se encontra preenchido este requisito de dedutibilidade.
(i) QUANTO AO CARÁTER ANORMAL
Neste âmbito conclui-se que não tendo o sujeito passivo produzido qualquer prova material que permita aferir da natureza intrínseca do gasto, ou da sua consentaneidade para com a atividade negociai, não é possível aferir do seu caráter normal face à atividade desenvolvida. Isto é, se o sujeito passivo não logrou provar a substância do gasto, não é possível aferir se o que vem qualificado como marketing e promoção tem caráter normal face ã atividade desenvolvida. Também aqui o sujeito passivo não cumpriu com o ónus que a lei lhe impõe
(ii) QUANTO AO MONTANTE EXAGERADO
Para aferição desta condição de que o pagamento é adequado ao real valor do serviço prestado.
afigura-se que a relação custo-benefício será apropriada, considerando-se cumprida a condição desde que os rendimentos compensem os respetivos gastos, isto é, que o montante dos rendimentos justifica o respetivo encargo.
Ou seja, apesar da margem bruta de comercialização ser positiva, é absorvida pelos gastos com serviços externos relativos a marketing e promoção pago ao prestador sediado em Hong Kong. Ora, nas situações envolvendo intervenção humana com estudos, projetos, ou publicidade no caso em apreço, o sujeito passivo deveria possuir em arquivo elementos que permitissem ajuizar da adequação do montante a finalidade e possibilitar a aferição do eventual exagero, designadamente:
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identificação dos recursos humanos envolvidos, horas aplicadas e taxas horárias por consultor,
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evidência de reuniões, pesquisas,
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deslocações,
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informação acerca da experiência profissional do executante,
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se foram pedidos orçamentos no mercado nacional ou internacional para e-
-
comparativos.
Haveria igualmente que permitir aferir se o montante do serviço cobrado é apropriado, tendo em conta o mercado e o risco da operação, por comparação com as que seriam aplicadas por outras entidades num contexto equivalente, em obediência e em cumprimento do princípio "at arm's length", o que também não sucedeu, pois não foram apresentados quaisquer elementos pertinentes dirigidos a este objetivo.
Em face do exposto, conclui-se que os elementos apresentados pelo sujeito passivo são insuficientes para aferir que o encargo corresponde à operação efetivamente realizada e que não têm carater anormal ou um montante exagerado, conforme prevê o artigo 23.º-A do CIRC. Pelo que, não se aceita a seguinte dedução como gasto do serviço adquirido à entidade sediada em Hong Kong, no montante de € 147.000,00 no período de tributação de 2014.
Assim, a correção proposta a este período de tributação, consiste numa anulação da dedução relativa a gasto indevidamente deduzido e a consequente reintegração dos respectivos montantes no resultado fiscal.
(...)
III.1.1.2. GASTOS NÃO DEVIDAMENTE DOCUMENTADOS
O nº 1 do artº 17º do CIRC estabelece que o lucro tributável das pessoas colectivas é determinado com base na contabilidade, a qual, nos termos das alíneas a) e b) do nº 3 do mesmo normativo, deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística vigente e deve ainda reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo no âmbito da sua actividade. Por outro lado, o nº 1 e a alínea a) do nº 3 do artigo 123º do CIRC estabelece que, as sociedades
comerciais "são obrigados a dispor de contabilidade organizada nos lermos da lei que, além dos requisitos indicados no nº 3 do art. 17º, permita o controlo do lucro tributável", referindo também que "na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte:[...] todos os lançamentos devem ser apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário".
Nestes lermos dispõe o artigo 23º nº1 do CIRC que "Para determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos o perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos de IRC ". O nº 3 do mesmo artigo refere que " os gastos dedutíveis l.-.) devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito" e o nº 4 do artigo 23º do CIRC veio consagrar um conjunto requisitos que o documento comprovativo deve conter:
"a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário,
b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador de serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional.
c) (...)
A) Período de 2014
III.1.1.3. GASTOS NÃO ACEITES FISCALMENTE
III.1.1.3.1 GASTOS NÃO INDISPENSÁVEIS À REALIZAÇÃO DOS RENDIMENTOS A) Exercício de 2013
Dispõe o nº1 do artigo 23º do IRC, na sua redacção à data dos factos "consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fome produtora, nomeadamente:
d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a titulo de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo "Vida", contribuições para fundos de poupança- reforma, contribuições para fundos de pensões e para Quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;
(...)
São assim requeridos três requisitos essenciais para que os gastos suportados sejam valorados e aceites como gasto fiscal: a comprovação (justificação), a indispensabilidade e o da ligação aos ganhos sujeitos a imposto:
O primeiro requisito reporta à efectividade da realização dos custos a qual consiste em várias formas de apoio escritural aos lançamentos contabilísticos, ou seja, à sua prova documental.
O segundo requisito faz depender a dedutibilidade fiscal do custo de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se desde que esses encargos se conectem com a obtenção de lucro.
O terceiro requisito que compõe a cláusula geral de dedutibilidade em matéria de gastos, na formulação legal introduzida pelo código do IRC, é o da exigência de ligação aos "rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora". Decorre do princípio geral do artigo 23º do CIRC que as despesas realizadas pelo sujeito passivo, para serem fiscalmente dedutíveis, devem ser adstritas ou à obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora.
Na análise à documentação de suporte aos registos contabilísticos, dos anos económicos 2013 e 2014, constatou-se a contabilização de diversos encargos que de seguida se quantificam, e cujos documentos de suporte a esses registos constam do anexo ix.
B) EXERCÍCIO DE 2014
Na sua redacção à data dos factos "são dedutíveis todos os pastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
(...)
Assim e de acordo com a legislação já citada o sujeito passivo foi notificado para comprovar a indispensabilidade destes gastos para a manutenção da fonte produtora.
Em 23.01.2017,0 sujeito passivo, via email (anexo X), declarou "os valores sublinhados com cor nas faturas anexas são referentes a materiais de construção aplicados no decorrer do normal funcionamento da empresa na sua actividade de construção" conforme tabela abaixo:
Face ao exposto, o sujeito passivo apenas justificou o montante de €1.250,00 em 2013 e € 486,31 em 2014 como sendo gastos respeitantes à actividade da empresa. Tendo em consideração o descritivo das faturas, em nome do sujeito passivo, o restante são despesas de uso pessoal e pagamentos de natureza não comercial.
Daqui resulta que os gastos não estão relacionados com a actividade do sujeito passivo, cujo objecto social consiste na "indústria de construção civil, obras públicas e particulares, urbanizações, compra e venda de imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim, comércio de materiais de construção, construção de edifícios para venda e revenda dos adquiridos para esse fim",
Ao não estarem relacionadas com a actividade do sujeito passivo, não se mostra cumprido o requisito de indispensabilidade dos gastos contabilizados pelo sujeito passivo, conforme o estabelecido no artigo 23º do CIRC. pelo que se propõe a correcção nos montantes de €833,67 (2.084,06-1.250,39) e €1.8621,16 (2.347,91 -486,31), respectivamente para os exercícios de 2013 e 2014.
III.1.1.4 RESUMO DAS CORREÇOES AO RESULTADO FISCAL
De que resulta o resultado fiscal corrigido:
III.1.2. CORREÇÕES AO IMPOSTO - TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA - PERÍODOS 2013 e 2014
O sujeito passivo apurou na respetiva declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, os seguintes montantes de tributação autónoma, que informou relacionarem-se com os encargos a seguir identificados:
Da validação dos valores declarados â AT constatou-se que a tributação autónoma (anexo XM; apurada pelo sujeito passivo não está correia, designadamente face ao facto de se ter detetado a contabilização de outros encargos sujeitos a tributação autónoma nos termos do artigo 88.º do CIRC, como de seguida se expõe.
III.1.2.1. DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO
De acordo com o previsto no artigo 88.º n.º 7 do CIRC:
"7 - São tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação, considerando-se como tal, nomeadamente, as despesas suportadas com receções, refeições, viagens, passeios a espetáculos oferecidos no Pais ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades".
Foram contabilizados como gasto, pelo sujeito passivo, os encargos a seguir discriminados, e que face à sua natureza integram o conceito de despesas de representação previsto no CIRC (anexo xii) acima transcrito, ainda que em alguns casos registados sob a "designação de deslocações e estadas" e cuja tributação autónoma correspondente é calculada de acordo com a tabela infra:
III.1.2.2. ENCARGOS COM VIATURAS LIGEIRAS DE PASSAGEIROS
Prevê o referido artigo 88.º do CIRC que:
"5 - Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, moios e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização."
Foram localizados registos contabilísticos relativos a encargos desta natureza, abaixo discriminados, relativos a várias viaturas de propriedade do sujeito passivo ã data e cujos custos de aquisição [anexo xiv) são conforme quadro abaixo:
Pelo que, face à legislação em vigor nos períodos de tributação em causa, são tributados:
(...)
B) PERÍODO 2014
Nos termos do previsto no n.º 3 do artigo 88.º do CIRC os encargos desta natureza são tributados às taxas de:
* 10 % para viaturas com um custo de aquisição inferior a € 25.000,00;
• 27,5 % para viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a € 25.000,00 e
inferior a €35.000,00;
« 35 % para viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a € 35.000,00. Assim, no caso concreto temos (anexo xiii)
III.1.2.3. PAGAMENTOS A ENTIDADES SEDIADAS EM TERRITÓRIO COM REGIME FISCAL FAVORÁVEL
O artigo 88.º do CIRC determina que:
"8 - São sujeitas ao regime do n.º 1 ou do n.º2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35% ou 55%, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, 3 qualquer titulo, a pessoas singulares ou coletivas residentes tora do território português e ai submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal corno definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caracter anormal ou um montante exagerado.
A) PAGAMENTO À ENTIDADE B...- PERÍODO 2014
Face à citada legislação, a não comprovação do gasto fundamentada no ponto III.1.1.1.A), relacionado com o pagamento à entidade €147.000,00, residente em território com um regime fiscal claramente mais favorável - Hong Kong -, no período de tributação de 2014, tem ainda como consequência a sua tributação autónoma, à taxa de 35%
Pelo que, apurou-se o imposto em falta de:
€ 147.000,00 (pagamento) x 35% = € 51.450,00
III.1.2.4. RESUMO DAS CORREÇÕES À TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA
Face ao descrito nos pontos anteriores propõe-se corrigir a tributação autónoma apurada pelo sujeito passivo em cada um dos períodos de tributação como se detalha:
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Na sequência da inspecção a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC n.º 2017..., relativa ao período de tributação de 2014, com o valor total de € 120.413,85, em que se inclui a quantia de € 4.878,56 de juros compensatórios e a quantia de € 61.233,86 de tributações autónomas (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 22-09-2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A reclamação graciosa foi inferida por despacho de 25-07-2018 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A Autoridade Tributária e Aduaneira enviou o projecto de Relatório da Inspecção Tributária à Requerente através de carta registada expedida em 02-03-2017, para o domicílio fiscal da Requerente, que foi devolvida com a indicação de «não entregue», «destinatário ausente, Avisado na ...» e «objecto devolvido»;
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No Relatório da Inspecção Tributária refere-se sobre o Direito de Audição sobre o respectivo Projecto o seguinte:
9.1 - Notificação prevista no artigo 60° da LGT e artigo 60° da RCPIT
No cumprimento do disposto no artigo 60° da Lei Geral Tributária e no artigo 60º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária, foi efectuado o projeto de conclusões do relatório, que acompanhou a notificação enviada à entidade inspeccionada, a que coube o n.º de saída ... de 02.03.2017, concedendo-lhe o prazo de quinze dias para o exercício do direito de audição prévia. Verificou-se que o mesmo foi reexpedido para a Rua..., ..., ...-... Parede, porém foi devolvido ao remetente, com a indicação de "ofício não reclamado". Verificou-se, ainda, que a morada pertence aos administradores do sujeito passivo, E... (NIF...) e F... (NIF...).
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Na sequência de pedido da Requerente os serviços dos CTT informaram o seguinte:
Assunto: Falta de recebimento do aviso para levantamento de objeto postal n.º RD...PT
Exmos. Senhores
Acusamos a receção da comunicação de V. Exa de 19 Junho 2017, relativa ao objeto RD...PT devolvido com indicação de "não reclamado", e que mereceu a nossa atenção e averiguações.
Após nova apreciação do processo, os serviços operacionais informam que devido a uma anomalia operativa, V. Exa não teve conhecimento da existência do referido registo, pela qual apresentamos o nosso pedido de desculpas lamentando os inconvenientes decorrentes da situação.
Pelo acima exposto, poderá V. Exa se assim o entender apresentar o nosso ofício junto da entidade fiscal remetente do registo em causa de forma a justificar a devolução do mesmo e da informação nele constante.
Não podemos deixar de apresentar mais uma vez o nosso pedido de desculpa pelos transtornos involuntariamente causados.
Com os nossos melhores cumprimentos.
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No ano de 2014, após ter concluído a construção do empreendimento sito em ..., a Requerente constatou que havia dificuldades em concretizar a venda das fracções por o sector imobiliário em Portugal atravessar um período de crise, a nível da procura interna;
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A fim de concretizar a venda das fracções, a Requerente celebrou um Acordo de prestação de serviços com a entidade B..., LIMITED (doravante “B...”), com sede em Hong-Kong, que desenvolvia actividades de angariação de potenciais compradores provenientes da República Popular da China interessados em adquirir imóveis em Portugal, de valor igual ou superior a € 500.000,00, no âmbito do Programa Vistos Gold;
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Os serviços fornecidos pela B... incluíam a angariação de clientes, a entrega da documentação relativa às propriedades e o fornecimento de todos os detalhes técnicos e informações disponíveis sobre as mesmas, e ainda a organização e prestação de assistência a visitas às unidades imobiliárias e no processo de contratação;
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A empresa B... apresentava clientes que visitavam os imóveis que a Requerente tinha para venda, sem que a Requerente assumisse quaisquer encargos quer com a deslocação e estadia daqueles ou quaisquer ouros serviços como de intérprete, deslocações ou documentação;
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A Requerente apenas efectuava pagamentos de comissões à B... quando as vendas se concretizavam;
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As comissões nos valores da ordem de cerca de 15% dos valores das vendas dos imóveis eram prática corrente no ano de 2014, relativamente aos serviços prestados pela B... que se traduziam em vendas, havendo situações em que os valores pagos por serviços desse tipo atingiam cerca de 20%;
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No ano de 2014, a quase totalidade das vendas da Requerente foram efectuadas a clientes angariados pela B...;
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A Requerente não tinha possibilidade de angariar directamente os clientes a quem vendeu imóveis com prestação de serviços pela B...;
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Em 30-10-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.1. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Não há factos relevantes à decisão da causa que não se tenham provado
Os factos foram dados como provados com base nos documentos que se referem e, quanto aos referidos nas alíneas j) a q) com base nos depoimentos das testemunhas G... e H..., que aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos referidos.
4. Matéria de direito
4.1. Questão da preterição de formalidade legal por falta de notificação do projecto de Relatório da Inspecção Tributária
Resulta da matéria de facto fixada que não foi entregue à Requerente a carta enviada pela Autoridade Tributária e Aduaneira para exercer o direito de audição sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária.
A Requerente suscita a questão da preterição do exercício do direito de audição.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma,
– que à data do início do procedimento inspetivo, a Requerente tinha sede social no ..., ..., n.º ... a ..., no Estoril;
– durante o procedimento inspetivo, a Requerente alterou, por duas vezes, a sua sede social para diferentes frações do referido prédio;
– o projeto do relatório de inspeção tributária foi remetido para a sede social da Requerente: ..., ..., n.º..., no Estoril;
– a aposição mecanográfica da morada “Rua..., n.º...”, na Parede, não foi feita pela Requerida, nem esta solicitou tal aposição em momento algum Tal aposição é o resultado de uma reexpedição a pedido de terceiros, que não a Requerida;
– a Rua..., n.º..., na Parede, corresponde ao domicílio fiscal dos administradores da Requerente E... e F...;
– a notificação foi expedida unicamente para a morada correspondente à sede social da Requerente, pelo que a Requerida é completamente alheia ao serviço de reexpedição postal contratado junto dos CTT.;
– se os administradores da Requerente (domiciliados na referida Rua ..., na Parede) não receberam a notificação remetida, e bem, pela Requerida para o ..., Avenida ..., n.º..., no Estoril, então, naturalmente, que estarão em condições de exigir, junto dos CTT, o ressarcimento dos danos decorrentes da má execução do serviço postal contratado.
4.1.1. O direito de audição
O artigo 60.º da LGT estabelece o seguinte:
Artigo 60.º
Princípio da participação
1. A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2 - É dispensada a audição:
a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;
b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.
3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
4. O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
5. Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.
6. O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria.
7. Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.
O direito de audição tem raiz constitucional, sendo postulado pelo artigo 267.º, n.º 5, da CRP, que estabelece que «o processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito».
Mas, como decorre desta norma, a Constituição não regula o regime do direito de audição, relegando para a «lei especial» a definição dos termos em que tal direito será exercido, termos estes em que poderão ser tidos em conta factores de vária ordem, inclusivamente de natureza económica e de praticabilidade.
Relativamente ao Relatório da Inspecção Tributária o direito de audição prévia é concretizado no artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) que, na redacção vigente em 2017, estabelecia o seguinte:
Artigo 60.º
Audição prévia
1 - Concluída a prática de actos de inspecção e caso os mesmos possam originar actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspeccionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projecto de conclusões do relatório, com a identificação desses actos e a sua fundamentação.
2 - A notificação deve fixar um prazo entre 10 e 15 dias para a entidade inspeccionada se pronunciar sobre o referido projecto de conclusões.
3 - A entidade inspeccionada pode pronunciar-se por escrito ou oralmente, sendo neste caso as suas declarações reduzidas a termo.
4 - No prazo de 10 dias após a prestação das declarações referidas no número anterior será elaborado o relatório definitivo.
Não se está perante qualquer situação de dispensa do direito de audição à face do preceituado no artigo 60.º, n.º 3, da LGT, pelo que é inequívoco que o direito de audição deveria ter sido assegurado.
Por outro lado, no caso em apreço, é manifesto que o exercício do direito de audição poderia influenciar a elaboração do Relatório da Inspecção Tributária, pois, inclusivamente poderiam ser sugeridas diligências, como é o caso da inquirição das pessoas que foram, pertinentemente, indicadas para serem inquiridas no presente processo arbitral, cujos depoimentos tiverem manifesta relevância para a fixação da matéria de facto.
Nestas situações em que há prova testemunhal relevante para a fixação da matéria de facto, o facto de o Sujeito Passivo ter a possibilidade de utilizar a reclamação graciosa, como sucedeu, não pode considerar-se suficiente para suprir a falta do direito de audição, pois no procedimento de reclamação graciosa os meios probatórios que podem ser utilizados estão limitados «à forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham», nos termos do artigo 69.º alínea e), do CPPT. Por outro lado, embora nesta norma se admita que a Autoridade Tributária e Aduaneira proceda a «diligências complementares manifestamente indispensáveis à descoberta da verdade material», o certo é que, neste caso, nenhuma foi efectuada.
Por isso, tem de se concluir que, no caso em apreço, a Requerente tinha direito a pronunciar-se sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária e que não pode considerar-se sanada a falta da possibilidade de pronunciar.
Assim, o obstáculo à procedência do pedido de pronúncia arbitral com fundamento no primeiro vício imputado pela Requerente fica apenas dependente da questão de saber se foi regularmente notificada a Requerente.
4.1.2. Notificação para exercício do direito de audição
No caso em apreço, é seguro que a Requerente não recebeu a carta que foi enviada para a sua sede.
Segundo se refere no Relatório da Inspecção Tributária, a carta foi reexpedida para a Rua..., ..., ...-... Parede, sendo devolvida ao remetente, com a indicação de "ofício não reclamado"» (ponto 9.1. do Relatório da Inspecção Tributária).
Não está esclarecido em que condições foi feita a referida reexpedição, mas, os serviços do CTT, utilizados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, reconheceram que ocorreu «uma anomalia operativa» que teve como consequência que a Requerente «não teve conhecimento da existência do referido registo».
Não foi apresentada qualquer prova de que a Requerente tivesse contratado com os CTT qualquer serviço de reexpedição ou de que a referida anomalia lhe seja imputável.
Por outro lado, o artigo 43.º, n.º 1, do RCPIT apenas permite presumir a notificação quando a carta tenha sido devolvida «com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta», o que não sucede no caso em apreço, em que apenas se refere «ofício não reclamado».
Para além disso, nestas situações em que se aplica a presunção pressupõe-se que a carta foi colocada na disponibilidade do destinatário ou que é desconhecido o seu paradeiro, o que não sucedeu.
Por isso, tem de se concluir que a Requerente não pode considerar-se notificada do projecto de Relatório da Inspecção Tributária.
É à Autoridade Tributária e Aduaneira, que incumbiu os serviços dos CTT de efectuarem a notificação, que têm de recair as consequências da omissão, sem prejuízo da responsabilidade que possa ser imputada àqueles serviços pelo incumprimento.
Perlo exposto, a liquidação impugnada enferma do vício procedimental que a Requerente lhe imputa, que justifica a sua anulação, na parte que é objecto de impugnação no presente processo.
4.2. Questões de conhecimento prejudicado
Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral por vício procedimental anterior à liquidação, que afecta globalmente o Relatório da Inspecção Tributária e a liquidação subsequente, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados à liquidação.
5. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
– anular a liquidação de IRC n.º 2017..., relativa ao período de tributação de 2014, na parte em que não foi revogada (anulada) nos termos do artigo 13.º, n.º 1, do RJAT.
6. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 113.412,79, de harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (tendo em atenção o valor indicado pelo Sujeito Passivo e a revogação parcial no valor de € 7.001,06).
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 08-04-2019
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(João Marques Pinto)
(Maria do Rosário Anjos)