DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A. – PARTES
A..., casado com B..., residentes na Rua ..., n.º..., ..., Coimbra, a seguir designados por Requerentes, vieram requerer em 29 de Outubro de 2018 a constituição do tribunal arbitral singular em matéria tributária, ao abrigo do prescrito nos art. 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto – Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem Tributária -RJAT) e nos arts. 1.º, alínea a) e 2.º da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de Março, com a finalidade de ser dirimido o litígio que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, que doravante será designada por Requerida.
B. – CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL
1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 30/10/2018 e automaticamente notificado à Requerente e à Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo o Presidente do respectivo Conselho Deontológico designado o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 1, do RJAT, encargo este que foi aceite, nos termos legalmente estabelecidos.
2. Em 18/12/2018, as Partes foram notificadas dessa designação, nos termos das disposições combinadas do art. 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, nos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.
3. Nesta conformidade, o Tribunal foi constituído em 09/01/2019, nos termos do preceituado na alínea c), do n.º 1, do art. 11.º do Decreto – Lei n.º 10/2011, o que foi notificado às Partes nessa data.
C. – PRETENSÃO
Os Requerentes pretendem que:
a) Que o Tribunal proceda à declaração de ilegalidade dos actos tributários relativos às seguintes liquidações:
- Liquidação de IRS do ano de 2015, com o nº 2016..., de 20/07/2016, para pagamento de IRS no valor de € 1.472,11 até 31/08/2016;
- Liquidação de IRS do ano de 2016, com o nº 2017..., de 24/05/2017, para pagamento de IRS no valor de € 2.981,73 até 31/08/2017;
e consequentemente
b) Sejam os mesmos anulados na parte em que desconsideram a possibilidade de reporte de perdas de anos anteriores, e restituídas aos Requerentes as quantias pagas a este título referentes às liquidações efectuadas.
c) E a Administração Fiscal condenada a pagar aos Requerentes sobre estas quantias juros indemnizatórios previstos no art. 43º da LGT.
D. – TRAMITAÇÃO DO PROCESSO
Após a comunicação da data da constituição do Tribunal Arbitral, em 09/01/2019, seguiram-se os posteriores termos processuais na forma seguinte:
- Em 09/01/2019 – Foi notificada a Requerida para, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 17.º do RJAT, apresentar resposta no prazo de 30 dias e, querendo, solicitar produção de prova adicional e remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo, por via electrónica.
- Em 06/02/2019 – A Requerida apresentou Resposta ao Pedido de Pronúncia Arbitral, remeteu despacho de designação dos juristas representantes da Requerida e inseriu na “Plataforma” on line do CAAD o processo administrativo, tendo sido, de
tudo, notificados os Requerentes.
- Em 11/02/2019 – O Tribunal dispensou a realização da reunião a que se refere o art. 18º do RJAT, em aplicação dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, celeridade, simplificação e informalidade processuais (arts. 19º, nº 2, e 29º, nº 2, do RJAT), por ter considerado que a decisão poderia ser tomada com base na prova documental e não terem sido deduzidas excepções.
- O Tribunal determinou, assim, o prosseguimento do processo mediante a notificação das Partes para apresentarem alegações escritas, facultativas, no prazo sucessivo de quinze dias.
- O Tribunal fixou como data previsível para a prolação da decisão arbitral o dia 30 de Abril de 2019.
- Em 28/02/2019 – Os Requerentes apresentaram alegações escritas.
- Em 07/03/2019 – A Requerida apresentou alegações escritas.
- Em 16/04/2019 – Prolação da decisão final.
E. – PRETENSÃO DOS REQUERENTES E SEUS FUNDAMENTOS
- Os Requerentes foram notificados das liquidações de IRS do ano de 2015, com o n.º 2016..., de 20/07/2016, e do ano de 2016, com o n.º 2017..., para pagar, respectivamente até 31/08/2016 e 31/08/2017, o IRS liquidado, no valor total de € 4.453,84.
- Por não se conformarem com a legalidade das liquidações do IRS de 2015 e do IRS de 2016, o ora Requerente, deduziu contra tais actos de liquidação, reclamação graciosa, cujos processos foram autuados, respectivamente, com o n.º ...2017... e n.º ...2017..., ambos do Serviço de Finanças de Coimbra ..., cujas reclamações graciosas foram indeferidas, por despachos, proferidos, pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária, proferido em delegação de competências do Director de Finanças, invocando à ilegalidade das mesmas, por vício de violação de lei.
- Segundo os Requerentes, com efeito, as liquidações, em causa, padecem de ilegalidade, por vício de violação de lei, nomeadamente por violação ao art.º 55º, n.º 1, al. b) do CIRS, pois não foi tido em conta, nas respectivas liquidações, o valor das perdas a reportar verificadas no ano de 2014, na categoria F (rendimentos prediais), isto é, as liquidações impugnadas não contemplam o direito ao reporte de prejuízos que o requerente teve no ano de 2014.
- Os Requerentes, no ano de 2014, tiveram um prejuízo, ou uma perda, sendo o resultado líquido negativo apurado na categoria F, no ano de 2014, de € 33.938,49, conforme reconhecido pela decisão de deferimento do pedido, proferida no processo de reclamação graciosa n.º ...2016..., em cujo processo o ora Requerente peticionava “que fossem considerados os valores dos rendimentos e das deduções constantes da declaração de substituição entregue em 13/04/2016 e bem assim que, em face dos mesmos, seja apurado e indicado o valor das perdas a reportar”.
- Cujo prejuízo ou perda, no dito valor de € 33.938,49, face ao disposto no n.º 2 do art.º 55º do CIRS, na redacção vigente no ano de 2014 (ano da verificação da perda), que consagrava que: “2 - O resultado líquido negativo apurado na categoria F só pode ser reportado aos cinco anos seguintes àquele a que respeita, deduzindo-se aos resultados líquidos positivos da mesma categoria.”, o ora Requerente tem direito a reportar para os anos seguintes deduzindo-o aos resultados líquidos positivos obtidos nos anos seguintes (dentro do limite temporal estabelecido na lei - 5 anos).
- Porém, não obstante, o direito que a lei confere aos Requerentes, do reporte dos prejuízos ocorridos, em 2014, na categoria F, as liquidações do IRS dos anos de 2015 e de 2016, ora impugnadas, não refletem esse direito, em violação do disposto no n.º 2 do art.º 55 do CIRS.
- Ora, relativamente à liquidação de IRS de 2015, os ora requerentes, oportunamente, deduziram reclamação graciosa, a qual foi autuada com o n.º ...2017..., cujo pedido formulado em tal reclamação, foi, primeiramente, DEFERIDO por despacho proferido em 03/04/2017, do Diretor de Finanças de Coimbra, notificado a 17/04/2017, nos termos e com os fundamentos da informação n.º …, prestada no respectivo processo, que refere “Perante a constatação de que o reclamante teve na Categoria F em 2014, um rendimento líquido negativo de € 33.938,49, o qual não consta na sua conta corrente e tendo no ano de 2015 um rendimento (liquido) da mesma categoria de € 15.470,57, sou de parecer que o pedido é merecedor de deferimento, transitando ainda um rendimento liquido negativo de € 18.467,92, categoria F, para os anos seguintes”.
- Sucede que, por despacho proferido a fls. 36, datado de 27/02/2018, foi decidido, pelo Diretor de Finanças de Coimbra, revogar o sobredito despacho de fls. 31.
- E subsequentemente indeferir o pedido formulado em tal reclamação, por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária, proferido em delegação de competências do Director de Finanças, de 30/07/2018, notificado aos Requerentes em 01/08/2018, com fundamento assente na informação da Direção de Serviços de IRS, Divisão de Liquidação e Informação, que refere:
“1. A liquidação de IRS n.º 2017..., respeitante à declaração oficiosa nº ... - 2014 - ... – 44, do exercício de 2014, mostra-se correta, tendo o cálculo sido efetuado com base nos elementos e valores constantes na referida declaração.
2. Efetivamente, o n.º 2 do artigo 55.º do CIRS (redação dada pela Lei nº 83-C/2013, de 31/12), estabelece que «O resultado líquido negativo apurado na categoria F só pode ser reportado aos cinco anos seguintes àquele a que respeita, deduzindo-se aos resultados líquidos positivos da mesma categoria».
3. Quer isto dizer que para existir reporte num determinado ano, no caso em 2014, é necessário que tenha sido apurado um resultado líquido negativo, o que só acontece quando é efetuada a opção pelo englobamento, em conformidade com o disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º e n.º 8 do artigo 72.º do CIRS.
4. Porém, não tendo os sujeitos passivos A..., com o NIF: ... e B..., NIF: ..., optado pelo englobamento dos rendimentos da categoria F (€ 17.711,89), cf. consta do DC supracitado, declaração vigente para 2014, apesar de terem sido declaradas despesas de conservação/manutenção no Quadro 4 do anexo F, no montante de € 51.650,38, o resultado líquido negativo apurado de (- € 33.938,49), não é passível de reporte para os anos seguintes..”
- Relativamente à liquidação de IRS de 2016, os Requerentes, igualmente, deduziram reclamação graciosa, a qual foi autuada com o n.º ...2017..., cujo pedido formulado em tal reclamação, foi tal-qualmente INDEFERIDO, por despacho de 30/07/2018 do Chefe de Divisão de Justiça Tributária, proferido em delegação de competências do Diretor de Finanças, notificado ao ora requerente em 01/08/2018, com fundamento assente na mesma citada informação da Direção de Serviços de IRS, Divisão de Liquidação e Informação.
- A AT, considera que o valor negativo da categoria F gerado em 2014 só poderia ser reportado a 2015 e aos anos subsequentes, caso os ora requerentes tivessem optado pelo englobamento, em 2014, o que não sucedeu.
- No entender dos Requerentes, carece de total fundamento, quer de facto quer de direito, o invocado condicionamento do reporte do resultado líquido negativo à opção de englobamento, no caso dos rendimentos prediais.
- Desde logo, se diga que as disposições legais invocadas, pela AT, nomeadamente a al. b) do n.º 3 do art. 22 e o n.º 8 do art. 72º, todos do Código de IRS, não permitem, chegar a tal conclusão, nomeadamente de que, no que respeita aos rendimentos prediais, estes são tributados à taxa autónoma prevista na al. e) n.º 1 art. 72º, e para que haja dedução de perdas, é condição necessária que os sujeitos passivos optem
pelo englobamento dos rendimentos da categoria F.
- Para se fazer a melhor interpretação da lei há que em primeiro lugar, ter em consideração que, na tributação do rendimento pessoal, foi expressamente acolhido pelo legislador do IRS o princípio da tributação do rendimento acréscimo líquido.
- Assim, no âmbito das diversas categorias de rendimentos abrangidas pela incidência do IRS, a tributação dos rendimentos auferidos pelos sujeitos passivos residentes em continente português incide, por regra, sobre o rendimento líquido auferido em cada ano pelos respetivos titulares.
- Relativamente aos rendimentos prediais, que integram a Categoria F de rendimentos sujeitos ao IRS, o rendimento líquido de determinado ano é, o valor resultante da dedução, ao respetivo rendimento bruto, das despesas, constantes do artigo 41.º do CIRS, consideradas indispensáveis à sua obtenção (dedução específica).
- As perdas a reportar mais não são do que a acumulação de deduções específicas que, em cada ano, apenas podem ser abatidas à matéria tributável desse mesmo ano, até à sua concorrência, podendo ser abatidas à matéria tributável positiva de anos posteriores, dentro do limite temporal legalmente estabelecido.
- Pelo que, não vêem os Requerentes como é que o referido princípio da tributação dos rendimentos líquidos, que é a que melhor se coaduna com o princípio da capacidade contributiva, pode ser satisfeito sem que sejam tidas em consideração as perdas a reportar de anos anteriores.
- Por outro lado, entendem que não existe norma que exclua a possibilidade de dedução de perdas, no âmbito da Categoria F.
- Pois a única exceção deste tipo é a que se refere à dedução de perdas da categoria G, que expressamente refere no art.º 55º do CIRS “quando o sujeito passivo opte pelo englobamento.”
- Ora se fosse intenção do legislador, condicionar a dedução das perdas na categoria F, à opção pelo englobamento, facilmente o teria dito, como o disse para a categoria G.
- Assim, o reporte de perdas a anos posteriores, no âmbito da Categoria F, não está dependente de opção pelo englobamento, sendo o mesmo admitido mesmo no caso de não ser manifestada tal opção, por não haver disposição legal que afaste tal possibilidade, por um lado, e, por outro, em obediência ao princípio estruturante da tributação do rendimento líquido auferido pelos respetivos sujeitos passivos.
- Efetivamente, para além da limitação temporal à dedução das perdas apuradas no âmbito da Categoria F, o artigo 55.º do Código do IRS não estabelece qualquer outro requisito para essa dedutibilidade.
- Acrescendo que, nos termos do artigo 72.º, n.º 7, do CIRS, aditado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, os rendimentos prediais passaram a ser tributados autonomamente à taxa de 28%.
- Ora, a tributação autónoma dos referidos rendimentos, não tem natureza liberatória.
- Para sustentar a sua posição, os Requerentes citam doutrina e jurisprudência nesse sentido.
- Concluem os Requerentes que, em conformidade com o que expuseram, verifica-se que a AT ao não ter considerado:
-
na liquidação do IRS de 2015, o resultado líquido negativo - reconhecido no processo de reclamação graciosa n.º ...2016..., apurado no ano 2014, - no valor de € 33.938,49, deduzindo-o ao rendimento líquido da categoria F apurado em 2015, no valor de € 15.470,57 (sendo € 24.018,62 de rendimentos prediais brutos e € 8.548,05 de despesas suportadas com os imóveis arrendados) e, ao não ter indicado que transitavam ainda para os anos subsequentes o valor das perdas a reportar na categoria F de € 18.467,92, e
-
na liquidação do IRS de 2016, o resultado negativo apurado no ano de 2014 que ainda subsistia em 2015, no valor de € 18.467,92, deduzindo-o ao rendimento líquido da categoria F apurado em 2016, no valor de € 20.600,00 (sendo € 28.579,99 de rendimentos prediais brutos e € 7.979,99 de despesas suportadas com os imóveis arrendados) e não tendo considerado, em consequência apenas como rendimento sujeito a tributação à taxa de 28%, o valor de € 2.132,08 incorreu em ilegalidade, por erro nos pressupostos de direito violando a lei, nomeadamente o disposto no artº 55º do CIRS, o que determina a anulação das respectivas liquidações na parte em que desconsideram a possibilidade de reporte de perdas provenientes dos anos anteriores, na categoria F, o que teve como resultado para além do pagamento de imposto em excesso em cada um dos anos, nos valores indicados em cada uma das liquidações impugnadas, o não pagamento por parte da AT aos requerentes do reembolso de IRS a que estes tinham direito se não fosse a ilegalidade da tributação efectuada nos atos de liquidação impugnados.
- Razão pela qual, em seu entendimento, as decisões de indeferimento das reclamações graciosas n.ºs ...2017... e ...2017... e as liquidações impugnadas dos IRS de 2015 e 2016 sofrem de ilegalidades, por erro na aplicação do direito, o que conduz às suas anulações, na parte em que desconsideram a possibilidade de reporte de perdas provenientes dos anos anteriores, o que requerem, com a consequente condenação da AT a restituir aos Requerentes as quantias de imposto pagas e, a pagar o reembolso devido, tudo acrescido dos juros indemnizatórios, previstos no art. 43º da LGT, o que requerem
- Acabando por formular o pedido do mesmo ser julgado procedente por provado, com todas as legais consequências, designadamente declarando-se a ilegalidades dos actos tributários objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação das liquidações questionadas, mais condenado a requerida a pagar aos requerentes quer as quantias de imposto indevidamente pagas quer o reembolso dos IRS a que têm direito, e ainda a pagar, sobre tais quantias os juros indemnizatórios previstos no art. 43º da LGT.
F. – RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua Resposta, na qual, em síntese, alegou o seguinte:
- Os Requerentes consideram que são ilegais as liquidações de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) nº 2016..., referente ao ano de 2015, e nº 2017..., referente ao ano de 2016, bem como do indeferimento das reclamações graciosas interpostas das liquidações em causa, às quais foram atribuídas os nºs ...2017... e ...2017... .
- Peticionando, no seu pedido de pronúncia, as anulações daqueles actos tributários, bem como dos despachos de indeferimento das reclamações graciosas.
- Para tanto, alicerçam os Requerentes a sua pretensão na suscitação das seguintes questões:
a) Na existência de perdas apuradas no ano de 2014 e no âmbito da categoria F, a reconhecer nos anos de 2015 e 2016;
b) Na desconsideração pela Requerida do rendimento predial líquido negativo no cálculo do imposto devido;
c) No pagamento de juros indemnizatórios.
- A Requerida rebate as questões suscitadas do modo seguinte:
- Alegam os Requerentes que a AT, ao não considerer:
-
Na liquidação de IRS do ano de 2015, o resultado líquido negativo no valor de € 33.938,49, deduzindo-o ao rendimento líquido da categoria F apurado em 2015, no valor de € 15.470,57 e
-
Na liquidação de IRS do ano de 2016, o resultado negativo apurado no ano de 2014 que subsistia ainda em 2015, no valor de € 20.600,00 incorreu em ilegalidade, por erro nos pressupostos de direito violando a lei, nomeadamente o disposto no artigo 55º do CIRS, o que determina a anulação das respectivas liquidações na parte em que desconsideram a possibilidade de reporte de perdas provenientes dos anos anteriores, na categoria F.
- No entender da Requerida, os Requerentes carecem totalmente de razão, porquanto aparentam ter olvidado a opção que tomaram quanto à tributação dos rendimentos aquando da entrega da declaração de IRS subjacente aos actos tributários que agora colocam em crise.
- Com efeito, prescreve o Artº 22º nº 1 do CIRS que “o rendimento colectável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes.”
- Prevê, no entanto, a alínea b) do nº 3 do Artº 22º do CIRS que “não são englobados para efeitos da sua tributação (…) os rendimentos referidos nos artigos 71º e 72º auferidos por residentes em território português, sem prejuízo da opção pelo englobamento neles previsto.”
- Estabelece ainda o nº 1, alínea e) do Artº 72º do CIRS que são tributados à taxa autónoma de 28% os rendimentos prediais.
- Estabelecendo ainda a alínea b) do nº 1 do artigo 55º do CIRS que o resultado negativo da categoria F apurado em determinado ano é dedutível aos rendimentos positivos da mesma categoria existentes nos seis anos seguintes àqueles a que respeita.
- Subsumindo as apontadas normas legais e doutrina que cita (Prof. André Salgado de Matos, CIRS Anotado pags. 234, 235 e 380) ao caso vertente verifica-se que:
- Em primeiro lugar, os Requerentes expressamente declararam, na declaração modelo 3 de IRS, ser residentes no continente português.
- Em segundo lugar, os Requerentes expressamente declararam, na declaração modelo 3 de IRS, não optar pelo englobamento dos rendimentos prediais por eles auferidos.
- Portanto, ao não optarem pelo englobamento os aqui residentes Requerentes escolheram tributar separadamente o rendimento da categoria “F” mediante a aplicação de uma taxa liberatória fixa sobre aquele rendimento bruto, ainda que se tenha mantido a obrigação de os mesmos fazerem constar tal rendimento na respectiva declaração de IRS.
- Pelo que, reunindo os Requerentes, como reuniam, o requisito da residência nacional plasmado na alínea b) do nº 3 do Artº 22º do CIRS e tendo optado, como efectivamente optaram, pelo não englobamento do rendimento da categoria “F”, naturalmente que lhes está agora vedada a possibilidade de verem reflectido o resultado líquido negativo do ano de 2014.
- Com efeito, o reporte de prejuízos é uma operação a jusante que pressupõe a adopção a montante da opção do englobamento – o que, frisa-se, não aconteceu no caso vertente.
- Daí que, não tendo os Requerentes optado pelo englobamento, não podem vir agora - passe-se a expressão – “obter o melhor de dois mundos”, ou seja:
-
A aplicação de uma taxa liberatória aos rendimentos da categoria “F” em detrimento da opção de englobamento;
e
-
Simultaneamente o reporte de perdas subjacente a uma opção do englobamento que não foi tomada.
- E isto é quanto basta para, sem mais, improceder o pedido de pronúncia arbitral tal como ele se mostra apresentado, quanto à questão do reporte de perdas, dado que as liquidações sub judice mais não espelham senão o resultado da opção de tributação livremente tomada pelos próprios Requerentes e, por conseguinte, aquilo que verte da lei fiscal.
- Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, alega a Requerida que o artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT), sob a epígrafe” pagamento indevido da prestação tributária”, tem como pressuposto a intenção de compensar o sujeito passivo pela privação da quantia que pagou indevidamente.
- O mesmo determina no seu nº 1 que são “… devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
- Tais juros enquadram-se na teoria da responsabilidade civil extracontratual, com fundamento constitucional no artigo 22º da Constituição, que reconhece aos cidadãos o direito de serem indemnizados pelo Estado e as demais entidades públicas por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício pelos seus órgãos, funcionários e agentes, que lhe causem prejuízos.
- Sendo que, o direito a juros indemnizatórios previsto no nº 1º do artigo 43º da LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
- Atendendo a que a liquidação efectuada, o foi com base na lei aplicável, à qual a Administração está vinculada, visando a Administração Tributária, nos termos do artigo 55º da LGT e no seguimento do princípio vertido no artigo 266º nº 1 e 2 da Constituição “… a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos” e estando os seus “… órgãos e agentes administrativos … subordinados à Constituição e à lei …” e devendo “… actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”.
- Estando assim, a Administração Tributária vinculada ao princípio da legalidade, não pode deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou e que estejam em vigor no ordenamento jurídico e também por força do disposto no artigo 55º da LGT.
- O direito a juros indemnizatórios previsto no nº 1 do artigo 43º da LGT, derivado da anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse facto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Tributária.
- O erro que suporta o direito a juros indemnizatórios não é qualquer vício ou ilegalidade mas aquele que se concretiza em defeituosa apreciação de factualidade relevante ou em errada aplicação das normas legais.
- Uma vez que, à data dos factos, a Administração Tributária fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT.
- Termina pedindo que, deve ser julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se, em conformidade, a Requerida.
G. – QUESTÕES A DECIDIR
Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados, são as seguintes questões que cabe apreciar e decidir:
– Saber se, não tendo os Requerentes, residentes no território português, optado pelo englobamento dos rendimentos prediais nas declarações de IRS, poderão ou não beneficiar do reporte das perdas transitadas dos anos anteriores, tal como previsto no art. 55.º do CIRS;
– Juros – Existência, ou não, do direito a juros, ao abrigo do art. 43.º da LGT, no caso de serem anuladas as liquidações e determinado o reembolso das importâncias peticionadas, que teriam sido indevidamente pagas, à taxa legal e até efectiva restituição;
– Responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.
H. – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal Arbitral está regularmente constituído e é materialmente competente, de acordo com o disposto na alínea a), do n.º 1, do art. 2.º, do RJAT (Decreto – Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro).
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas (nos termos dos arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).
Considerada a identidade do facto tributado, do Tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o Tribunal admite a cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade dos actos tributários que são objecto deste processo, uma vez que estão cumpridos os requisitos estabelecidos no art. 3.º, n.º 1, do RJAT.
O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.
I. – MATÉRIA DE FACTO
I. 1 – FACTOS PROVADOS
Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:
1- Os Requerentes foram notificados, das liquidações de IRS do ano de 2015, com o n.º 2016..., de 20/07/2016, e do ano de 2016, com o n.º 2017..., para pagar, respectivamente até 31/08/2016, o valor de € 1.472,11, e até 31/08/2017, o valor de € 2981,00, correspondentes ao IRS liquidado, no valor total de € 4.453,84.
2- Os Requerentes não se conformaram com a legalidade das liquidações do IRS de 2015 e do IRS de 2016, e o ora Requerente deduziu contra tais actos de liquidação, reclamação graciosa, cujos processos foram autuados, respetivamente, com o n.º ...2017... e n.º ...2017..., ambos do Serviço de Finanças de Coimbra ... .
3- Estas reclamações graciosas foram indeferidas, por despachos de 27/02/2018 e de 30/07/2018, proferidos pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária, por delegação de competências do Director de Finanças.
4- As liquidações de IRS dos anos de 2015 e de 2016 não refletem o reporte de prejuízos sofridos em 2014 na categoria F.
5- Os Requerentes, no ano de 2014, tiveram um prejuízo, sendo o resultado líquido negativo apurado na categoria F, no ano de 2014, de € 33.938,49.
6- Os Requerentes declararam, na declaração modelo 3 de IRS, ser residentes no continente português.
7- Os Requerentes declararam, na declaração modelo 3 de IRS, não optar pelo englobamento dos rendimentos prediais por eles auferidos.
8- Os Requerentes pagaram os montantes correspondentes às liquidações em apreço.
9- O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 29/10/2018.
I. 2 – FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles, e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.
I. 3 – FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos não provados com relevância para a apreciação das questões a
decidir.
J. – MATÉRIA DE DIREITO
Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida, à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.
Quanto ao reporte de perdas no âmbito da categoria F e a necessidade de se optar pelo englobamento dos rendimentos prediais
Em primeiro lugar, cabe referir, que em sede de IRS, a tributação dos rendimentos prediais, no âmbito da categoria F, permite a dedução aos rendimentos brutos de despesas e outros custos, que elenca (art. 41.º, n.º 1, do CIRS).
Haverá, assim, que proceder à sua análise relativamente às condições em que tal é permitido pela lei.
E, debruçando-nos sobre a situação sub judice, se o reporte de perdas nos anos seguintes, previsto no art. 55.º do CIRS, é possível no caso de o contribuinte optar pelo não englobamento dos rendimentos prediais, tendo em conta que o art. 72.º do CIRS estabelece no seu n.º 7 uma taxa autónoma para a tributação dos rendimentos prediais de 28%, permitindo no seu n.º 8 que esses rendimentos possam ser englobados por opção dos respectivos titulares residentes em território português.
No entender da Requerida AT, as disposições em apreço permitem extrair a conclusão de que o reporte de perdas na categoria F carece de prévia opção pelo englobamento dos rendimentos prediais.
Isto por que, sendo residentes em território nacional, escolheram que fosse tributado separadamente o rendimento da categoria F, mediante a aplicação da taxa fixa sobre aquele rendimento bruto, o que significaria renunciar ao reporte de prejuízos que é uma operação a jusante, que pressupõe a adopção a montante da opção de englobamento.
Cremos, no entanto, que não assiste razão à Requerida, pois nada na letra da lei, ou na ratio legis, permite sustentar tal entendimento.
Analisemos, então, o regime da dedutibilidade do resultado líquido negativo apurado na categoria F.
Este regime está consagrado no artigo 55.º do CIRES, designadamente nos seus n.ºs 1 e 2, na redacção anterior à publicação da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, por força do seu seu art. 17.º, n.º 6, que se transcreve:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, é dedutível ao conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria de rendimentos.
2 - O resultado líquido negativo apurado na categoria F só pode ser reportado aos cinco anos seguintes àquele a que respeita, deduzindo-se aos resultados líquidos positivos da mesma categoria.”
Analisado este normativo, resulta claro que, nem a letra nem o espírito da lei permitem concluir pela exigência legal da prévia opção pelo englobamento que a Requerida axiomaticamete pretende fazer vingar.
Com efeito, para além da limitação temporal da dedução das perdas na categoria F, o art. 55.º do CIRS não estabelece qualquer outro requisito para essa dedutibilidade.
O mesmo não ocorre relativamente à dedutibilidade dos prejuízos relativos à categoria G, pois aqui o n.º 6 do art. 55.º faz depender expressamente o reporte do sujeito passivo ter optado pelo englobamento.
Assim sendo, se nos socorrermos da regra de interpretação do art. 9.º do Código Civil, aplicável por força do art. 11.º, n.º 1, da LGT, que impede que o intérprete ficcione um pensamento legislativo que não tenha um mínimo de correspondência na letra da lei, forçoso é concluir que se o legislador quisesse exigir o englobamento na situação vertente, tê-lo-ia preceituado expressamente, a exemplo do que fez no n.º 6 relativamente à dedução de perdas no âmbito da categoria G.
Nesta conformidade, sem mais delongas e dispensando outras considerações, concluímos que, nos termos da lei, o reporte das perdas apuradas na categoria F não depende de prévia opção pelo englobamento dos rendimentos prediais.
Quanto aos juros indemnizatórios
Esta matéria está regulada no art. 24.º do RJAT, o qual expressamente determina no seu n.º 1, alínea b) que a decisão arbitral obriga a Administração Tributária, nos casos aí consignados, a “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o efeito”, e preceitua, ainda, no seu n.º 5, que “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Também o art. 100.º da LGT, cuja aplicação é autorizada pelo disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, preceitua de modo idêntico, no sentido da imediata reconstituição da legalidade, compreendendo a mesma o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso.
Por seu lado, o art. 43.º, n.º 1, da LGT condiciona o direito a juros indemnizatórios aos casos em que “houve erro imputável aos serviços de que resulta pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Nesta conformidade, coloca-se a questão de saber se se pode considerar ter havido, ou não, um erro imputável aos serviços na situação vertente.
Ora, conforme se referiu anteriormente, as liquidações em apreço são ilegais por erro na aplicação do direito aos factos, cometido pelos serviços da Requerida, de que resultou um pagamento em excesso.
Assim, dúvidas não há que está preenchido o requisito estabelecido no art. 43.º, n.º 1, da LGT, ou seja, a ilegalidade das liquidações resultou de um erro cometido pelos serviços tributários, condição para serem exigíveis juros indemnizatórios.
Têm assim os Requerentes direito não só ao reembolso das quantias pagas em excesso, mas também a receber juros indemnizatórios sobre as mesmas, nos termos das disposições combinadas dos arts. 24.º, n.º 1, al. b), do RJAT, 100.º e 43.º, n.º 1, ambos da LGT, à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT.
Quanto à responsabilidade pelas custas arbitrais
A lei é taxativa na imputação da responsabilidade pelo pagamento das custas à parte que for condenada, face ao disposto nos n.ºs 1 e 2, do art. 527.º do Código do Processo Civil, aplicável por força do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
Assim sendo, a responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais é da Requerida.
L. – DECISÃO
Atento o exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:
1) - Julgar procedente, com fundamento em vício de violação de lei, o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IRS em apreço e, em consequência
2) - Anular os actos tributários de liquidação na parte em que desconsideram o reporte de perdas dos anos anteriores;
3) - Reconhecer o direito ao reembolso dos montantes que lhes respeita;
4) - Julgar procedente o pedido do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios sobre as aludidas verbas a favor dos Requerentes, desde as datas dos pagamentos respectivos até à data do seu integral reembolso, à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT;
5) - Condenar a Requerida a pagar as custas do presente processo (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código do Processo Civil, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).
Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC (ex vi 315.º, n.º 2) e 97.º - A, n.º 1, do CPPT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 4.453,84.
Custas: De harmonia com o n.º 4 do art. 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 16 de Abril de 2019
O Árbitro
José Nunes Barata
(Redacção pela ortografia antiga)