DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A..., SA, pessoa coletiva nº ... (adiante designada por Requerente), com sede em ..., veio, ao abrigo do art. 2º nº 1, al. a) e dos arts. 10º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo art. 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade da liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) com o nº 2017..., relativo ao ano de 2017, no montante de € 16.935,61, pretendendo a declaração de ilegalidade da referida liquidação e a consequente anulação bem como o reembolso do valor indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios; pretende ainda, a titulo subsidiário, que sejam desaplicados os arts 135º-A e 135º-B do Código de Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) por inconstitucionalidade e, consequentemente, declarada a ilegalidade do acto tributário de liquidação de AIMI que deverá ser anulado com todas as consequências legais.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à Requerida nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na al. a) do nº 2 do art. 6º e da al. b) do nº 1 do art. 11º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo art. 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, Cristina Aragão Seia, que comunicou a aceitação do encargo no prazo legal.
Em 30.11.2018, as Partes foram devidamente notificadas, não tendo manifestado, nos termos e prazo legais, vontade de recusar a designação do árbitro (art. 11º, nº 1, als a) e b) do RJAT, conjugado com os arts 6º e 7º do Código Deontológico).
Em conformidade com o preceituado na al. c), do nº 1, do art. 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 20.12.2018.
Nestes termos, encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega, em síntese, o seguinte:
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A ilegalidade da aplicação do adicional do IMI:
- a Requerente é uma sociedade imobiliária cujo objecto social compreende a promoção imobiliária;
- os imóveis de que é titular destinam-se à prossecução da sua actividade económica;
- os imóveis por si detidos constituem o substrato económico da sua actividade e consubstanciam verdadeiros elementos do seu processo produtivo;
- a tributação em AIMI do património imobiliário detido onera fiscalmente a actividade económica por si desenvolvida e é contrária à ratio legis do regime;
- não se pode presumir que o portefólio de imóveis detidos por sociedades cuja actividade está circunscrita à realização de operações relacionadas com a exploração onerosa de bens imóveis (compra, venda, arrendamento, etc…), seja demonstrador de riqueza ou um indiciador da capacidade contributiva das mesmas a considerar para efeitos de tributação em AIMI;
b) A tributação indiscriminada de todos os terrenos para construção:
- os terrenos para construção afectos a actividades económicas - à edificação de prédios destinados a fins comerciais, industriais, para serviços ou outros -, estão abrangidos pela norma de exclusão do n.º 2 do art.º 135º-B;
- a desconsideração do critério de afectação do prédio é ilegal porquanto a liquidação adicional do AIMI em crise incide sobre imóveis que, pela sua natureza, não estão abrangidos pelo âmbito da incidência objectiva do AIMI;
c) A inconstitucionalidade do regime de tributação em AIMI:
- o AIMI é contrário ao princípio constitucional da igualdade, consagrado no art. 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e, em paralelo, contrário ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no art. 104º, nº 3 do mesmo diploma.
Devidamente notificada, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido, defendendo-se por excepção e impugnação, invocando em síntese:
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Por excepção - a caducidade do pedido de pronúncia arbitral:
- o verdadeiro e único pedido de pronúncia formulado pela Requerente foi o de anulação do acto tributário da liquidação do adicional de IMI, com a correspondente restituição de imposto indevidamente pago e o pagamento de juros indemnizatórios;
- sendo o ataque da Requerente dirigido exclusivamente ao acto tributário de liquidação, mostra-se claramente ultrapassado o prazo de 90 dias legalmente definido para a sua impugnação, em sede arbitral, contado a partir do dia seguinte ao término do prazo de pagamento voluntário da prestação tributária, nos termos do artigo 10.º do RJAT, conjugado com o art. 102.º nºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
- a caducidade do direito de acção constitui uma excepção dilatória que determina a absolvição da Requerida da instância ao abrigo da al. h) do nº 1 do art. 89º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e al. e) do nº 1 do 287º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi art. 2.º do RJAT;
b) Por impugnação:
- a sujeição dos terrenos para construção e dos prédios classificados como habitacionais à norma de incidência do AIMI é efectuada independentemente da sua afectação potencial, bem como da natureza e especificidades do seu titular;
- apesar de ter afastado da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros”, o legislador, optou expressamente por manter outros prédios que também integram o activo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção, ao não os incluir na delimitação negativa consagrada na lei;
- não foi com base na actividade a que estão afectos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, já que na versão aprovada do regime se determinou a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ou não ao funcionamento das pessoas colectivas;
- não se afigura que a incidência de AIMI sobre os imóveis da titularidade de empresas que exercem a sua actividade no sector imobiliário, nomeadamente de terrenos para construção adquiridos com o intuito de neles promoverem edificações destinadas a venda, seja discriminatória ou que estas empresas devam merecer um tratamento mais vantajoso do que o concedido à generalidade dos proprietários de prédios urbanos;
- a titularidade de um património imobiliário de valor elevado por uma pessoa singular ou por pessoa colectiva (seja sociedade imobiliária, fundo imobiliário ou outra) evidencia, como em relação a qualquer proprietário de imóvel destinado a habitação, uma especial capacidade económica para poder contribuir adicionalmente para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, a que está consignada a receita do AIMI;
- não se vislumbra que a tributação dos terrenos para construção, com afectação para "comércio e serviços", nos moldes em que se encontra prevista nos arts 135º-A e 135º-B do CIMI, colida com o princípio da igualdade, da justiça e da capacidade contributiva;
- nem que a tributação dos terrenos para construção detidos por pessoas colectivas que façam parte do seu património imobiliário e estejam afectos ao desenvolvimento da sua actividade económica - nos moldes em que se encontra prevista nos arts 135º- A e 135º-B do CIMI, colida também com o princípio da igualdade, da justiça e da capacidade contributiva;
- não tem qualquer fundamento a tese que o adicional do IMI viola o princípio da capacidade tributária, porquanto a titularidade de imóveis é uma manifestação de riqueza e de capacidade contributiva.
Por se entender que inexiste controvérsia em relação aos factos essenciais e relevantes para a decisão e que têm suporte documental bastante, foi dispensada a reunião a que alude o art. 18º do RJAT, tendo apenas a Requerida apresentado alegações onde reiterou a sua posição jurídica.
Foi fixado o dia 29.03.2019 para a prolação da decisão final.
II – SANEADOR
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos arts 4º e 10º do RJAT e do art. 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
Foi suscitada pela Requerida a excepção da caducidade do direito de acção em virtude da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, excepção dilatória que determina a absolvição da instância, o que a Requerida requereu nos termos da al. h) do nº 1 do art. 89º CPTA e al. e) do nº 1 do 287º do CPC, aplicável ex vi artigo 2º do RJAT.
Efectivamente, a Requerida entende que, apesar de a Requerente ter deduzido uma reclamação graciosa da liquidação de AIMI em crise, que recebeu despacho de indeferimento, «o objecto do pedido, expressamente delimitado pelo Requerente, é a invocada ilegalidade do acto de liquidação e não o indeferimento da reclamação graciosa apresentada. (…) Ora, sendo o ataque dirigido exclusivamente aos actos tributários de liquidação, mostra-se claramente ultrapassado o prazo de 90 dias legalmente definido para a sua impugnação, em sede arbitral, contado a partir do dia seguinte ao término do prazo de pagamento voluntário da prestação tributária, nos termos do artigo 10º do RJAT, conjugado com o artigo 102º nºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário», concluindo pela intempestividade do pedido de pronúncia arbitral.
A Requerida alega ainda, a este propósito, que «em momento algum da petição, a Requerente faz qualquer apreciação ao acto indeferimento da reclamação graciosa e aos seus fundamentos». Tal não é certo. De facto, embora não o refira no pedido, a final, a Requerente inicia o seu articulado, requerendo logo, na primeira página do pedido, a constituição de Tribunal Arbitral «para se pronunciar sobre a ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa proferido pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), no âmbito do processo ...2018..., o qual se junta sob a designação de Documento 1 e que se dá reproduzido para todos os efeitos legais, e, consequentemente, se pronunciar sobre a ilegalidade do acto tributário de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”), com o nº 2017... (…)».
Este Tribunal entende, assim, que não assiste razão à AT. O pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação tem subjacente o pedido de declaração de ilegalidade de todos os actos subsequentes e cuja validade é afectada por aquela declaração, onde se inclui, obviamente, o acto de indeferimento da reclamação graciosa.
Esta situação resulta clara do contencioso administrativo, como se vê da análise conjunta dos artigos 50º, nº 1 e 59º, nº 4 do CPTA. Da mesma forma, o regime do contencioso arbitral tributário corrobora o mesmo entendimento, já que o art. 2º do RJAT, assume os actos primários, no caso sub judice a liquidação de AIMI, como referente da competência dos tribunais arbitrais, sendo os actos secundários – neste caso, o despacho de indeferimento da reclamação graciosa –, relevantes como referentes da tempestividade da pretensão impugnatória, como resulta do art. 10º, nº 1, al. a) daquele diploma, onde se impõe que os pedidos de constituição de tribunal arbitral sejam apresentados no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do art. 102º do CPPT.
O pedido arbitral foi, assim, correctamente formulado, já que se reporta à al. a) do nº 1 do art. 2º do RJAT - acto de liquidação -, e foi apresentado dentro do prazo fixado pela al. a) do nº 1 do art. 10.º do mesmo diploma (90 dias contados a partir do despacho de indeferimento da reclamação graciosa).
Improcede, assim, a excepção de caducidade do direito de acção, invocada pela AT.
Para além desta excepção suscitada pela Requerida e julgada improcedente por este Tribunal, não foram suscitadas outras excepções de que cumpra conhecer.
O Tribunal arbitral é materialmente competente.
Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer, em seguida, do mérito do pedido.
III - MÉRITO
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MATÉRIA DE FACTO
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Factos Provados
Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos - tendo presente que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado (cfr. arts. 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4, do CPC, na redacção da Lei 41/2013, de 26.06) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. art. 123º, nº 2, do CPPT) - consideram-se, com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, os seguintes factos:
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a Requerente é uma sociedade imobiliária cujo objecto social compreende a promoção imobiliária;
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a Requerente é proprietária dos prédios urbanos que constam da liquidação em crise (doc. 1 a 3 junto com o pedido arbitral);
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O terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da União das freguesias de ..., ..., ... e ..., do concelho de Leiria, contém menção de Indústria no tipo de coeficiente de localização;
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a Requerente foi notificada pela AT da liquidação de AIMI, relativamente aos prédios acima identificados, referente ao ano de 2017, com o n.º 2017... doc. 3 junto com o pedido arbitral);
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a Requerente apresentou reclamação graciosa daquela liquidação a qual foi instaurada sob o nº ...2018... (doc. 1 junto com o pedido arbitral);
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na aludida reclamação graciosa foi proferido despacho de indeferimento que foi notificado à Requerente, por ofício de 02.07.2018 (doc. 1 junto com o pedido arbitral);
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o imposto liquidado foi pago pela Requerente em 29.09.2017.
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Factos não provados
Não foi feita prova de que os demais terrenos para construção fossem destinados a fins comerciais, industrias ou serviços.
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Motivação quanto à matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida.
2. MATÉRIA DE DIREITO
Conforme resulta do pedido arbitral, a Requerente manifesta a sua inconformidade com o acto de liquidação impugnado, uma vez que os imóveis por si detidos constituem o substrato económico da sua actividade e consubstanciam verdadeiros elementos do seu processo produtivo; que a tributação em AIMI do património imobiliário por si detido ao onerar fiscalmente a sua actividade económica e é contrária à ratio legis do regime; que não se pode presumir que o portefólio de imóveis detidos por sociedades, como a Requerente, cuja actividade está circunscrita à realização de operações relacionadas com a exploração onerosa de bens imóveis (compra, venda, arrendamento, etc…), seja demonstrador de riqueza ou um indiciador da capacidade contributiva das mesmas a considerar para efeitos de tributação em AIMI; e que, uma vez que está em causa um imposto sobre a fortuna imobiliária, os prédios afectos a uma actividade económica e que são detidos para a sua prossecução, não estão àquele sujeito, como sucede no caso.
Alega ainda que que os terrenos para construção afectos a actividades económicas estão abrangidos pela norma de exclusão do n.º 2 do art.º 135º-B e que a desconsideração do critério de afectação do prédio é ilegal.
Por fim, invoca a inconstitucionalidade do regime de tributação em AIMI, considerando-o contrário ao princípio constitucional da igualdade, consagrado no art. 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no art. 104º, nº 3 do mesmo diploma.
Vejamos então:
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Da tributação em AIMI de prédios afectos a actividades comerciais
A Lei 42/2016, de 28 de Dezembro aditou ao CIMI, entre outros, o art. 135º-A que estabelece: «são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou colectivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português».
Por seu turno, o artigo seguinte, 135º-B, determina:
«1. O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.
2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como "comerciais, industriais ou para serviços" e "outros" nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6º deste Código».
Como a Requerente alega, este regime exclui da incidência do AIMI «os prédios urbanos classificados como "comerciais, industriais ou para serviços" e "outros" nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º (…)"» do CIMI, pelo que apenas são abrangidos os prédios urbanos afectos a fins habitacionais e os terrenos para construção, tal como definidos naquele art. 6º.
Todavia, da apontada delimitação negativa de incidência, a Requerente extrai a conclusão de que se pretendeu criar um imposto sobre a fortuna imobiliária, em que os prédios urbanos afectos às actividades económicas não estarão sujeitos a tributação em AIMI. Sustenta que o AIMI, como imposto complementar ao IMI, tem em vista a tributação da acumulação de património habitacional de muito elevado valor.
Pois bem. Como diz Baptista Machado - Introdução ao Direito e Discurso Legitimador: «na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento» (p. 182).
Ora, a literalidade dos arts 135º-A, nº 1 e 135º-B, nºs 1 e 2 do CIMI é clara e não parece prestar-se a dúvidas interpretativas. Como se diz no Acórdão Arbitral n.º 664/2017-T, de 26.06.2018, «a exclusão do imposto abrange, por conseguinte, os prédios classificados como comerciais, industriais ou para serviços, entendendo-se como tais os edifícios ou construções licenciados para esses efeitos ou que tenham como destino normal cada um destes fins. Abarca, para além disso, a espécie residual referida na alínea d) do n.º 1 desse artigo 6.º, aí se incluindo os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem prédios rústicos e ainda os edifícios e construções que se não enquadrem em qualquer das anteriores classificações».
O âmbito de incidência objectiva, por efeito da remissão para aquele artigo 6.º, ficou assim definido não só por referência a uma certa espécie de prédios urbanos, mas também por referência ao procedimento administrativo através do qual foi efectuada a classificação ou, na falta de licença, à normal destinação desses prédios para os fins comerciais, industriais e serviços ou outros.
É verdade que a preocupação legislativa de “evitar o impacto deste imposto na actividade económica” foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie "industriais", bem como os prédios urbanos licenciados para a actividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa colectiva com actividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis directamente afectos ao seu funcionamento».
Sendo certo que a exclusão da incidência do AIMI não foi feita tendo em vista a eventual actividade a que os prédios estão afectos, mas apenas teve por base os tipos de prédios indicados no art. 6º do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ou ao funcionamento de empresas.
Aliás, como é dito no Acórdão Arbitral n.º 675/2017-T, de 04.05.2018, «se tivesse sido mantida, na redacção final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis directamente afectos ao funcionamento das pessoas colectivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afectação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa.
Tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos ao funcionamento das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI».
Não tem, pois, razão a Requerente quando alega que terá sido intenção do legislador pretender excluir do âmbito de incidência do imposto os prédios afectos a actividades económicas, a pretexto de que o objectivo prosseguido seria não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que possuem imóveis por efeito do seu objecto social.
Tendo presente o vertido no Relatório do Orçamento para 2017, podemos concluir que não se pretendeu com o AIMI onerar a tributação de imóveis de luxo, como se visava primacialmente com a verba 28.1 da TGIS, pois o património imobiliário de valor avultado pode ser constituído por uma pluralidade de imóveis de reduzido valor. Ter-se-á tido antes em vista criar mais uma via de subsidiação do sistema de Segurança Social, que é uma das incumbências constitucionais do Estado.
O facto de a Requerente deter os imóveis no âmbito da sua actividade económica não afasta, pois, a incidência do AIMI.
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Afectação dos prédios
A Requerente sustenta que alguns dos prédios objecto do pedido arbitral são terrenos para construção afectos a actividades económicas - à edificação de prédios destinados a fins comerciais, industriais, para serviços ou outros -, logo, estariam excluídos do âmbito de sujeição do AIMI, instituído pelo art. 135º-B do Código do IMI.
Ao contrário do que defende a Requerente, tal não resulta das respectivas cadernetas prediais conforme o Tribunal pode constatar nem a Requerente fez prova de que os terrenos para construção a que se refere a liquidação estão afectos a actividades económicas. De facto, com excepção do artigo matricial urbano ...º, da União das freguesias de ..., ..., ... e ..., concelho de Leiria, que corresponde a um terreno de construção em que foi utilizado como factor de coeficiente de localização Indústria, em todos os outros figura Habitação.
Não obstante, na redacção do art. 135º-B que constava da proposta de Orçamento o n.º 2 tinha a seguinte redacção:
«2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino.»
O art. 6 º do CIMI estabelece o seguinte:
1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.
4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.
O que determina a sujeição dos prédios ao AIMI é, assim, a sua classificação, determinada nos termos deste artigo.
A incidência objectiva ou real do adicional ao imposto municipal sobre imóveis recai, de conformidade ao disposto no nº 1 do artigo 135º- B “sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular”.
Prevendo-se no nº 2 do mesmo dispositivo uma exclusão de incidência sobre “os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”, nos termos das als b) e d) do nº 1 do referido art. 6º.
Estão deste modo sujeitos ao AIMI os prédios afectos à “habitação” e os “terrenos para construção” tal como definidos no mesmo artigo 6º do CIMI.
No entanto, não foi com base na actividade a que estão afectos os imóveis que a exclusão de incidência veio a ser definida, pois na redacção que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ao funcionamento das pessoas colectivas, como já se afirmou no Acórdão Arbitral de 22.01.2019, proferido no processo 401/2018-T.
São conceitos distintos a afectação de um imóvel, que pressupõe uma utilização, e o fim a que está destinado, o «destino normal», subjacente às classificações dos imóveis, a que se refere o n.º 2 do art. 6.º do CIMI.
Por isso, é de concluir que a afectação dos imóveis às actividades económicas de pessoas colectivas não afasta a tributação em AIMI (fora dos casos em que se trate de prédios que no anterior tenham estado isentos ou não sujeitos a tributação em IMI, que não são contabilizados para efeitos de AIMI, nos termos do n.º 3 do artigo 135.º-B do CIMI).
A detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afectação ou não a actividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva, superior à que é de presumir existir quando seja detido património de valor reduzido ou quando ele não exista, pelo que, em princípio, tem justificação a limitação da tributação às primeiras situações.
Porém, não resultam explicitamente do Relatório do Orçamento para 2017 nem da sua discussão parlamentar as razões que estarão subjacentes à distinção, para efeitos de tributação em AIMI, entre os valores patrimoniais dos prédios classificados como habitacionais ou terrenos para construção (independentemente da sua efectiva afectação a esses fins) e os dos prédios urbanos que têm outras classificações, à face do art. 6.º do CIMI.
Relativamente aos prédios que têm a classificação de «outros» à face do artigo 6.º, n.ºs 2, alínea d), e 4, do CIMI, poderá ver-se uma razão para distinção no facto de se tratar essencialmente de prédios que não têm como finalidade actividades geradoras de rendimentos, designadamente os terrenos situados em aglomerados urbanos que não reúnem os requisitos necessários para a sua classificação como terrenos para construção nem estão a ser utilizados para fins agrícolas ou silvícolas e os edifícios destinados a espaços ou infra-estruturas ou equipamentos públicos.
Entende este Tribunal que a literalidade das normas do AIMI conduz à incidência do imposto, e para o que aqui importa, sobre os “terrenos para construção”, independentemente da afectação que a estes venha a caber uma vez que não constam da delimitação negativa de incidência.
Este entendimento de que se deixa nota não constitui posição isolada, muito menos inédita, no quadro do CAAD e tem sido seguida por inúmeras decisões arbitrais de onde se destacam entre outras as proferidas nas seguintes processos: 654/2017- T de 03.09.2018, 664/2017-T de 26.06.2018, 667/2017-T de 05.09.2018, 685/2017- T de 06.09.2018, 690/2017- T, de 06.09.2018, 692/2017 – T de 11.05.2018, 696/2017-T de 23.07.2018, 6/2018- T, de 26.07.2018, 306/2018- T, de 28.12.2018 e 401/2018-T, de 22.01.2019.
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Da inconstitucionalidade do AIMI
Pretende ainda a Requerente que sejam desaplicadas as normas em causa invocando a inconstitucionalidade do regime de tributação do AIMI, por violação dos princípios da igualdade e princípio da igualdade fiscal e capacidade contributiva, previstos, respectivamente, nos arts 13º e 104, nº 3 da CRP.
Diga-se antes de mais que, cabendo, como cabe, aos Tribunais a apreciação da (in)constitucionalidade, não pode a Administração Tributária, que se encontra na dependência hierárquica do executivo, substituir-se aos tribunais, e sindicar a constitucionalidade das leis que lhe cumpre aplicar.
Invoca a Requerente que será violador do princípio da igualdade, na vertente da capacidade contributiva, o art. 135º-A do CIMI ao fazer uma tributação indiscriminada de todos os prédios, defendendo que os que estão afectos a actividades económicas se encontram necessariamente excluídos dessa tributação.
O que é rejeitado pela Requerida, sustentando que o julgamento de inconstitucionalidade do AIMI com base na violação do princípio da igualdade parte de premissas que se baseiam numa comparação entre situações incomparáveis.
Como se diz no Acórdão Arbitral n.º 664/2017-T, «o Tribunal Constitucional tem sublinhado, um dos objectivos essenciais constitucionalmente definidos do sistema fiscal, a par da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, é o da repartição justa dos rendimentos e da riqueza, como se depreende do artigo 103.º, n.º 1, da Constituição».
Temos por assente neste âmbito que a liberdade de que goza o legislador exige que o princípio da capacidade contributiva disponha de alguma flexibilidade e possa ceder, até certo limite, perante outros propósitos do Estado.
Daí que, quando uma situação aparente ou tendencialmente igual é tratada de forma aparentemente diferente, só se pode falar em desigualdade fiscal se não houver razões atendíveis que tenham conduzido o legislador a fazer as opções que fez. Ou seja, o que está constitucionalmente vedado ao legislador é o puro arbítrio, o que não sucederá quando tenha em vista a prossecução de objectivos a que atribui maior valor - como é o paradigmático caso dos benefícios fiscais, em que o legislador prefere abrir mão da receita fiscal para atingir outros objectivos.
É, aliás, dentro desse espírito que o legislador, no que ao caso importa, apenas pretende tributar os prédios classificados como habitacionais, abstendo-se de fazer incidir AIMI sobre os demais. Quer dizer, tomou uma medida de distinção do que é desigual, fazendo uma opção cuja justificação parece clara: não aumentar a carga fiscal sobre os sectores produtivos, visando as tão propaladas necessidades de investimento e de crescimento económico.
Diremos, por outro lado, que os prédios destinados à habitação constituem bens de fruição, deles se podendo dizer que a sua acumulação ou elevado valor, revelarão um maior índice de fortuna e, como tal, de maior capacidade contributiva.
Pelo que, ainda que a capacidade contributiva revelada possa ser igual, não se vislumbra violação do princípio da igualdade, atenta a razoabilidade da distinção e os fins visados.
Defende, contudo, a Requerente a circunstância de os imóveis em causa fazerem parte integrante da sua actividade comercial por ser esse o seu objecto social, pelo que carece de fundamento e, pelo contrário, seria violador do princípio da igualdade, fazer incidir sobre tais imóveis o AIMI, por comparação com as demais entidades, não imobiliárias, proprietárias de imóveis.
Como, do mesmo modo, refere aquele Acórdão Arbitral, «a titularidade de um património imobiliário, para efeitos de venda e transformação, em vista à obtenção de resultados económicos, não deixa de constituir um activo patrimonial que é revelador de uma acrescida capacidade contributiva, que vai além do imposto que incide sobre o lucro tributável em razão da actividade económica desenvolvida. O que está em causa, por conseguinte, não é a tributação do rendimento real auferido por essas entidades através da actividade desenvolvida, mas a capacidade contributiva complementar que decorre da titularidade do património e que por si só pode facilitar a angariação de crédito ou o reforço da sua posição negocial na celebração de contratos».
Acresce que a capacidade contributiva das pessoas colectivas empresariais, relevante para a aferição da aplicação do princípio da igualdade tributária, não é evidenciada apenas pelos rendimentos, designadamente pelos resultados da actividade a que se destinam os imóveis. Na verdade, «o património proporciona ao seu titular uma capacidade contributiva especial, vantagens que pela sua natureza escapam ao imposto sobre os rendimentos pessoais: assim, a titularidade do património facilita a angariação de crédito, reforça a posição negocial do seu titular na celebração de contratos vários, torna mais fácil multiplicar a riqueza permitindo-lhe arriscar aí onde em princípio não o faria. Nesta óptica, o imposto sobre o património é visto como algo mais do que um prolongamento do imposto sobre os rendimentos pessoais - não se trata de sobrecarregar aqui rendimentos que já lhe estão sujeitos, mas de atingir manifestações de capacidade contributiva que na verdade lhe escapam» (Sérgio Vasques, Capacidade Contributiva, Rendimento e Património, em Fiscalidade, nº 23, p. 36).
Na mesma linha, concluímos que não se afigura, pois, ocorrer qualquer inconstitucionalidade.
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Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios
A Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como de pagamento de juros indemnizatórios.
Não sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, não se pode concluir pela existência de pagamento indevido e, consequentemente, não se justifica a anulação da liquidação nem a restituição da quantia paga nem o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
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Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
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Absolver a AT de todos os pedidos;
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Condenar a Requerente no pagamento das custas.
V. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no art. 306º, nº 2 do CPC, 97º-A, nº 1, al. a) do CPPT e 3º, nº 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 16.935,61.
VI. CUSTAS
Nos termos do art. 22º, nº 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em
€ 1224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, ficando a cargo da Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 29 de Março de 2019
O árbitro,
Cristina Aragão Seia