Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 218/2014-T
Data da decisão: 2014-05-28  IUC  
Valor do pedido: € 213,74
Tema: Incidência de imposto.
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Decisão Arbitral

 

I. Relatório

1. No dia 4-3-2014, a sociedade A…, S.A., NIPC …, com sede na Avenida …, Penafiel, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) e juros compensatórios, referentes aos anos de 2009, 2010, 2011, e 2012, no montante global a pagar de 213,74 euros, a que foram respectivamente atribuídos os nºs de documento 2009 …, 2010 …, 2011 …, e 2012 …, o reconhecimento do direito à restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, calculados sobre o referido montante, até efectiva e integral restituição do mesmo, e a anulação dos processos de contra-ordenação instaurados pelo não pagamento do referido imposto;

 

2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro ora signatário, disso notificando as partes, não tendo as mesmas manifestado intenção de recusar o árbitro.

 

3. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

4. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, as seguintes:

 

4.1. Foi a Requerente notificada da liquidação de IUC relativa aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, referentes ao veículo de matrícula ..-..-.., sendo que a cada ano correspondem as seguintes liquidações:

a) 2009 - € 48,00, a título de imposto (liquidação nº …) e € 8,14 a título de juros compensatórios (liquidação nº 4310952);

b) 2010 - € 48,00, a título de imposto (liquidação nº …) e € 5,42 a título de juros compensatórios (liquidação nº 4310953);

c) 2011 - € 49,00, a título de imposto (liquidação nº …) e € 3,56 a título de juros compensatórios (liquidação nº 4310954);

d) 2012 - € 50,00, a título de imposto (liquidação nº …) e € 8,14 a título de juros compensatórios (liquidação nº 4310955).

 

 4.2. Acontece que o veículo sobre o qual incide a tributação não era, à data dos factos tributários, propriedade da Requerente, pelo que esta não era o sujeito passivo do imposto.

 

4.3. Efectivamente, a Requerente, por contrato verbal de compra e venda vendeu o veículo ..-..-.. em 1/03/2005, a B…, contribuinte fiscal nº …, com domicílio fiscal na Rua …, concelho de Gondomar.

 

4.4 O referido veículo foi vendido pelo preço de € 2.521,01, acrescido do respectivo IVA, sendo tal venda titulada pela factura nº5, no montante de € 3.000.

 

 4.5. O adquirente B…, não obstante ter adquirido o referido veículo através de contrato de compra e venda, não registou a sua propriedade, pelo que o mesmo permaneceu registado em nome do Requerente.

 

4.6. No entanto, a posse e a direcção efectiva do veículo passou a ser detida por Almiro Ferreira, não tendo a Requerente usado ou fruído do veículo a partir de 1/3/2005.

 

 4.7. Considera a requerente que o art. 3º, nº1, do CIUC institui uma mera presunção que pode ser elidida por prova em contrário.

 

4.8. Efectivamente, em direito tributário não são admissíveis presunções inilidíveis ao nível de incidência de imposto, devendo por isso considerar-se a presunção do art. 3º, nº 1 do CIUC como uma presunção ilidível, nos termos gerais e, em especial, por força do disposto no art. 73.º da LGT,

 

4.9. A Requerente considera assim ter demonstrado à AT que já não era proprietária dos veículos em causa à data dos factos tributários, o que a excluiria da incidência subjectiva do IUC em relação aos mesmos, sendo consequentemente ilegal a liquidação do imposto de selo.

 

4.10. A Requerente salienta ainda ter liquidado IVA pela transmissão do veículo, pelo que, a ser desconsiderada a transmissão da propriedade do veículo para efeitos de tributação em sede de IUC, deveria também esta desconsideração operar em sede de IVA, com a consequente restituição do IVA liquidado.

 

4.11. Entende por isso a Requerente que devem ser anulados os referidos actos de liquidação relativos ao Imposto Único de Circulação, referentes aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, respeitantes ao veículo de matrícula ..-..-.., bem como de todos os actos de liquidação de juros compensatórios que lhe estão associados.

 

4.12. A Requerente procedeu ao pagamento de todos os montantes liquidados pela AT, pelo que, além da restituição desse valor, reclama ainda o pagamento dos respectivos juros indemnizatórios.

 

4.13. Por a Requerente não ter liquidado o imposto de circulação nos prazos previstos no nº2 do art. 17º do CIUC, a AT instaurou contra ela os processos de contra-ordenação nº …, …, … e …, tendo os mesmos sido suspensos a pedido da Requerente, nos termos do art. 55º do RGIT.

 

4.12. Solicita assim a Requerente que seja ordenado o arquivamento dos processos de contra-ordenação identificados nos autos, levantados por falta de entrega do imposto.

 

5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu nos seguintes termos:

 

5.1 Entende a AT que, quer de uma interpretação literal, quer de uma interpretação sistemática e ainda teleológica decorre que o legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1 do CIUC quem são os sujeitos passivos do IUC, estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí anunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

5.2. Não sendo manifestamente possível invocar que se trata de uma presunção, conforme defende a Requerente, mas sim, que se trata de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção, adentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel.

 

5.3. Para além do disposto no artigo 3.°, n.º 1 do CIUC, tal entendimento resulta também de outras normas consagradas no referido Código, como o artigo 6º, n.ºs 1, 2 e 3 e o artigo 3.°, n.º 2.

 

5.4. É este, aliás, o entendimento já adoptado pela jurisprudência dos nossos tribunais administrativos e fiscais, já que, no âmbito do Processo n.º …/13.0BEPNF, o Tribunal Administrativo e Fiscal de … acolheu a posição sufragada pela AT, nos termos supra explicitados, tendo decidido pela improcedência do recurso interposto pelo sujeito passivo, com o seguinte fundamento:

"O facto gerador do IUC e determinado pelo art. 6.° n.º 1, do CIUC. sendo constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional. Isto é, enquanto o veículo tiver matrícula ou estiver registado em território nacional (art. 2.º do CIUC - incidência objectiva), é devido IUC pelo proprietário do veículo, considerando-se como tal a pessoa singular ou colectiva, de direito público ou privado, em nome da qual o mesmo se encontre registado, que é o sujeito passivo do imposto (art 3.°. n.º 1. do CIUC - incidência subjectiva). A propriedade e a posse efectiva do veículo é irrelevante para a verificação da incidência subjectiva e objectiva e do facto gerador do imposto. Resulta do recurso que o recorrente admite que no ano de 2008 o veículo estava registado em seu nome, apesar de não ser seu proprietário desde 15.12.2006. Mas, independentemente do registo do direito de propriedade do registo automóvel ser obrigatório (art. 5.°. n°s 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º (DL) 54/75, de 12 de Fevereiro) e da recorrente ter vendido o veículo em 15/12/2006, no caso do IUC não está em causa a ilação da presunção do direito de propriedade derivada do registo automóvel, nem a elisão da presunção do registo do direito de propriedade automóvel. O que está em causa é a determinação do facto gerador do imposto e a determinação da sua incidência subjectiva, que são fixados pelo direito de propriedade do veículo 'tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional", isto é, independentemente das presunções derivadas do registo automóvel e da sua ilação e/ou elisão. De acordo com os arts. 1.° a 6º do CIUC. em particular do art. 3.º, n.º 1. do CIUC, verificam-se todos os elementos de incidência subjectiva e objectiva - facto gerador e exigibilidade do imposto - para a liquidação do IUC do referido veículo no ano de 2008 em nome da recorrente, independentemente das transmissões do direito de propriedade do veículo e não se verifica qualquer isenção. A venda do veículo em 15/2/2006 é irrelevante. Para a liquidação do IUC do ano de 2008 e determinação do responsável pelo seu pagamento, os únicos factos relevantes são a manutenção da matrícula e do registo automóvel em território nacional e o registo do direito de propriedade na Conservatória do Registo Automóvel independentemente da sua alienação efectiva. O alienante tem o dever de no momento da alienação cuidar de proceder ao registo da venda para o novo adquirente, sendo a única forma de assegurar-se que o registo é realizado para o novo adquirente. No caso em apreço, em 2008 não houve cancelamento da matrícula e até aí o veículo estava matriculado em Portugal e registada a sua propriedade em nome da recorrente. Logo, ,e no recorrente que se verificam o facto gerador do imposto e os elementos de incidência objectiva e subjectiva do IUC (arts 2°, 3º e 6° nº1 do CIUC). A falta de registo em nome do novo adquirente faz com que a incidência subjectiva do IUC (art. 33º nº 1 do CIUC) só mantenha no titular do direito de propriedade inscrito na Conservatória do Registo Automóvel e seja o responsável pela liquidação e pagamento do IUC, independentemente da sua alienação efectiva. Logo, a liquidação do IUC relativa a 2008 em nome da recorrente não padece de qualquer ilegalidade e a falta de pagamento do respectivo imposto no prazo legal é também da sua responsabilidade, constituindo a falta de pagamento no prazo legal (art 179º n.º 2 do CIUC) uma infracção contra-ordenacional prevista e punida pelo art 114º n.º 2. do RGIT".

 

5.5. Em virtude desta jurisprudência, considera a Requerida, que a junção da factura de venda do veículo a que respeitam as liquidações de IUC agora em questão não permite ilidir a presunção legal prevista no artigo 3°, n° 1 do CIUC, porquanto aquelas apenas provam que a entidade em nome da qual os veículos se encontram registados, já não era a proprietária dos mesmos à data em que o imposto devia ser liquidado, o que não significaria que não fosse, por isso, sujeito passivo de IUC.

 

5.6. Efectivamente, o legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.°, n.º 1 quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí anunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

5.7. A AT salienta que o legislador não usou a expressão “presumem-se", como poderia ter feito, o que demonstra não ter estabelecido uma presunção resultante do registo, mas antes uma norma de incidência.

 

5.8. Efectivamente, o normativo fiscal está repleto de previsões análogas à consagrada na parte final do n.º 1 do artigo 3.°, em que o legislador fiscal, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, expressa e intencionalmente, consagra o que deve considerar-se legalmente, para efeitos de incidência, de rendimento, de isenção, de determinação e de periodização do lucro tributável, para efeitos de residência de localização, entre muitos outros.

 

5.9. Nestes termos, é imperativo concluir que, no caso dos presentes autos de pronúncia arbitral, o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como tais [como proprietários ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas] as pessoas em nome das quais os mesmos [os veículos] se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal.

 

5.10. Entender que o legislador consagrou aqui uma presunção, seria inequivocamente efectuar uma interpretação contra legem.

 

5.11. Também o elemento sistemático de interpretação da lei demonstra que a solução propugnada pela Requerente é intolerável, não encontrando o entendimento por esta sufragado qualquer apoio na lei.

 

5.12. Tal resulta não apenas do aludido n.º 1 do artigo 3.° do CIUC, mas também de outras normas consagradas no referido Código.

 

5.13. Nestes termos, e no mesmo sentido, estabelece o artigo 6.° do CIUC, sob a epígrafe “Facto Gerador de Exigibilidade", no seu n.º 1, que: "O facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional."

 

5.14. Da articulação entre o âmbito da incidência subjectiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorre inequivocamente que só as situações jurídicas objecto de registo (sem prejuízo, da permanência de um veículo em território nacional por mais período superior a 183 dias, previsto no n.º 2 do artigo 6.°) geram o nascimento da obrigação de imposto.

 

5.15. Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que "o imposto considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação referido no n.º 2 do artigo 4.°".

 

5.16. Ou seja, o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação directa com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constar os factos sujeitos a registo (confronte-se o disposto no n° 2 do artigo 4° e no n° 3 do artigo 6°, ambos do CIUC, no n° 1 do artigo 10.° do Decreto-Lei n° 54/75, de 12 de Fevereiro e no artigo 42° do Regulamento do Registo de Automóveis.)

 

5.17. No mesmo sentido, milita a solução legislativa adoptada pelo legislador fiscal no n.º 2 do artigo 3.° do CIUC, ao fazer coincidir as equiparações aí consagradas com as situações em que o registo automóvel obriga ao respectivo registo.

 

5.18. Mesmo admitindo que, do ponto de vista das regras do direito civil e do registo predial, a ausência de registo não afecta a aquisição da qualidade de proprietário e que o registo não é condição de validade dos contratos com eficácia real), nos termos estabelecidos no CIUC (que no caso em apreço constitui lei especial, a qual, nos termos gerais de direito derroga a norma geral), o legislador tributário quis intencional e expressamente, que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais [os veículos] se encontrem registados.

 

5.19. Efectivamente, é a própria ratio do regime consagrado no Código do IUC que constitui prova clara de que o que o legislador fiscaI pretendeu foi criar um Imposto Único de Circulação assente na tributação do proprietário do veiculo tal como constante do registo automóvel (a este propósito, note-se, desde logo, que os casos taxativamente tipificados no artigo 3.° do CIUC, tanto no seu n.º 1, como no n.º 2, correspondem exactamente aos casos de registo automóvel obrigatório, nos termos do Código do Registo Automóvel (CRA)).

 

5.20. Com efeito, o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública. Isto é, o Imposto Único de Circulação passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos.

 

5.21 De tudo quanto supra se expôs resulta claro que os actos tributários em crise não enfermam de qualquer vicio de violação de lei, na medida em que à luz do disposto no artigo 3.°, n.ºs 1 e 2 do CIUC e do artigo 6.° do mesmo código, era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC, tal como atesta a Informação relativa ao histórico da propriedade dos veículos em causa, constante da Conservatória do Registo Automóvel.

 

5.22. À luz dos artigos 43.° da LGT e 61.° do CPPT, o direito a juros indemnizatórios depende da verificação dos seguintes pressupostos: estar pago o imposto, ter a respectiva liquidação sido anulada, total ou parcialmente, em processo gracioso ou judicial, determinação, em processo gracioso ou judicial, que a anulação se funda em erro imputável aos serviços.

 

5.23. De tudo quanto supra se expôs resulta claro que os actos tributários em crise são válidos e legais, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários, pelo que, não ocorreu, in casu, qualquer erro imputável aos serviços.

 

5.24. Assim sendo, não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos peticionados juros indemnizatórios.

 

5.25. Aliás, mesmo que se entenda, no que não se concede, que o imposto não é devido à Requerente por esta não ser o sujeito passivo da obrigação tributária, ainda assim, e tal como foi decidido pelo Tribunal Arbitral constituído no âmbito do processo n.º 26/2013T, bem como, no âmbito dos processos 170/2013T e 243/2013T, tem que se considerar que não existe erro imputável aos serviços que determine tal direito a favor do contribuinte.

 

5.26. Entende também a AT, na sequência do que foi decidido no processo 72/2013-T que deve ser a Requerente condenada ao pagamento das custas arbitrais, por ter dado causa à acção, ao não ter efectuado a alteração do seu registo nos termos do art. 527º, nº1, NCPC, ex vi do art. 29º, nº1 e) do RJAT.

 

5.27. Finalmente entende a Requerente que, nos termos do art. 2º RJAT, e da Portaria 112-A/2011, de 20 de Março, o Tribunal Arbitral não é competente em matéria de contra-ordenações, pelo que não pode pronunciar-se sobre o pedido de arquivamento dos processos de contra-ordenação.

 

6. No dia 11-06-2014 foi decidido pelo Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto na al. c) do art. 16.º do RJAT, dispensar a reunião prevista no art. 18º do mesmo diploma, uma vez que o objecto do litígio respeita fulcralmente a matéria de direito, não foram deduzidas excepções, não se mostra necessária a inquirição de testemunhas indicada a título supletivo, e constam dos autos os documentos pertinentes. Pelo mesmo motivo, foi igualmente considerada desnecessária a produção de alegações pelas partes, tendo o Tribunal, no cumprimento do disposto no art. 18º, nº 2 do RJAT, designado o dia 31-07-2014 como prazo para a prolação da decisão arbitral.

 

II - Pressupostos processuais.

 

7. Estão preenchidos os pressupostos necessários para que seja emitida decisão arbitral. Efectivamente:

 

7.1. O Tribunal Arbitral singular encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do art. 2º, nº1, alínea a) do RJAT.

 

7.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. arts. 4º e 10º, nº2, do RJAT e art. 1º da Portaria 112/2011, de 22 de Março.

 

7.3. Verificando-se cumpridos os requisitos exigidos pelo disposto no nº1 do art. 3º do RJAT, admite-se no presente processo a cumulação de pedidos de anulação dos actos tributários que são seu objecto.

 

7.4. O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

III. Factos provados

 

8. Tendo em conta as declarações das partes, o processo administrativo tributário e a prova documental junta aos autos, fixa-se a matéria factual relevante para a decisão nos termos seguintes:

 

8.1. A Requerente, por contrato verbal de compra e venda vendeu o veículo ..-..-.. em 1/03/2005, a B…, contribuinte fiscal nº …, com domicílio fiscal na Rua de …, concelho de Gondomar.

 

8.2. O referido veículo foi vendido pelo preço de € 2.521,01, acrescido do respectivo IVA, sendo tal venda titulada pela factura nº5, no montante de € 3.000.

 

8.2. A Requerente foi objecto das seguintes liquidações de Imposto Único de Circulação (IUC) e Juros Compensatórios (JC) relativas aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, todas datadas de 26/10/2013:

 a) 2009 - € 48,00, a título de imposto (liquidação nº …) e € 8,14 a título de juros compensatórios (liquidação nº …);

b) 2010 - € 48,00, a título de imposto (liquidação nº …) e € 5,42 a título de juros compensatórios (liquidação nº …);

c) 2011 - € 49,00, a título de imposto (liquidação nº …) e € 3,56 a título de juros compensatórios (liquidação nº …);

d) 2012 - € 50,00, a título de imposto (liquidação nº …) e € 8,14 a título de juros compensatórios (liquidação nº …).

 

8.3. A Requerente procedeu ao pagamento integral das referidas liquidações de imposto e juros compensatórios.

 

8.4. Em 27/9/2013, a Requerente apresentou requerimento onde deu nota à AT que a viatura com a matrícula ..-..-.. fora vendida em 1/03/2005, a B…, contribuinte fiscal nº …, tendo juntado cópia da factura de venda.

 

8.5. A AT respondeu em 3/10/2013 que se manteria a obrigação de pagamento do imposto enquanto a matrícula não fosse cancelada.

 

8.6. Em 13/12/2013 foi a Requerente notificada para apresentação de defesa e pagamento antecipado da coima em processos de contra-ordenação resultantes da falta de liquidação atempada do imposto.

 

8.7. Não há factos não provados, com relevo para a decisão da causa.

 

IV.      Do Direito

 

9. Cumpre, pois, apreciar e decidir:

 

10. Atentas as posições assumidas pelas partes são as seguintes questões a apreciar no âmbito do presente processo:

a)         Da eventual ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) e juros compensatórios, referentes ao ano de 2009, 2010, 2011, e 2012, no montante global a pagar de 213,74 euros e do reconhecimento do direito à restituição do imposto;

b)         Do direito a juros indemnizatórios

c)      Da possibilidade de o Tribunal Arbitral ordenar o arquivamento dos processos de contra-ordenação instaurados contra a Requerente.

 

11. Analisemos assim estas questrprete que reconstituir o pensamento legislativoindicado pela AT, a verdade o uma presunções:

 

A) Da eventual ilegalidade dos actos de liquidação do IUC e juros compensatórios.

 

12. Resulta da matéria de facto provada que a Requerente não era proprietária do veículo em causa à data da liquidação do imposto, por o ter alienado vários anos antes.

 

13. O artigo 6º, nº 1 do CIUC estabelece que “o facto gerador do imposto é constituído peia propriedade do veículo”.

 

14. De acordo com o artigo 3º, nº 1 do CIUC, consideram-se proprietários “as pessoas em nome das quais os mesmos [veículos] se encontrem registados”, havendo uma clara divergência entre as partes no sentido sobre se esta norma deve ser considerada como uma presunção, ou como uma norma de incidência, que estabelecesse apenas a incidência subjectiva do IUC com base no registo automóvel.

 

15. Apesar de se conceder que a letra da lei pode efectivamente apontar no sentido indicado pela AT, a verdade é que, nos termos do art. 9º do Código, a interpretação não pode cingir-se à letra da lei, tendo o intérprete que reconstituir o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, e sendo igualmente obrigado a presumir que o legislador consagrou as soluções mais razoáveis.

 

16. Ora, resulta expressamente do art. 1º do Código do IUC que "o imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária".

 

17. Ora, é manifesto que este objectivo visado pelo legislador seria totalmente posto em causa se a incidência do IUC fosse efectuada apenas com base no registo automóvel, uma vez que nesse caso a tributação seria estabelecida em relação a sujeitos passivos que não provocam qualquer custo ambiental, ficando os mesmos onerados fiscalmente em virtude de pressupostos de tributação que ocorrem materialmente numa esfera alheia, o que se apresenta totalmente contrário ao princípio da equivalência referido no art. 1º do CIUC.

 

18. Tem por isso que se concluir que a incidência subjectiva do IUC resulta da propriedade do veículo, que determina a possibilidade de o mesmo ser utilizado na via pública, razão pela qual a incidência deixa de se verificar no proprietário e passa para o adquirente sob reserva de propriedade e o locatário financeiro ou os titulares do direito de opção de compra no contrato de locação (art. 3º, nº2, do CIUC) uma vez que são estes que utilizam o veículo e causam os custos ambientais que o legislador pretendeu onerar.

 

19. Neste enquadramento, é manifesto que não é suficiente a simples existência de registo de propriedade para estabelecer a incidência subjectiva do IUC, constituindo a referência ao registo uma mera presunção em ordem a facilitar o conhecimento do universo dos sujeitos passivos pela AT.

 

20. Ora, determina o artigo 73º da Lei Geral Tributária que “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”, devendo por isso a AT ter admitido a elisão da presunção.

 

21. Conforme é referido noutra decisão deste Centro de Arbitragem, no processo nº 14/2013-T: “Abordando de novo a questão de saber se o nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra ou não uma presunção, face a todo o exposto, não podemos deixar de nos pronunciar pela afirmativa pelos fundamentos que antecedem (…).Assim, se o comprador, novo proprietário do veículo, não providenciar o registo do seu direito de propriedade, presume-se que este direito continua a ser do vendedor podendo, todavia, esta presunção ser ilidida mediante prova em contrário, ou seja, prova por qualquer meio da respectiva venda (Cfr. arts. 1º do DL nº 54/75, 7º do CRP e 350º, nº 2, do CC). Nestes termos, somos de parecer que a AT não pode prevalecer-se da ausência de actualização do registo do direito de propriedade, para exigir o pagamento do imposto ao anterior proprietário em nome do qual o veículo se encontra registado se, por qualquer meio, lhe for apresentada prova bastante da respectiva venda”.

 

22. O mesmo foi igualmente decidido por este Centro de Arbitragem no processo 26/2013-T: “No sentido do conceito legal de presunção e no respeito dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva que o legislador atribui plena eficácia à presunção derivada do registo automóvel acolhendo-a, como tal, na definição da incidência subjectiva deste tributo estabelecida no n.º 1 do art. 3.º do CIUC. Assim, não poderá deixar de se entender que a expressão «considerando-se como tais», constante da referida norma, configura uma presunção legal, e que esta é ilidível, nos termos gerais, e, em especial, por força do disposto no art. 73.º da LGT que determina que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

 

23. Salientou ainda este Centro de Arbitragem, no processo nº 27/2013-T, que “a AT quando entende que os sujeitos passivos do IUC são, em definitivo, as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados, sem considerar os elementos probatórios que, quer no quadro da audição prévia, quer em momento posterior, lhe foram apresentados, destinados a identificar os efectivos e verdadeiros proprietários dos veículos, está a proceder à liquidação ilegal do IUC assente na errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjectiva do Imposto Único de Circulação, constantes do art.º 3º do CIUC, seja ao nível da previsão, seja da estatuição, o que configura a prática de um acto tributário falho de legalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito o que determina a anulação dos correspondentes actos tributários”.

 

24. Podemos entender, portanto, que os actos de liquidação de IUC e respectivos juros compensatórios são ilegais e que o valor do pagamento efectuado terá de ser restituído à Requerente.

 

B) Do direito a juros indemnizatórios.

 

25. A Requerente solicitou ainda o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43º da LGT.

 

26. Decorre do número 1 desse artigo que "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

 

27. Podemos entender ainda que, como decorre do n.º 5 do art. 24.º do RJAT, o direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido em processo arbitral.

 

28. A Requerida AT entende, invocando a jurisprudência deste Centro de Arbitragem nos processos n.º 26/2013T, 170/2013T e  243/2013T, que não existe erro imputável aos serviços que determine tal direito a favor do contribuinte, uma vez que a AT tem que se basear na base de dados do registo automóvel.

 

29. Consideramos, porém, em conformidade com o decidido por este Centro de Arbitragem no processo 27/2013T, que, tendo a Requerente comunicado previamente que já não era proprietária do veículo em causa, verifica-se manifestamente um erro imputável aos serviços quando a AT pretendeu estabelecer a tributação baseada apenas no registo.

 

30. Tendo em conta o estabelecido no artigo 61º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vide art. 43º, nº1 da LGT), podemos entender que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o valor global de 213,74 euros, que serão contados desde a data de pagamento das liquidações até ao integral reembolso dessa mesma quantia.

 

C) Da possibilidade de o Tribunal Arbitral ordenar o arquivamento dos processos de contra-ordenação instaurados contra a Requerente.

 

31. Solicita ainda a Requerente que o Tribunal Arbitral ordene o arquivamento dos autos de contra-ordenação instaurados contra o Requerente.

 

32. É manifesto, no entanto, conforme bem salienta a Autoridade Tributária, que o Tribunal Arbitral não pode emitir essa ordem, dado que  a sua competência é limitada, nos termos do art. 2º do RJAT, à apreciação da legalidade dos actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte, de pagamento por conta, e ainda aos actos de fixação da matéria tributável quando não dêem origem à liquidação de qualquer tributo, actos de determinação da matéria colectável e actos de fixação de valores patrimoniais.

 

33. Não sendo o Tribunal Arbitral competente em matéria de contra-ordenações, não pode naturalmente pronunciar-se sobre as mesmas, sem prejuízo de as partes retirarem as devidas consequências da anulação dos actos impugnados.

 

V – Decisão

 

Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:

— Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) e juros compensatórios, referentes aos anos de 2009, 2010, 2011, e 2012, no montante global a pagar de 213,74 euros, anulando-se consequentemente os correspondentes actos tributários;

— Julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de 213,74 euros, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data do pagamento, até ao integral reembolso do mencionado montante, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar estes pagamentos.

 

Fixa-se ao processo o valor de 213,74 euros (valor indicado e não contestado), e o valor das custas do processo de arbitragem em 306 euros nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas a cargo da entidade requerida.

 

Lisboa, 28 de Maio de 2014.

 

O Árbitro

 

(Prof. Doutor Luís Menezes Leitão)