Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 450/2018-T
Data da decisão: 2019-04-11  IRC  
Valor do pedido: € 61.433,33
Tema: IRC – Dedutibilidade de custos – art. 23.º do CIRC; empréstimos não remunerados a sociedades participadas.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), Jónatas Machado e Miguel Patrício (árbitros vogais), designa­dos, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. Relatório

1. A..., S.A., NIF..., com sede social na ... n.º..., Km ..., ...-... Alenquer (doravante A... ou Requeren­te) apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida), com vista à apreciação da ilegalidade da demonstração de liquidação de IRC n.º 2018..., bem como das respectivas demonstrações de liquidação de juros n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018... e n.º 2018..., e de acerto de contas n.º 2018..., todas associadas à compensação n.º 2018... .

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

2.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

2.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 20 de novembro de 2018.

 

3. A fundamentar o presente pedido, a Requerente vem aos autos afirmar, em síntese, o seguinte: 

  1. Nos termos do RIT (o qual foi notificado à ora Requerente através do ofício n.º..., de 24/4/2018), foi efectuada pela AT uma correcção à matéria colectável de IRC da Requerente relativa ao período de tributação de 2014, no valor de €185.344,78, referente a encargos financeiros alegadamente não dedutíveis.
  2. Os actos tributários objecto do presente pedido de pronúncia arbitral foram emitidos na sequência da referida inspecção tributária realizada à Requerente.
  3. A ilegalidade da correcção realizada no âmbito da inspecção tributária repercute-se na ilegalidade dos actos tributários emitidos em consequência.
  4. A Requerente não concorda com a correcção realizada pela AT relativamente aos encargos financeiros incorridos com financiamentos não remunerados concedidos a sociedades participadas, por entender que a concessão de tais empréstimos se enquadra no objectivo último de manutenção das suas participações financeiras.
  5. Conforme se depreende dos níveis de participação detidos, os investimentos financeiros nas quatro sociedades participadas – às quais foram concedidos empréstimos não remunerados nos períodos de tributação de 2013 e 2014, conforme consta da nota 9 do Anexo às Demonstrações Financeiras em 31/12/2014 e se apresenta em tabela constante do ponto 31.º da p.i. – eram todos de natureza estratégica, em que a Requerente assumiu um papel de accionista de referência.
  6. Acresce que as actividades desenvolvidas pelas sociedades em causa relacionavam-se com a actividade da própria Requerente, cujo objecto social consiste, entre outros, em estudos, projectos, comercialização, instalação e conservação de equipamentos de telecounicações eléctricas e electromecânicas e construção de obras públicas e particulares.
  7. Para a Requerente, a complementaridade na cadeia de valor entre a actividade desenvolvida pela Requerente e as actividades desenvolvidas pelas referidas sociedades foi considerada como opção estratégica, circunstância que motivou a aquisição das referidas participações sociais.
  8. Sendo accionista de referência, a Requerente considerou adequada a concessão de empréstimos não remunerados às suas participadas por razões várias, onde se destacam, no caso concreto, a avaliação efectuada, à data, da situação económico-financeira das participadas, que não recomendava a negociação directa de tais empréstimos entre as participadas e a banca, por ser mais difícil a respectiva negociação, resultando em condições menos favoráveis no financiamento.
  9. A necessidade de apoio estrutural – que contribuiria para que as participadas ultrapassassem as dificuldades sentidas à data, com os benefícios daí decorrentes para o accionista de referência que a Requerente representava – é facilmente explicada pelo facto de, em 2014, o montante global financiado se ter reduzido mais de 36% face a 2013 (i.e., passou de, aprox., 3970 mil euros, em 2013, para, aprox., 2524 mil euros, em 2014).
  10. Foi neste contexto que a Requerente efectuou os empréstimos não remunerados, com o objectivo de contribuir para a manutenção da valorização do seu investimento naquelas sociedades – contrariando-se, assim, a tese da AT de acordo com a qual não há lugar à dedução fiscal dos encargos financeiros em causa por se entender que estes não se relacionam directamente com a actividade da Requerente (esta foi a razão pela qual a AT considerou que não se mostrava cumprido o requisito de indispensabilidade dos encargos financeiros suportados, conforme estabelecido no art. 23.º do CIRC).
  11. A jurisprudência arbitral tem sido vasta e consentânea com a dedutibilidade dos encargos financeiros incorridos por sociedades que, por sua vez, concedem empréstimos gratuitos a participadas, considerando que, neste contexto, existe um fim económico a suportar tais empréstimos, fim esse que tem em vista a obtenção ou garantia de rendimentos sujeitos a IRC no futuro.
  12. Existindo, na esfera do accionista, um objectivo económico subjacente à concessão de empréstimos não remunerados às participadas e sendo tal objectivo visar obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, não subsistirão dúvidas quanto ao enquadramento dessa concessão na actividade lucrativa do accionista, devendo, assim, considerar-se fiscalmente dedutíveis na sua esfera os encargos financeiros incorridos a montante.
  13. No presente caso, a concessão de empréstimos não remunerados a participadas teve subjacente um fito económico, de valorização do investimento efectuado, materializável mediante dividendos futuros e/ou mais-valias em cenários de alienação das participadas.  
  14. Assim sendo, a Requerente solicita ao tribunal arbitral que a correcção relativa à não dedução de encargos financeiros no montante de €185.344,78 seja anulada.
  15. A 8 de Junho de 2018, a Requerente liquidou o valor resultante da demonstração de acerto de contas n.º 2018... (vd. cópia junta aos autos como Documento n.º 3), associada à compensação n.º 2018..., no montante de €57.165,06 (vd. comprovativo de pagamento junto aos presentes autos como Documento n.º 7).
  16. Em face dos factos e fundamentos supra mencionados, a Requerente entende que, além de ser reembolsada do imposto indevidamente pago, deve ser ressarcida dos correspondentes juros indemnizatórios a que tem direito pelo pagamento indevido daqueles valores, nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT e do art. 61.º do CPPT.

 

3.1. Em face do exposto, a Requerente vem pedir que: i) se dê como provado o presente pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, se anule a demonstração de liquidação de IRC n.º 2018..., bem como as respectivas demonstrações de liquidação de juros n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018... e n.º 2018..., e de acerto de contas n.º 2018..., todas associadas à compensação n.º 2018..., em virtude da ausência de fundamento de facto ou de Direito para a correcção realizada à matéria colectável da Requerente relativa ao exercício de 2014, por violação do disposto, entre outros, no artigo 23.º do CIRC; ii) em consequência da anulação das referidas demonstrações de liquidação de IRC, de liquidação de juros e de acerto de contas, se profira decisão a ordenar o reembolso das importâncias indevidamente pagas pela Requerente a título de IRC no exercício de 2014, no valor de €57.165,06, acrescido do estorno da liquidação de 2014, no valor de €4268,27, que ficou indevidamente retido pela AT, tudo no montante total de €61.433,33; iii) se profira decisão a ordenar o pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos nos termos do art. 43.º da LGT e do art. 61.º do CPPT. 

4. Na Resposta, a Requerida respondeu, por excepção e impugnação, defendendo que o presente pedido deve ser julgado improcedente:

  1. Na defesa por excepção, a Requerida afirma que o pedido é manifestamente intempestivo, uma vez que a liquidação adicional de IRC n.º 2018... foi remetida para a caixa de correio-electrónico da Requerente a 14/5/2018, sendo que a 19/5/2018 a ora Requerente considerou-se notificada daquele acto tributário.
  2. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, al. a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral deve ser apresentado, in casu, no prazo de 90 dias a contar da notificação do acto tributário de liquidação adicional de IRC n.º 2018... . Iniciando-se o prazo para deduzir pedido de pronúncia arbitral em 20/5/2018, tal prazo de 90 dias precludia a 17/8/2018.
  3. Todavia, por força do disposto no art. 279.º do Código Civil, terminando o prazo em férias judiciais, o mesmo transfere-se para o primeiro dia útil, ou seja, a 3/9/2018. Assim, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado a 11/9/2018, caducou o direito de acção, pois aquando da sua propositura já havia precludido o prazo consignado na lei em face da notificação da liquidação de IRC de 2014.
  4. A Requerente procedeu à contagem do prazo de 90 dias a partir da notificação da demonstração do acerto de contas, cuja data limite para pagamento voluntário precludia a 11/6/2018 – todavia, o entendimento propugnado pela Requerente é manifestamente infundado porque apenas a liquidação adicional de IRC constitui acto susceptível de gerar obrigação de pagamento do tributo.
  5. Pelo exposto e atendendo a que o pedido de pronúncia arbitral é claramente intempestivo, a Requerida argui excepção peremptória da intempestividade a que se refere o artigo 576.º, n.º 3, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT, devendo, em consequência, a Requerida ser absolvida do pedido, com as devidas consequências legais.
  6. Na defesa por impugnação, a Requerida afirma que as decisões arbitrais invocadas pela Requerente não pré-conformam totalitariamente o presente processo, atendendo à inexistência da figura jurídica do precedente.
  7. Acresce, ainda, que existe jurisprudência sobre a matéria do Tribunal Central Administrativo Sul e do Supremo Tribunal Administrativo que apontam para uma solução jurídica diferente da relevada arbitralmente, encontrando-se a correcção sub judice em consonância com aquela.
  8. Como se percebe pela leitura do procedimento inspectivo, a Requerente recorreu a financiamentos através de capitais alheios, nomeadamente a financiamento bancário, o qual se encontra contabilizado nas diversas subcontas da conta SNC 25 (Financiamentos Obtidos). Para além dos empréstimos, a ora Requerente suportou, ainda, encargos financeiros nos exercícios de 2013 e 2014, como se refere no quadro infra:

 

 

  1. A Requerente suportou, em 2013, encargos financeiros, nomeadamente juros resultantes dos empréstimos que contraiu, tendo concedido empréstimos a associadas e outras entidades, não tendo sido remunerada pelo valor dos empréstimos concedidos às empresas associadas. Com efeito, a Requerente suporta encargos financeiros, nomeadamente juros resultantes de empréstimos contraídos e, simultaneamente, concede empréstimos a empresas associadas não remunerados, pelo que, de acordo com o disposto no art. 23.º do CIRC, tais encargos não são fiscalmente aceites.
  2. À luz do artigo 23.º do CIRC, as despesas, para serem fiscalmente dedutíveis, devem ser adstritas ou à obtenção dos ganhos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora. In casu, a Requerente contraiu empréstimos suportando encargos com os mesmos e, simultaneamente, «concede» financiamento não remunerado a empresas relacionadas e, nesse desiderato, os referidos encargos não estão directamente relacionados com a sua actividade, cujo objecto social consiste na fabricação de equipamentos de rádio e comunicação, estudos, projectos, comercialização, instalação e conservação de equipamentos de telecomunicações, eléctricos e electrónicos e construção de obras públicas e particulares.
  3. Logo, ao não estarem relacionados com a actividade do sujeito passivo, não se mostra cumprido o requisito de indispensabilidade da totalidade dos encargos contabilizados, conforme estabelecido no art. 23.º do CIRC.
  4. Afirma, ainda, a Requerida que os encargos financeiros suportados pela Requerente constituem custos incorridos na obtenção de fundos destinados ao financiamento, a título gratuito, de entidades relacionadas e, nesse desiderato, os encargos em causa não estão directamente relacionados com a actividade da Requerente, mas sim com a actividade e interesse das empresas relacionadas a quem foi concedido financiamento gratuito.
  5. Não se inserindo os gastos ora em causa na actividade da Requerente, que foram incorridos não para a prossecução dos seus interesses, mas para interesses alheios, não podem ser enquadrados no âmbito do seu objecto social e, nesse desiderato, tais custos financeiros não estão directamente relacionados com qualquer actividade inscrita no seu objecto social, nem se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade. 
  6. Os gastos elencados no art. 23.º do CIRC têm de respeitar à própria sociedade em causa, pois para que uma verba seja considerada gasto daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades ainda que com ela mantenha relações.
  7. Não se pode confundir o benefício e interesse da sociedade receptora do dinheiro, pelo qual não paga juros, com os da sociedade investidora que amputa parte dos seus recursos para realizar esses empréstimos.
  8. No caso em apreço, é inquestionável, no entender da Requerida, que os encargos em causa foram incorridos para efectuar empréstimos gratuitos a sociedades relacionadas e, nesse desiderato, tais encargos não concorreram para a geração de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da entidade que os suportou, ou seja, no caso a ora Requerente.
  9. Em caso de não serem atendíveis os argumentos espelhados pela entidade Requerida e caso se propugne a interpretação firmada pela Requerente, afere-se desde já que a mesma se apresenta contrária aos princípios que regem a Constituição Fiscal.
  10. A sociedade que incorre em encargos com vista ao financiamento da sua própria actividade comercial, fá-lo perspectivando unicamente o seu próprio interesse social, já a sociedade que se financia e que suporta os inerentes encargos financeiros para financiar empresas relacionadas, fá-lo perspectivando objectivamente o interesse social dessa sua associada e, consequente e reflexamente, o interesse dos credores sociais. Face ao que se entende que a interpretação esboçada pela Requerente é violadora do princípio da igualdade tributária.
  11. Entende-se, ainda, que a interpretação apresentada pela Requerente é também ofensiva do princípio da capacidade contributiva. Conclui, ainda, a Requerida que uma solução jurídica contrária à subjacente na correcção sob análise conduziria necessariamente à violação do princípio da tributação do rendimento real.
  12. Pelo acima exposto, conclui a Requerida que a interpretação promovida pela Requerente da dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados, à luz do disposto no art. 23.º do CIRC, apresenta-se como frontalmente violadora dos princípios da igualdade, da tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva.   

4.1. Em face do acima exposto, a Requerida conclui que: i) deve ser julgada por provada a excepção peremptória da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral e, nos termos do art. 576.º, n.º 3, do CPC, ex vi do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT, deve, em consequência, a Requerida ser absolvida do pedido; ii) subsidiariamente, o presente pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente por não provado e, assim, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.

5. A ora Requerente exerceu o direito de contraditório em relação à matéria de excepção invocada pela Requerida, defendendo, em síntese, a improcedência da mesma.

6. Por despacho arbitral de 25 de Janeiro de 2019, foi designado, ao abrigo do artigo 18.º do RJAT, o dia 15 de Fevereiro de 2019 para efeitos de realização da audiência de julgamento.

7. Na referida data de 15 de Fevereiro teve lugar, no CAAD, a declaração de parte, ao abrigo do disposto no art. 466.º do CPC, bem como a inquirição da testemunha arrolada pela Requerente, onde foram colhidos, respetivamente, os depoimentos de N..., administrador executivo da A... desde 25 de Julho de 2017 e até essa data controller de investimentos internacionais, e de B..., contabilista certificado que fez os registos contabilísticos dos empréstimos contraídos pela A... para suprimentos às suas participadas.

8. Naquela mesma data, e não tendo as partes optado por alegações orais, o Tribunal notificou a ora Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias. Em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, o Tribunal designou o dia 20/5/2019 para o efeito de prolação da decisão arbitral. 

9. As partes apresentaram as suas alegações escritas no prazo determinado, tendo nas mesmas reafirmado todos os argumentos que, sumariamente, já foram acima expostos.

 

II. Saneamento

10. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.

11. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

12. Notificada para o efeito, a Requerente respondeu, através de requerimento datado de 14 de Janeiro de 2019, à excepção peremptória de intempestividade suscitada pela AT.

13. A Requerida suscitou, na sua resposta (e também nas alegações escritas apresentadas no passado dia 18 de Março), excepção peremptória de intempestividade, por entender que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, al. a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral deveria ser apresentado, in casu, no prazo de 90 dias a contar da notificação do acto tributário de liquidação adicional de IRC n.º 2018... . Tendo-se iniciado o prazo para deduzir pedido de pronúncia arbitral em 20/5/2018, tal prazo de 90 dias precludia, com a aplicação do disposto no artigo 279.º do Código Civil, no primeiro dia útil seguinte às férias judiciais, ou seja, a 3/9/2018.

14. Para a Requerida, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado a 11/9/2018, caducou o direito de acção, pois aquando da sua propositura já havia precludido o prazo consignado na lei em face da notificação da liquidação de IRC de 2014.

15. A Requerida alega, ainda, que a Requerente procedeu à contagem do prazo de 90 dias a partir da notificação da demonstração do acerto de contas, cuja data limite para pagamento voluntário precludia, em seu entender, a 11/6/2018 [recte: 13/6/2018, vd. Documento 3 apenso à p.i.] – todavia, tal entendimento propugnado pela Requerente é considerado pela Requerida como sendo manifestamente infundado porque, no entender desta última, apenas a liquidação adicional de IRC constitui acto susceptível de gerar obrigação de pagamento do tributo.

16. Nestes termos, e porque considera o presente pedido de pronúncia arbitral claramente intempestivo, a Requerida argui excepção peremptória da intempestividade a que se refere o artigo 576.º, n.º 3, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT, devendo, em consequência, a Requerida ser absolvida do pedido.

17. Notificada para responder à referida excepção, a ora Requerente veio dizer, em síntese, que considera não se verificar a excepção peremptória de intempestividade, porquanto discorda da posição tomada pela Requerida relativamente à contagem do prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral.

18. Em seu entender, resulta claro do disposto nos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, que o prazo para apresentação de pedido de pronúncia arbitral se conta do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.

19. A Requerente reconhece que a liquidação adicional de IRC e a liquidação de juros compensatórios são os actos tributários susceptíveis de gerar obrigações de pagamento de prestações tributárias – contudo, considera que tal não significa que o prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral se deva contar da notificação de tais actos, dado que a demonstração de liquidação de IRC, apesar de indicar os meios pelos quais a Requerente poderia reclamar ou impugnar, refere expressamente que a reclamação ou impugnação deve ser feita “nos prazos estabelecidos nos artigos 137.º do CIRC e 70.º e 102.º do CPPT” (vd. Doc. 1 junto com o pedido).

20. Considera, assim, a ora Requerente que, como referido, e nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, o prazo para a impugnação conta-se a partir do “[t]ermo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte” e não da notificação dos respectivos actos de liquidação.

21. Pelo exposto, conclui a Requerente que a argumentação da Requerida quanto ao modo de contagem do prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral não deve ser acolhida, pelo que, em seu entender, deve também ser julgada improcedente a excepção peremptória invocada.    

22. Cumpre analisar e decidir.

23. A este respeito, deve observar-se, desde logo, o que dispõe o artigo 10.º, n.º 1, al. a), do RJAT, segundo o qual o “pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma”.

24. Em face do que dispõe o citado artigo, não há dúvida de que o pedido de constituição de tribunal arbitral deve versar sobre actos susceptíveis de impugnação autónoma (como, neste caso, a liquidação adicional de IRC e a liquidação de juros compensatórios).

25. Contudo, ainda que a contagem do prazo de 90 dias tenha sido feita, no presente caso, a partir da data de pagamento constante da demonstração de acerto de contas, um tal acto não deve ser considerado alheio à liquidação de IRC colocada em causa. Nesse sentido, afirma, de uma forma inequívoca, o Acórdão do TCA-Sul proferido a 11/10/2018 (proc. 1060/16.8BESNT): “Não é despicienda a emissão da demonstração de acerto de contas com imposto a pagar, uma vez que esta consubstancia a exigência de pagamento de tributo que conduz à aplicação da contagem do prazo nos termos enunciados no art. 102.º, n.º 1, al. a), do C.P.P.T. – termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte – como definidor do «dies a quo», por estar interligada com a liquidação reclamada. Importa realçar que a nota de demonstração não é um acto desgarrado da liquidação, mas sim o resultado dos fluxos financeiros associados à mesma e que, no caso em particular, resultou no apuramento de montante de imposto a pagar. A opção da A. Fiscal de criar documentos distintos, ainda que não proibida, não resulta de nenhuma imposição legal ou regulamentar, pelo que não estamos perante actos de diferente natureza. Tal artificial separação não encontra suporte ou justificação legal. Mais, o documento de demonstração da liquidação adicional de I.R.C. deve ser visto de forma integrada e em conjunto com a demonstração de acerto de contas, assim resultando imposto a pagar pelo sujeito passivo, em consequência do que o termo inicial do prazo previsto no art. 70.º, n.º 1, do C.P.P.T., se conta a partir da data final de pagamento do imposto, conforme decidiu o Tribunal «a quo».” 

26. No mesmo sentido, veja-se, também, o Acórdão do TCA-Norte proferido a 15/11/2013 (proc. 0644/06.7BEPRT): “Tendo sido junto aos autos documentoDemonstração de Acerto de Contas»] emitido pela Administração Tributária e notificado à Impugnante, donde consta, designadamente, referências ao tipo de imposto e períodos em causa, bem como a indicação de uma determinada «Data Limite de Pagamento», o Tribunal a quo não pode, sem mais, concluir pela extemporaneidade da impugnação sem ter em consideração a factualidade que lhe é subjacente, dada a sua relevância para o efeito nos termos do disposto do art. 102.º, n.º 1, al. a), do CPPT (prazo de apresentação da impugnação judicial).” [O TCA-Norte só não decidiu a questão da (não) caducidade do direito de deduzir impugnação porque o documento estava parcialmente ilegível.]

27. Resta ainda observar o que determina o referido artigo 102.º do CPPT, ex vi artigos 10.º, n.º 1, al. a), e 29.º, n.º 1, al. a), ambos do RJAT.

28. Como bem assinala, a este propósito, Carla Castelo Trindade (em Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, 2016, pp. 244-245 e 247), “dispõe [...] o n.º 1 do artigo 102.º do CPPT que a impugnação judicial – e, in casu, o pedido de constituição do tribunal arbitral – pode ser apresentada(o) no prazo de 90 dias a contar: [al.] a) do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte [...]. Desta remissão do RJAT para os factos elencados no n.º 1 do artigo 102.º do CPPT decorre, desde logo, que o sujeito passivo pode apresentar o pedido de pronúncia arbitral nos 90 dias seguintes ao termo do prazo de pagamento voluntário das prestações tributárias que lhe sejam validamente notificadas, conforme prevê o artigo 102.º, n.º 1, al. a), do CPPT. O termo do prazo de pagamento voluntário é aquele que está fixado na liquidação do imposto ou, supletivamente, o prazo de 30 dias estabelecido no artigo 85.º, n.º 1, do CPPT. [...] [apenas] se da liquidação de imposto não houver lugar à obrigação de pagamento de qualquer quantia, [é que] os 90 dias para se requerer a constituição do tribunal arbitral [se] conta[m] nos termos [do] art. 10.º, n.º 1, alínea a), conjugado, desta feita, com o artigo 102.º, n.º 1, alínea b), do CPPT [...], ou seja, [se] inicia[m] com a notificação da liquidação.” (itálicos nossos).

29. Atento o supra referido, conclui-se que: i) o presente pedido de constituição de tribunal arbitral versa sobre acto susceptível de impugnação autónoma, pelo que se lhe aplica o disposto no artigo 102.º, n.º 1, al. a), do CPPT, ex vi artigos 10.º, n.º 1, al. a), e art. 29.º, n.º 1, al. a), ambos do RJAT; ii) devendo o prazo para apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral ser contado a partir do termo da data limite de pagamento constante da demonstração de contas (i.e., a partir de 13/6/2018), e sendo esse prazo de 90 dias contínuo (nos termos do disposto nos arts. 279.º do Código Civil e 20.º, n.º 1, do CPPT, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), o termo do referido prazo não se verifica a 3/9/2018 (como defende a Requerida) mas antes a 11/9/2018.

30. Tendo a Requerente apresentado o seu pedido de pronúncia arbitral a 11 de Setembro de 2018, conclui-se que o mesmo é tempestivo – pelo que, consequentemente, considera-se improcedente a excepção peremptória invocada pela Requerida na sua resposta.

31. O processo não enferma de nulidades e não há, em face do exposto, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

III. Do Mérito

III.1. Factos provados

32. Consideram-se provados os seguintes factos:

A. A Requerente é uma sociedade anónima que tem como objecto a fabricação de equipamentos e aparelhos de rádio e comunicação (emissores de rádio, telegrafia e telefonia), estudos, projectos, comercialização, instalação e conservação de equipamentos de telecomunicações, eléctricas e electromecânicas e construção de obras públicas e particulares, tendo a sua actividade evoluído para englobar a gestão, desenvolvimento, construção, instalação e manutenção de infraestruturas e equipamentos para redes de telecomunicações (móveis e fixas) e redes de energia (convencionais e renováveis) – vd. cópia da certidão permanente com o código de acesso ..., que consta como Doc. 4 apenso aos autos.

B. A Requerente é um sujeito passivo de IRC, com sede e direcção efectiva em Portugal, nos termos do art. 2.º, n.º 1, al. a), do CIRC, encontrando-se sujeita ao regime geral de tributação de IRC.

C. Como confirmado pelo actual Administrador Executivo da Requerente, em sede de declaração de parte, a A... dedica-se à construção de infraestruturas de redes de distribuição de energia e telecomunicações, estando fora do seu objecto actividades de financiamento ou de gestão de activos financeiros. Acrescentou, ainda, que a mesma tem clientes internacionais importantes (por exemplo, C..., D..., E...), e actividade em muitos países, tendo já um footprint em mais de 50 países.

D. Os referidos clientes desafiam a ora Requerente a participar no desenvolvimento dos mais variados projectos de desenvolvimento de equipamentos e redes em diferentes países, propostas essas que dificilmente poderia recusar em virtude do peso económico dos clientes que as formulam no quadro da sua carteira de clientes. Para acudir a estas propostas e poder desenvolver as suas actividades, a Requerente optou, nalguns casos, pela constituição de sociedades subsidiárias, de direito português ou estrangeiro, em parceria com outros sócios, assumindo nelas uma posição de accionista de referência.

E. No âmbito da ordem de serviço n.º OI2017..., a Requerente foi objecto de uma inspecção tributária externa de âmbito geral relativamente ao período de tributação de 2013, e de âmbito parcial, em sede de IRC e de IVA, relativamente ao período de tributação de 2014.

F. Nesse contexto, a Requerente foi notificada para, querendo, exercer o respectivo direito de audição sobre as correcções propostas pela AT – tendo a Requerente exercido esse direito dentro dos prazos legais (vd. comprovativo de exercício do direito de audição, que consta como Doc. 5 apenso aos autos).

G. Em 26/4/2018, a Requerente foi notificada (através do ofício n.º..., datado de 24/4/2018) do RIT – o qual manteve, sem qualquer alteração, as correcções previstas no projecto de relatório de inspecção (vd. cópia do referido RIT apensa aos autos).

H. Nos termos do referido RIT, a AT efectuou uma correcção à matéria colectável de IRC da Requerente, relativa ao período de 2014, no valor de €185.344,78, referente a encargos financeiros alegadamente não dedutíveis.

I. Considerou a AT que “o sujeito passivo, em [...] 2014, ao mesmo tempo que suportou encargos financeiros, nomeadamente juros, resultantes dos empréstimos que o mesmo contraiu, concedeu empréstimos a associadas e outras entidades, não tendo sido remunerado pelo valor dos empréstimos concedidos às empresas associadas” (vd. RIT apenso aos presentes autos), pelo que entendeu que tais encargos financeiros suportados pela Requerente não são passíveis de dedução na íntegra ao lucro tributável nos termos do artigo 23.º do CIRC.

J. O enquadramento das sociedades participadas nos períodos que foram objecto de inspecção tributária, às quais foram concedidos empréstimos não remunerados nos períodos de tributação de 2013 e 2014, conforme consta da nota 9 do Anexo às Demonstrações Financeiras em 31/12/2014, é o que se pode ver na seguinte tabela reproduzida no ponto 31.º da p.i.:

L. Atendendo aos níveis de participação detidos, os investimentos financeiros nas quatro sociedades em causa foram todos de natureza estratégica, em que a ora Requerente assumiu um papel de accionista de referência.

M. Qualquer das actividades prosseguidas pelas quatro sociedades em causa (a saber: projectos em energias alternativas e telecomunicações) relaciona-se com o objecto social da ora Requerente, permitindo a esta a complementaridade na cadeia de valor entre a sua actividade e a das referidas sociedades – razão pela qual a Requerente se decidiu pela aquisição das referidas participações sociais.

N. Atendendo à mencionada complementaridade e sua relevância para a actividade da Requerente, esta considerou ser adequada a concessão de empréstimos não remunerados às suas participadas, tendo, para o efeito e à data, averiguado, em concreto, a situação económico-financeira de cada uma das participadas. Dessa avaliação decorreu a conclusão de que a negociação directa de tais empréstimos entre as participadas e a banca seria mais difícil e imporia maiores encargos.

O. Como referido pelo actual Administrador Executivo da Requerente, em sede de declaração de parte, as condições menos favoráveis no financiamento junto da banca ou mesmo a impossibilidade de acesso a esse financiamento em tempo útil dificultavam a performance das participadas e, por essa razão, poderiam colocar em dificuldades a actividade da Requerente. Por outro lado, constata-se que o apoio concedido pela Requerente às participadas contribuiu para que tivessem sido ultrapassadas as dificuldades sentidas àquela data, com benefícios para o accionista de referência que a Requerente representava.

P. Com efeito, foram, em boa medida, condicionalismos exógenos à A..., como sejam a já referida dificuldade na obtenção de crédito em tempo útil e a urgência no desenvolvimento dos projectos, que a levaram a recorrer à solução de financiamento encontrada.

Q. Como confirmou o actual Administrador Executivo da ora Requerente, em sede de declaração de parte, por vezes a A... tem propostas de trabalho de clientes importantes para trabalhar em diferentes países que dificilmente poderia recusar. Os projectos prolongam-se no tempo e por vezes obrigam à constituição de sociedades de direito local. Para a operacionalização dos projectos, em termos de rapidez e falta de histórico (track-record) de crédito das sociedades, é difícil recorrer ao financiamento local, sendo necessário mobilizar recursos financeiros, através de suprimentos não remunerados, para as sociedades locais.

R. Como também referido pelo actual Administrador Executivo da Requerente, em sede de declaração de parte, nalguns casos, tendo em vista a minimização do risco, a A... cria sociedades específicas para se associarem a parceiros locais na realização de determinados projectos no estrangeiro. Os projectos envolvem uma prévia avaliação de riscos, dos meios materiais necessários e das condições locais de financiamento – tarefa a que o depoente se dedicava – que antecedia a decisão de avançar ou não avançar, tendo em conta a finalidade lucrativa do grupo. As participações nestas sociedades inserem-se no perímetro de consolidação do grupo A..., integrando a respectiva estratégia de desenvolvimento.

S. Nesse sentido, foi detalhadamente explicado pelo actual Administrador Executivo da ora Requerente, em sede de declaração de parte, que:

i) A F..., de direito português, passou de SGPS a SA, detendo o investimento da A... no Brasil (o depoente afirmou que na altura manifestou a sua preferência pela constituição de uma sociedade de direito brasileiro que pudesse contar com a participação de todos os participantes do projecto de investimento). A mesma apenas era detentora de participações, pelo que as dificuldades de empréstimo também a afectavam, na medida em que os empréstimos passavam todos pelo Brasil.

ii) A G... era dedicada ao investimento no domínio das energias renováveis, com parceiros H... e a I... (nalguns casos com accionistas comuns à A...) e uma empresa americana para construir uma fábrica de painéis solares, em Portugal. A G... conseguiu financiamento por poder contar com o aval das sociedades participantes no respectivo capital. No entanto, nalguma medida por causa da crise, a mesma decidiu suspendeu a sua actividade ainda hoje estando a pagar os empréstimos então contraídos. A A... dota a sociedade, na situação de “dormente”, dos meios para ir cumprindo os seus créditos, na medida em que a mesma não desenvolve qualquer actividade económica.

iii) A J... é uma empresa de direito namibiano que detém uma participação do K... . A mesma visava desenvolver, a convite da L... (que detinha participações em utilities em ambos os países africanos), projectos de construção de fibra em colaboração com parceiros locais.

iv) A M..., uma sociedade veículo de direito espanhol, com parceiros H..., era detentora de um parque de painéis solares, em Espanha, entre Mérida e Badajoz. Foi alienada em 2015 dando uma mais-valia de aprox. €95.000,00. (Esta mais-valia também foi confirmada pela testemunha B..., contabilista certificado da ora Requerente e responsável pelos registos contabilísticos dos empréstimos contraídos pela A... para suprimentos – v.g., mútuos, contas caucionadas – às suas participadas.)

T. Todas as empresas supra referidas inserem-se no âmbito da actividade da A... . Esta contraiu empréstimos para financiar as empresas do grupo, em virtude de, de um modo geral, ou não haver condições de financiamento para cada uma das sociedades do grupo ou essas condições serem condições adversas. De 2013 para 2014 verificou-se uma redução na ordem dos €1.500.000,00, que se explica por uma mais aprendida, madura e cuidadosa análise de risco, em face de experiências anteriores nem sempre bem-sucedidas.

U. Com efeito, o apoio da Requerente às suas participadas teve uma natureza conjuntural – como se pode atestar pelo facto de, em 2014, o montante global financiado se ter reduzido em mais de 36% relativamente a 2013 (de cerca de 3970 mil euros em 2013 para cerca de 2524 mil euros em 2014) – mas que foi determinante tendo em vista a expectativa de obtenção, ou a garantia de obtenção, de rendimentos sujeitos a IRC no futuro.

V. As decisões de financiamento tomadas pela ora Requerente relativamente às suas participadas tiveram como único objectivo prosseguir o interesse da participante em assegurar a rendibilização dos seus investimentos nas empresas participadas.

X. Todos os encargos suportados pela Requerente com os financiamentos em causa foram assumidos no exclusivo interesse da participante e no contexto do normal exercício da actividade de gestão de activos emergentes de participações que são, real ou potencialmente, produtoras de rendimento para a Requerente.

Z. Observa-se que o número total de empréstimos feitos foi relativamente circunscrito, tendo como destinatários um número limitado de sociedades do grupo, as já referidas sociedades F..., G..., J... e M... . Não se verifica, por ex., a concessão de empréstimos a sociedades alheias ao grupo e à respectiva actividade empresarial. Nem se verifica o exercício sistemático de actividade de concessão de empréstimos com escopo lucrativo. Trata-se, pois, como já se referiu anteriormente, de assegurar, excepcional e prontamente, a disponibilização dos recursos financeiros de que as sociedades carecem pontualmente para o desenvolvimento eficaz da sua atividade.

AA. Também o período durante o qual os empréstimos foram concedidos se mostra limitado, dizendo respeito apenas ao tempo razoavelmente adequado e necessário ao desenvolvimento de projectos específicos realizados maioritariamente no estrangeiro. Estes prolongavam-se frequentemente no tempo e recomendavam ou obrigavam, nalguns casos, à constituição de sociedades de direito local e à garantia do seu pronto e suficiente financiamento, tendo em vista a garantia da sua plena execução num prazo adequado. Isso sucedia apenas enquanto os projectos de investimento estavam a decorrer e na medida estritamente necessária à sua execução.

AB. Como referido pelo actual Administrador Executivo da Requerente, em sede de declaração de parte, a concessão, por parte da Requerente, de empréstimos não remunerados às participadas teve por finalidade a valorização do investimento previamente efectuado por aquela e – independentemente dos riscos implicados – podia (e pôde) permitir aquela valorização através de dividendos futuros e/ou através de mais-valias em caso de alienação das participadas.

AC. Tal finalidade de valorização ficou demonstrada pelo exemplo, já acima citado, que foi dado quer pela testemunha B..., contabilista certificado da Requerente, quer pelo actual Administrador Executivo da Requerente (em sede de declaração de parte): as participações detidas na M..., que foram alienadas em 2015, geraram uma mais-valia na esfera da Requerente de aprox. €95.000,00. (A referida testemunha confirmou, ainda, que não houve distribuição de dividendos.)

AD. Em cumprimento do prazo do artigo 102.º, n.º 1, al. a), do CPPT, a Requerente interpôs o seu pedido de constituição de tribunal arbitral em 11/9/2018.                

 

III.2. Factos não provados

 

33. Não há factos relevantes para a apreciação da causa que não se tenham provado.

 

 

III.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

34. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

35. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

36. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, as provas documental e testemunhal apresentadas, bem como a declaração de parte que foi prestada, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

III.4. Matéria de direito

 

37. A questão decidenda diz respeito à admissibilidade, para efeitos do artigo 23.º do CIRC, da dedução de juros pagos pela A... no âmbito do recurso ao crédito junto de instituições financeiras para em seguida conceder empréstimos não remunerados a um conjunto de sociedades por aquela participada.

 

38. Nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, sob e epígrafe gastos e perdas, na redação em vigor no exercício de 2014, estabelecia-se que “[p]ara a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.” Por seu lado, o n.º 2, alínea c), do mesmo artigo considerava abrangidos por aquele n.º 1 os gastos e perdas de natureza financeira respeitantes a juros de capitais alheios aplicados na exploração. Do que se trata, por isso, é de saber se, no caso concreto, os juros pagos pela A... por créditos contraídos junto de instituições financeiras para dispensar empréstimos não remunerados a sociedades participadas podem ser considerados gastos de natureza financeira respeitantes a juros de capitais alheios aplicados na exploração.

 

39. Importa salientar a importância da colocação do problema, haja em vista que os empréstimos entre sociedades do mesmo grupo, pelo longo, equívoco e fiscalmente questionável historial que apresentam um pouco por toda a parte, devem dar origem a um rigoroso escrutínio por parte da AT e dos órgãos jurisdicionais. Trata-se de uma área especialmente delicada, do ponto de vista jurídico, em que a necessidade de garantir a legalidade tributária e impedir a erosão da base tributável requerem, repete-se, exame cuidadoso de modo a impedir a utilização abusiva das formas jurídicas para fins de elisão fiscal.

 

40. Particularmente sensível é o recurso a empréstimos com juros abaixo do valor de mercado (below-market interest loans) entre entidades relacionadas (v.g.: membros da mesma família; sociedades do mesmo grupo; sociedades, sócios e administradores), podendo algumas montagens consubstanciar uma forma de elisão fiscal (tax avoidance), diminuindo a capacidade contributiva dos sujeitos passivos e potenciando o risco de erosão da base tributável, nomeadamente através da eliminação ou redução substancial dos juros a receber do devedor e do aumento das deduções de juros pagos ao credor.

 

41. Não faltam exemplos, na literatura especializada, de recaracterização de empréstimos concedidos com juros abaixo do valor de mercado como entradas ou aumentos de capital, pagamento de dividendos ou pagamento de indemnizações[1]. No entanto, neste tipo de situações, os factos de cada caso concreto e a substância económica das transacções em presença são muitas vezes determinantes. Paralelamente à análise do artigo 23.º, n.º 1, do CIRS, no segmento pertinente à resolução do caso concreto, será exactamente naqueles dois aspectos essenciais – factos e respectiva substância económica – que se centrará a nossa análise, lançando mão de critérios objetivos e universalizáveis que permitam à AT e aos tribunais examinar e dissecar este tipo de situações em casos comparáveis.

 

42. No entender da AT, a Requerente suportou encargos financeiros, nomeadamente juros, resultantes de empréstimos que contraiu e concedeu empréstimos a associadas e outras entidades, não tendo sido remunerada pelo valor dos empréstimos conque cedidos a empresas associadas. Por esse motivo, não deveriam esses juros ser dedutíveis na íntegra ao lucro tributável da A... para efeitos do artigo 23.º do CIRC. Sustenta a AT, como se pode ler no RIT, que a totalidade dos encargos não está directamente relacionada com a actividade do sujeito passivo, cujo objecto social consiste na fabricação de equipamentos de rádio, e comunicação, estudos, projectos, comercialização, instalação, e conservação de equipamentos de telecomunicações, eléctricos, electrónicos, e construção de obras públicas e particulares.

 

43. Em abstracto, a posição da AT tem mérito indiscutível, na medida em que, tratando-se de pessoas colectivas formalmente distintas, esperar-se-ia que cada uma delas tivesse capacidade de obter os meios de financiamento de que se necessita. Por via de regra, deve sustentar-se que, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, apenas são dedutíveis os custos que respeitem à atividade desenvolvida pelo próprio sujeito passivo de acordo com o seu objeto social.

 

44. Neste sentido se tem pronunciado, e bem, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo[2], quando diz, referindo-se ao dito preceito, que “os custos ali previstos não podem deixar de respeitar, desde logo, a própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.”

 

45. Esta é, na verdade, a regra por defeito. De um modo geral aplica-se o princípio de que cada sociedade de um grupo empresarial é uma entidade jurídica separada e independente com deveres impostos pela legislação aplicável às sociedades comerciais. Qualquer desvio a este princípio deverá ser excepcional e devidamente fundamentado do ponto de vista económico. Esta regra só não valerá se uma análise holística apoiada nos princípios da primazia da substância sobre a forma e da consideração da substância económica das transacções – essenciais à interpretação e aplicação das normas fiscais – justificar a configuração, no caso concreto, de uma solução de sentido diferente.

 

46. A resposta à questão obriga a que se comece por atentar para o teor literal do artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do CIRC, na redação em vigor em 2014. Aí se fala da dedutibilidade de encargos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. Esta redacção é claramente diferente da redacção do mesmo preceito em vigor até ao fim de dezembro de 2013, onde se lia: “Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.

 

47. Esta última formulação apresentava-se mais restritiva, introduzindo a ideia de que além de se tratar de encargos necessários à realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora, os mesmos só seriam dedutíveis se fossem verdadeiramente indispensáveis[3]. Na redacção vigente em 2014 elimina-se o requisito da indispensabilidade, passando a ser suficiente, para sustentar a dedutibilidade, que se trate de encargos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

48. Ainda assim, mesmo esta formulação, embora eliminando o requisito da indispensabilidade do encargo, não admite certamente a dedução de toda e qualquer despesa, mesmo que realizada no interesse da empresa (v.g., pagamento das bodas de casamento à filha do diretor da empresa melhor cliente). O elemento teleológico e sistemático de interpretação obriga a que a dedutibilidade se limite a despesas necessárias e ordinárias, economicamente relacionadas com a exploração. Ou seja, as mesmas podem ser dedutíveis mesmo que não sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos ou para a manutenção da fonte produtora, mas têm sempre que ter uma relação económica de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito com a obtenção e garantia dos rendimentos.

 

49. Trata-se de afirmar a dedutibilidade de despesas que sejam consideradas ordinárias, necessárias e razoáveis para a produção do rendimento – mesmo que não indispensáveis –, para convocar a terminologia anglo-saxónica[4]. Mesmo que não se exija a indispensabilidade do encargo para a sua dedutibilidade, sempre se terá que exigir a sua necessidade e conexão material normal com a actividade da empresa.

 

50. Isso significa que um determinado encargo pode ser subjectivamente considerado, e até vir a revelar-se, adequado e útil à produção de lucros empresariais, mas ainda assim não ser fiscalmente dedutível por não estabelecer objectivamente uma conexão normal com a actividade da empresa. Inversamente, poderão ser dedutíveis os gastos que resultem de actos normais de gestão que, com base na informação conhecida aquando da sua execução, pudessem ter como fim a obtenção esperada de rendimentos ou a manutenção da fonte produtora (física, intangível, financeira ou outra), mesmo que os mesmos se venham a mostrar a posteriori improdutivos.

 

51. A questão de saber se os encargos em causa são dedutíveis nos termos do artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do CIRC – se se trata verdadeiramente de encargos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC – implica a análise dos encargos em presença do ponto de vista das suas necessidade e normalidade, tendo como ponto de referência o objecto social estatutário do sujeito passivo. Importa, igualmente, investigar qual o significado económico e fiscal dos empréstimos contraídos pela A... e concedidos por esta às sociedades do grupo. Na análise subsequente iremos examinar os empréstimos com base nos seguintes critérios:

 

  1. Adequação ao objecto social
  2. Quantidade
  3. Qualidade
  4. Duração
  5. Destino
  6. Finalidade
  7. Necessidade
  8. Significado económico

 

52. Há que tomar na devida consideração o facto de que a A... se dedica à sua actividade em muitos países, tendo já o seu footprint sedimentado em mais de 50 países. Esta empresa tem clientes internacionais importantes (v.g., C..., D..., E...), de quem recebe frequentemente propostas de trabalho desafiando-a a participar no desenvolvimento dos mais variados projectos de desenvolvimento de equipamentos e redes em diferentes países, propostas essas que dificilmente poderia recusar em virtude do peso económico dos clientes que as formulam no quadro da sua carteira de clientes. Para acudir a estas propostas e poder desenvolver as suas actividades, a A... optou, nalguns casos, pela constituição de sociedades subsidiárias, de direito português ou estrangeiro, em parceria com outros sócios, assumindo nelas uma posição de acionista de referência.

 

53. Este último aspecto merece uma nota adicional à luz do direito à liberdade de iniciativa económica privada (art. 61.º, n.º 1, da CRP) e até da liberdade de estabelecimento consagrada no direito da União Europeia (art.  49.º do TFUE). No seu conjunto, estes direitos incluem a possibilidade de uma sociedade comercial optar, no quadro da estratégia económica por ela delineada, pela aquisição de participações sociais ou criação de sociedades filiais, sucursais, agências ou escritórios, tanto no Estado onde tem a sua sede como noutro onde pretenda desenvolver a sua actividade. O direito coloca uma grande variedade de formas jurídicas à disposição dos agentes económicos, de forma a possibilitar-lhes a eficaz prossecução dos respectivos objectivos. Isto, sem prejuízo das diferenças e especificidades no tratamento fiscal que daí possam resultar.

 

54. Os elementos carreados para os autos permitem concluir que a A... não passou a certa altura a dedicar-se à actividade financeira de emprestar dinheiro, não se podendo por isso dizer que a disponibilização de meios de financiamento a algumas sociedades participadas extravasa, por si só, o seu objecto social estatutariamente definido. Os dados factuais disponíveis (v.g., quantidade, qualidade, duração, destino, finalidade e necessidade dos empréstimos) não permitem que se possa falar no caso concreto num desvio ao fim social, nomeadamente passando a A... a conduzir-se, indevidamente, como uma SGPS.

 

55. Por um lado, o número total de empréstimos feitos apresenta-se relativamente circunscrito, tendo como destinatários um número limitado de sociedades do grupo, a saber as sociedades F..., G..., J... e M... . Não se verifica, por exemplo, a concessão de empréstimos a sociedades alheias ao grupo e à respectiva actividade empresarial. Nem se verifica o exercício sistemático de actividade de concessão de empréstimos com escopo lucrativo. Trata-se, acima de tudo assegurar, excepcional e prontamente, a disponibilização dos recursos financeiros de que as sociedades carecem pontualmente para o desenvolvimento eficaz da sua actividade. Os empréstimos, claramente conjunturais, servem uma finalidade económica indesmentível. 

 

56. Por outro lado, o período durante o qual os empréstimos foram concedidos também se mostra limitado, dizendo respeito apenas ao tempo razoavelmente adequado e necessário ao desenvolvimento de projectos específicos realizados maioritariamente no estrangeiro. Estes prolongavam-se frequentemente no tempo e recomendavam ou obrigavam, nalguns casos, à constituição de sociedades de direito local e à garantia do seu pronto e suficiente financiamento, tendo em vista a garantia da sua plena execução num prazo adequado. Isso sucedia apenas enquanto os projectos de investimento estavam a decorrer e na medida estritamente necessária à sua execução. Com efeito, de 2013 para 2014 verificou-se uma redução dos empréstimos concedidos no valor de 36%.

 

57. Os projectos levados a cabo pela A... através das sociedades participadas inseriam-se na estratégia de desenvolvimento económico da empresa e do seu relacionamento com os seus clientes no estrangeiro. Esses projectos envolviam uma prévia avaliação de riscos, dos meios materiais necessários e das condições locais de financiamento, avaliação essa que antecedia a decisão de avançar ou não avançar, e sob que forma, tendo em conta a finalidade lucrativa do grupo. Neste quadro, as decisões de investimento e de contracção e concessão, pontual e excepcional, de empréstimos às sociedades do grupo associadas ao desenvolvimento de projectos específicos inseriam-se numa série de decisões razoáveis e diligentes.

 

58. Os empréstimos foram concedidos tendo em vista a viabilização da atividade principal da A..., ainda que através das subsidiárias, designadamente na área da instalação de redes de telecomunicações e energia. Em lado algum se vislumbra aqui a prossecução de interesses extra-societários, nomeadamente de natureza pessoal dos sócios, ou a prossecução de finalidades alheias ao objecto social. As sociedades financiadas no âmbito de projetos específicos faziam parte do perímetro de consolidação do grupo A..., integrando a respectiva estratégia de investimento e desenvolvimento económico. Estes mesmos dados permitem constatar que as actividades pontuais de empréstimo de dinheiro às sociedades do grupo não foram em momento algum segregadas das demais actividades do sujeito passivo, situando-se claramente no domínio do desenvolvimento das actividades contidas no cerne do respectivo objecto social.

 

59. Igualmente relevante é o facto de terem sido, em boa medida, condicionalismos exógenos à A..., como sejam a dificuldade na obtenção de crédito em tempo útil e a urgência no desenvolvimento dos projectos, que a levaram a recorrer à solução de financiamento encontrada. Para a operacionalização dos projectos, em termos de rapidez e falta de histórico de crédito das sociedades (track-record), era por vezes difícil recorrer ao financiamento local, sendo necessário mobilizar recursos financeiros, através de suprimentos não remunerados, para as sociedades locais.

 

60. Os empréstimos concedidos estavam causalmente relacionados, de forma directa e imediata, com a actividade da A..., sendo justificados por razões conjunturais de necessidade económica genuína, na medida em que as demais alternativas disponíveis poderiam, pela sua incerteza, morosidade e custo acrescido, comprometer, irremediavelmente, não apenas a viabilidade dos projectos de investimento em causa – com consequências negativas no relacionamento com os principais clientes – mas a própria viabilidade da empresa, que poderia ver irremediavelmente comprometida a sua capacidade de obtenção de rendimentos e lucros a curto ou médio prazo, haja em vista a sua dependência de um conjunto restrito de clientes importantes. 

 

61. Neste sentido, os juros suportados eram úteis, adequados e mesmo indispensáveis – à luz do critério do administrador razoável e tendo em conta a informação então disponível – para assegurar à A..., em termos imediatos, a manutenção da sua fonte produtora, ou seja, da sua aptidão geradora de lucros[5]. A viabilidade da própria A... – incluindo o núcleo essencial do seu objecto social – poderia ser afectada se os projetos em causa fossem inviabilizados por falta de financiamento.

 

62. É neste contexto que deve ser entendido o facto de se tratar da concessão de empréstimos não remunerados do grupo. O objectivo não foi o de reduzir o lucro tributável da A..., como prima facie poderia parecer, mas tão-só o de, diante das condições económicas concretas, viabilizar a efectivação de projectos no âmbito do seu objecto societário indispensáveis à subsistência da sua própria capacidade lucrativa.  Esta realidade mostra-se inteiramente conciliável com a jurisprudência do STA que sobre isto tem sustentado que o “requisito de indispensabilidade de um custo tem de ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa[6].

 

63. Ao mesmo tempo, a base factual do caso concreto permite razoavelmente sustentar que os encargos suportados com juros se pautam também pela normalidade. Isto, note-se, não no sentido de que os empréstimos feitos pela A... às sociedades participadas eram habituais e recorrentes – o que manifestamente não era o caso – mas no de que qualquer outra sociedade comercial colocada em situação idêntica consideraria seriamente, à luz de padrões de racionalidade económica geralmente aceites, uma modalidade de financiamento semelhante, com encargos equivalentes. Os empréstimos concedidos às sociedades participadas, na sua excepcionalidade e pontualidade, inseriam-se na prossecução legítima do escopo lucrativo da empresa, sendo os juros suportados pelo sujeito passivo para obter e garantir os rendimentos sujeitos a IRC.   

 

64. Do probatório deduz-se, razoavelmente, que a A... participava objectiva e materialmente na condução da actividade económica das sociedades subsidiárias. Não houve, por isso, qualquer alteração do modelo de negócio ou modificação de facto do objecto social. A parte de leão do tempo e o esforço dedicados pela A... à actividade empresarial relacionava-se, não com a disponibilização de meios de financiamento às sociedades filhas, mas sim com as operações de planeamento e desenvolvimento da actividade de construção de equipamentos de redes de telecomunicações e energia, de forma a atingir, a tempo e horas, os objectivos definidos.

 

65. Os dados carreados para o processo, tanto por escrito como através de depoimento oral, permitem concluir que a A... estava activamente envolvida no desenvolvimento dos projectos de investimento por parte das suas subsidiárias, de forma alguma se podendo dizer que aspirava apenas à obtenção de rendimento passivo. Na verdade, do ponto de vista da substância económica das transacções em causa, pode legitimamente concluir-se que era a A... que de facto desenvolvia actividade económica de forma regular, contínua e substancial, muito embora fazendo-o através do recurso a formas societárias subsidiárias. 

 

66. Do mesmo modo, importa salientar que a relação do sujeito passivo com o devedor ou devedores se subordinava à preocupação fundamental de desenvolvimento técnica e temporalmente adequado dos projectos de investimento do grupo, e não à de obter, das sociedades participadas, uma remuneração pelos empréstimos concedidos. Ao mesmo tempo, também não se afigura plausível sustentar que o principal propósito dos empréstimos concedidos terá sido o de obter vantagens fiscais. Com efeito, à luz dos dados concretamente disponíveis, dificilmente se poderá sustentar que o objectivo oculto dos empréstimos concedidos às sociedades participadas, em condições abaixo do valor de mercado (i.e., sem remuneração), tenha sido de redução dos lucros, o aumento dos juros dedutíveis, a realização de aumentos de capital ou o pagamento de dividendos escondidos à sociedade mãe.

 

67. Estas considerações permitem concluir que os suprimentos não remunerados, longe de corresponderem ao modelo de negócio (business model) da A... ou de representarem uma estratégia de planeamento fiscal (tax planning), eram simplesmente um meio conjuntural de resposta a necessidades de financiamento, essencialmente caracterizado pela necessidade, pontualidade e excepcionalidade.

 

68. Uma análise das circunstâncias concretas do presente caso permite concluir que os empréstimos têm uma justificação económica suficiente, do ponto de vista da sua ligação directa que estabelecem com a actividade principal da A... e com a lógica de grupo que lhe subjaz, caracterizada pela compreensível tentativa de dar uma resposta pronta, eficaz e competitiva aos reptos quase irrecusáveis dos principais clientes e às oportunidades de negócio que se iam abrindo no estrangeiro. Os mesmos revelam-se adequados, necessários e proporcionais à garantia da própria subsistência da actividade empresarial e da sua capacidade de realização do objecto social. Trata-se, pois, de transacções dotadas de substância económica e não de montagens artificiais visando unicamente a redução do lucro tributável, nomeadamente através da produção e dedução de juros excessivos ou da distribuição oculta de dividendos.

 

 

III.4.1. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios

 

69. A Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como de pagamento de juros indemnizatórios. Nos termos disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», de acordo com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

70. Não obstante o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, utilizar a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, há muito que se entende que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

71. Apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, o processo de impugnação admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido», e do art. 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

72. Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. Este entendimento decorre do princípio da tutela jurisdicional efetiva e da correspondente ampliação dos poderes conformadores da jurisdição administrativa e tributária. Por isso, a Requerente tem o direito de ser reembolsada do imposto pago e juros indemnizatórios por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

 

73. No caso, a ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2018..., bem como as respectivas demonstrações de liquidação de juros n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018... e n.º 2018..., e de acerto de contas n.º 2018..., todas associadas à compensação n.º 2018..., resultou da incorrecta aplicação, entre outros, do art. 23.º n.º 1, do CIRC, verificando-se a ausência de fundamento de facto ou de Direito para a correcção realizada à matéria coletável da Requerente relativa ao exercício de 2014.

 

74. A ilegalidade desta liquidação é imputável à AT, pois emitiu-a por sua iniciativa, com errada interpretação da lei. Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT, e 61.º do CPPT, relativamente ao montante a reembolsar. Os juros indemnizatórios são devidos desde a data em que a Requerente efectuou o pagamento até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do art. 61.º do CPPT, do art. 559.º do Código Civil, e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.

 

 

IV. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, decide-se:

  1. Anular a demonstração de liquidação de IRC n.º 2018..., bem como as respectivas demonstrações de liquidação de juros n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018... e n.º 2018..., e de acerto de contas n.º 2018..., todas associadas à compensação n.º 2018..., em virtude da ausência de fundamento de facto ou de Direito para a correcção realizada à matéria colectável da Requerente relativa ao exercício de 2014, por violação do disposto, entre outros, no artigo 23.º do CIRC;
  2. Ordenar o reembolso das importâncias indevidamente pagas pela Requerente a título de IRC no exercício de 2014, no valor de €57.165,06 acrescido do estorno da liquidação de 2014, no valor de €4268,27 que ficou indevidamente retido pela AT, tudo no montante total de €61.433,33;
  3. Condenar a AT ao pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos nos termos do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT.

 

V. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €61.433,33 (sessenta e um mil quatrocentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos), nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de €2448,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros), a pagar pela Requerida, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 11 de abril de 2019.

 

A Árbitro Presidente

 

 

(Fernanda Maçãs)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Jónatas Machado)

 

 

O Árbitro Vogal

 

(Miguel Patrício)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1] Smith, Harmelink, Hasselback, CCH Federal Taxation, Basic Principles, Wolters Kluwer, Chicago, 2017, 4-11 § 4385 ss..

[2] V. nestes termos, Acórdãos do STA, Proc. 0107/11, de 30.11.2011, e Proc n.º 01077/08, de 20.05.2009.

[3] Ainda assim, o critério de indispensabilidade era interpretado de forma que nos parece demasiado aberta. Cfr., 298/2017-T, de 28.11.2017, fazendo equivaler a indispensabilidade aos gastos contraídos no interesse da empresa.

[4] David I. Walker, “Suitable for Framing: Business Deductions in a Net Income Tax System”, 52, William and Mary Law Review, 2011, 1247 ss., 1257 ss..

[5] Em sentido convergente, veja-se a argumentação expedida no Acórdão do CAAD, Processo n.º 644/2014-T, de 21.04.2015. 

[6] Acórdão do STA, Proc. n.º 049/11, de 15.06.2011.