DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Juiz José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Dr. Olívio Mota Amador (Árbitro Vogal) e Dr. Isaque Marques Lameiras Ramos (Árbitro Vogal), designados pelo Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
1. A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., ..., ...-... ..., (doravante designada por “Requerente”) apresentou, em 30-07-2018, um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.ºs 1, alínea a) e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”), solicitando a declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial da autoliquidação de IRC n.º 2016..., relativo ao exercício de 2015, decorrente da submissão da Declaração de Rendimentos Modelo 22 com a identificação n.º..., posteriormente substituída pela Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, com a identificação..., e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018..., apresentada em 30-01-2018, determinando-se o reembolso do montante total de 358 269,31 (trezentos e cinquenta e oito mil duzentos e sessenta e nove euros e trinta e um cêntimos) a título de imposto pago indevidamente, no período de tributação de 2015, correspondente à tributação autónoma liquidada em excesso por não dedução dos benefícios fiscais apurados no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) e à derrama municipal liquidada em excesso por não dedução do Crédito de Dupla Tributação Jurídica Internacional (CIDTJI) referente a países com os quais Portugal celebrou uma Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT).
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite, em 31-07-2018, e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”).
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. As partes foram notificadas das designações dos árbitros, em 19-09-2018, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 10-10-2018.
6. A Requerida, devidamente notificada para o efeito através do despacho arbitral, de 12-10-2018, apresentou a sua resposta, em 14-11-2018, defendendo-se por impugnação e remeteu, na mesma data, o processo administrativo.
7. O Tribunal Arbitral por despacho, de 27-12-2018, dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo concedido às partes prazo para a apresentação de alegações escritas e fixado o dia 15-03-2019 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.
8. As alegações foram apresentadas pela Requerente, em 18-01-2019, e pela Requerida, em 28-01-2019.
9. O Tribunal Arbitral por despacho, de 14-03-2019, transferiu para 08-04-2019 a data limite para a prolação da decisão.
10. A posição da Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações, é, em síntese, a seguinte:
10.1. A Requerente entende que dúvidas não poderão restar quanto à dedutibilidade dos créditos resultantes do SIFIDE à coleta das tributações autónomas, devendo, por essa via, ser ressarcida do montante pago em excesso, em virtude da não dedução de SIFIDE à coleta de tributação autónoma.
10.2. Esse montante respeitará, naturalmente, à diferença entre o montante que foi pago a título de tributação autónoma e o montante devido a título de tributação autónoma após dedução do SIFIDE, ou seja, ao montante de tributações autónomas da Requerente, no valor de € 248.829,29, deverá ser deduzido parte do crédito apurado, a título de SIFIDE de 2013 que transitou para o exercício fiscal aqui em causa – no montante de € 2.036.192,36.
10.3. Mas, independentemente da natureza da tributação autónoma, o cerne da questão reside em saber se o seu montante é apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, uma vez que, se assim for, concluir-se-á que, para determinar o limite da dedução de créditos fiscais, deverá atender-se à coleta de IRC, incluindo a proveniente das tributações autónomas
10.4. Resulta claro para a Requerente que apenas se revela possível concluir que a alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, referindo-se à forma de liquidação do IRC pelo sujeito passivo, através das declarações a que se referem os artigos 120.º e 121.º do CIRC, e aplicando-se a todas as situações previstas no Código, tem necessariamente que se aplicar, de igual modo, à liquidação do montante das tributações autónomas apuradas pelo sujeito passivo.
10.5. A Requerente deduziu, no exercício de 2015, à coleta total de IRC, a título de CIDTJI, o montante de € 1.269.380,93, tendo apurado um montante de € 109.440,02 a título de derrama municipal. Entende, no entanto, a Requerente, que aquando da autoliquidação de IRC em crise, o montante apurado a título de CIDTJI, referente a países com os quais Portugal celebrou CDT, poderia ter sido deduzido ao montante devido a título de derrama municipal
10.6. O CIDTJI apurado pela Requerente, referente a países com CDT, deve ser primeiramente deduzido à coleta da derrama municipal e só depois à coleta de IRC. Assistindo à Requerente o direito de estabelecer a ordem pela qual opera a dedução do CIDTJI de que dispõe. Nada na lei impõe a dedução obrigatória, em primeira linha, à coleta total de IRC e, no caso de a mesma se revelar insuficiente, à coleta de derrama municipal.
10.7. Entende a Requerente que o CIDTJI apurado no exercício de 2015, referente a países com os quais Portugal celebrou CDT deverá ser deduzido, em primeiro lugar, até à concorrência da coleta de derrama municipal, no valor de € 109.440, e o remanescente à coleta total de IRC, no valor de € 1.159.940,91.
10.8. Atendendo ao exposto deve ser restituído à Requerente o imposto indevidamente pago em excesso a título de derrama municipal, no valor de € 109.440, em resultado da não dedução à derrama municipal de CIDTJI, referente a países com CDT.
10.9. A Requerente entende haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da Autoridade Tributária, devidamente publicadas. Ora, na situação objeto do presente pedido, no que respeita à dedução do CIDTJI e do crédito fiscal SIFIDE, a Requerente atuou, quer, no primeiro caso, por imposição da plataforma informática de submissão da Declaração Modelo 22, quer, no segundo, em conformidade com as indicações publicadas pela Autoridade Tributária e com o que estava previsto na própria Declaração Modelo 22 de IRC. Desta forma, caso se verifique a situação supra descrita, confirmando-se o erro imputável aos Serviços, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º da LGT, desde já se requer o pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor.
11. A posição da Requerida, expressa na resposta e nas alegações, pode ser sintetizada no seguinte:
11.1. A integração das tributações autónomas no CIRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspetos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respetivas coletas, por força de obedecerem a regras diferentes.
11.2. Verifica-se uma ligação indissociável entre o montante do crédito de imposto por investimento e a parte da coleta do IRC calculada sobre a matéria coletável baseada no lucro e, a não ser assim, subverter-se-ia a necessária articulação que, no plano material, deve existir - entre os objetivos prosseguidos pelos benefícios fiscais e o seu impacto na própria grandeza que serve de base ao cálculo da matéria coletável e da coleta - o lucro.
11.3. Os valores que traduzam o benefício fiscal em sede de SIFIDE são deduzidos "aos montantes apurados nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência" e na liquidação respeitante ao período de tributação em que se realizem as despesas para o efeito elegíveis e que, na falta ou insuficiência de coleta apurada nesses termos, as despesas que não possam ser deduzidas no exercício em que forem realizadas «poderão ser deduzidas até ao 6.° exercício imediato».
11.4. A coleta a que se refere o artigo 90.° do CIRC, quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte, é apurada com base na matéria coletável que conste nessa liquidação/autoliquidação [cf. artigo 90.°, n.º 1, alínea a) do CIRC]. Sendo o crédito em que se traduz o SIFIDE deduzido apenas à coleta assim apurada, ou seja, à coleta apurada com base na matéria coletável.
11.5. É manifesto o caracter autónomo destas tributações, decorrente da especial configuração dada aos aspetos material e temporal dos factos geradores, os quais impõem, em determinados domínios, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC.
11.6. A integração das tributações autónomas, no CIRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspetos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respetivas coletas, por força de obedecerem a regras diferentes. Cabe, neste contexto, lembrar que a modalidade técnica de crédito de imposto adotada para o SIFIDE e para outros incentivos ao investimento modela o montante do benefício a conceder em função de duas variáveis, por um lado, o montante do investimento (despesas relevantes) e, por outro, a rendibilidade da empresa, o que possibilita premiar as empresas lucrativas. Do exposto resulta que os objetivos e a filosofia que estão subjacentes aos benefícios fiscais ao investimento e, em concreto, ao SIFIDE, são adulterados ao admitir que o crédito de imposto seja exercido por dedução às coletas das tributações autónomas.
11.7. A Requerente labora em erro ao transpor para a derrama municipal a ordem das deduções à coleta do IRC, pois aquela apenas pode ser diminuída por força de uma convenção para evitar a dupla tributação pela sua natureza de imposto sobre o rendimento ainda que com a natureza de imposto dependente. Ao invés do que é afirmado pela Requerente, a ordem das deduções à coleta do IRC tem de ser respeitada, como imperativamente resulta do corpo do n.º 2 – “Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:”.
11.8. A lei não dá a faculdade aos sujeitos passivos de optar pela dedução do CIDTJI relativamente aos demais benefícios, tendo de ser observada a ordem legalmente estabelecida. E, sendo o IRC o imposto principal e, nessa medida, hierarquicamente superior ao imposto dependente, deverá iniciar-se a dedução do CIDTJI por aquele, i.e., pelo IRC.
11.9. Não se verificando, nos presentes autos, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer direito a juros indemnizatórios
12. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre decidir.
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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A Requerente é uma sociedade comercial anónima de direito português, com sede e direção efetiva em território nacional, que se dedica no âmbito do seu objeto social à atividade de engenharia e técnicas afins estando sujeita a IRC, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 3.º, n.º 4, do CIRC e sendo um contribuinte de elevada relevância económica e fiscal na aceção do artigo 68.º-B da LGT (vd., Processo Administrativo fls. 3);
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A Requerente entregou, em 31-05-2016, a Declaração de Rendimentos de IRC Modelo 22, referente ao período de tributação de 2015, com o n.º de identificação ... . (vd., Documento n.º 6 junto ao Pedido de Pronúncia Arbitral).
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A Requerente entregou, em 14-09-2017, a Declaração de Rendimentos de IRC Modelo 22 de Substituição, referente ao período de tributação de 2015, com o n.º de identificação ...(vd., Documento n.º 7 junto ao Pedido de Pronúncia Arbitral).
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Na Declaração de Rendimentos, identificada no n.º anterior, a Requerente apurou: (i) Lucro tributável no montante de € 7.296.001,65 (campo 778, quadro 07); (ii) Coleta de IRC, no valor de €1.532.160,35 (campo 373, quadro 10); (iii) Derrama Estadual, no valor de € 173.880,05 (campo 364, quadro 10,); (iv) Derrama Municipal, no valor de € 109.440,02 (campo 778, quadro 07); (v) Tributações Autónomas no valor de € 248.829,29 (campo 365, quadro 10); (vi) Dedução à coleta total de IRC, a título de CIDTJI, no montante de € 1.269.380,93 (campo 07 quadro 14,); (vii) Dedução a título de SIFIDE no montante de € 434.498,24 (campo 711, quadro 07, do Anexo D). (vd., Documento n.º 7 junto ao Pedido de Pronúncia Arbitral e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
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A Requerente, em 30-01-2018, apresentou reclamação graciosa dirigida ao Diretor de Finanças do Porto, que recebeu o n.º 2018..., para anular a autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2015, por não se conformar com a impossibilidade de dedução do SIFIDE à coleta de IRC resultante das tributações autónomas e pela ausência de base legal que impeça a dedução de CIDTJI referente a países com CDT, em primeiro lugar, à derrama municipal e só depois à coleta total de IRC (vd., Documento n.º 3 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
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A Requerente foi notificada, através de ofício da Unidade dos Grandes Contribuintes, de 29-03-2018, para exercer o seu direito de audição prévia, nos termos do artigo 60.º, n.º 1, alínea b) da LGT, mas não o fez (vd., Documentos n.s º 4 e 1 juntos ao pedido de pronúncia arbitral);
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A Requerente foi notificada, por ofício de 03-05-2018, do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, identificada no n.º 5 supra, proferido pelo Chefe de Divisão do Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, por delegação de competências, em 02-05-2018, exarado na Informação n.º...-AIR1/2018 (Vd., Documento n.º 1 junto ao pedido de pronúncia arbitral).
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto cabe ao Tribunal o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada, não tendo que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
B. DO DIREITO
§1. Questões decidendas
A questões a decidir nos presentes autos arbitrais consistem em saber se deve ser reconhecido à Requerente o direito a deduzir: (i) os benefícios fiscais, a título de SIFIDE, à coleta produzida por tributações autónomas; (ii) o CDTJI referente a países com CDT até que se esgote, em primeiro lugar, a derrama municipal e posteriormente à coleta de IRC.
§2. Dedução dos benefícios fiscais, a título de SIFIDE, à coleta produzida por tributações autónomas
Relativamente à primeira questão decidenda acima enunciada, o Tribunal entende reiterar, quanto à diferenciação de natureza entre as figuras da tributação autónoma e do IRC, a posição adotada de forma uniforme pela jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo e também da Doutrina no sentido de que as tributações autónomas são um imposto sobre a despesa diferente e distinto do IRC enquanto imposto sobre o rendimento.
Neste aspeto a Decisão Arbitral n.º 111/2018-T, de 10 de janeiro de 2019, afirma: “As tributações autónomas são um imposto sobre a despesa diferente e distinto do IRC que, indiscutivelmente, é um imposto sobre o rendimento. Isto sem se discutir se as tributações autónomas têm ou não natureza – semelhanças – com o IRC. É que independentemente das possíveis semelhanças não há dúvida que são impostos diferentes.
Esta jurisprudência foi iniciada há já 7 anos no tribunal constitucional com o voto de vencido do Exmo. Conselheiro Vítor Gomes, aposto no Acórdão n.º 204/2010. No Acórdão n.º 310/12, de 20 de Junho, o Tribunal Constitucional reformulou a doutrina do Acórdão n.º 18/11 aproximando-se do então voto de vencido do Conselheiro Vítor Gomes.
Esta jurisprudência foi mais tarde reafirmada pelo Plenário, no Acórdão
n.º 617/2012, processo n.º 150/12, de 31/1/2013 e, recentemente, no Acórdão n.º 197/2016, proferido no âmbito do processo n.º 465/2015.
No mesmo sentido tem andado o Supremo Tribunal Administrativo como se confirmará, entre outros, no Acórdão de 21/3/2012, processo 830/11, de 21/3/2012.
A doutrina também acompanha esta posição.
De Sérgio Vasques, em nota de rodapé 60, página 342, do seu Manual de Direito Fiscal Almedina, 2015, a Rui Morais nos Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pp. 202-203, passando pelo Professor Casalta Nabais no seu Direito Fiscal, 8.ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, p. 542 e pela Professora Ana Paula Dourado nas Direito Fiscal, Lições, 2015, pp. 237 ss. Todos reiteram a posição já sufragada pelos tribunais portugueses. A tributação autónoma e o IRC são impostos diferentes.
Tem sido este o entendimento seguido em várias decisões, nomeadamente a decisão arbitral proferida pelo colectivo presidido pelo Senhor Conselheiro Carlos Alberto Cadilha no âmbito do processo n.º 7/2018-T de 3 de Julho de 2018: “A tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas)”.
Esta tese foi transposta para a lei de forma inequívoca pelo próprio legislador quando na redacção introduzida ao artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a), do Código do IRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, se passa a dizer que “não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável» «o IRC, incluindo as tributações autónomas”. Que sentido faria deixar claro na lei que a tributação autónoma e o IRC não são dedutíveis ao lucro tributável se as tributações autónomas fizessem parte do IRC? Se assim fosse os Acordos para Evitar a Dupla Tributação teriam as tributações autónomas incluídas onde se refere o IRC o que, como se sabe, não sucede. Essa é de resto a razão pela qual Portugal tem vindo a incluir as tributações autónomas na lista de impostos abrangidos. Assim, em face do exposto pode desde já concluir-se, de forma singela, que se o legislador fiscal entendesse que o IRC incluía as tributações autónomas não teria tido necessidade de distinguir as duas realidades, pois esse IRC já incluiria necessariamente as tributações autónomas.
E não é pelo facto de a tributação autónoma estar inserida no Código do IRC que as duas realidades se devem confundir.
Recorde-se que a tributação autónoma foi introduzida pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, não tendo sido imediatamente inserida no Código IRC. O legislador só 10 anos depois do surgimento da tributação autónoma decidiu introduzi-la no Código IRC através da Lei n.º 30-G/2000 de 29 de Dezembro. O que o legislador procurou com esta sistemática foi um efeito anestesiador, já que, não obstante as tributações autónomas serem liquidadas independentemente do IRC, são autoliquidadas juntamente com a declaração do IRC, através do modelo 22. Quanto a esta questão o Tribunal Constitucional considerou, nos Acórdãos n.ºs 18/2009 e 85/2010, que a tributação autónoma poderia estar inserida em qualquer outro código ou diploma autónomo.
E as realidades são diferentes desde logo porque os objectivos são diferentes.
No IRC visa-se a tributação do rendimento sob o escrutínio da capacidade contributiva.
Já a tributação autónoma teve, pelo menos originariamente, dois objectivos bem diferentes sempre sob a legitimação do princípio da igualdade tributária.
O primeiro o de tributar na esfera das empresas o que não se consegue tributar em sede de IRS e o segundo o de desincentivar a realização de certas despesas ou de certos comportamentos. A este propósito o professor Saldanha Sanches chegou mesmo a afirmar que “Neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal que se encontra na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial” acrescentando ainda que na “«(...) designação de “tributações autónomas", escondem-se realidades muito diversas (...)»” (Manual de Direito Fiscal, 3.“ edição (2007), Coimbra Editora, pág. 406/7). O Professor Guilherme de Oliveira Martins afirma que as tributações autónomas “(…) cumprem, no essencial, duas funções: por um lado, evitar a erosão da base tributável em sede de IRC, fazendo incidir tributação sobre encargos que podem ser deduzidos pelos sujeitos passivos de IRC, mas que, sendo-o, se transformam num agravamento da tributação, pretendendo, portanto, servir como desincentivo à despesa com tais encargos; outros tipos de tributações autónomas visam, pura e simplesmente, penalizar comportamentos presuntivamente evasivos ou fraudulentos dos sujeitos passivos, consubstanciando um mecanismo antiabusivo.”.
Neste sentido, a decisão arbitral proferida pelo colectivo presidido pelo Senhor Conselheiro Carlos Alberto Cadilha no âmbito do processo n.º 641/2017-T: “as taxas de tributação autónoma têm a natureza de normas anti-abuso e destinam-se a desencorajar certas situações especiais que visem obter uma diminuição da carga fiscal mediante a dedução de custos que se presume não serem determinados por uma causa empresarial”.
A tributação autónoma visa apenas certas despesas tipificadas na lei fiscal, e não a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respectivo exercício económico, visam então tributar uma vantagem patrimonial obtida, via de regra, através da realização destas despesas e que se traduz, consequentemente, na diminuição do lucro tributável. O IRC visa, por seu turno, tributar o rendimento real do sujeito passivo atendendo à sua capacidade contributiva.
Há que lembrar que é unanimemente aceite quer pela jurisprudência, quer pela doutrina, que as taxas autónomas de IRC (e IRS) são um tributo de obrigação única distinto dos próprios IRC e IRS, impostos de formação sucessiva. Há também que relembrar que a autonomia das taxas autónomas resulta de possuírem um facto gerador radicalmente distinto do IRS/IRC, de obedecerem a regras de liquidação próprias e de servirem finalidades muito específicas.
O legislador tem vindo a alargar o âmbito da tributação autónoma, tendo passado a incluir os encargos relativos a indemnizações pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estes cessem funções, e, bem assim, os encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas ultrapassem certos limiares. O que se mostra justificado como uma forma de assegurar “uma distribuição mais justa dos encargos tributários e a uma moralização progressiva das políticas remuneratórias das empresas”.
Com efeito, as finalidades das tributações autónomas são hoje variadas mas, no que têm de mais importante, insista-se, elas servem para garantir a igualdade tributária garantindo a sujeição a imposto de valores que, sendo despesa na esfera das empresas, prefiguram rendimento na esfera de terceiros e prevenindo o planeamento abusivo pelo recurso a paraísos fiscais. Estes objectivos são de superlativa importância para garantir a justa distribuição dos rendimentos e da riqueza a que apela o artigo
103.º, n.º 1, CRP.”
Assim, a dedução à coleta é uma realidade inerente ao IRC enquanto imposto baseado nos princípios da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real. Só que o mesmo não acontece relativamente à coleta devida por tributações autónomas, aliás a dedução de tais encargos, caso se verificasse, eliminaria o sentido anti abusivo que as caracteriza.
As tributações autónomas são cobradas no âmbito do processo de liquidação do IRC sem, no entanto, se descaracterizarem e perderem sua raiz dogmática própria.
Em suma, as tributações autónomas, que incidem sobre certas despesas, funcionam de modo diferente do que constitui o escopo do IRC ao tributar rendimentos.
No desenvolvimento desta posição a citada Decisão Arbitral n.º 111/2018-T refere o seguinte: “Nada se diz na lei se o que está no artigo 90.º do Código do IRC, sob a epígrafe “Procedimento e Forma de liquidação” se aplica às duas realidades – IRC e tributação autónoma – ou a uma só e a qual. Porém, no entender deste Tribunal duma interpretação teleológica e sistemática da lei resulta claro que o n.º 1 do artigo 90.º - que encerra o procedimento de liquidação – se aplica quer ao IRC quer às tributações autónomas. Já o n.º 2 do mesmo artigo – que encerra a forma de liquidação – reporta-se aos casos da matéria colectável referida no artigo 15.º do CIRC, ou seja, ao IRC.
Para melhor compreender esta conclusão será necessário perceber que foi estabelecido no então n.º 6 do artigo 109. ° do Código do IRC, actual artigo 117.°, que a obrigação de apresentar a declaração periódica de rendimentos abrange as entidades isentas de IRC, quando estejam sujeitas a tributação autónoma. E para determinados efeitos – designadamente para efeitos das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90. ° do Código do IRC ou do cálculo dos pagamentos por conta ou ainda do Resultado da Liquidação (artigo 92.°) - ficou, então, ao cuidado do intérprete e do aplicador da lei a tarefa de identificar a parte relevante de colecta do IRC. Isto extraindo dos normativos aplicáveis um sentido útil, literalmente possível, que permita uma solução coerente e conforme com a natureza e funções atribuídas a cada componente do imposto. Pois bem, é aqui que há que ter cautela.
Quando se trata das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.° do Código IRC, parece defender a Requerente que a expressão “montante apurado nos termos do número anterior” deva ser entendida como abrangendo o somatório do montante do IRC, apurado sobre a matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e às taxas previstas no artigo 87.° do mesmo Código, e o montante das tributações autónomas, calculado com base nas regras previstas no artigo 88.°. Ora, o resultado desta interpretação implicaria desde logo e de uma forma muito singela que na base de cálculo dos pagamentos por conta definida no n.º 1 do artigo 105.º do Código do IRC, e em termos idênticos aos utilizados no n.º 2 do artigo 90. °, fossem incluídas as tributações autónomas. Com efeito, para a base de cálculo dos pagamentos por conta apenas é considerado o IRC apurado com base na matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e as taxas do artigo 87.º do respectivo Código. E aqui não há qualquer diferendo nem na Doutrina nem na jurisprudência. Pois que, é de salientar que a coerência e adequação deste entendimento alicerça-se na própria natureza dos pagamentos por conta do imposto devido a final, os quais, de acordo com a definição do artigo 33.° da LGT são “as entregas pecuniárias antecipadas que sejam efectuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário”, constituindo uma “(...) forma de aproximação do momento da cobrança ao do da percepção do rendimento de modo a colmatar as situações em que essa aproximação não pode efectivar-se através das retenções na fonte”. Portanto, só faz sentido concluir que a respectiva base de cálculo corresponda ao montante da colecta do IRC resultante da matéria colectável que se identifica com o lucro/rendimento do exercício do sujeito passivo.
Aqui, este Tribunal acompanha o que defende a Requerida insistindo-se de que a única (e consistente) interpretação da expressão “montante apurado nos termos do número anterior” com a natureza das deduções referidas nas alíneas nas alíneas do n.º 2 do artigo 90. ° do Código do IRC, relativas a:
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créditos de imposto por dupla tributação internacional jurídica e económica (actuais alíneas a) e b));
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benefícios fiscais (actual alínea c));
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pagamento especial por conta (actual alínea d));
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e retenções na fonte (actual alínea e)).
Na realidade, faz-se notar que o traço comum a todas as realidades reflectidas nas deduções referidas no n.º 2 do artigo 90. ° do Código do IRC reside no facto de respeitarem a rendimentos ou gastos incorporados na matéria colectável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas.”
Este Tribunal considera que no cálculo das tributações autónomas não cabem quaisquer deduções sendo a respetiva liquidação efetuada nos termos dos artigos 88.º e 89.º e do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC. Consequentemente, o legislador no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC refere-se apenas à matéria coletável constante do artigo 15.º do CIRC. O facto do procedimento de liquidação previsto no n.º 1 do artigo 90.º do CIRC se aplicar também às tributações autónomas não implica direta e necessariamente que o mesmo ocorra com o n.º 2 do referido artigo 90.º.
Importa analisar agora se o SIFIDE, enquanto regime de apoio ao investimento que é concretizado em deduções à coleta do IRC, se reporta ou não à coleta de IRC stricto sensu.
O SIFIDE foi primeiro aprovado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, e sucessivamente previsto nos artigos 33.º a 40.º do Código Fiscal do Investimento e nos artigos 35.º a 42.º do Código Fiscal do Investimento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro.
O SIFIDE permite às empresas a obtenção de um benefício fiscal, em sede de IRC, proporcional à despesa de investimento em investigação e desenvolvimento que consigam evidenciar, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido. Assim, o benefício a obter com o SIFIDE traduz-se na possibilidade de deduzir à coleta de IRC apurada no exercício, um montante de crédito fiscal que resulta do somatório das seguintes parcelas: Taxa base: 32,5% das despesas realizadas no exercício; Taxa incremental: 50% do acréscimo das despesas realizadas no exercício face à média aritmética simples das despesas realizadas nos dois exercícios anteriores, até ao limite de € 1.500.000.
Os valores que traduzam o benefício fiscal em sede de SIFIDE são deduzidos “aos montantes apurados nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência” e na liquidação respeitante ao período de tributação em que se realizem as despesas para o efeito elegíveis e que, na falta ou insuficiência de coleta apurada nesses termos, as despesas que não possam ser deduzidas no exercício em que forem realizadas “poderão ser deduzidas até ao 6.° exercício imediato”.
Tal como Decisão Arbitral supra citada refere. “É que não nos podemos nunca olvidar que as normas que disciplinam benefícios como o SIFIDE possuem natureza excepcional e só podem reconhecer-se como válidas quando a derrogação que tragam ao princípio da igualdade seja necessária, adequada e proporcionada ao fim extrafiscal que lhes está subjacente.
Não vale, portanto, a pena entrar na discussão, por despicienda, de saber se estamos ou não perante um benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais. Claro que sim, caso contrário não se teria aprovado o regime do SIFIDE. A questão é a de saber que receita fiscal é que foi cedida em função de investimento? Receitas decorrentes de um imposto que admite deduções e que obedece ao princípio de capacidade contributiva e que premeia quem investe, mas quem gera imposto admitindo que quem mais lucro obtiver mais pode investir. Ou o que se quis (e se admitiu) foi ceder receita decorrente de um imposto sobre a despesa que sob a alçada do princípio da igualdade tributária obriga a quem tem comportamentos desviantes – como pagamento com ajudas de custo ou despesas de representação, ou mesmo pagamentos a entidades residentes em paraísos fiscais – deixe de pagar esse imposto em virtude de ter despesas de investimento?
Não restam dúvidas que foi o primeiro.
Tanto assim é que a alteração introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2018 alterou a redacção do artigo 88.º do Código do IRC no sentido de que não são efectuadas quaisquer deduções ao montante devido das tributações autónomas ainda que estas provenham de legislação especial como o SIFIDE. Ora, mesmo sem se lançar mão do carácter interpretativo dado pelo legislador novamente ao n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC é claro que o legislador – que relembre-se, é sempre o mesmo, a Assembleia da República –, quis elucidar o que de resto já resultava da lei.
E até aqui, se não havia qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento para 2016, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» que consta de uma norma especial de um diploma avulso, como é o SIFIDE II, é agora claro com a nova redacção do n.º 21 do artigo que não são permitidas quaisquer deduções à colecta das tributações autónomas mesmo que estas provenham de legislação especial.
Na tese que este Tribunal sufraga, o legislador, ao aditar este n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC, com o conteúdo mencionado, limitou-se a acolher e a reforçar o sentido interpretativo que já resultava das normas vigentes.”
Atendendo ao exposto revela-se improcedente o alegado pela Requerente relativamente à dedução dos benefícios fiscais, a título de SIFIDE, à coleta produzida por tributações autónomas.
§3. Dedução do CDTJI referente a países com os quais Portugal celebrou CDT até que se esgote, em primeiro lugar, a derrama municipal e posteriormente à coleta de IRC.
A segunda questão decidenda prende-se com a possibilidade de ser efetuada a dedução do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional referente a países com CDT esgotando primeiramente a coleta da derrama municipal e deduzindo o remanescente à coleta total de IRC.
A questão prende-se com a inclusão da derrama municipal na expressão constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC para efeitos de CIDTJI, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 90 do CIRC.
Este Tribunal considera que a derrama municipal é um imposto acessório do IRC, atualmente configura-se como um adicionamento, incidindo sobre o lucro dos sujeitos passivos deste imposto. Assim, o texto da lei ao referir-se a “fração” do IRC é suscetível de abranger a derrama municipal.
Quanto a esta questão o Tribunal partilha, o entendimento constante da Decisão Arbitral n.º 340/2017-T, de 10 de janeiro de 2018, que afirma: “Há que começar por assinalar que esta expressão permanece inalterada no texto legal desde a primitiva redação do CIRC. O que assume particular relevo interpretativo porquanto, inicialmente, o crédito de imposto por dupla tributação internacional apenas era conferido aos rendimentos oriundos de países com os quais Portugal tivesse em vigor uma CDT.
Ou seja, na redação inicial da norma, a expressão “fração de imposto” tinha, necessariamente e em todos os casos, que ser interpretada em conformidade com os textos convencionais, os quais, no seu n.º 2 (impostos visados), independentemente da formulação em concreto utilizada, abrangem a derrama municipal.
Quando, mais tarde, o legislador decidiu que Portugal, enquanto país da residência, passaria a atribuir, unilateralmente (ou seja, independentemente da existência de uma CDT) um crédito de imposto por dupla tributação internacional, não alterou a expressão “fração do IRC”. Ou seja, a análise da evolução do elemento literal não permite, em momento algum, surpreender uma vontade legislativa de distinguir entre a efetivação (as coleta às quais pode ser deduzido) do crédito de imposto nas situações em que existe uma CDT e aquelas em que não existe (em que a concessão de tal crédito é unilateral, resultante da lei interna).
O elemento teleológico da interpretação também não aponta no sentido defendido pela Requerida. A decisão de Portugal passar a conceder, unilateralmente (i. e., na ausência de uma CDT que o imponha), aos seus residentes com rendimentos oriundos do estrangeiro, um crédito em razão do imposto pago nos países da fonte dá expressão ao chamado princípio da neutralidade na exportação: “os sujeitos passivos que obtenham rendimentos noutros estados devem ficar abrangidos por um tratamento fiscal similar ao aplicável àqueles cujos rendimentos sejam obtidos exclusivamente no estado de residência”. Está, pois, em causa uma igualdade entre residentes, que não deve resultar limitada por interpretações restritivas da lei, por interpretações que restrinjam a possibilidade efetiva de dedução de um tal crédito.
Por último, haverá que considerar o elemento sistemático da interpretação que se traduz em apurar qual a interpretação que se afigura mais coerente com o sistema jurídico em que a norma se insere, considerado no seu todo
Ou seja, mesmo que se possa entender que tais compromissos internacionais não vinculam diretamente o legislador fiscal, o intérprete não poderá deixar de os ter presentes, em nome da unidade do sistema jurídico, considerado no seu todo. A interpretação que assegura a coerência do sistema jurídico é, certamente, a que corresponde “à solução legal mais acertada” que é suposto ter sido acolhida pelo legislador (n.º 3 do art.º 9.º do Código Civil)
Finalmente, e ainda no quadro do elemento racional/teleológico da interpretação, não se poderá deixar de se ponderar o absurdo que consiste em pretender manter intacta a coleta da derrama municipal em situações em que tal conduziria a uma dupla tributação internacional do rendimento. Diríamos mesmo que, racionalmente, seria esta a coleta relativamente à qual deveria ser efetivada, em primeiro lugar, a dedução correspondente ao crédito por dupla tributação internacional. Na realidade, a derrama municipal visa dotar as autarquias de recursos financeiros próprios, obtidos através de impostos incidentes sobre aqueles que realizam atividades lucrativas na área de determinado município. Assim sendo, indo além da questão concreta em análise, parece destituído de fundamento razoável exigir o pagamento de um tal imposto relativamente a atividades exercidas fora do território nacional. O que, por maioria de razão, reforça o entendimento de que o pagamento deste tributo deve ser “eliminado” por dedução de créditos por dupla tributação internacional sempre que a coleta de IRC, stritcto sensu, não se mostre suficiente para os absorver na totalidade, como acontece no presente caso.”
Atendendo ao exposto a expressão “fração do IRC” constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC deve incluir a coleta da derrama municipal e, em consequência o crédito por dupla tributação internacional pode ser deduzido à fração da coleta de tal imposto originado por rendimentos obtidos no estrangeiro.
Neste ponto considera-se procedente o alegado pela Requerente.
§4. Restantes pedidos
A par da anulação da liquidação e consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas, a Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.
No artigo 100.º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, estabelece-se que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”
O caso constante nos presentes autos suscita a aplicação das mencionadas normas, posto que na sequência da ilegalidade parcial do ato de liquidação, referenciado neste processo, terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, a título de imposto, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.
Assim, face ao estabelecido no artigo 61.º do CPPT e preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços relativamente à derrama municipal liquidada em excesso por não dedução do CIDTJI referente a países com CDT e que resultou o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data de pagamento relativo à parte da liquidação anulada.
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
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Julgar improcedente o pedido de anulação do ato de liquidação de IRC objeto dos autos na parte relativa às correções decorrentes de tributação autónoma nos termos peticionados em i), do pedido de pronuncia arbitral;
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Julgar procedente o pedido de anulação do ato de liquidação de IRC objeto dos autos na parte relativa às correções decorrentes da derrama municipal liquidada em excesso por não dedução do crédito de imposto por dupla tributação internacional, referente a países com Convenção de Dupla Tributação, conforme peticionado em ii), do pedido de pronuncia arbitral;
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Anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa na parte relativa às correções decorrentes da derrama municipal liquidada em excesso por não dedução do crédito de imposto por dupla tributação internacional, referente a países com os quais Portugal celebrou Convenção para Evitar a Dupla Tributação;
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Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios, na parte referente derrama municipal liquidada em excesso por não dedução do crédito de imposto por dupla tributação internacional referente a países com Convenção de Dupla Tributação e que resultou o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 358 269,31 (trezentos e cinquenta e oito mil duzentos e sessenta e nove euros e trinta e um cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 6 120,00 (seis mil cento e vinte euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar por ambas as partes na proporção dos respetivos decaimentos, ou seja, 69,5% a cargo da Requerente e 30,5%, a cargo da Requerida [artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT; 4.º, n.º 4 do RCPAT e Tabela I anexa e com a regra geral processual em matéria de custas constante do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil].
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 5 de abril de 2019
O Árbitro Presidente
(Juiz José Poças Falcão)
O Árbitro Vogal
(Dr. Olívio Mota Amador)
O Árbitro Vogal
(Dr. Isaque Ramos)