DECISÃO ARBITRAL
Na sequência do Acórdão n.º 17/18.9BCLSB proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul e transitado em 12 de novembro de 2018, procede-se à pronúncia de nova decisão arbitral.
RELATÓRIO
1. Em 6 de Junho de 2017, A..., contribuinte n.º..., com representante fiscal residente na Rua..., n.º.... ..., no Porto, adiante designado por Requerente, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).
2. O Requerente é representado, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária, Dr.ª B..., e a Requerida é representada pelos juristas, Dr. C... e Dr. D... .
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida em 12 de Junho de 2017.
4. Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, o Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade do acto de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis com o n.º 2016..., referente ao ano de 2016, no montante de € 159,96 (cento e cinquenta e nove euros e noventa e seis cêntimos) incidente sobre o imóvel inscrito sob o artigo ..., fracção autónoma designada pela letra “B”, da União das Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., com a sua consequente anulação, e pagamento de juros indemnizatórios.
5. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo o Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o signatário.
6. O Árbitro aceitou a designação efectuada, tendo o tribunal arbitral sido constituído no dia 18 de Agosto de 2017, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme acta da constituição do tribunal arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.
7. Depois de notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua resposta, a 26 de Setembro de 2017.
8. Atendendo à inexistência de necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, o Tribunal notificou as partes, através de despacho de 25 de Outubro de 2017, para se pronunciarem sobre a eventual dispensa na realização da reunião do artigo 18.º do RJAT e da produção de alegações, designando, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, o dia 9 de Fevereiro de 2018 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo, ainda, advertido a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
9. No dia 26 de Outubro de 2016, a Requerida apresentou um requerimento no qual, em resposta ao despacho identificado em 8, manifesta a vontade de prescindir da realização da reunião do artigo 18.º do RJAT, não prescindindo, contudo, da apresentação das alegações escritas.
10. Face a tal requerimento, o Tribunal, através de despacho de 17 de Novembro de 2017, concedeu o prazo de 15 dias sucessivos para a Requerente e Requerida, por esta ordem, apresentarem as correspondentes alegações por escrito, mais determinando o início do prazo da Requerida com a notificação das alegações da Requerente ou do termo do prazo para o efeito.
11. No dia 22 de Novembro de 2017, a Requerente, através de requerimento, declarou prescindir da faculdade de apresentar alegações.
12. A Requerida, no dia 29 de Novembro de 2017, apresentou as suas alegações.
13. No dia 8 de fevereiro de 2018, foi proferida decisão arbitral no sentido de “julgar procedente o pedido formulado pelo Requerente (…) quanto à ilegalidade do acto de liquidação de IMI referente ao ano de 2016, constante do documento com o n.º 2016..., no valor total de € 159,96 (cento e cinquenta e nove euros e noventa e seis cêntimos) a que foi sujeito, relativamente o imóvel inscrito sobre o artigo ...-B, fracção “B”, da União das Freguesias de..., ..., ..., ..., ... e...” e, em consequência, “ julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar ao Requerente o valor do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tal pagamento foi efetuado até à data do integral reembolso do mesmo.» e condenar a Requerida no pagamento das custas arbitrais.
14. A Requerida, inconformada com a decisão arbitral referida no ponto anterior, interpôs recurso da mesma, junto do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), defendendo que a mesma «padece de nulidade pelo facto de ter omitido pronúncia relativamente a três questões sobre as quais se deveria pronunciar [artigo 28.º/1-c), 2.ª parte do RJAT]»
15. O Tribunal Central Administrativo do Sul julgou, em 11 de outubro de 2018, «procedente a (…) impugnação», declarou «nula a decisão arbitral proferida (…)» e em consequência, ordenou «a baixa dos autos ao Centro de Arbitragem Administrativa», por entender que a mesma padece de omissão de pronúncia sobre uma das três questões suscitadas pela Requerida que é a relativa à «interpretação veiculada pelo impugnado, incidente sobre a liquidação de IMI, objeto do processo, violar os princípios da igualdade tributária, da justiça fiscal, da capacidade contributiva, da autonomia local e da participação da decisão, a par de padecer de inconstitucionalidade orgânica».
16. Este Tribunal Arbitral teve conhecimento do teor do referido Acórdão (proferido pelo TCAS), em 5 de dezembro de 2018 (data da reabertura do processo no CAAD).
II. O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
O Requerente sustenta o pedido de anulação das liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) referente ao ano de 2016, constante do documento com o n.º 2016..., no valor total de € 159,96 (cento e cinquenta e nove euros e noventa e seis cêntimos) a que foi sujeito, relativamente ao imóvel inscrito sobre o artigo ...-B, fracção “B”, da União das Freguesias de..., ..., ..., ..., ... e ..., por ilegal, por enfermar nos seguintes vícios:
a) Erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto, entende o Requerente que «[d]ispõe a al. n) do n.º 1 do art.º 44.º do EBF que estão isentos de IMI “Os prédios classificados como monumentos nacionais e prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável.” Na redacção anterior, o normativo contemplava todos os imóveis que integrassem determinado conjunto urbano de interesse público, e só com o Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho é que o legislador passou a fazer referência a imóveis individualmente classificados. Sem concretizar, o sentido da expressão “imóveis individualmente classificados” (…) Assim, como o Estatuto dos Benefícios Fiscais [também] não nos dá o conceito de prédio individualmente classificado o mesmo há-de ser preenchido de acordo com as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (cfr. art. 11.º da LGT).»
b) Continua, o Requerente, nesta acepção, por referir que: «reconstituindo o pensamento legislativo, cremos que o legislador não quis excluir do benefício fiscal todos os imóveis que integrem um conjunto urbano, mas apenas e tão só aqueles imóveis que não integrando um conjunto urbano, e por si só a título individual não possam ser classificados pelo Ministério da Tutela (Ministério da Cultura). Pois de outra forma, inexiste a possibilidade de classificação de imóveis, como sendo imóveis de interesse público. Essa possibilidade decorre desde logo do facto de o Ministério da Cultura, ao abrigo da Lei de Bases do Património, Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, apenas atribuir a classificação a conjuntos urbanos. Nunca atribuindo a classificação de bens imóveis de interesse público a imóveis individuais, que não sejam monumentos, como pretende a AT.»
c) Continua o Requerente, mencionando que « [n]a hipótese em escrutínio, o Ministério da Cultura, ao abrigo da Lei de Bases do Património, atribuiu ao conjunto designado por Centro Histórico do Porto, a classificação de monumento nacional, integrado na lista do Património Mundial da UNESCO em 05.12.1996 (…), uma vez que se trata de um aglomerado urbano que corporiza um conjunto com interesse cultural que demarca uma concreta circunscrição geográfica da cidade do Porto, sendo o artigo ...-B, da União de Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e..., uma parte integrante desse bem imóvel, com a denominação de conjunto de interesse público, afastando-se o conceito de bem imóvel para efeitos de classificação patrimonial, do conceito jurídico de imóvel (enquanto prédio rústico ou urbano), pelo que, (…) tendo-se demonstrado que a ratio legis do art. 44.º, n.º 1 al. n) do EBF, aponta no sentido de que a expressão prédio individualmente classificado, por referência à Lei de Bases do Património deve ser interpretada como monumento, sítio ou conjunto urbanos, deverá reconhecer-se a ilegalidade do acto de liquidação de IMI.»
d) Acrescenta, ainda, o Requerente que «(…) a classificação do imóvel a título individual não está prevista na Lei de Bases do Património Cultural. Considerando que os conjuntos habitacionais a par dos monumentos, constituem uma categoria de bens definida à luz do direito internacional, posteriormente adoptada pelo direito nacional, nos termos do qual se qualifica como conjunto arquitectónico o “(…) o agrupamento de construções urbanas ou rurais, notáveis pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, social ou técnico e suficientemente coerente para serem objecto de uma delimitação topográfica (…) concluindo, assim, que também em obediência aos conceitos de direito internacional (…) a classificação de um conjunto não deixa de ser uma classificação individual (…)”, [d]evendo, por essa razão ser subsumidos no âmbito de aplicabilidade da alínea n) do n.º 1 do art.º 44.º do EBF.»
e) Concluindo, assim, o Requerente no sentido de que «em face de tudo quanto vem de se expender, resulta claro e evidente, que a AT incorreu em erro ao considerar que o imóvel em escrutínio não reveste a qualidade de imóvel com interesse público, sem levar em linha de conta que de acordo com a Lei de Bases da Cultura, apenas os aglomerados urbanos merecem tal qualificação, embora por referência a cada um dos imóveis que os integram, o que, nos termos do art.º 99.º do CPPT, gera a sua anulabilidade. E, sendo anulável, não poderá manter-se na Ordem Jurídica, que assim foi violada.»
f) Peticiona, a final, e, em consequência, o pagamento de juros indemnizatórios, atento que «após a liquidação de IMI, o requerente procedeu em 09.04.2017, ao pagamento do imposto que lhe foi debitado» sendo que «[a] razão da liquidação do imposto paga radica na não aplicação ao caso vertente do benefício fiscal de isenção de IMI, pelo que, ocorreu erro imputável aos serviços,» nos termos dos artigos 43.º e 100.º, ambos, da LGT.
III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:
Por seu lado, a AT vem, na sua resposta, defender-se por impugnação invocando, por um lado, que:
a) «1.º A LBPC consagra no artigo 15.º três conceitos jurídico-patrimoniais distintos em matéria de bens culturais imóveis, a saber: a Categoria (n.º 1); a Classificação (n.º 2); e a Designação (n.º 3); 2.º São três as Categorias previstas na LBPC (artigo 15.º/1): Monumento, Conjunto e Sítio, sendo que as suas definições para o que releva o caso sub judice, constam da Convenção da UNESCO de 1972; 3.º São três as Classificações previstas na LBPC (artigo 15.º/2): Interesse Nacional, Interesse Público e Interesse Municipal organizadas numa escala de graduação decrescente; e 4.º A designação de Monumento Nacional está reservada exclusivamente para os monumentos, conjuntos ou sítios que se encontrem classificados como sendo de Interesse Nacional (artigo 15.º/3).»,
b) E, por outro lado que, «[n]a realidade, à semelhança de (quase) tudo quanto tem vindo a ser discutido e escrito sobre este assunto, o raciocínio expendido pelo Requerente ao longo da sua p.i. parte de um equívoco pressuposto legal, qual seja a existência de uma “classificação da UNESCO”. Sejamos perentórios: Não existe qualquer classificação da UNESCO denominada “Património da Humanidade”, “Património da UNESCO”, “Património Mundial” ou outra expressão equivalente.». Com efeito, entende a Requerida que «[a] “Lista do Património Mundial” a que se refere o artigo 11.º/2 da Convenção da UNESCO de 1972 e, portanto, a lista a que se refere o artigo 15.º/7 da LBPC é tão só e apenas isso: uma lista, lista essa que está a cargo do Comité do Património Mundial. Ao inscrever um bem cultural na “Lista do Património Mundial”, o Comité do Património Cultural da UNESCO não está a classificar um bem (…) está, sim, a reconhecer que aquele bem cultural também «(…) constitui um património universal para a protecção do qual a comunidade internacional no seu todo tem o dever de cooperar.»
c) Nesta sequência, refere, ainda, a Requerida que «como se sabe, a classificação de um bem cultural depende SEMPRE de um prévio procedimento administrativo de classificação. Isto mesmo resulta, cristalina e inegavelmente: do artigo 1.º do Código do Procedimento Administrativo (…); do artigo 18.º da LBPC (…) e do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro (vulgo Procedimento de classificação dos Bens Imóveis) (…)»
d) Continuando o seu raciocínio, aduz, ainda, a Requerida que: «Ora, ao inscrever o Centro Histórico do Porto na “Lista do Património Mundial” o Comité do Património Cultural da UNESCO JAMAIS procedeu a qualquer prévio procedimento administrativo de classificação (…), como aliás, relativamente a todos os bens culturais portugueses que integram aquela lista, pois que, como é obvio, o Comité do Património Cultural da UNESCO NÃO integra sequer a Administração Pública Portuguesa. Acresce que NUNCA o Estado Português delegou no Comité do Património Cultural da UNESCO a realização de um procedimento administrativo de classificação em torno do Centro Histórico do Porto (…) como, aliás, relativamente a todos os bens culturais portugueses que integram aquela lista). Por outro lado, o próprio Estado Português JAMAIS procedeu à abertura de qualquer procedimento administrativo de classificação previamente à candidatura do Centro Histórico do Porto à inscrição na “Lista do Património Mundial (…).
e) «Em suma, a inscrição de um bem cultural na “Lista do Património Mundial” não constitui qualquer classificação, pois esta pressupõe necessariamente a existência de um prévio procedimento administrativo; aquela inscrição “apenas” se reconduz à atribuição de um novo estatuto honorífico ao bem em causa: de bem cultural nacional passa a ser (também) um bem cultural mundial. Portanto, reafirma-se: não existe qualquer classificação da UNESCO denominada “Património da Humanidades”, “Património da UNESCO”, “Património Mundial” ou outra expressão equivalente (…)»
f) No que toca à classificação do Centro Histórico do Porto, considera a Requerida que a mesma «(…) resulta necessariamente da articulação de três diplomas legais: o Aviso n.º 15.173/2010, de 30 de Julho (…); a LBPC; e o Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro.» Assim, « [e]m primeiro lugar o Aviso n.º 15.173/2010 vem estabelecer que o Centro Histórico do Porto insere-se na categoria de Conjunto.(…) Em segundo lugar, o Aviso n.º 15.173/2010 veio conferir alguma eficácia à decisão do Comité do Património Mundial da UNESCO, na medida em que veio publicitar em 2010, no jornal oficial da República Portuguesa, uma decisão tomada em 1996 por uma entidade que NÃO integra a Administração Pública Portuguesa; (…) Em terceiro lugar (…), resulta diretamente do artigo 15.º/7 da LBPC que os bens culturais inscritos na “Lista do Património Mundial da UNESCO” estarão, quando muito, classificados como imóveis de Interesse Nacional.»
g) Referindo-se ao teor do n.º 7 do artigo 15.º da LBPC refere a Requerida que «[d]aqui resulta que NÃO existe uma classificação denominada de Monumento Nacional, mas apenas classificações denominadas de Interesse Nacional, de Interesse Público ou de Interesse Municipal, logo é manifestamente impossível afirmar, como faz o Requerente, que o Centro Histórico do Porto está classificado como Monumento Nacional. Portanto, à luz do artigo 15.º/7 da LBPC, o Centro Histórico do Porto está, quando muito, classificado, com uma das três graduações possíveis (artigo 15.º/2 daquele diploma).»
h) «Em quarto lugar, resulta, por fim, clara e inequivocamente da lei, é que o denominado Centro Histórico do Porto goza da designação de Monumento Nacional, em resultado, também aqui não de uma decisão por parte da entidade competente, mas sim em resultado direto da lei (ope Legis), pois que é esta última quem lhe manda atribuir, sem mais, tal classificação (artigo 15.º/2 e 3, por remissão do artigo 15.º/7, ambos da LBPC, articulado com o artigo 72.º/1 do Decreto-Lei 309/2009).»
i) Aduz, ainda, neste âmbito, a Requerida que: «[e]nquanto bem cultural inscrito na “Lista do Património Mundial da UNESCO”, o denominado Centro Histórico do Porto está, quando muito, classificado como imóvel de interesse Nacional, designado como Monumento Nacional. E nessa medida, o EBF é muito claro no 2.º e 3.º segmento do artigo 44.º/1, n) (…) ou seja, para poderem usufruir de isenção de IMI o EBF exige a classificação individual de cada um dos prédios que integram aquele Conjunto.»
j) Concluindo no sentido de que «(…) não tendo o Requerente demonstrado, quer no âmbito do procedimento administrativo que antecedeu a emissão da liquidação quer no presente processo arbitral, que o seu prédio urbano se encontra individualmente classificado como Monumento Nacional, forçoso é concluir que não reúne os requisitos para usufruir do benefício fiscal constante do artigo 44.º/1-n) do EBF, e que por conseguinte, o ato tributário sub judice encontra-se em linha com a lei.»
k) Invoca, ainda, a Requerida quanto à indissociabilidade da isenção sub judice ao conceito fiscal de prédio que: «(…) para além de toda a evidência que o conjunto denominado Centro Histórico do Porto não constitui um prédio, mas sim uma Universalidade composto, ela sim, por milhares de prédios. Consequentemente, a isenção patente no artigo 44.º/1-n) do EBF, porque só pode ser dirigida a prédios fiscais (artigo 2.º do CIMI), exige a classificação individual dos prédios independentemente da Categoria patrimonial em que os mesmos se inserem (i.e. Monumento, Conjunto, Sítio).» Assim, «(…) forçoso é concluir que a liquidação ora colocada em crise encontra suporte factual e legal, devendo por isso permanecer na ordem jurídica.»
l) Defende, ainda, a Requerida que os documentos juntos aos autos pelo Requerente não são passíveis de demonstrar que o prédio em causa está classificado. Mais referindo que, a Direção-Geral do Património Cultural (“DGPC”) e os seus serviços regionais (in casu, a Direção Regional de Cultura do Norte) é a autoridade administrativa competente em matéria do património cultural e responsável pelos procedimentos de classificação de bens culturais. Apenas a Direção-Geral do Património Cultural podia certificar que o prédio aqui em causa está classificado à luz da LBPC, conforme se retira do artigo 44.º, n.º 5 e 6 do EBF.»
m) Por último, defende a Requerida que a «interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição da República Portuguesa (“CRP”), na medida em que viola os constitucionais princípios: (i) da igualdade tributária; (ii) da justiça fiscal, (iii) da capacidade contributiva, (iv) da autonomia local e (v) da participação na decisão.» Assim, «a interpretação proposta pela Requerente é uma interpretação que ofende o basilar princípio da igualdade tributária (art.º 13.º da CRP), na medida em que, enquanto proprietário de um prédio urbano integrado no denominado Centro Histórico do Porto, destituído de valor cultural individual (i.e. prédio que remonta a 2016), como acima ficou demonstrado, o Requerente pretende ser privilegiado, sem razão justificável, relativamente aos restantes proprietários de imóveis não classificados.»
n) «Paralelamente, a interpretação dada pelo Requerente é ofensiva do princípio da capacidade contributiva (artigo 104.º da CRP), já que, enquanto proprietário de prédio urbano destituído de valor cultural individual, pretende usufruir de uma isenção fiscal destinada a beneficiar proprietários de imóveis que efetivamente detêm um valor cultural e que estão sujeitos a encargos financeiros e a procedimentos burocráticos mais gravosos do que os proprietários de imóveis de construção recente.»
o) «Por outro lado, subverte o princípio de justiça na repartição da carga fiscal (artigo 103.º da CRP) pretende-se usufruir de uma isenção relativa a um prédio urbano destituído de valor cultural individual apenas e só por o mesmo se encontrar nas malhas urbanas do denominado Centro Histórico do Porto.»
p) «Finalmente, a argumentação veiculada pelo Requerente representa uma violação do princípio da autonomia local, porquanto redunda na atribuição de um benefício fiscal sem qualquer critério, com óbvio prejuízo para as receitas municipais, já que – e importa aqui não esquecer este aspeto essencial, mas tantas vezes olvidado – o IMI é, como o seu próprio nome indica, um imposto municipal cujas receitas revertem a favor dos município onde os imóveis se localizam (cfr. artigo 1.º do CIMI), e não a favor da Requerida.»
q) Concluindo quanto a esta matéria no sentido de que «[e]fetivamente, a seguir-se o entendimento veiculado pelo Requerente, segundo o qual o prédio urbano sub judice integra a “Lista do Património Mundial” da UNESCO como Centro Histórico do Porto e que, como tal, está classificado, então forçoso é concluir que, a ser assim, o Município do Porto vê lesada a sua autonomia local (artigos 235.º e 238º da CRP) na medida em que nenhuma palavra teve quanto à questão da perda de receita do IMI subjacente à área do Centro Histórico do Porto.»
IV. Saneamento
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.
V. Matéria de Facto
Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
A. O Requerente, no ano de 2016, era proprietário da fracção autónoma designada pela letra “B” do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da União das Freguesias de..., ..., ..., ..., ... e ... . (cfr. Doc. n.º 1 junto com a petição inicial e consulta efectuada a 06.02.2018 à caderneta predial respectiva constante do Portal das Finanças);
B. O imóvel, identificado em 1. supra, do Centro Histórico do Porto, faz parte da lista de Património Mundial da UNESCO, conforme Aviso n.º 15173/2010, publicado no Diário da República, n.º 147, de 30 de Julho de 2010 (cfr. Doc. n.º 3 junto com a petição inicial);
C. A Divisão Municipal de Museus e Património Cultural da Câmara Municipal do Porto emitiu, a 28.03.2017, a informação, com referência ao imóvel identificado em 1. supra, no âmbito do processo n.º .../17/CMP, no sentido de que «[a] fracção em causa faz parte de um prédio localizado no conjunto designado por Centro Histórico do Porto, incluído na lista do “Património Mundial” pela UNESCO a 5 de dezembro de 1996 (cfr. «Relatório da 20.ª Sessão do Comité do Património Mundial») que a Legislação Portuguesa reconhece como «Monumento Nacional» (Aviso n.º 15173/2010_DR, n.º 147, 2.ª série, de 30/07/2010), pelo que está assinalado como MN19 na Planta de Condicionantes do Plano Diretor Municipal do Porto em vigor (Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/2006, publicada no Diário da República, 1.ª série-B, n.º 25, de 3 de fevereiro, alterado pelo Aviso n.º 14332/2012, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 207, de 25 de outubro). Acresce que, estando nas atribuições deste serviço a emissão de certidões de “Imóvel Classificado de Interesse Municipal”, essa situação comprovadamente não se verifica no presente caso.» (cfr. Doc. n.º 2 junto com a petição inicial);
D. O Requerente foi notificado para proceder ao pagamento da prestação única do acto de liquidação de IMI referente ao ano de 2016, no montante de € 159,96, com data limite de pagamento em Abril de 2017. (cfr. Doc. n.º 1 junto com a petição inicial);
E. O Requerente procedeu ao pagamento do acto de liquidação subjacente à petição arbitral, em 9 de Abril de 2017.
VI. Factos dados como não provados
Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
VII. Motivação da matéria de facto dada como provada
Para a convicção do tribunal arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos analisados e ponderados em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral.
VIII. Questão decidenda
Em face do exposto nos números anteriores, há duas questões controvertidas nos presentes autos, a saber:
a) saber se o acto tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), referente ao ano de 2016, é ilegal, na medida em que o prédio urbano onde se localiza a fracção pertencente ao Requerente está classificado como Monumento Nacional em decorrência do mesmo estar inserido no conjunto comummente designado por Centro Histórico do Porto, considerado Património Mundial pela UNESCO em 1996, e se, por esse facto, tal prédio reúne os pressupostos estabelecidos na lei para usufruir da isenção de IMI consagrada no artigo 44.º, n.º 1, alínea) n) do EBF;
b) saber se a interpretação se a interpretação veiculada pelo Requerente, incidente sobre a liquidação de IMI sindicada viola os princípios da igualdade tributária, da justiça fiscal, da capacidade contributiva, da autonomia local e da igualdade tributária na decisão, a par de padecer de inconstitucionalidade orgânica.
IX. Fundamentos de direito
A. DA CLASSIFICAÇÃO DOS PRÉDIOS
1. Vamos determinar agora o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a questão já enunciada (vd., supra VIII).
Ora,
2. O artigo 44.º, n.º 1 alínea n) do EBF estabelece que estão isentos de IMI “os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável".
3. Este artigo é composto por duas previsões. Em primeiro lugar, estão isentos de IMI os prédios classificados como monumentos nacionais. Em segundo lugar, estão isentos do mesmo imposto os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal.
4. Atendendo à remissão para a legislação aplicável contida na mencionada norma do artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do EBF, há que ter em conta a Lei 107/2001, de 8 de Setembro – Lei de Bases do Património Cultural –, mais concretamente, ao seu artigo 15.º, segundo o qual:
"1 - Os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional, e os móveis, entre outras, às categorias indicadas no título VII.
2 - Os bens móveis e imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.
3 - Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adotar-se-á a designação «monumento nacional» e para os bens móveis classificados como de interesse nacional é criada a designação «tesouro nacional».
4 - Um bem considera-se de interesse nacional quando a respetiva proteção e valorização, no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação.
(...)
7 - Os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respetiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional.".
5. Por sua vez, a Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural, que teve lugar em Paris, e foi aprovada pelo Decreto n.º 49/79, de 6 de Junho, procurou estabelecer quais os bens naturais e culturais que podem vir a ser inscritos na Lista do Património Mundial, fixando os deveres dos Estados-Membros quanto à identificação e proteção desses bens. Nesta sequência, diversos monumentos, sítios ou conjuntos vieram a obter a classificação de Património Mundial da UNESCO. Destaca-se, em particular, os conjuntos classificados, mais concretamente, os Centros Históricos classificados como Património Mundial da UNESCO, como é o caso, do Centro Histórico do Porto.
6. Saliente-se que os referidos conjuntos classificados como Património Mundial beneficiaram, durante vários anos, de isenção de IMI, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais e 15.º, n.º 2, 3 e 7 da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro (Lei de Bases de Proteção do Património Cultural).
7. Como já referido, articulando os preceitos referidos, os imóveis situados nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO classificam-se como sendo de interesse nacional, inserindo-se na categoria de “Monumentos Nacionais” e, beneficiando, por conseguinte, da isenção consagrada na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.
8. Esta formulação veio a ser reiterada no Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro – Património Cultural Imóvel –, que estabelece o procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural, bem como o regime das zonas de protecção e do plano de pormenor de salvaguarda. De acordo com o seu artigo 3.º, n.º 1 "um bem imóvel pode ser qualificado como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal", acrescentando o n.º 3 que "a designação «monumento nacional» é atribuída aos bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios".
9. O facto de poderem coexistir prédios individualmente classificados, em caso de delimitação de um conjunto ou de um sítio, nos termos do artigo 56º do Decreto-Lei n.º 309/2009 apenas tem relevo provisório para delimitar a zona de proteção desse imóvel até à publicação da classificação do conjunto ou do sítio.
10. Por esse motivo se compreende que o artigo 44º do EBF distinga entre "prédio classificado como monumento nacional" e "prédio individualmente classificado como de interesse público ou municipal", só exigindo a individualização em relação a estas duas últimas categorias, e não quanto à dos prédios de interesse nacional.
11. Quanto ao argumento de que alguns autores defendem uma interpretação restritiva das isenções aos imóveis classificados, no intuito de excluir dos benefícios atribuídos em sede de IMI ou IMT todas as situações em que não tenha ocorrido um procedimento ou acto de classificação individual como monumento nacional, imóvel de interesse público ou municipal, razão pela qual foi nesse sentido alterado o artigo 6.º, alínea g) do Código do IMT pela Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro, levando a que a isenção tenha deixado de abranger "as aquisições de prédios classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ao abrigo da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro" para passar a contemplar apenas "as aquisições de prédios individualmente classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável", entendemos que não colhe também este argumento.
12. Aliás, nem faria muito sentido, já que a redação do artigo 44.º do EBF não foi alterada no mesmo sentido, continuando a exigir a classificação individual para atribuição da isenção apenas no caso dos imóveis de interesse público ou municipal, mas não fazendo tal exigência para os monumentos nacionais. Antes pelo contrário, a norma do n.º 5 do artigo 44.º do EBF dispõe que "a isenção a que se refere a alínea n) do nº. 1 é de carácter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal (…)".
13. Assim, verdadeiramente, entendemos claro que a intenção do legislador foi dispensar a classificação individualizada para efeitos de isenção de IMI aos monumentos nacionais, apenas a exigindo em relação a imóveis de interesse público ou de interesse municipal.
14. O imóvel em questão nos presentes autos faz parte do Centro Histórico do Porto, que foi inscrito na Lista do Património Mundial da UNESCO, conforme declarado pelo Aviso nº 15173/2010, publicado no Diário da República, II Série de 30 de Julho de 2010, emitido ao abrigo do n.º 3 do artigo 72.º do Decreto-Lei 309/2009, de 23 de Outubro (cfr. facto provado B)).
15. E, conforme resulta da informação emitida pela Divisão Municipal de Museus e Património Cultural da Câmara Municipal do Porto – Doc. n.º 2 junto com o pedido de constituição arbitral - «a fração em causa faz parte de um prédio localizado no conjunto designado por Centro Histórico do Porto, incluído na lista do “Património Mundial” pela UNESCO a 5 de dezembro de 1996 (…) que a legislação portuguesa reconhece como «Monumento Nacional» (Aviso n.º 15173/2010:DR, n.º 147, 2.ª série, de 30/07/2010) pelo que está assinalado como MN19 na Planta de Condicionantes do Plano Diretor Municipal do Porto em vigor (Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/2006, publicada no Diário da República, 1.ª série-B, n.º 25, de 3 de fevereiro, alterado pelo Aviso n.º 14332/2012, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 207, de 25 de outubro). » (cfr. facto provado C). (negrito nosso)
16. Assim sendo, salvo o devido respeito, falece o argumento da Requerida de que os documentos juntos aos autos pelo Requerente não são passíveis de demonstrar que o prédio em causa está classificado como “monumento nacional”, porquanto, tal classificação encontra-se, não só, na informação emitida pela Divisão Municipal do Património Cultural da Câmara Municipal do Porto (cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de constituição arbitral), que a reconhece como tal, mas também, na legislação nacional.
17. Neste sentido, já se pronunciaram as decisões do CAAD dos processos n.º 325/2014- T, 76/2015-T, 33/2016-T, 98/2016-T, 379/2016-T, 534/2016-T e 204/2017-T, que acompanhamos na íntegra.
18. Com efeito e com interesse, importa referir que tem sido essa, igualmente, a posição dos Tribunais Centrais Administrativos (Norte e Sul ), sendo que, em especial, por aplicável ao caso em apreço, traremos à colação o sufragado nos Acórdãos do TCA Norte, proferidos nos processos n.º 0063/14.1BEPRT, de 01.06.2017 e n.º 00134/14.42BEPRT, de 07.12.2016, cujo sumário deste último refere:
«1 - Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis: os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável – cfr. artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
2 - Os imóveis situados nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO classificam-se como sendo de interesse nacional, inserindo-se na categoria de “monumentos nacionais” – cfr. artigo 15.º, n.º 3 e n.º 7 da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro.
3 - Os prédios inseridos nos Centros Históricos Classificados beneficiam de isenção de imposto municipal sobre imóveis.»
19. Assim, e tal como concluiu a decisão do CAAD do processo n.º 76/2015-T, estando o prédio em questão integrado no Centro Histórico do Porto, (bem como, os Acórdãos do TCA Norte, acima identificados) legalmente qualificado como monumento nacional, é manifesto que beneficia da referida isenção, sendo assim ilegal a liquidação de IMI aqui impugnada, e devendo ser restituído ao Requerente o imposto que foi pago.
B. Da invocada inconstitucionalidade da interpretação veiculada pela Requerente
20. Invoca a Requerida na sua resposta vício de inconstitucionalidade em virtude de a «interpretação veiculada pela Requerente se mostra[r] contrária à Constituição da República Portuguesa (“CRP”), na medida em que viola os constitucionais princípios: (i) da igualdade tributária; (ii) da justiça fiscal, (iii) da capacidade contributiva, (iv) da autonomia local e (v) da participação na decisão.».
Ora, vejamos,
21. No que toca à alegada violação do princípio da igualdade tributária, manifesta a Requerida o entendimento de que «a interpretação proposta pela Requerente é uma interpretação que ofende o basilar princípio da igualdade tributária (artigo 13.º da CRP), na medida em que, enquanto proprietário de um prédio integrado no denominado Centro Histórico do Porto, destituído de valor cultural individual (i.e. prédio que remonta a 2016)(…) o Requerente pretende ser privilegiado, sem razão justificável, relativamente aos restantes proprietários de imóveis não classificados. (…) No caso sub judice, a Requerida suscita a violação do princípio da igualdade perante a lei fiscal, na dimensão da obrigação de diferenciação, na interpretação dada pelo Requerente.» (artigos 208.º e 216.º da douta resposta).
22. Conforme refere e bem a Requerida, na sua douta resposta, «o princípio da igualdade é um dos princípios basilares do sistema constitucional português, encontrando consagração genérica no artigo 13.º da CRP.» (artigo 209.º da douta resposta).
23. Com efeito, prevê o artigo 13.º da CRP que «todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.», o que significa que este princípio determina que se trate de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente na medida da diferença.
24. Sucede que, no caso em apreço estamos perante um imóvel que se encontra inserido no Centro Histórico do Porto, o qual se encontra incluído na Lista de Património Mundial da Unesco, facto este que, por si só, atribui ao mesmo um elevado valor cultural (antecipando já a resposta ao que seguirá infra no tocante à alegada violação do princípio da capacidade contributiva.) – algo que não sucede aos imóveis que não se encontram nas mesmas condições.
25. Ora, nos termos do artigo 15.º, n.º 7 da LBPC, os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respetiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional.
26. Ademais, e não obstante, o prédio estar inserido num conjunto, o certo é que para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, são todos eles considerados «monumento nacional».
27. Nesta conformidade, a igualdade de tratamento do proprietário do prédio em causa tenderá a aferir-se em relação aos proprietários de todos os demais prédios inseridos no Centro Histórico do Porto, e não como pugna a Requerida em relação a prédios não inseridos naquele Centro Histórico ou que não se encontrem classificados como “monumentos nacionais”, pelo que, sendo destituídos de fundamento os argumentos tecidos pela Requerida, improcede necessariamente a alegada inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade tributária.
28. No tocante à defendida violação do princípio da capacidade contributiva refere a Requerida que «enquanto proprietário de prédio urbano destituído de valor cultural individual, pretende usufruir de uma isenção fiscal destinada a beneficiar proprietários de imóveis que efetivamente detêm valor cultural e que estão sujeitos a encargos financeiros e a procedimentos burocráticos mais gravosos do que os proprietários de imóveis de construção recente» (artigo 217.º da douta Resposta);
29. … acrescentando, em adesão, como fundamento da violação do princípio da justiça na repartição da carga fiscal, face ao entendimento da Requerida de que «pretender-se usufruir de uma isenção relativa a um prédio urbano destituído de valor cultural individual e só por o mesmo se encontrar nas malhas urbanas do denominado Centro Histórico do Porto» subverte tal princípio.
30. Ora, a argumentação da Requerida em relação a este vício prende-se essencialmente com a questão do valor cultural do prédio em causa.
31. Como já referido supra, só o facto de o prédio em questão se encontrar inserido no Centro Histórico do Porto, e consequentemente, na Lista do Património Mundial da UNESCO leva a afirmar com segurança que tem o mesmo elevado valor cultural.
32. Sobre esta matéria, podemos compulsar o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido no processo n.º 01480/14.2BEPRT, de 04.05.2017 que o presente Tribunal Arbitral acompanha e em que se suporta, e que esclarece o seguinte:
«O princípio da igualdade perante os encargos públicos resulta da necessidade de impor sacrifícios patrimoniais, que a todos diz respeito, devendo ser afectadas, por igual, as esferas da generalidade dos cidadãos, com idêntica capacidade contributiva. Isto é, este princípio exige que os sacrifícios inerentes à satisfação de necessidades públicas sejam equitativamente distribuídos por todos os cidadãos; todos os cidadãos deverão contribuir de igual forma para os encargos públicos à medida da sua capacidade contributiva. Efectivamente, não resulta provado que, em concreto, a Recorrida, enquanto proprietária do imóvel, não esteja sujeita a regras e imposições especiais por o mesmo estar inserido no Centro Histórico do Porto, designadamente, que não suporte encargos relacionados com a conservação e restauro daquele bem, que não pode deixar de ser apelidado de cultural, na medida em que está integrado no referido conjunto. Julgamos pertinente o contra-alegado pela Recorrida a este respeito: “(…) atendendo concretamente ao benefício fiscal ora em apreço, o mesmo acarreta contrapartidas limitativas que coartam a autonomia dos proprietários dos referidos prédios, que se vêem limitados na sua actuação enquanto proprietários, maxime no que concerne à execução de obras nos prédios em causa. O que se torna compreensível por de património mundial se tratar.(…)”Reiteramos, por isso, resultar claro que o imóvel da Recorrida está em igualdade de circunstâncias em relação a todos os restantes prédios inseridos no Centro Histórico do Porto. Logo, todos os proprietários de prédios aí integrados beneficiarão, de igual forma, do benefício fiscal em causa, não se vislumbrando o desrespeito do princípio da capacidade contributiva, dado que não resultou demonstrado que a Recorrida, em concreto, não esteja sujeita a encargos financeiros e a procedimentos burocráticos mais gravosos do que outros proprietários de imóveis não inseridos no conjunto. Por outro lado, também não resultou apurado que as faculdades de disposição, transformação e fruição da Recorrida, em concreto no que tange ao seu imóvel inserido no conjunto classificado, sejam diferentes das que são permitidas ao titular de um prédio individualmente classificado; pelo que se mostra impossibilitada a apreciação da alegada subversão do princípio da justiça na repartição da carga fiscal.»
33. Ora, aproveitando a fundamentação do supracitado aresto com a adaptação adequada ao caso em concreto, e constatando, por um lado, que o imóvel em questão, tem elevado valor cultural por se encontrar inserido no Centro Histórico do Porto, como já referido;
34. … por outro, que não resulta provado, nos presentes autos, que a Requerente não se encontre sujeita a encargos financeiros e a procedimento burocráticos mais gravosos do que os outros proprietários de imóveis não inseridos no conjunto, e,
35. … por último, que não resulta, igualmente, apurado que as faculdades de disposição, transformação e fruição da Requerente, em concreto no que tange ao seu imóvel inserido no conjunto classificado, sejam diferentes das que são permitidas ao titular de um prédio individualmente classificado,
36. … entende o presente Tribunal Arbitral que, no caso em concreto, se mostra impossibilitada a apreciação da alegada subversão do princípio da justa repartição da carga fiscal, nos termos aduzidos pela Requerida, improcedendo pelas razões referidas o alegado vício de violação do princípio da capacidade contributiva.
37. No tocante ao alegado vício do princípio da autonomia local, invoca a Requerida que « a argumentação veiculada pelo Requerente representa uma violação do princípio da autonomia local, porquanto redunda na atribuição de um benefício fiscal sem qualquer critério, com óbvio prejuízo para as receitas municipais, já que – e importa não esquecer este aspeto essencial, mas tantas vezes olvidado – o IMI é, como o seu próprio nome indica, um imposto municipal cujas receitas revertem a favor dos municípios onde os imóveis se localizam (…) e não a favor da Requerida. Efetivamente, a seguir-se o entendimento veiculado pelo Requerente, segundo o qual o prédio urbano sub judice integra a “Lista do Património Mundial” da UNESCO como Centro Histórico do Porto e que, como tal, está classificado, então forçoso é concluir que, a ser assim, o Município do Porto vê lesada a sua autonomia local (artigos 235.º e 238.º da CRP) na medida em que nenhuma palavra teve quanto à questão da perda da receita de IMI subjacente à área do Centro Histórico do Porto.»
38. Continuando «Por outras palavras, a autonomia local do Município do Porto e, portanto, parte da sua receita local foi de uma assentada só, decidida indiretamente por um organismo (leia-se Comité do Património Mundial da UNESCO) que não integra os órgãos do Estado Português; não dispõe de qualquer competência legal em matéria tributária no território português; não lhe foi delegada qualquer competência legal em matéria tributária pelo Estado Português no âmbito da candidatura à “Lista do Património Mundial” da UNESCO; não lhe foi delegada qualquer competência legal em matéria tributária pelo Município do Porto no âmbito da candidatura à “Lista do Património Mundial” da UNESCO.»
39. Mais referindo a Requerida, quanto a esse assunto que «[m]ais dado que nenhuma palavra teve o Município do Porto quanto à questão da perda da receita do IMI subjacente à área do Centro Histórico do Porto (…) é forçoso concluir que, por via do artigo 15.º/7 da LBPC, foi desrespeitado o constitucional princípio da participação (artigo 268.º/3 da CRP), in casu na esfera da autarquia portuense, na formação da decisão de classificação.»
40. Ora, no que respeita a este invocado vício, entende o presente Tribunal Arbitral que se encontra o mesmo totalmente destituído de fundamento, dado que a Requerida não é o Município do Porto – entidade que se poderá ver prejudicada com a referida isenção.
41. Na verdade, a argumentação da Requerida segue a via da defesa de um terceiro que ele próprio se absteve de se defender.
42. Com efeito, aproveita, o presente Tribunal Arbitral, o sustentado no Acórdão indicado em 32 supra, quanto a este alegado vício, no sentido de que: «(…) tal como a lei indica (artigo 44.º, n.º 5 do EBF, na redacção conferida pela Lei n.º 3-B/2010, de 28/04, referido supra), o reconhecimento da isenção em causa é automático e a sua comunicação compete às Câmaras Municipais territorialmente competentes, sendo que junto aos autos existe ofício camarário no qual a Câmara Municipal do Porto afirma que o imóvel propriedade da aqui Recorrida está isento de IMI. Não se podendo, igualmente, dizer que nenhuma palavra teve o Município do Porto quanto à questão da perda de receita do IMI, quando abundam os documentos juntos aos autos acerca desta matéria – cfr. fls. 39 a 60 do processo físico.
Nesta conformidade, mais uma vez, falham as provas quanto aos pressupostos de facto, dado que os elementos dos autos evidenciam, antes, participação, conhecimento e “reconhecimento” por parte da autarquia portuense da isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis quanto à situação concreta; não se vislumbrando, também, que a interpretação efectuada pela Recorrida e pelo Tribunal “a quo” enfermem da invocada inconstitucionalidade.» para dar como improcedente o vício de violação do princípio da autonomia local invocado pela Requerida.
43. Por último, invoca a Requerida a Inconstitucionalidade orgânica, medida em que a Requerente acabou por realizar uma equivalência ou equiparação entre as classificações previstas na legislação do Estado Novo e as previstas na LBPC, ou seja, pela equivalência entre a classificação Monumento Nacional (prevista no Decreto 20.3985 de 1932) e a classificação Interesse Nacional (prevista no artigo 15.º/2 da LBPC), quando tal equivalência ou equiparação terá necessariamente de resultar da lei do parlamento ou de decreto-lei autorizado do Governo.
44. Mais referindo que «[a]pesar de a LBPC permitir que a legislação de desenvolvimento possa vir a consagrar as regras necessárias para se efectuar, entre outras, a conversão das classificações (artigo 112.º/3 daquele diploma), certo é que os decretos-lei de desenvolvimento até à data publicados não prevêem nenhum mecanismo a ela atinente (…) e em decorrência directa desta omissão por parte do legislador cultural, não podia o legislador fiscal de 2008 substituir-se àquele ao fazer equivaler no artigo 44.º/1-n) do EBF a classificação de Interesse Nacional introduzida pela LBPC à classificação de Monumento Nacional prevista no Decreto 20.985 de 1932; E não podendo o legislador fiscal de 2008 substituir-se ao legislador cultural, naturalmente que também nunca assim o poderá fazer o intérprete da Lei e o julgador, sob pena de óbvia inconstitucionalidade, por violação da reserva de lei.»
45. Ora, sem embargo de a matéria da inconstitucionalidade da lei se tratar de matéria de conhecimento oficioso, a verdade é que o Tribunal deve circunscrever-se à fiscalização concreta da constitucionalidade, uma vez que a fiscalização abstrata encontra-se na incumbência exclusiva do Tribunal Constitucional, conforme resulta do artigo 281.º da CRP.
46. Não sendo, deste modo, vedada a suscitação da inconstitucionalidade das normas que definem os elementos da tributação ou a isenção.
47. Com efeito, a oficiosidade do conhecimento da inconstitucionalidade das normas resulta igualmente da emanação do princípio do valor conformador dos preceitos constitucionais, que terão de prevalecer sobre outras normas legais, quando com elas se mostrem incompatíveis em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade das normas jurídicas, apreciando, por impugnação dos factos ou oficiosamente, a existência da inconstitucionalidade das normas aplicáveis ao caso concreto submetido a julgamento – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 21/09/2010, proferido no âmbito do processo n.º 03872/10.
48. Ademais, é necessário ter em conta que o que pode e deve ser objeto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão-pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efetuadas por aquelas decisões.
49. Ora, a alínea a) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF menciona expressamente que os prédios classificados como monumentos nacionais estão isentos de IMI – previsão esta constata pelo intérprete da lei e/ou julgador.
50. E o artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro e do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro dispõem que um bem classificado como de interesse nacional é designado como "monumento nacional".
51. Nesta sequência e recuperando a exímia argumentação vertida no Acórdão indicado em 32 supra, e que o presente Tribunal Arbitral acompanha e adere:
«Assim, entendemos que o paralelismo é efectuado pela própria lei vigente, não tendo nem a Recorrida, nem o tribunal, efectuado qualquer interpretação consubstanciada numa equivalência ou equiparação entre as classificações previstas na legislação do Estado Novo e as previstas na Lei de Bases do Património Cultural (LBPC), ou seja, numa equivalência entre a classificação de Monumento Nacional (prevista no Decreto 20.3985 de 1932) e a classificação de Interesse Nacional (prevista no artigo 15.º/2 da LBPC). A Lei de Bases do Património Cultural (Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro) estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural e foi elaborada pela Assembleia da República, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa, para valer como lei geral da República. Nesta conformidade, a equivalência ou equiparação que é efectuada no artigo 15.º, n.º 3 desta Lei não padece de uma inconstitucionalidade orgânica, na medida em que resulta de lei do Parlamento. Foi a própria Assembleia da República que, no artigo 15.º, n.º 3 da LBPC estabeleceu expressamente que um bem classificado como de interesse nacional é um monumento nacional».
52. Continua, aquele aresto, com manifesto interesse que «[n]o desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, e nos termos das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição da República Portuguesa, o Governo decretou, através do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, que a designação de «monumento nacional» é atribuída aos bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios – cfr. artigo 3.º, n.º 3.» para concluir que : «[a]ssim, um imóvel classificado como de interesse nacional – cfr. artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro – é um monumento nacional, pois dessa forma é designado legalmente – cfr. artigo 3.º, n.º 3 deste Decreto-Lei e artigo 15.º, n.º 3 da LBPC, não se vislumbrando a invocada inconstitucionalidade orgânica.»
53. Assim considerando que a exposição jurisprudencial acima transcrita é aplicável pelo seu todo ao caso trazido à apreciação do presente Tribunal Arbitral, e que este acompanha toda a argumentação nele sufragada, entende ser de improceder o alegado vício da inconstitucionalidade orgânica.
54. Face ao exposto, decide o presente Tribunal Arbitral pela improcedência de todos os vícios e matéria da inconstitucionalidade alegados pela Requerida, por falta de fundamento.
C. DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS
1. O Requerente peticiona ainda que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2. Dispõe o n.º 1 do artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que são devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
3. Considera-se erro imputável à administração, quando o erro não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto que não sejam da responsabilidade do contribuinte.
4. Ora, resultando dos actos tributários impugnados a obrigação de pagamento de imposto superior ao que seria devido, são devidos juros indemnizatórios nos termos legalmente previstos, presumindo o legislador, nestes casos, em que se verifica a anulação da liquidação, que ocorreu na esfera do contribuinte um prejuízo em virtude de ter sido privado da quantia patrimonial que teve que entregar ao Estado em virtude de uma liquidação ilegal. Em consequência, tem o contribuinte direito a essa indemnização, independentemente de qualquer alegação ou prova do prejuízo sofrido.
5. No caso presente, será inquestionável que, na sequência da consagração da ilegalidade dos acto de liquidação sindicado, haverá lugar a reembolso do imposto por força do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, e do artigo 100.º da LGT passando, necessariamente por aí o restabelecimento da “situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
6. Do mesmo modo, entende-se que será isento de dúvidas que a ilegalidade do acto é imputável à Autoridade Tributária, que autonomamente o praticou de forma ilegal.
7. Quanto ao conceito de “erro”, tem sido entendido que só em casos de anulações fundadas em vícios respeitantes à relação jurídica tributária haverá lugar a pagamento de juros indemnizatórios, não sendo reconhecido tal direito no caso de anulações por vícios procedimentais ou de forma.
8. Assim sendo, estando-se perante um vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito, imputável à Autoridade Tributária, tem o Requerente direito a juros indemnizatórios, de acordo com os artigos 43.º, n.º 1 da LGT, e 61.º do CPPT, contados desde o pagamento do imposto até ao integral reembolso do referido montante.
X. DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide-se:
A. Julgar procedente o pedido formulado pelo Requerente no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade do acto de liquidação de IMI referente ao ano de 2016, constante do documento com o n.º 2016..., no valor total de € 159,96 (cento e cinquenta e nove euros e noventa e seis cêntimos) a que foi sujeito, relativamente ao imóvel inscrito sobre o artigo ...-B, fracção “B”, da União das Freguesias de..., ..., ..., ..., ... e..., e consequentemente, anular a liquidação de imposto aqui sindicada;
B. Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar ao Requerente o valor do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tal pagamento foi efetuado até à data do integral reembolso do mesmo.
C. Julgar improcedentes todos os vícios constitucionais invocados pela Requerida, por falta de fundamento.
XI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 159,96, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o montante das custas em € 306,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Autoridade Tributária e Aduaneira, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de fevereiro de 2019
***
O Árbitro
(Jorge Carita)
DECISÃO ARBITRAL
RELATÓRIO
55. Em 6 de Junho de 2017, A..., contribuinte n.º..., com representante fiscal residente na Rua ..., n.º... ..., no Porto, adiante designado por Requerente, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).
56. O Requerente é representado, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária, Dr.ª B..., e a Requerida é representada pelos juristas, Dr. C... e Dr D... .
57. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida em 12 de Junho de 2017.
58. Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, o Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade do acto de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis com o n.º 2016..., referente ao ano de 2016, no montante de € 159,96 (cento e cinquenta e nove euros e noventa e seis cêntimos) incidente sobre o imóvel inscrito sob o artigo ..., fracção autónoma designada pela letra “B”, da União das Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., com a sua consequente anulação, e pagamento de juros indemnizatórios.
59. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo o Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o signatário.
60. O Árbitro aceitou a designação efectuada, tendo o tribunal arbitral sido constituído no dia 18 de Agosto de 2017, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme acta da constituição do tribunal arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.
61. Depois de notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua resposta, a 26 de Setembro de 2017.
62. Atendendo à inexistência de necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, o Tribunal notificou as partes, através de despacho de 25 de Outubro de 2017, para se pronunciarem sobre a eventual dispensa na realização da reunião do artigo 18.º do RJAT e da produção de alegações, designando, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, o dia 9 de Fevereiro de 2018 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo, ainda, advertido a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
63. No dia 26 de Outubro de 2016, a Requerida apresentou um requerimento no qual, em resposta ao despacho identificado em 8, manifesta a vontade de prescindir da realização da reunião do artigo 18.º do RJAT, não prescindindo, contudo, da apresentação das alegações escritas.
64. Face a tal requerimento, o Tribunal, através de despacho de 17 de Novembro de 2017, concedeu o prazo de 15 dias sucessivos para a Requerente e Requerida, por esta ordem, apresentarem as correspondentes alegações por escrito, mais determinando o início do prazo da Requerida com a notificação das alegações da Requerente ou do termo do prazo para o efeito.
65. No dia 22 de Novembro de 2017, a Requerente, através de requerimento, declarou prescindir da faculdade de apresentar alegações.
66. A Requerida, no dia 29 de Novembro de 2017, apresentou as suas alegações.
II. O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
O Requerente sustenta o pedido de anulação das liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) referente ao ano de 2016, constante do documento com o n.º 2016..., no valor total de € 159,96 (cento e cinquenta e nove euros e noventa e seis cêntimos) a que foi sujeito, relativamente ao imóvel inscrito sobre o artigo ...-B, fracção “B”, da União das Freguesias de..., ..., ..., ..., ... e..., por ilegal, por enfermar nos seguintes vícios:
a) Erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto, entende o Requerente que «[d]ispõe a al. n) do n.º 1 do art.º 44.º do EBF que estão isentos de IMI “Os prédios classificados como monumentos nacionais e prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável.” Na redacção anterior, o normativo contemplava todos os imóveis que integrassem determinado conjunto urbano de interesse público, e só com o Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho é que o legislador passou a fazer referência a imóveis individualmente classificados. Sem concretizar, o sentido da expressão “imóveis individualmente classificados” (…) Assim, como o Estatuto dos Benefícios Fiscais [também] não nos dá o conceito de prédio individualmente classificado o mesmo há-de ser preenchido de acordo com as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (cfr. art. 11.º da LGT).»
b) Continua, o Requerente, nesta acepção, por referir que: «reconstituindo o pensamento legislativo, cremos que o legislador não quis excluir do benefício fiscal todos os imóveis que integrem um conjunto urbano, mas apenas e tão só aqueles imóveis que não integrando um conjunto urbano, e por si só a título individual não possam ser classificados pelo Ministério da Tutela (Ministério da Cultura). Pois de outra forma, inexiste a possibilidade de classificação de imóveis, como sendo imóveis de interesse público. Essa possibilidade decorre desde logo do facto de o Ministério da Cultura, ao abrigo da Lei de Bases do Património, Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, apenas atribuir a classificação a conjuntos urbanos. Nunca atribuindo a classificação de bens imóveis de interesse público a imóveis individuais, que não sejam monumentos, como pretende a AT.»
c) Continua o Requerente, mencionando que « [n]a hipótese em escrutínio, o Ministério da Cultura, ao abrigo da Lei de Bases do Património, atribuiu ao conjunto designado por Centro Histórico do Porto, a classificação de monumento nacional, integrado na lista do Património Mundial da UNESCO em 05.12.1996 (…), uma vez que se trata de um aglomerado urbano que corporiza um conjunto com interesse cultural que demarca uma concreta circunscrição geográfica da cidade do Porto, sendo o artigo ...-B, da União de Freguesias de..., ..., ..., ..., ... e..., uma parte integrante desse bem imóvel, com a denominação de conjunto de interesse público, afastando-se o conceito de bem imóvel para efeitos de classificação patrimonial, do conceito jurídico de imóvel (enquanto prédio rústico ou urbano), pelo que, (…) tendo-se demonstrado que a ratio legis do art. 44.º, n.º 1 al. n) do EBF, aponta no sentido de que a expressão prédio individualmente classificado, por referência à Lei de Bases do Património deve ser interpretada como monumento, sítio ou conjunto urbanos, deverá reconhecer-se a ilegalidade do acto de liquidação de IMI.»
d) Acrescenta, ainda, o Requerente que «(…) a classificação do imóvel a título individual não está prevista na Lei de Bases do Património Cultural. Considerando que os conjuntos habitacionais a par dos monumentos, constituem uma categoria de bens definida à luz do direito internacional, posteriormente adoptada pelo direito nacional, nos termos do qual se qualifica como conjunto arquitectónico o “(…) o agrupamento de construções urbanas ou rurais, notáveis pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, social ou técnico e suficientemente coerente para serem objecto de uma delimitação topográfica (…) concluindo, assim, que também em obediência aos conceitos de direito internacional (…) a classificação de um conjunto não deixa de ser uma classificação individual (…)”, [d]evendo, por essa razão ser subsumidos no âmbito de aplicabilidade da alínea n) do n.º 1 do art.º 44.º do EBF.»
e) Concluindo, assim, o Requerente no sentido de que «em face de tudo quanto vem de se expender, resulta claro e evidente, que a AT incorreu em erro ao considerar que o imóvel em escrutínio não reveste a qualidade de imóvel com interesse público, sem levar em linha de conta que de acordo com a Lei de Bases da Cultura, apenas os aglomerados urbanos merecem tal qualificação, embora por referência a cada um dos imóveis que os integram, o que, nos termos do art.º 99.º do CPPT, gera a sua anulabilidade. E, sendo anulável, não poderá manter-se na Ordem Jurídica, que assim foi violada.»
f) Peticiona, a final, e, em consequência, o pagamento de juros indemnizatórios, atento que «após a liquidação de IMI, o requerente procedeu em 09.04.2017, ao pagamento do imposto que lhe foi debitado» sendo que «[a] razão da liquidação do imposto paga radica na não aplicação ao caso vertente do benefício fiscal de isenção de IMI, pelo que, ocorreu erro imputável aos serviços,» nos termos dos artigos 43.º e 100.º, ambos, da LGT.
III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:
Por seu lado, a AT vem, na sua resposta, defender-se por impugnação invocando, por um lado, que:
a) «1.º A LBPC consagra no artigo 15.º três conceitos jurídico-patrimoniais distintos em matéria de bens culturais imóveis, a saber: a Categoria (n.º 1); a Classificação (n.º 2); e a Designação (n.º 3); 2.º São três as Categorias previstas na LBPC (artigo 15.º/1): Monumento, Conjunto e Sítio, sendo que as suas definições para o que releva o caso sub judice, constam da Convenção da UNESCO de 1972; 3.º São três as Classificações previstas na LBPC (artigo 15.º/2): Interesse Nacional, Interesse Público e Interesse Municipal organizadas numa escala de graduação decrescente; e 4.º A designação de Monumento Nacional está reservada exclusivamente para os monumentos, conjuntos ou sítios que se encontrem classificados como sendo de Interesse Nacional (artigo 15.º/3).»,
b) E, por outro lado que, «[n]a realidade, à semelhança de (quase) tudo quanto tem vindo a ser discutido e escrito sobre este assunto, o raciocínio expendido pelo Requerente ao longo da sua p.i. parte de um equívoco pressuposto legal, qual seja a existência de uma “classificação da UNESCO”. Sejamos perentórios: Não existe qualquer classificação da UNESCO denominada “Património da Humanidade”, “Património da UNESCO”, “Património Mundial” ou outra expressão equivalente.». Com efeito, entende a Requerida que «[a] “Lista do Património Mundial” a que se refere o artigo 11.º/2 da Convenção da UNESCO de 1972 e, portanto, a lista a que se refere o artigo 15.º/7 da LBPC é tão só e apenas isso: uma lista, lista essa que está a cargo do Comité do Património Mundial. Ao inscrever um bem cultural na “Lista do Património Mundial”, o Comité do Património Cultural da UNESCO não está a classificar um bem (…) está, sim, a reconhecer que aquele bem cultural também «(…) constitui um património universal para a protecção do qual a comunidade internacional no seu todo tem o dever de cooperar.»
c) Nesta sequência, refere, ainda, a Requerida que «como se sabe, a classificação de um bem cultural depende SEMPRE de um prévio procedimento administrativo de classificação. Isto mesmo resulta, cristalina e inegavelmente: do artigo 1.º do Código do Procedimento Administrativo (…); do artigo 18.º da LBPC(…) e do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro (vulgo Procedimento de classificação dos Bens Imóveis) (…)»
d) Continuando o seu raciocínio, aduz, ainda, a Requerida que: «Ora, ao inscrever o Centro Histórico do Porto na “Lista do Património Mundial” o Comité do Património Cultural da UNESCO JAMAIS procedeu a qualquer prévio procedimento administrativo de classificação (…), como aliás, relativamente a todos os bens culturais portugueses que integram aquela lista, pois que, como é obvio, o Comité do Património Cultural da UNESCO NÃO integra sequer a Administração Pública Portuguesa. Acresce que NUNCA o Estado Português delegou no Comité do Património Cultural da UNESCO a realização de um procedimento administrativo de classificação em torno do Centro Histórico do Porto (…) como, aliás, relativamente a todos os bens culturais portugueses que integram aquela lista). Por outro lado, o próprio Estado Português JAMAIS procedeu à abertura de qualquer procedimento administrativo de classificação previamente à candidatura do Centro Histórico do Porto à inscrição na “Lista do Património Mundial (…).
e) «Em suma, a inscrição de um bem cultural na “Lista do Património Mundial” não constitui qualquer classificação, pois esta pressupõe necessariamente a existência de um prévio procedimento administrativo; aquela inscrição “apenas” se reconduz à atribuição de um novo estatuto honorífico ao bem em causa: de bem cultural nacional passa a ser (também) um bem cultural mundial. Portanto, reafirma-se: não existe qualquer classificação da UNESCO denominada “Património da Humanidades”, “Património da UNESCO”, “Património Mundial” ou outra expressão equivalente (…)»
f) No que toca à classificação do Centro Histórico do Porto, considera a Requerida que a mesma «(…) resulta necessariamente da articulação de três diplomas legais: o Aviso n.º 15.173/2010, de 30 de Julho (…); a LBPC; e o Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro.» Assim, « [e]m primeiro lugar o Aviso n.º 15.173/2010 vem estabelecer que o Centro Histórico do Porto insere-se na categoria de Conjunto.(…) Em segundo lugar, o Aviso n.º 15.173/2010 veio conferir alguma eficácia à decisão do Comité do Património Mundial da UNESCO, na medida em que veio publicitar em 2010, no jornal oficial da República Portuguesa, uma decisão tomada em 1996 por uma entidade que NÃO integra a Administração Pública Portuguesa; (…) Em terceiro lugar (…), resulta diretamente do artigo 15.º/7 da LBPC que os bens culturais inscritos na “Lista do Património Mundial da UNESCO” estarão, quando muito, classificados como imóveis de Interesse Nacional.»
g) Referindo-se ao teor do n.º 7 do artigo 15.º da LBPC refere a Requerida que «[d]aqui resulta que NÃO existe uma classificação denominada de Monumento Nacional, mas apenas classificações denominadas de Interesse Nacional, de Interesse Público ou de Interesse Municipal, logo é manifestamente impossível afirmar, como faz o Requerente, que o Centro Histórico do Porto está classificado como Monumento Nacional. Portanto, à luz do artigo 15.º/7 da LBPC, o Centro Histórico do Porto está, quando muito, classificado, com uma das três graduações possíveis (artigo 15.º/2 daquele diploma).»
h) «Em quarto lugar, resulta, por fim, clara e inequivocamente da lei, é que o denominado Centro Histórico do Porto goza da designação de Monumento Nacional, em resultado, também aqui não de uma decisão por parte da entidade competente, mas sim em resultado direto da lei (ope Legis), pois que é esta última quem lhe manda atribuir, sem mais, tal classificação (artigo 15.º/2 e 3, por remissão do artigo 15.º/7, ambos da LBPC, articulado com o artigo 72.º/1 do Decreto-Lei 309/2009).»
i) Aduz, ainda, neste âmbito, a Requerida que: «[e]nquanto bem cultural inscrito na “Lista do Património Mundial da UNESCO”, o denominado Centro Histórico do Porto está, quando muito, classificado como imóvel de interesse Nacional, designado como Monumento Nacional. E nessa medida, o EBF é muito claro no 2.º e 3.º segmento do artigo 44.º/1, n) (…) ou seja, para poderem usufruir de isenção de IMI o EBF exige a classificação individual de cada um dos prédios que integram aquele Conjunto.»
j) Concluindo no sentido de que «(…) não tendo o Requerente demonstrado, quer no âmbito do procedimento administrativo que antecedeu a emissão da liquidação quer no presente processo arbitral, que o seu prédio urbano se encontra individualmente classificado como Monumento Nacional, forçoso é concluir que não reúne os requisitos para usufruir do benefício fiscal constante do artigo 44.º/1-n) do EBF, e que por conseguinte, o ato tributário sub judice encontra-se em linha com a lei.»
k) Por último, invoca, a Requerida quanto à indissociabilidade da isenção sub judice ao conceito fiscal de prédio que: «(…) para além de toda a evidência que o conjunto denominado Centro Histórico do Porto não constitui um prédio, mas sim uma Universalidade composto, ela sim, por milhares de prédios. Consequentemente, a isenção patente no artigo 44.º/1-n) do EBF, porque só pode ser dirigida a prédios fiscais (artigo 2.º do CIMI), exige a classificação individual dos prédios independentemente da Categoria patrimonial em que os mesmos se inserem (i.e. Monumento, Conjunto, Sítio).» Assim, «(…) forçoso é concluir que a liquidação ora colocada em crise encontra suporte factual e legal, devendo por isso permanecer na ordem jurídica.»
IV. Saneamento
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.
V. Matéria de Facto
Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
F. O Requerente, no ano de 2016, era proprietário da fracção autónoma designada pela letra “B” do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da União das Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ... . (cfr. Doc. n.º 1 junto com a petição inicial e consulta efectuada a 06.02.2018 à caderneta predial respectiva constante do Portal das Finanças);
G. O imóvel, identificado em 1. supra, do Centro Histórico do Porto, faz parte da lista de Património Mundial da UNESCO, conforme Aviso n.º 15173/2010, publicado no Diário da República, n.º 147, de 30 de Julho de 2010 (cfr. Doc. n.º 3 junto com a petição inicial);
H. A Divisão Municipal de Museus e Património Cultural da Câmara Municipal do Porto emitiu, a 28.03.2017, a informação, com referência ao imóvel identificado em 1. supra, no âmbito do processo n.º .../17/CMP, no sentido de que «[a] fracção em causa faz parte de um prédio localizado no conjunto designado por Centro Histórico do Porto, incluído na lista do “Património Mundial” pela UNESCO a 5 de dezembro de 1996 (cfr. «Relatório da 20.ª Sessão do Comité do Património Mundial») que a Legislação Portuguesa reconhece como »Monumento Nacional» (Aviso n.º 15173/2010_DR, n.º 147, 2.ª série, de 30/07/2010), pelo que está assinalado como MN19 na Planta de Condicionantes do Plano Diretor Municipal do Porto em vigor (Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/2006, publicada no Diário da República, 1.ª série-B, n.º 25, de 3 de fevereiro, alterado pelo Aviso n.º 14332/2012, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 207, de 25 de outubro). Acresce que, estando nas atribuições deste serviço a emissão de certidões de “Imóvel Classificado de Interesse Municipal”, essa situação comprovadamente não se verifica no presente caso.» (cfr. Doc. n.º 2 junto com a petição inicial);
I. O Requerente foi notificado para proceder ao pagamento da prestação única do acto de liquidação de IMI referente ao ano de 2016, no montante de € 159,96, com data limite de pagamento em Abril de 2017. (cfr. Doc. n.º1 junto com a petição inicial);
J. O Requerente procedeu ao pagamento do acto de liquidação subjacente à petição arbitral, em 9 de Abril de 2017.
VI. Factos dados como não provados
Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
VII. Motivação da matéria de facto dada como provada
Para a convicção do tribunal arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos analisados e ponderados em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral.
VIII. Questão decidenda
Em face do exposto nos números anteriores, a principal questão a decidir é a de saber se o acto tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), referente ao ano de 2016, é ilegal, na medida em que o prédio urbano onde se localiza a fracção pertencente ao Requerente está classificado como Monumento Nacional em decorrência do mesmo estar inserido no conjunto comummente designado por Centro Histórico do Porto, considerado Património Mundial pela UNESCO em 1996, e se, por esse facto, tal prédio reúne os pressupostos estabelecidos na lei para usufruir da isenção de IMI consagrada no artigo 44.º, n.º 1, alínea) n) do EBF.
IX. Fundamentos de direito
D. DA CLASSIFICAÇÃO DOS PRÉDIOS
67. Vamos determinar agora o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a questão já enunciada (vd., supra VIII).
Ora,
68. O artigo 44.º, n.º 1 alínea n) do EBF estabelece que estão isentos de IMI “os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável".
69. Este artigo é composto por duas previsões. Em primeiro lugar, estão isentos de IMI os prédios classificados como monumentos nacionais. Em segundo lugar, estão isentos do mesmo imposto os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal.
70. Atendendo à remissão para a legislação aplicável contida na mencionada norma do artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do EBF, há que ter em conta a Lei 107/2001, de 8 de Setembro – Lei de Bases do Património Cultural –, mais concretamente, ao seu artigo 15.º, segundo o qual:
"1 - Os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional, e os móveis, entre outras, às categorias indicadas no título VII.
2 - Os bens móveis e imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.
3 - Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adotar-se-á a designação «monumento nacional» e para os bens móveis classificados como de interesse nacional é criada a designação «tesouro nacional».
4 - Um bem considera-se de interesse nacional quando a respetiva proteção e valorização, no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação.
(...)
7 - Os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respetiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional.".
71. Por sua vez, a Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural, que teve lugar em Paris, e foi aprovada pelo Decreto n.º 49/79, de 6 de Junho, procurou estabelecer quais os bens naturais e culturais que podem vir a ser inscritos na Lista do Património Mundial, fixando os deveres dos Estados-Membros quanto à identificação e proteção desses bens. Nesta sequência, diversos monumentos, sítios ou conjuntos vieram a obter a classificação de Património Mundial da UNESCO. Destaca-se, em particular, os conjuntos classificados, mais concretamente, os Centros Históricos classificados como Património Mundial da UNESCO, como é o caso, do Centro Histórico do Porto.
72. Saliente-se que os referidos conjuntos classificados como Património Mundial beneficiaram, durante vários anos, de isenção de IMI, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais e 15.º, n.º 2, 3 e 7 da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro (Lei de Bases de Proteção do Património Cultural).
73. Como já referido, articulando os preceitos referidos, os imóveis situados nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO classificam-se como sendo de interesse nacional, inserindo-se na categoria de “Monumentos Nacionais” e, beneficiando, por conseguinte, da isenção consagrada na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.
74. Esta formulação veio a ser reiterada no Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro – Património Cultural Imóvel –, que estabelece o procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural, bem como o regime das zonas de protecção e do plano de pormenor de salvaguarda. De acordo com o seu artigo 3.º, n.º 1 "um bem imóvel pode ser qualificado como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal", acrescentando o n.º 3 que "a designação «monumento nacional» é atribuída aos bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios".
75. O facto de poderem coexistir prédios individualmente classificados, em caso de delimitação de um conjunto ou de um sítio, nos termos do artigo 56º do Decreto-Lei n.º 309/2009 apenas tem relevo provisório para delimitar a zona de proteção desse imóvel até à publicação da classificação do conjunto ou do sítio.
76. Por esse motivo se compreende que o artigo 44º do EBF distinga entre "prédio classificado como monumento nacional" e "prédio individualmente classificado como de interesse público ou municipal", só exigindo a individualização em relação a estas duas últimas categorias, e não quanto à dos prédios de interesse nacional.
77. Quanto ao argumento de que alguns autores defendem uma interpretação restritiva das isenções aos imóveis classificados, no intuito de excluir dos benefícios atribuídos em sede de IMI ou IMT todas as situações em que não tenha ocorrido um procedimento ou acto de classificação individual como monumento nacional, imóvel de interesse público ou municipal, razão pela qual foi nesse sentido alterado o artigo 6.º, alínea g) do Código do IMT pela Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro, levando a que a isenção tenha deixado de abranger "as aquisições de prédios classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ao abrigo da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro" para passar a contemplar apenas "as aquisições de prédios individualmente classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável", entendemos que não colhe também este argumento.
78. Aliás, nem faria muito sentido, já que a redação do artigo 44.º do EBF não foi alterada no mesmo sentido, continuando a exigir a classificação individual para atribuição da isenção apenas no caso dos imóveis de interesse público ou municipal, mas não fazendo tal exigência para os monumentos nacionais. Antes pelo contrário, a norma do n.º 5 do artigo 44.º do EBF dispõe que "a isenção a que se refere a alínea n) do nº. 1 é de carácter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal (…)".
79. Assim, verdadeiramente, entendemos claro que a intenção do legislador foi dispensar a classificação individualizada para efeitos de isenção de IMI aos monumentos nacionais, apenas a exigindo em relação a imóveis de interesse público ou de interesse municipal.
80. O imóvel em questão nos presentes autos faz parte do Centro Histórico do Porto, que foi inscrito na Lista do Património Mundial da UNESCO, conforme declarado pelo Aviso nº 15173/2010, publicado no Diário da República, II Série de 30 de Julho de 2010, emitido ao abrigo do n.º 3 do art. 72º do Decreto-Lei 309/2009, de 23 de Outubro (cfr. facto provado B).
81. Neste sentido, já se pronunciaram as decisões do CAAD dos processos n.º 325/2014- T, 76/2015-T, 33/2016-T, 98/2016-T, 379/2016-T, 534/2016-T e 204/2017-T, que acompanhamos na íntegra.
82. Com efeito e com interesse, importa referir que tem sido essa, igualmente, a posição dos Tribunais Centrais Administrativos (Norte e Sul ), sendo que, em especial, por aplicável ao caso em apreço, traremos à colação o sufragado nos Acórdãos do TCA Norte, proferidos nos processos n.º 0063/14.1BEPRT, de 01.06.2017 e n.º 00134/14.42BEPRT, de 07.12.2016, cujo sumário deste último refere:
«1 - Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis: os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável – cfr. artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
2 - Os imóveis situados nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO classificam-se como sendo de interesse nacional, inserindo-se na categoria de “monumentos nacionais” – cfr. artigo 15.º, n.º 3 e n.º 7 da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro.
3 - Os prédios inseridos nos Centros Históricos Classificados beneficiam de isenção de imposto municipal sobre imóveis.»
83. Assim, e tal como concluiu a decisão do CAAD do processo n.º 76/2015-T, estando o prédio em questão integrado no Centro Histórico do Porto, (bem como, os Acórdãos do TCA Norte, acima identificados) legalmente qualificado como monumento nacional, é manifesto que beneficia da referida isenção, sendo assim ilegal a liquidação de IMI aqui impugnada, e devendo ser restituído ao Requerente o imposto que foi pago.
E. DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS
9. O Requerente peticiona ainda que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços.
10. Dispõe o n.º 1 do artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que são devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
11. Considera-se erro imputável à administração, quando o erro não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto que não sejam da responsabilidade do contribuinte.
12. Ora, resultando dos actos tributários impugnados a obrigação de pagamento de imposto superior ao que seria devido, são devidos juros indemnizatórios nos termos legalmente previstos, presumindo o legislador, nestes casos, em que se verifica a anulação da liquidação, que ocorreu na esfera do contribuinte um prejuízo em virtude de ter sido privado da quantia patrimonial que teve que entregar ao Estado em virtude de uma liquidação ilegal. Em consequência, tem o contribuinte direito a essa indemnização, independentemente de qualquer alegação ou prova do prejuízo sofrido.
13. No caso presente, será inquestionável que, na sequência da consagração da ilegalidade dos acto de liquidação sindicado, haverá lugar a reembolso do imposto por força do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, e do artigo 100.º da LGT passando, necessariamente por aí o restabelecimento da “situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
14. Do mesmo modo, entende-se que será isento de dúvidas que a ilegalidade do acto é imputável à Autoridade Tributária, que autonomamente o praticou de forma ilegal.
15. Quanto ao conceito de “erro”, tem sido entendido que só em casos de anulações fundadas em vícios respeitantes à relação jurídica tributária haverá lugar a pagamento de juros indemnizatórios, não sendo reconhecido tal direito no caso de anulações por vícios procedimentais ou de forma.
16. Assim sendo, estando-se perante um vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito, imputável à Autoridade Tributária, tem o Requerente direito a juros indemnizatórios, de acordo com os artigos 43.º, n.º 1 da LGT, e 61.º do CPPT, contados desde o pagamento do imposto até ao integral reembolso do referido montante.
X. DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide-se:
D. Julgar procedente o pedido formulado pelo Requerente no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade do acto de liquidação de IMI referente ao ano de 2016, constante do documento com o n.º 2016..., no valor total de € 159,96 (cento e cinquenta e nove euros e noventa e seis cêntimos) a que foi sujeito, relativamente ao imóvel inscrito sobre o artigo ...-B, fracção “B”, da União das Freguesias de..., ..., ..., ..., ... e ... .
E. Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar ao Requerente o valor do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tal pagamento foi efetuado até à data do integral reembolso do mesmo.
XI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 159,96, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o montante das custas em € 306,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Autoridade Tributária e Aduaneira, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2018
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O Árbitro
(Jorge Carita)