DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
1. Relatório
A...– SGPS, LDA., doravante designada por “A... - SGPS, Lda.”, “A...”, “Requerente” ou “SP” (Sujeito Passivo), com o nipc ..., e sede na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, veio, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1, al. a), e n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”) - e, ainda, dos art.ºs 95.º da LGT, 99.º, al. d) do CPPT e 137.º, n.º 1 do CIRC - requerer a constituição do Tribunal Arbitral.
Peticiona a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, mais concretamente de actos de liquidação adicional em sede de IRC referente ao exercício de 2013, e juros compensatórios, cfr. Liquidações números 2018... e 2018..., respectivamente (doravante também designadas “as Liquidações” ou, conjuntamente, “a Liquidação”).
As Liquidações foram efectuadas na sequência de acção inspectiva instaurada à Requerente com referência ao exercício de 2013, sob a ordem de serviço OI2017... . E, bem assim, como melhor se apreciará, na sequência de acção inspectiva instaurada à sociedade B..., S.A., doravante designada por “B... S.A.” ou “B...” (sob as ordens de serviço OI2017... e OI2017...), nipc ..., sociedade esta dominada pela Requerente no perímetro do Grupo de empresas que ambas integram e do qual a ora Requerente é sociedade dominante. Ordens de Serviço melhor identificadas infra (v. factos provados).
Com efeito, no exercício em causa nos autos, de 2013, a Requerente integrava, na qualidade de sociedade dominante, um grupo de sociedades, no âmbito do qual vigorava, por ter sido exercida a respectiva opção, o regime especial de tributação dos grupos de sociedades (“RETGS”), previsto, em especial, nos art.ºs 69.º a 71.º do CIRC.
Da acção inspectiva instaurada à sociedade dominada B... S.A. resultaram correcções, na respectiva esfera jurídica, em sede de IRC e com referência ao exercício de 2013, como constante do respectivo Relatório de Inspecção Tributária (“RIT”).
Num segundo momento, como melhor se desenvolverá, também a Requerente foi visada por um procedimento de inspecção, reportado ao mesmo exercício de 2013, igualmente em sede de IRC.
Na sequência do que, veio a ora Requerente, A... - SGPS, Lda., a ser notificada dos actos de Liquidação que aqui coloca em crise.
Está em causa nos presentes autos a alegada ilegalidade, por extemporaneidade, das Liquidações. Com efeito, entende a Requerente que - no momento em que a Autoridade Tributária e Aduaneira lhe notificou os actos ora em crise - o já não podia fazer por se encontrar, então, ultrapassado o prazo de caducidade do direito à liquidação.
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A Requerente apresenta duas distintas ordens de razões para que se deva, segundo pugna, entender ter sido ultrapassado o prazo de caducidade.
A primeira prende-se com o facto de na esfera da B... S.A. - esfera na qual foram feitas, num primeiro momento, correcções - a Requerida não ter já a possibilidade de emitir uma Liquidação e notificar a inspeccionada (B... S.A.) dentro do prazo de caducidade. Com efeito, quando o Procedimento Inspectivo terminou haviam decorrido mais de seis meses desde que se havia iniciado e, assim, havia sido ultrapassado o prazo de seis meses de suspensão do prazo de caducidade (cfr. art.º 46.º, n.º 1 da LGT). Pelo que tudo se passou como se nunca o prazo de caducidade tivesse sido suspenso. E, por essa razão, a caducidade operou, defende, a 31 de Dezembro de 2017. Por assim ser na esfera da B..., defende a Requerente, deverá entender-se que também na esfera da Requerente (ou em qualquer outra esfera) a Requerida fica impossibilitada de - com base nessas mesmas correcções - vir a fazer qualquer Liquidação adicional.
No fundo, afinal, acrescentamos nós, porque decorrido o prazo de caducidade na esfera da dominada ficariam aquelas correcções inaptas a ser utilizadas com vista a um acto de Liquidação na esfera da Requerente.
A segunda ordem de razões prende-se com o facto de, apesar de ter sido instaurado contra a própria Requerente um Procedimento Inspectivo, no âmbito do qual a mesma veio a ser notificada das Liquidações, esse Procedimento Inspectivo não ter tido a virtualidade, entende a Requerente, de suspender o prazo de caducidade do direito à Liquidação.
Enquadrando a Requerente cada uma destas duas ordens de razões em dois pedidos distintos. Que apresenta, pela ordem que antecede, numa relação de subsidiariedade.
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As correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no âmbito da acção inspectiva à sociedade dominada B... S.A., e que constam do respectivo RIT, foram depois transpostas o projecto de RIT, posteriormente RIT, em sede de procedimento inspectivo à sociedade dominante (a Requerente), para efeitos de correcções ao Resultado Fiscal do Grupo. O que conduziu, por fim, às Liquidações reportadas ao exercício de 2013 de que a Requerente foi destinatária, e que aqui vem colocar em crise.
No essencial, a divergência de posições entre as Partes nos presentes autos tem por base perspectivas antagónicas quanto a ter, ou não, no caso, efectivamente decorrido, expirando, o prazo de caducidade do direito à liquidação em momento anterior ao da notificação à Requerente das Liquidações em crise.
Assim, a Requerente perfilha o entendimento de que, com referência ao prazo de caducidade aplicável, de quatro anos, e que terminaria - concordando as Partes neste ponto - a 31 de Dezembro de 2017, não pode considerar-se ter operado uma suspensão efectiva. Seja tendo em vista o procedimento inspectivo à B... S.A. (com as consequências que entende daí decorrerem para as Liquidações, a si Requerente dirigidas), seja se se considerar o procedimento inspectivo a si Requerente.
Enquanto que a Requerida, por seu lado, entende o oposto. Ou seja, entende que logrou suspender o prazo de caducidade do seu direito à liquidação e que, assim, notificou a Requerente, em tempo, dos actos aqui em crise.
A Requerente, não obstante, não se conformar com as Liquidações em causa, procedeu ao pagamento respectivo, pelo que vem agora peticionar: (i) a anulação das Liquidações (de imposto e de juros compensatórios) em crise, (ii) o reembolso das quantias pagas, e (iii) juros indemnizatórios. E, bem assim, a condenação da Requerida nas custas do processo.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à AT a 06.08.2018.
Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.
A 19.09.2018 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 10.10.2018.
Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela total improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante “PPA”) e pela consequente manutenção da Liquidação em crise na Ordem Jurídica.
Entende a Requerida, conforme sua Resposta e em suma, que:
(i) As Liquidações em crise resultam de procedimento inspectivo externo à declaração de rendimentos apresentada pela Requerente na qualidade de sociedade dominante do Grupo de empresas, a “declaração do grupo”;
(ii) Não estão em apreciação procedimentos inspectivos instaurados às sociedades dominadas, nem a liquidação de imposto na esfera de uma das empresas dominadas;
(iii) Não relevam correcções efectuadas para cada uma das sociedades dominadas.
Defende, assim, ter ocorrido o que denomina de “procedimento inspectivo ao grupo” de empresas, com início dentro do prazo de caducidade e, segundo entende, com término igualmente dentro desse prazo, uma vez que, defende a Requerida, o procedimento de inspecção à Requerente determinou a suspensão (por seis meses, cfr. art.º 46.º, n.º1 da LGT) do prazo de caducidade.
Como também assim entende ter ocorrido - dentro do prazo de caducidade - a notificação à Requerente das Liquidações. Pugnando, em consequência, pela respectiva manutenção na Ordem Jurídica.
Por despacho de 19.11.2018 decidiu este Tribunal dispensar a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas.
A Requerente apresentou alegações, vindo aí acrescentar o que considera dever entender-se provado após a Resposta da Requerida e, essencialmente, corroborar o já afirmado em sede de PPA.
Notificada da apresentação das alegações da Requerente, a Requerida não apresentou alegações.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente, e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O Processo não enferma de nulidades e não existe matéria de excepção.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os factos que seguem:
a) A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, constituída ao abrigo da lei portuguesa, com sede e direcção efectiva em território nacional, enquadrada no regime
geral de tributação em IRC e que tem por objecto a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas - CAE 64202;
b) A B... S.A. é uma sociedade comercial anónima, constituída ao abrigo da lei portuguesa, com sede e direcção efectiva em território nacional, enquadrada no regime
geral de tributação em IRC, que se dedica à exploração de suportes publicitários e à concepção, exploração, produção e comercialização de publicidade - CAE 73120;
c) Ao tempo dos factos em causa nos autos a Requerente detinha integralmente as participações sociais da B... S.A.
d) Ao tempo dos factos em causa nos autos Requerente e B... S.A. integravam um Grupo de empresas em cujo perímetro fiscal se incluíam ao todo quatro sociedades, sendo a Requerente a sociedade dominante e a B... S.A. uma das três sociedades dominadas.
e) O Grupo de empresas (em d) supra) enquadrava-se, por opção e ao tempo dos factos em causa nos autos, no Regime especial de tributação dos grupos de sociedades (“RETGS”) previsto no CIRC.
f) A 19.07.2017 foi assinada por representante da B... S.A. Ordem de Serviço que determinou o Procedimento de Inspecção Tributária que lhe foi instaurado, aí se contendo as Ordens de Serviço N.º OI2017..., de 2017-05-09, reportada ao exercício de 2014, e N.º OI2017..., de 2017-05-25, reportada ao exercício de 2013.
g) A coberto da Ordem de Serviço N.º OI2017...foi efectuado Procedimento de Inspecção à B... S.A., reportado ao exercício de 2013, de âmbito parcial em sede de IRC.
h) A 18.12.2017 a B... S.A. tomou conhecimento da Nota de Diligência do Procedimento de Inspecção relativo ao exercício de 2013.
i) Por ofício de 03.01.2018, com o n.º..., a B... S.A. foi notificada do projecto de Relatório de Inspecção Tributária e para o exercício do direito de audição.
j) Por ofício de 09.01.2018, com o n.º..., a B... S.A. foi notificada da prorrogação do Procedimento de Inspecção em curso por um período de mais três meses.
k) Do ofício à B... S.A., em j), que notifica da prorrogação do Procedimento e que aqui se dá por reproduzido, consta, entre o mais:
“Assunto: Notificação da prorrogação do prazo do procedimento de inspecção – art.º 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA)
Fica por este meio notificado para efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 36.º do RCPITA, de que foi prorrogado por um período de mais três meses o procedimento de inspecção em curso (...), conforme consta do despacho exarado na informação de prorrogação do prazo do procedimento de inspecção que se anexa, prevendo-se a sua conclusão até 19 de abril de 2018.(...)”
l) Do Ofício, em j), consta também, no despacho exarado na informação que lhe vem anexa, entre o mais:
“(...) foi iniciada em 2017-07-19 a inspecção externa (…).
(…) Pelo exposto mostra-se inviável a conclusão do processo até 2018-01-19, prazo de seis meses referido no n.º 2 do artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira.
Assim, (…) solicita-se que seja concedida a prorrogação por um período de três meses, a iniciar em 2018-01-20. (...)”
m) A 19.01.2018 a B... S.A. exerceu o direito de audição prévia, e aí contestou parte das correcções projectadas e a projectada liquidação de imposto.
n) Por Ofício de 09.02.2018, com o n.º..., a B... S.A. foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária (“RIT”) (junto pelo SP como doc. 4).
o) Do RIT à B... S.A., que aqui se dá por reproduzido, e que converteu em definitivas as correcções tal como haviam sido projectadas, consta, entre o mais:
“Os procedimentos e actos de inspecção tiveram início em 19/07/2017, com a assinatura da ordem de serviço por parte do senhor (…), nos termos do artigo 51.º do RCPITA, (…).”
“II.2 – Motivo, âmbito e incidência temporal
Os procedimentos inspectivos, com incidência sobre o período de tributação de 2013, nos termos do n.º 3 do artigo 14.º do RCPITA, têm natureza externa e âmbito parcial, com abrangência ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), em conformidade com o disposto na alínea b) do artigo 13.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º ambos do RCPITA.
A acção inspectiva tem por objectivo efectuar o controlo declarativo do sujeito passivo, nomeadamente, confirmar o cumprimento adequado das normas contabilísticas e fiscais e, verificar se o apuramento das bases tributáveis e resultado fiscal do sujeito passivo correspondem ao declarado e respectivo imposto declarado. (...)”
“II. 3.2 – Enquadramento fiscal e análise da situação tributária
Enquadramento Fiscal
Em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), a B... é sujeito passivo nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, encontrando-se enquadrada no Regime Geral de Tributação de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º e com o estipulado no n.º 1 do artigo 17.º, ambos do Código do IRC.
O sujeito passivo está sujeito ao Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades, (…).”
“III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
Na análise efectuada à contabilidade do SP e aos documentos que a suportam, foram verificadas diversas operações ativas e passivas, tendo sido detetadas as que abaixo se descrevem, que por não estarem de acordo com os princípios contabilísticos e as normas fiscais vigentes, nomeadamente, os artigos 17.º, 18.º, 23.º e 88.º do CIRC, são objecto de proposta de correcção em sede de IRC, conforme abaixo se expõe.
1 – Em sede do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC)
(…)
2 – Propostas de correcção
Tendo em atenção o exposto acima, propõem-se correcções, para o exercício de 2013, em sede de IRC no valor de € 932.353,48, como se demonstra no quadro abaixo: (…)
As correcções propostas fazem com que se proponha a alteração do prejuízo fiscal declarado (…).
Propõe-se igualmente a correcção das tributações autónomas (…).
IX – Conclusões
Face ao exposto, e atendendo a que não foram apresentados quaisquer elementos de prova e/ou factos novos, que alterem o sentido das correcções propostas no Projecto de Relatório de Inspeção Tributária as mesmas são de manter. (…)
Lisboa, 29 de Janeiro de 2018 (...)”
*
p) A 13.11.2017 foi assinada por representante da A... – SGPS, LDA. a Ordem de Serviço N.º OI2017..., que determinou o Procedimento de Inspecção Tributária que lhe foi instaurado, de âmbito parcial em sede de IRC, com referência ao exercício de 2013.
q) Por Ofício de 09.02.2018, com o n.º..., a A...– SGPS, LDA. foi notificada do projecto de Relatório de Inspecção Tributária e para o exercício do direito de audição, que não veio a exercer.
r) A 12.02.2018 a A...– SGPS, LDA. tomou conhecimento da Nota de Diligência (que junta como doc. 10).
s) Por Ofício de 15.03.2018, com o n.º..., a A...– SGPS, LDA. foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária (que junta como doc. 5).
t) Do RIT à A... – SGPS, LDA., que aqui se dá por reproduzido e nos termos do qual se converteram em definitivas as correcções como projectadas, consta, entre o mais:
“(…) II.2 – Motivo, âmbito e incidência temporal
A ordem de serviço acima identificada, relativa ao ano de 2013, tem natureza externa e âmbito parcial (…), com incidência no Imposto sobre o rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), em conformidade com o disposto na al. b) do art.º 13.º e na al. b) do n.º 1 do art.º 14.º, ambos do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA).
Dado que no período de tributação de 2013 o sujeito passivo integrava um grupo de sociedades no qual constava como sociedade dominante, a abertura da referida ordem de serviço tem como finalidade fazer refletir as correcções efectuadas na sociedade dominada B...- (…) S.A. (NIF...), para o período de tributação de 2013, no âmbito da ordem de serviço n.º OI2017..., na declaração de rendimentos do grupo, nos termos da al. a) do n.º 6 do art.º 120.º do CIRC.”
“III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
Conforme referido anteriormente, no ano em análise, a A...– SGPS Lda., encontrava-se abrangida pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69.º a 71.º do CIRC, constando como sociedade dominante do grupo.
Consideradas reunidas as condições de aplicação do RETGS, previstas no artigo 69.º do Código do IRC, o resultado fiscal do grupo declarado no período em análise, foi calculado pela sociedade dominante A... em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 70.º do mesmo diploma e que consiste no seguinte: “...através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo...”, conforme se demonstra pelo seguinte apuramento: (…)
III.1. Correcção ao Resultado Fiscal Individual Declarado pela B... S.A. (sociedade dominada)
No âmbito da ordem de serviço n.º OI2017..., procedeu-se à acção de inspecção externa à sociedade B... S.A. (…) da qual resultaram correcções à matéria tributável no montante de € 932.353,48, conforme se demonstra no seguinte quadro:
(…)
e correcção das tributações autónomas em € 14.030,69, a acrescer ao Campo 365 do Quadro 10 da Declaração Mod 22/IRC.
III.1.1. Fundamentação da correcção efectuada ao Resultado Fiscal Individual da B..., S.A. no ano de 2013 (sociedade dominada).
Com base na análise efectuada aos elementos e documentos de suporte disponibilizados, detetaram-se irregularidades de natureza tributária na sociedade B..., S.A., descritas no capítulo III do relatório da Inspecção Tributária que se anexa (Anexo I), as quais se transcrevem integralmente:
“(…) Na análise efectuada à contabilidade do SP (…)”
(Nota deste Tribunal: continua aqui a transcrição integral, neste RIT, do RIT à B... S.A., transcrição que se prolonga até início do ponto seguinte, III.2.)
III.2. Correcções meramente aritméticas ao resultado fiscal do grupo de sociedades
De acordo com os artigos 69.º e 70.º do CIRC, a correcção efectuada no ano de 2013 à sociedade B..., S.A., como sociedade que compõe um grupo de sociedades, tem repercussões na determinação do resultado fiscal do grupo. Deste modo, propõe-se a seguinte correcção à matéria tributável do grupo para o ano de 2013:
Propõe-se igualmente a correcção das tributações autónomas em € 14.030,69, passando estas a ser de € 58.279,08.
VIII – Direito de audição
Foi o sujeito passivo notificado nos termos do artigo 60.º do RCPITA para, querendo, exercer o direito de audição, através do ofício n.º ... de 09/02/2018. Decorrido o prazo, o sujeito passivo não exerceu aquele direito.
IX – Conclusões
A conclusão dos actos inspectivos ocorreu em 06/03/2018, tendo nesta data, a nota de diligência (…)
Em face do informado, as correcções vertidas no capítulo III do presente relatório tornam-se definitivas, tendo sido elaborado o respectivo documento de correcção (…).
(...)
Lisboa, 6 de Março de 2018 (…).”
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u) O Procedimento Inspectivo à A... - SGPS, LDA. destinou-se a fazer reflectir na declaração Modelo 22 do Grupo de empresas e com referência ao exercício de 2013 as correcções operadas no âmbito do Procedimento Inspectivo à B... S.A. para o período de tributação de 2013.
v) A 21.03.2018 foi emitida, tendo como destinatária a A... - SGPS, LDA., Liquidação adicional de IRC, com o n.º 2018..., no valor de total de € 16.146,44, sendo € 14.030,69 a título de tributações autónomas e € 2.115,75 a título de juros compensatórios.
w) A 23.03.2018 foi emitida, tendo como destinatária a A... - SGPS, LDA., Liquidação de juros compensatórios, com o n.º 2018..., no valor de 2.115,75.
x) A 23.03.2018 foi emitida, tendo como destinatária a A... - SGPS, LDA., Demonstração de acerto de contas, n.º 2018 ..., no valor total de € 16.146,44, com data limite de pagamento de 02.05.2018.
z) A Requerente foi notificada dos actos de Liquidação no final de Março de 2018.
aa) A 02.05.2018 a Requerente procedeu ao pagamento da Liquidação adicional no montante total constante da Demonstração de acerto de contas (cfr. doc. 11).
bb) A 30.07.2018 a Requerente apresentou o PPA que originou o presente processo.
2.2. Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa não existem factos que não tenham ficado provados.
2.3. Fundamentação da matéria de facto
Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos com o PPA e no Processo Administrativo (doravante “PA”), todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos, e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados (cfr. art.º 110.º, n.º 7 do CPPT).
Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC).
Não se deram como provadas ou não provadas alegações das Partes, apresentadas como factos, que traduzem afirmações conclusivas cuja veracidade se deverá aferir por referência à matéria de facto consolidada cfr. supra.
3. Matéria de Direito
3.1. Questões a decidir
As questões a decidir nos presentes autos são essencialmente de Direito e sumarizam-se na seguinte:
Os actos de Liquidação em crise foram, ou não, notificados ao SP dentro do prazo de caducidade, de quatro anos - cfr. art.º 45.º, n.º 1 da LGT?
Para responder à identificada questão terá o Tribunal também que, no seu iter decisório, apreciar da seguinte questão:
As regras gerais aplicáveis à matéria da caducidade do direito à liquidação sofrem, ou não, alguma adaptação, revestindo-se de alguma especificidade, pelo facto de o SP integrar, na qualidade de sociedade dominante, um Grupo de empresas ao qual se aplica o RETGS previsto no CIRC?
Por fim caberá, caso se decida pela peticionada anulação das Liquidações e devolução das quantias pagas, decidir quanto a juros indemnizatórios. Como segue.
3.1.1. Os actos de Liquidação em crise foram, ou não, notificados ao SP dentro do prazo de caducidade - cfr. art.º 45.º, n.º 1 da LGT ?
Alega a Requerente que o prazo de caducidade foi ultrapassado. Ao contrário, referimos já, daquilo que entende a Requerida.
Vejamos. O quadro legal de base, ínsito na LGT e no qual nos movemos, é o seguinte:
“Artigo 45.º - Caducidade do direito à liquidação
1. O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
2. (…)
3. (…)
4. O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, (…).
(…)”
“Artigo 46.º – Suspensão do prazo de caducidade
1. O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção .
2. O prazo de caducidade suspende-se ainda: (…).”
Segundo a Requerente terão sido infringidas as regras legais aplicáveis desde logo pela seguinte primeira razão. O Procedimento Inspectivo à sociedade dominada B... veio a prolongar-se por um período superior a seis meses. Ultrapassando, pois, o prazo de seis meses de suspensão (previsto no art.º 46.º, n.º 1 supra) do prazo de caducidade. Suspensão da qual assim (consequentemente) não beneficiou. Neste contexto, a AT veio posteriormente a notificar a Requerente A... das Liquidações aqui em crise. As Liquidações, defende a Requerente, decorrem das correcções operadas em sede de procedimento à B... . Ora, não estando já a AT em condições para, com base nessas correcções, emitir Liquidações adicionais à B... - porque ultrapassado o prazo de caducidade - deverá entender-se, segundo a Requerente, que também o não estava já para emitir Liquidações à Requerente.
Ou, melhor ainda, se bem compreendermos o alcance da argumentação da Requerente, na sua tese deverá entender-se que, tendo a Requerida deixado expirar o prazo de caducidade do direito à liquidação na esfera da B..., no âmbito daquele primeiro procedimento inspectivo, e tendo sido das correcções operadas nesse mesmo âmbito que vieram posteriormente a resultar as Liquidações (notificadas à Requerente), ultrapassado que estava, ali (naquele primeiro procedimento inspectivo), o prazo de caducidade, essas correcções (“contingências em sede de IRC”, na expressão da Requerente – cfr. ponto 48.º do PPA) ficaram desprovidas de aptidão para “despoletar qualquer liquidação adicional de imposto em momento posterior a 31 de Dezembro de 2017 (...)” (cfr. ponto 48.º do PPA) - o termo do prazo de caducidade no caso.
E, por essa razão, a Requerida não estaria já em tempo, após 31 de Dezembro de 2017, para proceder à notificação à Requerente das Liquidações.
Com efeito, defende a Requerente, muito embora as Liquidações lhe tenham sido formalmente notificadas a si, elas visaram “concretizar correcções decorrentes de contingências detetadas na esfera da B..., S.A.” e, assim (é o entendimento da Requerente), uma vez que a AT já não podia - porque ultrapassado o prazo de caducidade - fazer reflectir aquelas correcções na esfera da B..., também já não podia “materializar tais correcções em actos de liquidação de imposto e juros compensatórios (…)” - na esfera da Requerente (v. pontos 55.º - 56.º do PPA).
A Requerente configura como pedido principal, no PPA, o da declaração de ilegalidade e consequente anulação das Liquidações com fundamento no que agora se vem de explanar.
Ou seja, e clarifiquemos mais uma vez, com fundamento em que, uma vez que se encontra expirado o prazo de caducidade para fazer reflectir as correcções operadas na esfera da B... nessa mesma esfera, também já não é admissível fazê-lo em qualquer outra esfera. Não é possível materializar aquelas correcções em actos de Liquidação - mesmo que actos de Liquidação à Requerente.
Como pedido subsidiário apresenta, por sua vez, o da declaração de ilegalidade e consequente anulação das Liquidações por, tendo sido, em seu entender, o Procedimento Inspectivo a si Requerente (dominante), na realidade, de natureza que não externa, não conter o mesmo a virtualidade de suspender o prazo de caducidade. E, assim também por esta via, quando procedeu à notificação das Liquidações - após 31 de Dezembro de 2017 - a AT já não o podia fazer, por se encontrar expirado o prazo de caducidade.
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Diz-nos o artigo 124.º do CPPT que, apresentando o impugnante os pedidos conducentes à anulação do acto numa relação de subsidiariedade deverá o Juíz conhecer dos mesmos por essa ordem.
Refira-se que no entender deste Tribunal não estamos verdadeiramente em face de pedidos subsidiários. Estaremos, admite-se, perante uma subsidiariedade entre causas de pedir ou, melhor, entre diferentes substractos fácticos da causa de pedir conforme apresentada.
Com efeito, o conhecimento do segundo (“subsidiário”) não poderia ficar prejudicado pelo conhecimento do primeiro (“principal”) . Pois que, para este Tribunal decidir quanto ao primeiro, tal como apresentado, com a fundamentação e pelas razões ali expostas pela Requerente, não poderia deixar de conhecer também daquilo que a Requerente apresenta como fundamentação e razões subjacentes ao segundo, e apreciar se por referência a estes últimos se deverá entender que a Requerida procedeu à notificação das Liquidações dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação. Tenha-se em vista para além do mais, e desde logo, a defesa tal como apresentada nestes autos pela Requerida.
Assim, se por via de alguma das realidades fáctico-jurídicas em causa a Requerida tiver logrado suspender de forma efectiva o prazo de caducidade aplicável ao caso, e, validamente, notificar em tempo a Requerente dos actos de Liquidação em crise, sempre a decisão do Tribunal terá que ser pelo indeferimento do PPA.
Pois que o que está sempre em questão é saber se as Liquidações foram, ou não, validamente notificadas dentro do prazo de caducidade. O PPA contém um pedido, o pedido de declaração de ilegalidade, e consequente anulação, das Liquidações, tendo por causa de pedir a caducidade do direito à liquidação. Aportando para o efeito duas ordens de razões (substracto fáctico), como supra, mas sempre por referência à violação dos art.ºs 45.º, n.º 1 e 4 e 46.º, n.º 1 da LGT – i.e., à violação do prazo de caducidade.
Avancemos, seguindo assim a ordem de razões exposta pela Requerente. Como segue.
Vem a Requerente invocar que o Procedimento de Inspecção à sociedade dominada (B... S.A.), não obstante ter tido natureza externa - o que aceita - e, por isso, ter suspendido o prazo de caducidade do direito à liquidação, ainda assim, pelo facto de depois se ter prolongado por mais que seis meses, perdeu o referido efeito suspensivo do prazo de caducidade. Vindo assim a terminar num momento em que o prazo de caducidade havia já expirado.
E que, assim sendo, não tendo a suspensão produzido, a final, efeitos e, portanto, tendo o prazo de caducidade decorrido de forma seguida, e tendo o Procedimento terminado depois de 31 de Dezembro de 2017, não podia a AT vir a notificar uma Liquidação à sociedade dominada (visada pelo Procedimento de Inspecção em causa). Só o poderia ter feito até 31 de Dezembro de 2017 (data em que expirou o prazo de caducidade).
Sendo que, por consequência, defende a Requerente, se a AT o já não podia fazer (decorrido esse prazo) quanto à sociedade dominada, deverá entender-se que também o não podia já fazer quanto à sociedade dominante (a Requerente). Ou melhor, que a AT tal como não estava já em tempo para emitir e notificar uma Liquidação à sociedade dominada (SP visado naquele Procedimento de Inspecção) com base nas correcções apuradas naquele Procedimento, também já não estava para, fazendo uso daquelas correcções, o fazer relativamente à Requerente, ainda que na qualidade de sociedade dominante. Uma vez que, como defende, as Liquidações à Requerente, aqui em crise, foram feitas por via da materialização daquelas correcções (à dominada).
Depois, e para o caso de o Tribunal não decidir pela verificação da ilegalidade, cuja declaração se peticiona, com base no acima exposto, invoca a Requerente outro distinto motivo para que a notificação da Liquidação em crise se deva considerar como tendo sido efectuada num momento em que já havia decorrido o prazo de caducidade.
A saber, alega a Requerente que o Procedimento de Inspecção que lhe foi, entretanto, instaurado a si, e ao qual a Requerida atribuiu a qualificação de Procedimento de natureza externa, não pode considerar-se como tendo tido a virtualidade de suspender o prazo de caducidade.
A Requerida defende-se alegando ser irrelevante, para efeitos dos presentes autos, o Procedimento inspectivo à sociedade dominada. E desenvolve a sua defesa exclusivamente por referência ao Procedimento Inspectivo à Requerente. Alicerça-se no facto de, segundo entende, o Procedimento à Requerente ter tido natureza externa e assim se ter suspendido o prazo de caducidade (cfr. art.º 46.º, n.º 1 da LGT). Com a consequência de, por esta via, a notificação das Liquidações em crise ter ocorrido em tempo, i.e., antes do termo do prazo de caducidade.
Ora vejamos.
Conforme factos provados (supra), a sucessão de ocorrências no nosso caso, no que agora mais releva, foi a seguinte:
A sociedade dominada B... S.A. foi visada por um Procedimento de Inspecção, tendo sido notificada da respectiva Ordem de Serviço (“OS”) no dia 19.07.2017 (cfr. f) - factos provados). Assim, este Procedimento teve o seu início nesta data, cfr. art.º 51.º do RCPITA:
“Artigo 51.º – Data do início do procedimento de inspecção
1. Da ordem de serviço (…) que determinou o procedimento de inspecção será, no início deste, entregue uma cópia ao sujeito passivo (…).
2. O sujeito passivo ou obrigado tributário ou o seu representante deve assinar a ordem de serviço indicando a data da notificação, a qual, para todos os efeitos, determina o início do procedimento externo de inspecção.
(…).”
Quanto à conclusão do mesmo Procedimento, tendo a B... S.A. sido notificada do respectivo Relatório de Inspecção Tributária (“RIT”) no dia 09.02.2018 (cfr. n) factos provados), o Procedimento terminou nesta data, cfr. art.º 62.º, n.º 2 do RCPITA:
“Artigo 62.º – Conclusão do procedimento de inspecção
1. Para conclusão do procedimento de comprovação e verificação é elaborado um relatório final com vista à identificação e sistematização dos factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária.
2. O relatório referido no número anterior deve ser notificado ao contribuinte por carta registada (…), considerando-se concluído o procedimento na data da notificação.
(…).”
Entre o dia 19.07.2017 (início do Procedimento) e o dia 09.02.2018 (fim do Procedimento) medeiam mais de seis meses. O prazo de seis meses, a que mais adiante voltaremos, terminaria a 19.01.2018 .
O Procedimento à B... S.A. foi de âmbito parcial, em sede de IRC e referente ao exercício de 2013. Visou controlar as respectivas obrigações declarativas, confirmar o cumprimento das normas contabilísticas e fiscais, e verificar se o apuramento das respectivas bases tributáveis, resultado fiscal e imposto tinham correspondência no que havia sido declarado. No âmbito do Procedimento foi analisada a respectiva contabilidade e documentos de suporte, verificadas operações ativas e passivas, e foram detetadas situações, melhor descritas no RIT, que, por não estarem de acordo com os princípios contabilísticos e normas fiscais vigentes, foram objecto de proposta de correcção, ao seu Resultado Fiscal Individual, como constante do RIT em causa.
A B... S.A. veio a ser notificada do RIT, vimos já.
Não veio a ser notificada de qualquer Liquidação.
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A Requerente, por seu lado, foi alvo de um Procedimento de Inspecção, tendo sido notificada da respectiva OS no dia 13.11.2017 (cfr. p) factos provados), data esta que marca o início deste Procedimento de Inspecção (cfr. art.º 51.º do RCPITA, supra).
Quanto à conclusão do Procedimento à Requerente, tendo esta sido notificada do respectivo RIT no dia 15.03.2018 (cfr. s) factos provados), o Procedimento terminou nesta data (cfr. art.º 62.º, n.º 2 do RCPITA, supra).
Entre os dias 13.11.2017 (início do Procedimento) e 15.03.2018 (fim do Procedimento) decorreram menos que seis meses. Um prazo de seis meses, na hipótese de se vir a considerar relevar para o nosso caso, terminaria a 13.05.2018.
O Procedimento de Inspecção instaurado à Requerente foi de âmbito parcial, em sede de IRC e referente ao exercício de 2013. Visou fazer refletir as correcções efectuadas na B... S.A. (sociedade dominada) para o período de tributação de 2013 (no âmbito do Procedimento acima, OS OI2017...) na declaração de rendimentos do Grupo (cfr. al. a) do n.º 6 do art.º 120.º do CIRC) referente ao mesmo exercício de 2013. Tendo sido detectadas irregularidades de natureza tributária na esfera jurídica da B... S.A. (pela análise efectuada aos elementos e documentos de suporte disponibilizados no âmbito do Procedimento à mesma), e feitas pela AT as consequentes correcções nessa esfera no âmbito daquele Procedimento Inspectivo (à B... S.A.), essas correcções assim efectuadas geraram a necessidade de - por ambas as sociedades integrarem um Grupo de empresas sujeito ao RETGS - proceder à respectiva repercussão ao nível do Resultado Fiscal do Grupo. Grupo no qual a Requerente é sociedade dominante.
A Requerente veio a ser notificada do RIT, em que a Requerida procedeu a correcções meramente aritméticas ao Resultado Fiscal do Grupo de empresas. Vimos já.
E veio também, a Requerente, a ser notificada das Liquidações, que ora coloca em crise.
No final do mês de Março de 2018.
*
Apreciando.
Requerente e B... S.A. integram um Grupo de empresas no âmbito do qual, por opção, vigora o RETGS – cfr., em especial, art.ºs 69.º a 71.º do CIRC.
No âmbito deste Regime Especial de tributação, RETGS, prevalece uma lógica de tributação conjunta, sendo o rendimento do conjunto das empresas - o rendimento gerado no seio do Grupo como um todo - por opção, tributado tendencialmente pelo resultado agregado, como se de uma única entidade se estivesse a cuidar.
A tributação em sede de IRC neste contexto é feita, assim, tendo por base a soma algébrica dos resultados agregados das diversas sociedades que integram o Grupo, quase como se se estivesse a tributar uma só sociedade – na verdade, estar-se-á a tributar a unidade económica do conjunto.
Tributa-se, assim, tendo por base a soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais individuais das várias sociedades do perímetro do Grupo. Assim se permitindo, refira-se, que os prejuízos fiscalmente aceites, apurados em cada uma, relevem para efeitos de apuramento do lucro fiscal do conjunto.
O que fica dito, porém, não implica que as diversas sociedades integrantes do Grupo deixem de ser entidades distintas, sujeitos de relações jurídico-tributárias próprias.
Nas palavras de SALDANHA SANCHES, “(...) dar um tratamento de conjunto a esta forma de actividade empresarial é uma imposição das regras de bem tributar, (…) dando uma unidade jurídica e um tratamento conjunto aos grupos de sociedades. O Organschaft constitui uma visão conjunta da estrutura formada por uma sociedade-mãe (…) e pelas sociedades-filhas, considerada como uma unidade para efeitos de tributação (…) e assim resolvendo a contradição entre a substância e a forma na tributação das sociedades. (…) A tributação pelo lucro consolidado é o modo mais adequado de tributar sociedades em relação de grupo, evitando quer a dupla tributação, quer as possibilidades de redução ilegítima da dívida fiscal.”
Sem maiores desenvolvimentos, atente-se então no RETGS, naquilo que mais releva para o nosso caso. Desde logo, no disposto art.º 70.º do CIRC:
“Art.º 70.º – Determinação do lucro tributável do grupo
1. Relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, (…).”
Depois, estabelece o art.º 120.º, n.º 6 assim:
“Artigo 120.º - Declaração periódica de rendimentos
6. Quando for aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades:
a) A sociedade dominante deve enviar a declaração periódica de rendimentos relativa ao lucro tributável do grupo apurado nos termos do artigo 70.º;
b) Cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante, deve enviar a sua declaração periódica de rendimentos na qual seja determinado o imposto como se aquele regime não fosse aplicável.”
Refira-se, por fim, que a opção pelo RETGS implica que uma sociedade integrante do Grupo assuma a qualidade de sociedade dominante, reunindo determinados requisitos, e à qual, nos termos do CIRC, incumbem uma série de responsabilidades neste âmbito – incluindo pelo pagamento do imposto, sem prejuízo da responsabilidade solidária de todas as sociedades do Grupo pelo mesmo pagamento, cfr. CIRC, art.ºs 69.º, n.º 2, 69.º-A, n.º s 1 e 3 e art.º 115.º.
Ainda em sede de CIRC, e com relevo para o caso, atente-se nos seguintes dispositivos: art.º 8.º/ 1 e 9, art.º 101.º e art.º 134.º:
“Artigo 8.º – Período de tributação
1. O IRC, (…), é devido por cada período de tributação, que coincide com o ano civil (…).
(…)
9. O facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação.”;
“Artigo 101.º – Caducidade do direito à liquidação
A liquidação de IRC, ainda que adicional, só pode efectuar-se nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral tributária.”
“Art.º 134.º – Dever de fiscalização especial
A fiscalização em especial das disposições do presente Código rege-se pelo disposto no at.º 63.º da Lei Geral Tributária, aprovada (…), o no Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, aprovado (…).”
Feito o enquadramento, vejamos então se assiste razão à Requerente quando alega que, no seio do Grupo de sociedades que integra, e ao qual se aplica o RETGS, se deverá entender que - tendo sido realizado um Procedimento de Inspecção Tributária a uma sociedade dominada, e tendo-se esse Procedimento prolongado por mais de seis meses, não ocorrendo, assim, um “alargamento” do prazo de caducidade, e não sendo possível, assim, no caso, a AT vir a emitir uma Liquidação à sociedade dominada (inspeccionada) em decorrência desse Procedimento, por caducidade do direito à liquidação - se deverá entender que a Requerida fica também impossibilitada de fazer uso das correcções apuradas nesse Procedimento para efeitos de proceder a correcções na esfera jurídica da Requerente na qualidade de sociedade dominante. E, em decorrência destas últimas correcções, vir depois a emitir uma Liquidação à Requerente. A qual estaria, alega a Requerente, ferida de ilegalidade por esta via.
A Requerida alega em sua defesa que não releva o que tenha ocorrido em sede de Procedimento Inspectivo à dominada. Que o que está em causa, e que há a considerar, é, tão só, o facto de ter sido por si realizado um Procedimento Inspectivo à Requerente no âmbito do qual foram emitidas as Liquidações, neste âmbito se devendo aferir da respectiva legalidade.
Vejamos, antes de mais, se se confirmam os pressupostos em que a Requerente se alicerça:
Quanto ao Procedimento à dominada ter excedido o prazo de seis meses.
Efectivamente - vimos acima - o Procedimento à B... excedeu o prazo de seis meses.
Este prazo é estabelecido pelo legislador como o prazo de duração máxima do procedimento de inspecção. V. art.º 36.º, n.ºs 1 e 2 do RCPITA:
“Artigo 36.º – Início e prazo do procedimento de inspecção
1. O procedimento de inspecção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou (…).
2. O procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início.”
Sem prejuízo de serem também estabelecidas pelo legislador situações em que se admite a prorrogação de tal prazo de duração , ainda assim pretendeu-se que esse fosse o prazo máximo regra e, em conformidade, estabeleceu o legislador, no art.º 46.º, n.º 1 da LGT (supra), que, estando em curso um prazo de caducidade do direito à liquidação, e tendo início um Procedimento de Inspecção de natureza externa, se opera a suspensão do prazo de caducidade, no máximo, pelo tempo “regra” desse Procedimento. Seis meses.
Resulta da prova consolidada nos autos que o Procedimento à B... revestiu efectivamente a natureza de Procedimento externo (como aceite pela Requerente e como decorre do RIT, cfr. o) - factos provados) - V. art.º 13.º al. b) do RCPITA .
Potenciou, assim, a suspensão do prazo de caducidade, que se encontrava em curso aquando do início do Procedimento - cfr. art.º 46.º, n.º 1 da LGT (supra).
Mas, tendo excedido a duração de seis meses (cfr. supra; v. também j), k) e l) - factos provados) tudo se passou como se nunca tivesse ocorrido suspensão do prazo de caducidade. Com efeito, é esta a interpretação a conferir ao n.º 1 do art.º 46.º da LGT (supra), sendo a sua redacção clara nesse sentido. Ou seja, o prazo de caducidade conta-se, assim sendo, desde o seu início e como se a notificação da OS nunca tivesse ocorrido.
Não tendo, assim, o Procedimento influenciado a contagem do prazo de caducidade, há que concluir que, quando o Procedimento terminou, a 09.02.2018, se encontrava ultrapassado o mesmo prazo: considerando que o prazo de caducidade - quatro anos - terminava a 31.12.2017, ponto que é aceite pelas Partes (v. art.º 8.º, n.ºs 1 e 9 do CIRC, em conjugação com o art.º 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT, todos supra), estando em causa apuramento em sede de IRC referente ao exercício de 2013, e considerando que o IRC é um imposto periódico cujo facto gerador se considera verificado no último dia do período de tributação, teremos que concluir que assiste razão à Requerente quando defende que a Requerida não poderia já utilizar as correcções a que ali procedeu para emitir uma Liquidação à B... - que a esta pudesse ser notificada em tempo - ultrapassado que estava o prazo de caducidade. Ou seja, não o poderia já fazer senão violando o art.º 45.º, n.º 1 da LGT.
Coloque-se então agora a questão - distinta - de saber se poderia a Requerida, diferentemente, emitir uma Liquidação à Requerente, na qualidade de sociedade dominante do Grupo, ainda que, para assim o fazer, recorrendo às correcções apuradas em sede de Procedimento inspectivo à B... .
Apreciemos, pois, a relação que a Requerente estabelece entre a caducidade do direito à Liquidação na esfera da dominada B... S.A. / na esfera da dominante Requerente.
Vimos já, acima, que estamos perante entidades distintas, sujeitos de relações jurídico-tributárias próprias. Desde logo, a emissão de uma Liquidação a uma, não se confunde, não sendo o mesmo, que a emissão de uma Liquidação à outra. Em particular, sendo esta outra a sociedade dominante, a Liquidação a esta reveste características que a distinguem de qualquer outra Liquidação.
A este respeito comecemos por atentar no teor do n.º 1 do art.º 45.º da LGT :
“(...) o direito (…) caduca se a liquidação não for (…) notificada ao contribuinte no prazo (...)” (sublinhados nossos).
O contribuinte de que estamos a cuidar nos autos – a quem foram emitidas e notificadas as Liquidações que se vêm colocar em crise – é a Requerente, a sociedade dominante do Grupo. Que foi notificada das Liquidações nessa qualidade, de sociedade dominante. E quanto a este último ponto também não restam dúvidas, pois que as correcções operadas no Procedimento à Requerente, e reflectidas no respectivo RIT, traduzem correcções efectuadas à Declaração Modelo 22 do Grupo, correcções ao Resultado Fiscal do Grupo.
A caducidade do direito à liquidação cuja verificação se pede seja apreciada nestes autos, e de que o art.º 45.º, n.º 1 da LGT cuida, é, pois, a caducidade do direito à liquidação na esfera da Requerente na sua qualidade de sociedade dominante.
A caducidade do direito à liquidação (efectivamente verificada) na esfera da B...– sociedade dominada – contribuinte que não chegou a ser alvo de uma Liquidação – não está pois, na verdade, em causa nos presentes autos.
Quando muito, e será esta a tese da Requerente neste ponto, as correcções operadas na esfera individual da B... terão ficado “feridas” (a expressão é nossa) por expirado o prazo de caducidade do direito à liquidação nessa esfera, da B... . E, daí, não poderiam vir a ser utilizadas pela Requerida para efeitos de proceder a outras correcções seja em que esfera for.
Ora vejamos se tal tese poderá merecer a nossa concordância.
As correcções efectuadas na esfera da B... são correcções ao resultado do exercício da B..., ao seu resultado fiscal individual. Ao apuramento em IRC declarado pela B... na sua Modelo 22, na sua esfera individual, portanto. Cfr. art.º 120.º, n.º 6, al. b) do CIRC.
Diferentemente, as correcções efectuadas na esfera da Requerente são correcções ao resultado fiscal do Grupo, à matéria tributável do Grupo. Ao apuramento em IRC declarado pela Requerente, enquanto sociedade dominante, na Declaração Modelo 22 relativa ao lucro tributável do Grupo. Que é calculado tendo por base, vimos supra, a soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades do Grupo, dominante incluída. Cfr. art.º 70.º e art.º 120.º, n.º 6 al. a) do CIRC .
Ou seja, por um lado, a Declaração Modelo 22 a apresentar pela sociedade dominante apenas pode ser preparada tendo por base o constante das Declarações Modelo 22 individuais de todas e cada uma das sociedades do Grupo.
Tendo havido correcções a uma delas, como foi o caso nos presentes autos, ficou afectada a Declaração Modelo 22 do Grupo.
As correcções efectuadas numa Declaração Modelo 22 individual (de uma dominada) são correcções ao resultado apurado nessa sociedade.
E, voltando ao caso concreto – não poderemos deixar de reconhecer – são correcções efectivamente processadas. Pela autoridade competente para o efeito dentro dos poderes que lhe são próprios, tendo iniciado para tanto um Procedimento Inspectivo enquanto estava ainda em curso o prazo de caducidade – v. art.º 36.º, n.º 1 do RCPITA.
Sendo que só depois do resultado individual desta sociedade ser corrigido é que se vão poder utilizar os novos valores do mesmo, os valores corrigidos, para serem refeitos os cálculos do apuramento do lucro tributável do Grupo.
Mas estes últimos cálculos não se confundem com os cálculos feitos ao corrigir a Declaração Modelo 22 individual. São correcções distintas. Nem conduzem a um resultado igual. Veja-se, para melhor compreensão, e entre o mais, os vários valores constantes do Quadro 5 do RIT à Requerente (em t) - factos provados).
Ainda que a base das correcções a efectuar ao lucro tributável do Grupo tenham que ser os valores resultantes das correcções operadas na esfera da dominada, os valores conforme constantes da Declaração Modelo 22 individual após correcção.
Claro que ficou que estamos perante correcções que não se confundem, pergunte-se ainda: estaria a Requerida impedida de fazer uso desses valores a que chegou na esfera da sociedade dominada por força das correcções que ali efectuou? E com base neles proceder a correcções à Matéria Tributável noutra sede - no caso, à Matéria Tributável do Grupo, na esfera da Requerente na sua qualidade de sociedade dominante?
Não cremos.
Vimos já que estamos perante correcções efectivas. Entendemos que não será pelo facto de o Procedimento à dominada ter ultrapassado o termo do prazo de caducidade do direito à liquidação - à dominada - que as mesmas deixarão de se poder considerar no seio do Grupo e para efeitos do RETGS. Por tudo o que vimos e o que mais segue.
Desde logo, o facto de as correcções terem sido efectuadas na esfera da B... e ali não terem sido utilizadas para efeitos de emissão de uma Liquidação não é de molde a contrariar o que, em regra, já sucederia mesmo que a AT estivesse ainda em tempo de naquela esfera proceder a uma Liquidação (e notificá-la). Na verdade, no RETGS embora cada uma das sociedades do Grupo tenha que apresentar a sua Declaração Modelo 22 individual, esta destina-se afinal a ser utilizada para efeitos de apuramento do resultado fiscal do Grupo. Não para que sejam emitidas Liquidações (ou, em rigor: não para que cada sociedade faça uma autoliquidação) na esfera de cada sociedade do Grupo, como bem se compreende.
Neste sentido, de que as sociedades dominadas não são alvo de Liquidações, v. como se escreveu no Douto Acórdão do TCA Sul proferido no processo 05376/12, 04/30/2014 : “(...) iv. A soma é efectuada no final do exercício, sendo feito com base na declaração periódica apresentada pela sociedade dominante. No entanto, cada uma das sociedades incluídas no perímetro deve apresentar também uma declaração periódica de rendimentos, que todavia não é objecto de liquidação. (...)”
Ademais, no caso dos autos em concreto, as correcções efectuadas na esfera individual da B... não seriam, de todo em todo, aptas a dar lugar a uma qualquer Liquidação nessa esfera. Mesmo que se quisesse conjecturar tal hipótese (como sucede na tese apresentada pela Requerente). Com efeito (cfr. RIT em o) - factos provados) as correcções incidiram sobre o valor de (i) prejuízos fiscais, e (ii) tributações autónomas. Quanto aos primeiros, as correcções à Declaração individual da B... foram no sentido de os reduzir em certo montante e, quanto às segundas, no sentido de as aumentar em certo montante (cfr. RIT). Continuando a subsistir na esfera da B... prejuízos fiscais, como sucedeu, e tendo as tributações autónomas igualmente que ser apuradas necessariamente a final na Declaração do Grupo, para nessa sede se apurarem as taxas aplicáveis tendo em vista o prejuízo fiscal do Grupo, não poderiam aquelas correcções ter dado lugar a uma Liquidação na esfera da B... . Não se chegando, pois, afinal, em bom rigor, a poder sequer colocar uma questão de caducidade do direito à liquidação nesse contexto.
E só na Declaração do Grupo poderão as correcções em causa, depois de transpostas para o efeito para o resultado fiscal do Grupo, e nos termos aplicáveis, como vimos, vir a dar lugar a uma Liquidação. E para aferir se a Liquidação - in casu - se encontra ou não ferida de vício de violação de lei por violação do prazo de caducidade teremos que o fazer por referência ao contribuinte a quem foi feita a Liquidação. Cfr. art.º 45.º, n.º 1 da LGT. No caso, a Requerente na qualidade de sociedade dominante, como vimos. Sem que se possa entender que correcções efectuadas na esfera de uma sociedade dominada inquinem as posteriores correcções, e por consequência a Liquidação, à Requerente.
Não tendo o legislador estabelecido uma regulamentação especial em matéria de RETGS relativa ao concreto funcionamento dos Procedimentos de Inspecção Tributária no que para o caso dos autos releva, sempre teremos que aplicar as normas gerais. Como vimos de fazer. Com a consequência que antecede.
Acresce ainda que, apelando ao elemento sistemático e à unidade do Ordenamento Jurídico, que entendemos não poder deixar de ter presente, sempre se dirá que a solução a que vimos de chegar é a que permite manter a coerência do sistema.
Veja-se como a dominada B... é detida a 100% pela Requerente (v. c) – factos provados). E atente-se ao disposto no Código das Sociedades Comerciais a respeito de Grupos de sociedades quanto à responsabilidade da sociedade totalmente dominante pelas obrigações da subordinada. Ressalvadas as devidas adaptações, note-se como a lógica do legislador foi, naquela sede, proteger os credores da sociedade-filha tendo em conta que esta é afinal gerida em função dos interesses da sociedade-mãe, e assim redistribuindo o risco da exploração empresarial neste contexto. No fundo reconhecendo que em tais situações perde algum sentido a separação patrimonial entre as sociedades do Grupo.
Note-se aliás, voltando ao legislador tributário, como também se atentarmos no próprio regime legal do reporte de prejuízos fiscais (e aqui, como vimos, estamos a tratar, também, de correcções a prejuízos fiscais) veremos que as correções a prejuízos fiscais não deixam de ser admitidas, em geral, mesmo que com referência a exercícios (em que os prejuízos foram apurados) relativamente aos quais já não seria (nem é) possível emitir e notificar uma Liquidação. Mas sendo que, ainda assim, a AT continua a poder considerar tais correcções para efeitos das deduções (reporte) dos mesmos prejuízos em exercícios nos quais a Liquidação ainda seja possível.
Ora, de tudo o que antecede, não podemos senão concluir no sentido da improcedência da tese da Requerente que vimos de apreciar, a saber, de que a Requerida não podia ter feito uso das correcções apuradas na esfera da B... para vir a corrigir o lucro tributável do Grupo e emitir Liquidação a si Requerente na qualidade de sociedade dominante.
A tese da Requerente neste particular não tem, pois, apoio seja na letra seja no espírito da lei, seja, ainda, em sede de interpretação sistemática. Não se verificando, por aqui, a invocada caducidade do direito à liquidação.
Passemos agora a apreciar a segunda ordem de razões invocada pela Requerente no sentido da peticionada declaração de ilegalidade das Liquidações com fundamento em caducidade do direito à liquidação. Como segue.
Invoca a Requerente que a notificação, a si, das Liquidações, foi feita quando se encontrava já decorrido o prazo de caducidade (de quatro anos, tudo como supra apreciámos já a este respeito e conforme os dispositivos legais também já ali analisados, para aí se remetendo). Porque, defende, não obstante a Requerida ter qualificado o Procedimento Inspectivo que a visou a si Requerente como sendo de natureza externa, o mesmo não pode ser considerado como tendo tal natureza. Por força de não ter envolvido actos materiais de inspecção. E, não tendo natureza externa, não tem a virtualidade de suspender o prazo de caducidade – cfr. art.º 46.º, n.º 1 da LGT (supra também já melhor analisado).
A Requerida, por seu lado, defende que o Procedimento teve natureza externa. Apreciando.
Dispõe o art.º 13.º do RCPITA quanto à natureza do Procedimento de inspecção tributária assim:
“Artigo 13.º – Lugar do procedimento de inspecção
Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:
a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos por esta detidos ou obtidos no âmbito do referido procedimento;
b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.”
Com relevo para o que agora apreciamos, atente-se também desde já, neste mesmo Diploma Legal, aos seguintes preceitos:
Artigo 7.º – Princípio da proporcionalidade
As acções integradas no procedimento de inspecção tributária devem ser adequadas e proporcionais aos objectivos da inspecção tributária.
Artigo 12.º – Fins do procedimento
1. O procedimento de inspecção classifica-se, quanto aos fins, em:
a) Procedimento de comprovação e verificação, visando a comprovação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários;
b) Procedimento de informação, visando o cumprimento dos deveres legais de informação ou de parecer dos quais a inspecção tributária seja legalmente incumbida.
Artigo 29.º – Prerrogativas da inspecção tributária
1. O exercício das garantias de eficácia previstas no artigo anterior pode concretizar-se através das seguintes faculdades dos funcionários em serviço de inspecção tributária:
a) (…) - i) (…) / 2. (…) / 3. (...)”
E, na LGT, em particular aos n.ºs 1 e 4 do art.º 63.º:
“Artigo 63.º – Inspecção
1. Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente:
a) (…) - f) (…)
4. O procedimento de inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, (…).”
Seja por via da LGT, seja por via do RCPITA, o legislador pretendeu pautar a actuação da Administração Tributária por critérios e princípios de proporcionalidade, adequação, razoabilidade, a par dos de eficiência e outros.
Foi neste particular, em matéria de actos de inspecção, bastante minucioso até, explanando exaustivamente os tipos de actos que se enquadram na respectiva actuação da AT (v. os dois últimos artigos supra na sua integralidade).
No que à natureza das inspecções respeita distingiu as duas situações – Procedimento interno/externo – baseado num critério de localização dos actos praticados, cfr. art.º 13.º do RCPITA). Norma que, como é bom de ver, como as demais, terá que ser interpretada à luz dos referidos princípios, em particular o da proporcionalidade (cfr. art.º 7.º RCPITA).
Ora, no nosso caso, como decorre dos factos provados, e como ficou patente no raciocínio percorrido supra a respeito das correcções em sede da B... / na esfera da Requerente, a actividade desenvolvida pela Requerida no Procedimento Inspectivo de que ora tratamos (à Requerente) limitou-se a uma operação de transposição das correcções apuradas na esfera da dominada B... para o seio do apuramento do Lucro Tributável do Grupo. Tratou-se, afinal, de fazer reflectir na Declaração Modelo 22 do Grupo os valores resultantes das correcções operadas na esfera da B... e assim apurar as correcções a fazer na Declaração Modelo 22 do Grupo. Como melhor desenvolvido supra.
Para um tal efeito, não vemos como fosse necessário recorrer a um Procedimento Inspectivo externo. Com efeito, não vemos senão como sendo certo que a AT estivesse já na posse de todos os elementos necessários para proceder às correcções que efectuou na esfera do Grupo, no Procedimento à Requerente, sem ter que para o efeito se deslocar às instalações da Requerente. Tanto mais que havia aberto um Procedimento Inspectivo externo à sociedade dominada B... no âmbito do qual obteve os elementos de que necessitou para operar as correcções que operou nessa mesma esfera.
Mais, como consta do próprio RIT à Requerente, o único “acto inspectivo” que é referido como tendo sido praticado nas instalações da Requerente é o da notificação da Ordem de Serviço. O qual, sem necessidade de maiores explicações, claramente não é justificativo da abertura de um Procedimento de natureza externa. Tenham-se em consideração os fins dos Procedimentos Inspectivos (v. art.º 12.º RCPITA supra), bem como os Princípios, já referidos, que regem a matéria, em especial o da proporcionalidade e o da adequação, bem como os da boa fé e da colaboração recíproca (v. art.ºs 59.º, n.º 2 e 63.º, n.º 4 da LGT).
O mesmo se passa na defesa da Requerida que, em sede de Resposta, igualmente concretiza tão só aquele mesmo acto como localizado nas instalações da Requerente.
Não nos parece, aliás, que este acto deva ser qualificado, sequer, como um acto material de inspecção. Actos materiais de inspecção serão sim, diferentemente, os tipos de actos abundantemente identificados pelo legislador nos artigos aflorados acima. Em especial no art.ºs 29.º da LGT e no art.º 63.º do RCPITA.
Neste mesmo sentido veja-se também como o próprio RIT à Requerente, todo ele, assim comprova o que vimos de referir. Ao longo do mesmo transcreve-se o RIT à dominada e tudo o que aí foi apurado é ali transcrito para, depois, serem processadas as operações de correcção consequentes ao nível da Declaração Modelo 22 do Grupo (decerto antecipadamente em poder da AT). Não se descrevem quaisquer operações de investigação/verificação à contabilidade ou a quaisquer documentos, sistemas informáticos ou o que quer que seja da Requerente.
A própria duração, curta, que a Acção Inspectiva teve aponta no mesmo sentido, se bem atentarmos nas datas de início – notificação para direito de audição – decurso do prazo de direito de audição – notificação do RIT (v. supra factos provados).
Por outro lado, e em face de tudo o que vimos de referir, não será certamente por mero efeito de a Requerida atribuir a um dado Procedimento a qualificação de externo que o mesmo deverá ser tido automaticamente como tal. A respectiva materialização em actos efectivos de inspecção desenvolvidos nas instalações dos contribuintes ou de outros obrigados tributários deverá estar presente. Sob pena de se permitir a perversão do objectivo visado pelo legislador ao regulamentar, com elevado pormenor aliás, a matéria. Inquestionavelmente um objectivo de Segurança Jurídica e organização do sistema, segurança dos sujeitos passivos em especial e garantia da proporcionalidade aos fins a atingir (cfr. Preâmbulo do RCPITA).
O Procedimento de inspecção externo é potencialmente mais gravoso em termos de incómodos para os contribuintes, pelo que a respectiva efectiva necessidade há-de ser ponderada por parte dos Serviços antes de o despoletarem. Por outro lado, é o único que permite a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação (cfr. art.º 46.º,n.º 1 da LGT) o que aporta implicações acrescidas, com consequências que não são de somenos na esfera dos contribuintes, e que, também por isso, levam a uma maior exigência de rigor aquando da opção pelo recurso ao mesmo por parte da AT.
A própria razão de ser da suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação admitido pelo legislador, se bem atentarmos na mesma, nos permite facilmente compreender o todo. Com efeito, o que se pretendeu foi um equilíbrio entre o interesse público, da liquidação, e o interesse dos contribuintes, de segurança jurídica e estabilidade nas situações jurídicas. A suspensão é conferida com vista a que a AT possa obter em tempo os elementos necessários, via Procedimento Inspectivo, para proceder à liquidação. Ora, se a AT estava na posse dos elementos necessários para proceder à Liquidação - como entendemos suceder no caso dos autos – esvazia-se o sentido e razão de ser da concessão da suspensão do prazo de caducidade a favor da AT.
É sabido que a caducidade do direito à liquidação é, afinal, uma garantia dos contribuintes e uma reserva de Segurança Jurídica do sistema. Sem necessidade de maiores desenvolvimentos, refira-se apenas - no sentido de que a qualificação feita pela AT não determina, sem mais, a natureza do Procedimento - entre outros, os seguintes Acórdãos : Ac. do TCA Norte, proc.º 01854/10.8, de 13.11.2014; Ac. do TCA Sul, proc.º 0437/10, de 20.03.2012. Na Doutrina a opinião é também em geral neste sentido. Entre outros Autores, veja-se como à matéria se refere JOAQUIM FREITAS DA ROCHA : “(…) O procedimento será externo quando os actos de inspecção sejam praticados, total ou parcialmente, nas instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a Administração tenha acesso. Nesta actividade, já de cariz investigatório, visa-se verificar a exactidão dos valores declarados em função dos elementos que constam na sua contabilidade e documentos, se ocorre ou não alguma omissão de valores e se os valores declarados estão de acordo com as normas de incidência tributária que são aplicadas à sua actividade.(…)” / “(...) Na questão da classificação do procedimento de inspecção como interno ou externo importa sublinhar o que denominamos de “aparência de procedimentos”. Esta “aparência de procedimentos” traduz-se nas situações em que embora os procedimentos sejam formalmente classificados pela Administração tributária de determinada forma, na realidade e materialmente, em função dos actos praticados, os mesmos não correspondem à classificação que lhes foi atribuída. (...)” /“(...) A qualificação dada pela Administração a um procedimento não tem carácter vinculativo, se vier a revelar-se que o conteúdo dos actos praticados for contrário à qualificação dada, isto é, a qualificação formal do procedimento será, posteriormente, validada, ou não, pelos actos que a Administração tributária praticar. (…).”
Não revestindo o Procedimento à Requerente, como decorre do que antecede, natureza externa, não se suspendeu o prazo de caducidade (cfr. art.º 46.º, n.º 1 da LGT e como tratado supra a respeito do primeiro Procedimento). O prazo de caducidade expirou em 31.12.2017 (como supra também já tratado e uma vez que estamos sempre em sede de Liquidação em IRC referente ao exercício de 2013). Decorrido o prazo de caducidade extinguiu-se o direito da Requerida à liquidação.
Face ao exposto, tendo o prazo de caducidade expirado a 31.12.2017, e tendo as Liquidações sido notificadas ao contribuinte no final de Março de 2018, enfermam as mesmas de erro de direito, devendo consequentemente ser anuladas.
4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios
As Liquidações encontram-se, pois, feridas de ilegalidade, por erro na aplicação do Direito. Devem em consequência ser anuladas, o que pela presente se decide, e as respectivas quantias, indevidamente pagas, restituídas à Requerente.
Peticiona ainda a Requerente juros indemnizatórios. Vejamos se lhe assiste razão.
Estabelece o art.º 24.º, n.º 5 do RJAT a obrigação do pagamento de juros, qualquer que seja a respectiva natureza, nos termos previstos na LGT e no CPPT. Conforme disposto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT, a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem lugar quando se determine ter havido erro, imputável aos Serviços, do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Vimos já que foi houve erro, de direito, do qual resultou pagamento em quantia superior à devida. O erro é imputável aos Serviços, que praticaram os actos de Liquidação em violação da lei. A este respeito veja-se como escreve Jorge Lopes de Sousa : “Fora dos casos em que é o contribuinte a determinar o montante do imposto a pagar, a liquidação é feita pelos serviços e, por isso, os erros de direito, consubstanciados na aplicação da lei a determinados factos, serão imputáveis à Administração tributária.(...)”
Na situação dos autos não pode, pois, deixar de considerar-se o erro em que a Requerida incorreu como sendo a si imputável, pelo que se defere o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, como infra.
5. Decisão
Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar procedente o PPA, e assim:
a) Declarar ilegais e consequentemente anular a Liquidação de imposto e a Liquidação de juros compensatórios melhor identificadas nos autos, referentes ao exercício de 2013;
b) Condenar a Requerida na restituição à Requerente do valor indevidamente pago, de € 16.146,44;
c) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido (02.05.2018) até emissão da respectiva nota de crédito (cfr. art.º 61.º, n.º 5 do CPPT e art.º 43.º da LGT, sendo a taxa cfr. art.ºs 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10 da LGT e art.º 559.º, n.º 1 do Código Civil);
d) Condenar a Requerida nas custas do processo.
6. Valor do processo
Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 16.146,44.
7. Custas
Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, a cargo da Requerida.
Lisboa, 12 de Março de 2019
O Árbitro
(Sofia Ricardo Borges)