Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Luís Cupertino Ferreira e António Pragal Colaço, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
1. No dia 18 de Maio de 2018, A...– Sociedade Unipessoal Lda., NIPC..., com sede na ..., Lote..., ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos seguintes actos:
a. liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), com o n.º 2018..., de 08-01-2018, no valor de € 22.255,25 e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2018..., com data limite de pagamento de 19-02-2018, referente ao 1.º trimestre do ano de 2013;
b. liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), com o n.º 2018..., de 08-01-2018, no valor de € 12.021,57, e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2018..., com data limite de pagamento de 19-02-2018, referente ao 2.º trimestre do ano de 2013;
c. liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), com o n.º 2018..., de 08-01-2018, no valor de € 30.964,20, e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2018..., com data limite de pagamento de 19-02-2018, referente ao 3. ° trimestre do ano de 2013:
d. liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), com o n.º 2018..., de 08-01-2018, no valor de € 21.339,82, e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2018..., com data limite de pagamento de 19-02-2018, referente ao 4. ° trimestre do ano de 2013;
e. liquidação de juros n.º 2018..., de 08-01-2018, no montante de € 4.024,23, e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2018..., com data limite de pagamento de 19-02-2018, referente ao 1.º trimestre do ano de 2013;
f. liquidação de juros n.º 2018..., de 08-01-2018, no montante de € 2.051,24, e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2018..., com data limite de pagamento de 19-02-2018, relativo ao 2.º trimestre do ano de 2013;
g. liquidação de juros n.º 2018..., de 08-01-2018, no valor de € 4.974,63, e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2018..., com data limite de pagamento de 19-02-2018, relativo ao 3.º trimestre do ano de 2013; e
h. liquidação de juros n.º 2018..., de 08-01-2018, no montante de € 3.208,57, e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2018..., com data limite de pagamento de 19-02-2018, relativo ao 4.º trimestre de 2013;
tudo no montante total de € 100.839,51 (cem mil, oitocentos e trinta e nove euros e cinquenta e um cêntimos).
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:
a. A caducidade do direito à liquidação;
b. A falta de fundamentação do RIT e dos actos de liquidação de IVA;
c. A ilegalidade da liquidação de juros compensatórios.
3. No dia 21-05-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 10-07-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 30-07-2018.
7. No dia 01/10/201, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.
8. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
9. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
10. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, prazo esse que foi prorrogado por dois meses, por despacho de 28-01-2019, nos termos do n.º 2 do referido artigo.
11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir:
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- Através da Ordem de Serviço n.º 0I2016..., foi a ora Requerente objecto de um procedimento de inspecção externo, que abrangeu o período de 2013.
2- Em 26/10/2016 foi aposta a assinatura do dirigente, superior hierárquico dos inspectores tributários responsáveis pelo procedimento inspectivo, que determinou a prática dos actos de inspecção, conforme o disposto no n.º 2, do artigo 46.º do RCPITA.
3- O processo de inspecção foi entregue ao técnico responsável a 09/11/2016.
4- A referida ordem de serviço, foi assinada pelo Contabilista Certificado da Requerente, no dia 03-07-2017.
5- A Requerente foi notificada do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária para, no prazo de 15 (quinze) dias, proceder ao exercício do direito de audição prévia, o que fez no dia 10-11-2017.
6- Na sequência da Inspecção Tributária, foi elaborado o correspondente relatório final, do qual consta, para além do mais, o seguinte:
7- O referido relatório foi remetido à Requerente pelo ofício n.º..., com data de 28/11/2017, expedido por carta registada com aviso de recepção (registo CTT n.º ... PT), assinado a 29/11/2017.
8- A Requerente foi notificada para apresentar Pedido de Revisão da Matéria Tributável, o que não fez.
9- Posteriormente, foi a Requerente notificada das correspondentes liquidações de imposto e juros compensatórios decorrentes do referido RIT, emitidas a 08/01/2018, as quais constituem o objecto do presente processo arbitral.
10- De todas as liquidações de juros compensatórios constam os seguintes dados:
11- A Requerente não pagou as referidas liquidações.
A.2. Factos dados como não provados
1- Que tenha sido notificada à Requerente no dia 26-10-2016, a Ordem de Serviço referida no ponto 1 dos factos dados como provados, ou cópia dela.
2- Que a Requerente não tenha apresentado Pedido de Revisão da Matéria Tributável, por motivos alheios à sua vontade.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Os factos dados como não provados decorrem da ausência de prova a seu respeito e, no caso do facto dado como não provado no ponto 1, da existência de indícios em sentido oposto, designadamente, a referência no PA (p. 23) a que o processo foi entregue ao técnico a 09/11/2016, e no direito de audição apresentado pela Requerente, a que o processo esteve parado 269 dias após o dia 26-10-2016, ou seja, que desde este dia e durante aquele período não terá existido qualquer actividade, o que incluirá a apresentação da Ordem de Serviço ao TOC da Requerente, para ser assinada.
Nas suas alegações a Requerente apela ao Tribunal para que, ao abrigo do princípio do inquisitório solicitasse todos os elementos que tivesse por convenientes à AT. No entanto, tendo sido, ao longo do processo arbitral, facultadas à Requerente todas as oportunidades de produzir ou requerer a prova que entendesse, nada mais julga ter este Tribunal a determinar na matéria em questão.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
a. Questão prévia
Nas suas alegações a Requerida veio arguir a extemporaneidade das alegações da Requerente, considerando que “as partes foram notificadas por correio electrónico de 2018-12-04, tal notificação presume-se efectuada em 2018-12-07, terceiro dia posterior à data da elaboração e expedição do despacho, atendendo ao disposto no artigo 248.º do Código de Processo Civil vigente, aplicável ex vi do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do RJAT, em face da manifesta ausência de normas reguladoras da matéria neste último diploma.”
Assim, ainda nas palavras da Requerida, “o termo do prazo para apresentação das alegações da Requerente ocorreu em 2018-12-17”, dado que “a Requerente apresentou as suas alegações escritas em 2018-12-18, ultrapassando assim, o prazo de 10 dias fixado pelo tribunal.”.
Sendo, evidentemente, pertinente e fundada a pretensão da Requerida, o certo é que nos termos do art.º 39.º/10 do CPPT e do n.º 3 do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 93/2017, “As notificações efetuadas para o domicílio fiscal eletrónico consideram-se efetuadas no quinto dia posterior ao registo de disponibilização daquelas no sistema de suporte ao serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital ou na caixa postal eletrónica da pessoa a notificar”.
Ora, no caso, a notificação do despacho para apresentação de alegações foi efectuada por meio da Via CTT.
Assim, no dia 18-12-2018, data em que a Requerente apresentou as suas alegações, ainda não tinha expirado o prazo que lhe foi concedido para o efeito, pelo que deverão aquelas ser admitidas.
***
b. Da matéria de excepção
i. Da incompetência material
Na sua resposta a Requerida começa por notar que “a determinação da matéria tributável foi apurada pelos serviços de inspeção tributária através do recurso à aplicação de métodos indiretos.”.
Face a tal circunstância, conclui a Requerida que “se está perante uma evidente incompetência material do Tribunal para a apreciação da parte do pedido de pronúncia arbitral supra identificado, que consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento desse pedido e conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no n.º 2, do artigo 576° e alínea a), do n° 2, do artigo 577°, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alínea e), do n.º 1, do artigo 29, do RJAT”.
Em causa está o teor do art.ºs 2.º/1 do RJAT, e 2.º/b) da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março, cujo teor é o seguinte:
- art.º 2.º/1 do RJAT: “A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.”;
- art.º 2.º/b) da Portaria n.º 112-A/2011: “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes: (...)
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;”
Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, crê-se não assistir, na matéria, razão à Requerida.
Com efeito, o objecto da presente acção arbitral são os actos de liquidação de IVA, cuja competência para apreciação da respectiva legalidade é deferida a este Tribunal arbitral pelo n.º 1, alínea a) do art.º 2.º do RJAT, e não é excluída pelo art.º 2.º da Portaria, maxime, pela sua alínea b).
E, como aponta a Requerente, uma coisa é o acto de determinação tributável, cuja apreciação da legalidade foi excluída pela al. b) do art.º 2 da Portaria, e outra é o acto de liquidação.
Sendo certo que, por força do princípio da impugnação unitária, o acto de determinação tributável deverá ser impugnado aquando da impugnação do acto de liquidação , daí não resultará que um e outro são o mesmo acto.
Daí que, numa situação paralela, face à norma do art.º 86.º da LGT, tenha já a jurisprudência esclarecido que:
“1. Por força do acordo obtido na comissão de revisão e face ao disposto no nº 4 do art. 86 da LGT está a impugnante, ora recorrida, impedida legalmente de impugnar a liquidação com fundamento na ilegalidade do recurso aos métodos indirectos por falta de adequada fundamentação, de facto e de direito, da respectiva decisão.
2. Não questionando a actuação do perito por ela indicado na comissão de revisão nem a elaboração do acordo aí firmado, está a mesma vinculada aos termos do mesmo acordo, não podendo, pois, impugnar a liquidação com o fundamento admitido na decisão recorrida dado que este se contém nos limites e âmbito do acordo firmado.
3. Só poderão, assim, ser invocados fundamentos não contidos no acordo, isto é, que não lhe estejam ligados e ou associados.” .
Ou, dito de outra forma:
“A medida da inimpugnabilidade da liquidação feita com base no acordo, tendo a sua razão de ser na existência deste acordo, terá de ter (de) ser restringida ao que foi objecto deste, que é a medida da matéria tributável. Por isso, a existência de acordo não poderá afastar o direito do contribuinte impugnar a liquidação feita com base no acordo por qualquer razão que não lhe esteja ligada, como, por exemplo, vícios de forma (falta de fundamentação, incompetência, violação de direitos procedimentais) ou de violação de lei (como erro na taxa aplicável ou sobre a existência de uma isenção total ou parcial)” .
Daí que, tendo “a liquidação impugnada resultado da aplicação simultânea dos métodos indirectos e de correcções técnicas (avaliação directa), e o impugnante questionado, quer a aplicação desses métodos, quer as correcções técnicas efectuadas, imputando aos actos tributários impugnados vícios de preterição da formalidade legal de audiência prévia consagrada no artº 60º da LGT e preterição de formalidades, em relação a estes fundamentos, a impugnação da liquidação não está dependente do pedido prévio de revisão da matéria tributável” .
Isto mesmo, de resto, é confirmado pela doutrina que se debruçou sobre o contencioso arbitral tributário, citada pela Requerente .
Ora, no caso, embora, como indica a Requerida, a matéria tributável tenha sido fixada por métodos indirectos, não está em causa, na presente acção arbitral, a legalidade daquele acto de fixação, tal como pressuposto pela al. b) do art.º 2.º da Portaria, mas, unicamente, dos actos de liquidação subsequentes, por vícios que lhe são próprios, matéria relativamente à qual não se tem dúvidas estar atribuída a este Tribunal arbitral competência para se pronunciar.
Daí que não se esteja perante um caso análogo ao decidido (e bem) no processo arbitral 359/2017T, invocado pela Requerida, uma vez que ali tinha sido invocado “erro nos pressupostos de utilização e na quantificação dos métodos indirectos”, o que, no caso não acontece.
Assim, e face ao exposto, deve improceder a excepção da incompetência material do presente Tribunal arbitral arguida pela Requerida.
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ii. Da inexistência de pedido de revisão da matéria colectável
Entende ainda a Requerida que estaria “a Requerente sempre obrigada a deduzir o pedido de revisão da matéria coletável, nos termos do artigo 91.º da LGT, o que não fez, como a própria reconhece e como decorre dos elementos juntos aos autos”, pelo que “constituindo o procedimento de revisão da matéria coletável do artigo 91.º da LGT condição de impugnabilidade judicial, fundada em erro na quantificação ou nos pressupostos da aplicação de métodos indiretos, a sua falta acarreta que quer a verificação dos pressupostos da avaliação indireta quer a matéria coletável, consequentemente fixada, se tornem caso resolvido ou decidido.”.
Como se viu já atrás, é jurisprudência pacífica e consolidada, de há muitos anos, que a inexistência de pedido de revisão apenas preclude a possibilidade de impugnação da legalidade do acto de fixação da matéria colectável ou tributável, bem como dos respectivos pressupostos, mas não de outros vícios, designadamente de ordem formal, que o subsequente acto de liquidação padeça.
Daí que deve, igualmente, improceder a presente excepção arguida pela Requerida.
***
c. Do fundo da causa
i. Da caducidade do direito à liquidação.
Começa a Requerente por suscitar a caducidade do direito da AT a liquidar os tributos em questão nos autos.
Para o efeito alega que o procedimento inspectivo levado a cabo, e constante da matéria de facto dada como provada, se terá iniciado a 26/10/2016, tendo estado parado por mais de 6 meses.
Não lhe assiste, todavia, razão.
Como resulta também da matéria de facto, a ordem de serviço e o despacho de início da acção de inspecção externa, foram notificados à Requerente, na pessoa do seu contabilista certificado, no dia 03/07/2017.
Estando em causa IVA relativo ao ano de 2013, o prazo de caducidade do respectivo direito à liquidação expirava, atento o disposto no art.º 45.º/4 da LGT aplicável, a 01/01/2018.
Não obstante, por força da referida notificação da ordem de serviço relativa ao procedimento inspectivo, e do disposto no art.º 46.º/1 da LGT, aquele prazo suspendeu-se, retomando o seu curso com a notificação do relatório final de inspecção, por meio de carta registada com A/R assinado a 29/11/2017.
Assim, atenta tal suspensão, não tinha ainda caducado o direito da AT liquidar o imposto em questão, aquando da notificação das liquidações objecto da presente acção arbitral, tendo inclusive, o termo do prazo de pagamento das mesmas, conforme confessado pela própria Requerente, findado a 19-02-2018, ou seja, previamente ao termo do prazo de caducidade, computado, nos termos das normas referidas, o período de suspensão gerado pela pendência da acção inspectiva.
No mais, não se provando, como se referiu, que tenha sido assinada qualquer ordem de serviço relativa à referida acção inspectiva, no dia 26-10-2016, ao contrário do que alegou a Requerente, não se verificará qualquer violação do art.º 266.º/2 da CRP, nos termos arguidos pela mesma.
A Requerente, nas suas alegações veio referir que a carta aviso lhe foi enviada em Novembro de 2016, pelo que tendo a acção inspectiva tido início apenas em Julho de 2017, estariam ultrapassados “os prazos legais estipulados”, havendo má-fé e abuso de poder da AT.
Relativamente à questão dos “prazos legais” referidos pela Requerente, julga-se que os mesmos foram respeitados, designadamente no que diz respeito ao prazo previsto no art.º 49.º/1 do RCPIT, sendo que, no que diz respeito ao prazo máximo de 30 dias para dar início à acção inspectiva, que a Requerente, por remissão doutrinal, fundará no art.º 23.º/1 do CPPT, entende-se que não existe, designadamente por força desta norma, que se reporta a prazos a fixar pela AT ou pelo Tribunal, sendo que o prazo para envio da carta aviso, e para o início da acção inspectiva não se reconduz a nenhuma daquelas duas situações.
Daí não resulta, ao contrário do que alega a Requerente, que a acção inspectiva fique pendente ad eternum, na medida em que enquanto aquela não se iniciar continuará a correr, normalmente, o prazo de caducidade, e verificado este sem que aquela se tenha iniciado, ficará prejudicado o seu início.
Por fim, não se descortina, na situação desenhada, qualquer violação da boa-fé ou abuso de poder, de resto não concretizadas pela Requerente, sempre se notando que a boa-fé vincula nos dois sentidos, e se a Requerente entendia que a dilação entre a entrega da carta aviso e o início da acção inspectiva afectava a legalidade deste, em cumprimento da boa-fé, deveria desde logo opor-se à realização da mesma, ou, quanto mais não fosse, no exercício do seu direito de audição, dar a conhecer à AT tal circunstância.
Assim, e por todo o exposto, julga-se não verificada a caducidade do direito à liquidação do imposto em questão nos autos, devendo, como tal, improceder nessa parte o pedido arbitral.
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ii. Da falta de fundamentação
Alega também a Requerente que os actos objecto da presente acção arbitral padecem de vício de forma por falta de fundamentação, uma vez que os valores que constam do RIT a título de IVA a ser liquidado adicionalmente não corresponderão com os valores liquidados.
Como é sabido, a fundamentação é uma exigência dos atos tributários em geral, sendo uma imposição constitucional (268.º da CRP) e legal (art.º 77º da LGT).
Resumidamente, pode dizer-se que é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais que a fundamentação exigível tem de reunir as seguintes características:
1. Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;
2. Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do ato, não podendo haver fundamentações diferidas;
3. Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos;
4. Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada. Esta característica desdobra-se em duas exigências, a saber: o dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).
Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstracta e/ou absoluta, ou seja, a fundamentação exigível a um acto tributário, deve ser aquela que funcionalmente é em concreto necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio. Esta será – julga-se – a pedra de toque do cumprimento do dever de fundamentação: quanto, perante um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, o acto tributário se apresente, sob um ponto de vista de razoabilidade, como um produto do puro arbítrio da Administração, por não serem discerníveis os motivos de facto e/ou de direito em que assenta, o acto padecerá de falta de fundamentação.
Neste mesmo sentido, se orienta a jurisprudência do STA que considera que “Apesar da não indicação expressa do preceito legal aplicável, a exigível fundamentação de direito do acto tributário será suficiente com a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, desde que, em qualquer caso, se possa concluir que aqueles eram conhecidos ou cognoscíveis por um destinatário normal colocado na posição em concreto do real destinatário.” , e que “A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.” .
O artigo 77.º/1 da LGT refere, assim, que: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”.
Descendo ao caso concreto, verifica-se que os actos de liquidação em questão ocorreram na sequência de procedimento inspectivo e em conformidade com o relatório de inspeção tributária homologado por despacho, relatório esse onde constam os fundamentos das liquidações em causa, que a Requerente, desde a reclamação graciosa, demonstrou compreender, tomando, de maneira fundada, a decisão de não aceitar.
Deste modo, entende-se que, considerado o contexto concreto em que foram produzidos os atos de liquidação em questão nos presentes autos, será percetível, para um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, que os fundamentos daqueles são os constantes do relatório de inspeção que os precedeu, sendo certo que mais se afigura evidente que a Requerente compreendeu isso mesmo.
A situação configurada pela Requerente, de resto, não será enquadrável num défice de fundamentação.
Efectivamente, a arguida circunstância de existir uma discrepância entre os valores que constam do RIT a título de IVA a ser liquidado adicionalmente e os valores liquidados, não se reconduzirá a uma deficiência da fundamentação, mas, quando muito, a um erro de direito ou de facto, ou, eventualmente, até a um erro material ou de escrita, na medida em que se pudesse reconduzir a um lapso na transposição dos valores constantes do RIT para o documento de liquidação.
Dito de outro modo, é precisamente por existir fundamentação (sendo que a circunstância de esta ser acertada ou não, não releva sob o ponto de vista da sua existência), que permite à Requerente construir a argumentação de que haveria uma discrepância entre as quantias que o RIT determinou como devidas, e aquelas que lhe foram liquidadas.
Não obstante, e como esclareceu a Requerida, não é isso que se passa, já que os valores constantes do acto de liquidação correspondem aos valores indicados no RIT.
Assim, é verdade que, como refere a Requerente, os actos de liquidação de IVA ora em causa ascendem aos montantes de: 2013 1.º T: € 22.255,25, 2013 2.º T: € 12.021,57, 2013 3.º T: € 30.964,20, 2013 4.º T: € 21.339,82; enquanto que os valores de IVA que constam do RIT são os seguintes: 2013 1.º T: € 22.809,53, 2013 2.º T: € 21.256,54, 2013 3.º T: € 27.365,70, 2013 4.º T: € 25.511,81.
Contudo, como aponta a Requerida, e resulta da documentação junta pela AT, que foi devidamente submetida a contraditório da Requerente, o valor constante das liquidações corresponde às correcções efectuadas no procedimento de inspecção, deduzido depois do crédito de imposto e que se verificou sempre nos quatro períodos de apuramento, tendo as respectivas operações aritméticas sido devidamente apresentadas à Requerente.
Deste modo, e face ao exposto, nada haverá a censurar, na perspectiva do dever de fundamentação, aos actos tributários objecto do presente processo, quer a nível legal quer a nível constitucional, não se mostrando violados qualquer dos normativos indicados pela Requerente.
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iii. Da ilegalidade da liquidação de juros
Alega por fim a Requerente que “o RIT é omisso no que diz respeito à liquidação de juros compensatórios, pelo que mesmo que se admita a teoria da fundamentação pelo mínimo, o certo é que a AT nunca fez referência no referido RIT do ato de liquidação a que seriam liquidados juros compensatórios ainda que estes pela natureza do imposto em causa estejam incluídos na liquidação” e que “em momento algum, nos atas notificados, a AT demonstrou quais os pressupostos de que depende a liquidação de juros compensatórios e justificou a sua verificação no caso em apreço”.
Mais sustenta a Requerente que “para além da falta de fundamentação dos juros ora contestados, importa ainda notar que os mesmos padecem ainda de preterição de formalidade legal, por falta de audição prévia, o que se invoca nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo”.
Conclui, assim a Requerente que “a liquidação de juros compensatórios não pode subsistir, sob pena da AT poder cobrar juros compensatórios como se de uma liquidação pós declaração de contribuinte se trate, diminuindo de forma substancial os direitos dos contribuintes.”.
No que diz respeito à liquidação de juros compensatórios, tem entendido o STA que “A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante do imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem.” , elementos esses que, conforme resulta da matéria de facto, constam das notificações que foram efectuada à Requerente, mais destas constando a menção de que estão em causa “Juros Compensatórios por retardamento da liquid. de parte ou totalidade do imposto”.
Compreendidas as coisas desta forma, facilmente se conclui que, conjugado com o relatório de inspecção tributaria que a precedeu, a liquidação notificada à Requerente contém todos os elementos obrigatórios por lei, incluindo a respectiva fundamentação, devendo, por isso, improceder a arguida falta de fundamentação.
Relativamente à preterição do direito de audição antes da liquidação de juros compensatórios, nos termos do artigo 60.º, n.º 1, alínea a) da LGT, verifica-se que inexiste no processo qualquer elemento que permita demonstrar que a Requerente haja sido expressamente ouvida antes da conclusão do relatório de inspecção tributária, relativamente à possibilidade de liquidação de juros compensatórios, sendo incontroverso que estes não são uma consequência automática da liquidação de imposto.
No que diz respeito a tal matéria, a AT sustenta o entendimento de que a liquidação de juros compensatórios está associada e é dependente da liquidação de imposto, e que daquela constam os respectivos elementos essenciais.
Sendo, evidentemente, correcto o apontado (e, como se viu previamente, certo que da liquidação em causa constam os respectivos elementos essenciais), não deixa de ser igualmente evidente que tal nada tem a ver com o cumprimento do dever de audiência prévia.
Daí que, em princípio, dever-se-ia concluir pela arguida preterição do dever de audiência prévia na matéria em causa, e pela consequente procedência do pedido, nesta parte.
Não obstante, dispõe o artigo 25.º/2 do RJAT que:
“A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.”
Deste modo, e tendo também em conta o dever de aplicação uniforme do Direito (cfr. artigo 8.º/3 do Código Civil), deverão os Tribunais arbitrais decidir de acordo com o que seja a jurisprudência sedimentada dos tribunais superiores da jurisdição administrativa e fiscal.
Na matéria em questão entendeu já o TCA-Sul que “Os juros compensatórios funcionam como uma cláusula penal pelo retardamento da liquidação do imposto, imputável ao contribuinte, integrando-se na liquidação deste, onde vão buscar parte da sua fundamentação, para além de também exigirem um segmento de fundamentação própria, mas sobre a sua liquidação, não exige a lei que a AT proceda à audição prévia do contribuinte de forma autónoma e distinta da audição relativamente ao imposto donde provém.” e que “Tendo a AT ouvido o contribuinte, relativamente ao imposto donde provém a liquidação de juros compensatórios, já não é legalmente exigível que proceda a nova audição de forma autónoma e distinta” .
Neste último aresto, pode ler-se, para além do mais que:
“Reportando-nos, de novo, aos pressupostos da liquidação de juros compensatórios, como liquidação autónoma, ainda que integrada na liquidação de imposto, é evidente que esta tem que possuir um mínimo de fundamentação própria no que concerne, desde logo, à base de cálculo, à taxa aplicada, ao lapso de tempo a que se reportam (4), mas, ainda e também, quanto á culpa necessária a sua imputabilidade ao sujeito passivo; E será por referência a essa mesma fundamentação que terá de ser aferido o acatamento do poder/dever da AF de facultar ao contribuinte o direito de audição prévia.
- Ora, no que diz respeito à taxa, base de cálculo e período de tempo a que se reportam os juros compensatórios, nenhuma margem de conformação é facultada à AT, que apenas tem e pode concretizar o que se encontra expressamente consignado na lei, isto é, no que àqueles pressupostos se refere, a actuação da AF consiste num procedimento estritamente vinculado, pelo que a sua actuação, em tal domínio, não é susceptível de ser influenciada por quaisquer argumentos que o recorrente pudesse suscitar, no sentido de influenciar o acto de liquidação, por pretender a aplicação de uma taxa diferente, ou de um período de tempo ou de uma base de cálculo diversas, uma vez que estas não podem ser outras que não as determinadas pelo ordenamento jurídico aplicável.
- E evidente que a entidade liquidadora, por lapso ou por outra razão, pode atender, no que a tais pressupostos diz respeito, a elementos que não sejam aqueles a que deveria atender; Só que tal eventual circunstancialismo não constitui fundamento ao exercício do direito de audição prévia, antes e apenas a que a referência expressa e clara ao mesmo, terá de fazer parte da fundamentação da liquidação para que o seu destinatário possa, contra ela reagir, por vício de violação de lei.
- Por consequência e no que a estes fundamentos diz respeito, o que se entende é que, ao sujeito passivo não assiste qualquer direito de audição prévia antes da liquidação dos juros compensa tórios, o que vale por dizer que, neste domínio, o não lhe ter sido facultado o exercício do mesmo não consubstancia, sequer qualquer irregularidade procedimental e, muito menos, com efeitos invalidantes do acto final de liquidação.
- Já no que diz respeito à culpa, enquanto pressuposto dos juros em questão, se entende que, tratando-se de um juízo subjectivo, tem implícito que o contribuinte, em sede de exercício de audição, possa carrear para o procedimento, elementos até aí não disponíveis pela AT, que possam afastá-lo, à luz dos elementos relevantes à sua aferição, nos termos acima referidos; Por isso que se não possa concluir que o simples facto do conhecimento do retardamento do imposto, por parte do contribuinte, da taxa aplicável e do período de tempo, implique inexoravelmente o acto da respectiva liquidação, pelo que, neste âmbito, se entende, por um lado, como formalidade essencial a observar, a notificação do destinatário do acto tributário final, para exercer, querendo, o direito de audição, e, por outro, que a preterição de tal poder/dever é insusceptível de se degradar em formalidade não essencial.
- Só que, o que se vem de dizer, não significa/implica, que a razão se encontre do lado do recorrente.
- É que, como acima se deu conta, a culpa é um conceito de direito a extrapolar da factualidade adequada e pertinente, pelo que o afastamento da mesma passa pela demonstração da falta de aderência à realidade daquela em que a entidade liquidadora estriba aquele juízo conclusivo, pela sua inadequação a tal efeito desde logo pela justificação relevante susceptível de a excluir.
- Ora, no caso dos juros compensatórios e na sequência do acima referido, a factualidade em que há-de radicar o juízo de culpa, não pode ser outra que não aquela que subjaz ao apuramento de imposto entendido em falta, na exacta medida em que se integram neste, nos termos do n.° 8, do art.° 35.° da LGT.
- Mas, assim sendo, se por um lado é inexorável que, ao contribuinte tem de ser facultado o exercício do direito de audição, antes da liquidação de juros compensatórios, sob pena de invalidade deste acto final, é igualmente axiomático que o exercício desse direito se satisfaz, no que à culpa diz respeito, com o facultar-lhe o exercício desse mesmo direito antes da liquidação do imposto a que se reportam os JC's, já que será aí que ele terá de contestar a aderência á realidade, ou justificação, das circunstâncias de facto que podem constituir o fundamento daquele juízo de censura(5).
- Ora, "in casu", está demonstrado que, ao recorrente foi facultado o direito de audição, com a notificação que lhe foi feita do projecto de relatório da acção inspectiva e de onde constam, como se dá conta na decisão recorrida, todas as circunstâncias de facto que levaram a AT a tributá-lo por recurso a metodologia indiciaria, bem como dos critérios de cálculo do "quantum ", o que vale por dizer, na linha do que acirra se referiu nenhuma outra notificação lhe tinha de ser feita a facultar-lhe o exercício de audição prévia, por referência, especificamente, à liquidação dos juros compensatórios, seja por que tal formalidade se tem de considerar acatada com a notificação que, para esse mesmo efeito, lhe foi feita com referência ao imposto, seja por que, quanto aos restantes pressupostos de liquidação de JCs, eles consubstanciam-se numa conduta estritamente vinculada da AT.”
Este entendimento, foi sancionado pelo STA que entendeu também que:
“sendo o contribuinte ouvido em qualquer das fases do procedimento – no caso foi a recorrida notificada para se pronunciar sobre as conclusões resultantes da acção de fiscalização, conforme os factos das alíneas B) a F) do probatório – só deveria ser ouvida antes da liquidação no caso de invocação de factos novos sobre os quais não se tivesse pronunciado.
A sentença recorrida não refere que tenham sido invocados factos novos.
No entanto, a recorrida, nas conclusões das suas contra-alegações, veio dizer que na liquidação foram considerados “elementos novos”, já que a liquidação contém juros compensatórios e do dito projecto de correcções não constava menção prévia a esses mesmos juros compensatórios.
A verdade, porém, é que a liquidação dos juros compensatórios não pode considerar-se um “facto novo” para efeitos de direito de audição, até porque os mesmos variam consoante o período de tempo a considerar.
Por “facto novo” deve entender-se aquele que possa determinar a alteração do imposto, das correcções, etc. A liquidação dos juros traduz-se apenas numa mera operação aritmética pelo que só por si não justifica o direito de audição.
Deste modo, ainda que na altura do convite para o exercício do direito de audição os juros compensatórios não estivessem liquidados, a Administração Tributária não estava obrigada a ouvir de novo a recorrida só por terem sido liquidados os juros.” .
Deste modo, haverá que considerar que por meio da notificação da Requerente para o direito de audição sobre o RIT relativo ao imposto sobre o qual vieram a ser liquidados os juros, cumpriu, suficientemente, o seu dever de audiência prévia relativamente a este, devendo improceder, também nesta parte, o pedido arbitral.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Absolver a Requerida do pedido;
b) Manter na ordem jurídica os actos tributários objecto da presente acção arbitral; e
c) Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante abaixo fixado.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 100.839,51, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 20 de Março de 2019
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Luís Cupertino Ferreira)
O Árbitro Vogal
(António Pragal Colaço)