Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Adelaide Moura e Dr.ª Ana Teixeira de Sousa (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 24-01-2019, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., SGPS, S.A., sociedade comercial registada sob o número único de matrícula na Conservatória do Registo Comercial e de identificação de pessoa colectiva ..., com sede no ..., ...-... ... ... (doravante, simplesmente “A...” ou “Requerente”), veio, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.
A Requerente pede a anulação do acto tributário de liquidação de IRC de 2013 com o número 2018... e do consequente acto de liquidação de juros com os números 2018 ... 2018... e 2018..., consubstanciados na demonstração de acerto de contas com o número 2018... .
A Requerente pede ainda indemnização pela garantia prestada.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 14-11-2018.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, os Árbitros que inicialmente foram designados pelo Conselho Deontológico comunicaram a aceitação do encargo, no prazo aplicável.
Em 04-01-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 24-01-2019.
A Administração Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.
Por despacho de 01-03-2018, foi notificada a Autoridade Tributária e Aduaneira para esclarecer e juntar aos autos prova documental sobre os seguintes factos:
– se foi efectuada alguma outra notificação à Requerente de alguma outra liquidação efectuada na sequência da inspecção referida nos autos;
– em caso afirmativo, deverá ser comprovada documentalmente a data em que foi registada a disponibilização «no sistema de suporte ao serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital ou na caixa postal eletrónica» e qual o conteúdo do documento que foi disponibilizado por essas vias, ou alguma delas.
Pelo mesmo despacho foi notificado o Sujeito Passivo para informar se lhe foi efectuada alguma outra notificação da liquidação impugnada e, em caso afirmativo, a data em que lhe foi disponibilizada e conteúdo da notificação.
O Sujeito Passivo apresentando prova documental da notificação que lhe foi efectuada, em 09-07-2018, data em que acedeu a Caixa Postal Electrónica.
A Autoridade Tributária e Aduaneira pronunciou-se esclarecendo que a única notificação que foi efectuada à Requerente foi a que é indicada como objecto deste processo e defendendo que, mesmo considerando a liquidação notificada em 07-07-2018, não se verifica caducidade do direito à liquidação, porquanto ação de inspeção, de natureza externa, teve inicio em 03-10-2017 com a assinatura da ordem de serviço (fls. 143 do Processo Aadministrativo) e a suspensão manteve-se até 23-03-2018 (fls. 224 do Processo Administrativo).
Por despacho de 25-03-2019, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a produção de alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
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Em 2013, a Requerente era a sociedade dominante de um Grupo de sociedades sujeitas ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), o qual, entre outras, integrava as seguintes sociedades:
a) B... SGPS, S.A., com o NIPC..., doravante abreviadamente designada “B...”;
b) C... SGPS, S.A., com o NIPC..., doravante abreviadamente designada “C...”.
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As sociedades B... e C... foram objecto de acções de inspecção tributária externas, de âmbito parcial, incidente sobre o IRC do exercício de 2013, das quais resultaram correcções efectuadas ao nível da matéria colectável individual das referidas sociedades;
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Posteriormente, a Requerente, enquanto sociedade dominante do RETGS, foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária, do qual apenas constam as correcções efectuadas ao nível das referidas sociedades individuais (documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Na sequência da notificação do Relatório da Inspecção Tributária referido, a Requerente foi notificada da liquidação de IRC e juros compensatórios relativa ao período de 2013 com o n.º 2018..., datada de 26-03-2018, com data de acerto de contas de 06-07-2018 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A Requerente foi notificada do início da inspecção em 03-10-2017 (fls 143 do processo administrativo);
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A Requerente foi notificada do Relatório da Inspecção Tributária em 23-03-2018 (fls. 224 do Processo Administrativo);
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A referida liquidação e as demonstrações das liquidações de IRC e juros compensatórios e do acerto o de acerto de contas foram notificadas à Requerente em 08-07-2018 (documentos juntos pela Requerente 15-03-2019, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Em 26-09-2018, a Requerente prestou garantia bancária para suspender o processo de execução fiscal n.º ...2010... instaurado para cobrança coerciva da quantia liquidada (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 13-11-2018, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e pela Autoridade Tributária e Aduaneira cuja correspondência à realidade não é questionada.
3. Matéria de direito
O primeiro vício que a Requerente imputa à liquidação impugnada é o da caducidade do direito de liquidação.
Os artigos 45.º e 46.º da LGT estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 45.º
Caducidade do direito à liquidação
1. O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
2. No caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.
3 - Em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito.
4. O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
Artigo 46.º
Suspensão do prazo de caducidade
1 - O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção.
2. O prazo de caducidade suspende-se ainda:
a) Em caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão;
b) Em caso de benefícios fiscais de natureza contratual, desde o início até à resolução do contrato ou durante o decurso do prazo dos benefícios;
c) Em caso de benefícios fiscais de natureza condicionada, desde a apresentação da declaração até ao termo do prazo legal do cumprimento da condição;
d) Em caso de o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, a partir da sua apresentação até à decisão;
e) Com a apresentação do pedido de revisão da matéria colectável, até à notificação da respectiva decisão.
Naquele n.º 1 do artigo 45.º estabelece-se que "o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos", o que tem ínsito que a falta de notificação nesse prazo afecta o direito de liquidação, que é considerada ilegal se a notificação ocorrer depois desse prazo.
No caso em apreço, o início do prazo de caducidade do direito de liquidação, relativo a IRC do período de 2013, ocorreu em 01-01-2014, nos termos do n.º 4 do artigo 45.º.
Por isso, sem considerar períodos de suspensão, o prazo de caducidade do direito de liquidação terminaria em 31-12-2017 (prazo de quatro anos, previsto no n.º 1 do artigo 45.º).
Porém, nos termos do n.º 1 do artigo 46.º da LGT, «o prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção».
No caso em apreço, não foi efectuada inspecção externa a própria Requerente, sociedade dominante do grupo, mas a inspecção que lhe foi efectuada resume-se a aplicação à Requerente das correcções que foram efectuadas em duas inspecção externas realizadas a sociedades dominadas.
Por isso, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, deve considerar-se que se aplica à Requerente a suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidação previsto no n.º 1 do artigo 46.º decorrente de inspecções externas, pois, em última análise, as correcções efectuadas à Requerente baseiam-se em inspecções externas.
Neste caso, a inspecção à Requerente iniciou-se com a notificação efectuada em 03-10-2017 (fls 143 do processo administrativo) e a suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidação manteve-se até 23-03-2018, data em que foi notificado Relatório da Inspecção Tributária (fls. 223 do processo administrativo).
Entre as suas datas decorreram 171 dias.
Por isso, o prazo de caducidade do direito de liquidação estendeu-se até 20-06-2018 (171 dias após se terem completado os quatro desde o início do por de caducidade, em 31-12-2017).
Assim, apesar de a liquidação ter sido elaborada em 28-03-2018 (dentro do prazo de caducidade do direito de liquidação), a sua notificação, efectuada em Julho de 2018, foi efectuada após o termo daquele prazo.
Como decorre do teor expresso do artigo 45.º, n.º 1, da LGT, é a notificação da liquidação e não da sua elaboração que releva para efeitos de determinação do prazo de caducidade do direito.
Por isso, não tendo a notificação da liquidação sido efectuada dentro do prazo de caducidade, a liquidação enferma de vício de violação de lei que justifica a sua anulação.
3.1. Liquidações de juros compensatórios
As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto a liquidação de IRC (artigo 35.º, n.8, da LGT) pelo que enfermam do mesmo vício e também a sua notificação se aplica o prazo de caducidade do direito de liquidação.
3.2. Questões de conhecimento prejudicado
Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com fundamento no vício de caducidade do direito de liquidação, que assegura eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento dos restantes vícios imputados à liquidação impugnada.
4. Indemnização por garantia indevida
A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida, por ter prestado uma garantia bancária para suspender execução fiscal instaurada para cobrança da quantia liquidada.
O artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.
No caso em apreço, o erro que justifica a anulação da liquidação de IRC e juros compensatórios é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois era sobre esta que recaía o dever de efectuar a notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade.
Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.
Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão [artigos 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea d) da LGT].
5. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
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Anular a liquidação de IRC de 2013 com o número 2018... e os consequentes actos de liquidação de juros compensatórios com os números 2018... 2018... e 2018..., consubstanciados na demonstração de acerto de contas com o número 2018...;
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Julgar procedente o pedido pagamento de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que vier a ser determinada em execução de julgado pela garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal n.º ...2010... .
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 253.295,33.
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.896,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 26-03-2019
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Adelaide Moura)
(Ana Teixeira de Sousa)