Decisão Arbitral
I – Relatório
1. No dia 24.09.2018 a Requerente, A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com domicílio fiscal na ..., n.ºs..., ..., Évora, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação do despacho proferido, em 20 de Junho de 2018, pelo Exmo. Senhor Diretor de Finanças de ..., de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa, atinente a IMI, do ano de 2015 e, bem assim, do ato de liquidação deste imposto praticado em 26.02.2016, respeitante ao referido ano de 2015, no valor de €35.845,33 (trinta e cinco mil, oitocentos e quarenta e cinco euros e trinta e três cêntimos), a que se respeitam os documentos n.ºs 2015..., 2015... e 2015..., referentes às primeira, segunda e terceira prestações, do imposto em causa.
A Requerente peticiona, ainda, o reembolso do valor do imposto que alega ter sido pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, calculados à taxa legal em vigor.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 5 de dezembro de 2018.
3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão anulatória, foram, sinteticamente, os seguintes:
a) Os prédios propriedade da Requerente, sobre os quais incidiu a liquidação objeto do presente processo, encontram-se situados no conjunto designado por Centro Histórico de Évora, estando, consequentemente, integrados na classificação como Património Cultural da Humanidade pela UNESCO, conforme o confirmam certidões emitidas pelos Serviços da Câmara Municipal de Évora.
b) O ato de liquidação de IMI posto em crise no presente Pedido de Pronúncia Arbitral tem subjacente uma errada conceção dos factos e pressupõe uma errada aplicação do direito, que apenas pode ser imputável à Requerida, o que determina a necessidade da sua anulação.
c) Ao contrário do entendimento sufragado pela Requerida, a Requerente considera que os prédios objeto da liquidação de IMI sob contestação se encontram isentos de imposto, nos termos da alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF (doravante EBF).
d) Com efeito, ao abrigo desta norma, estão isentos de IMI “os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável.”
e) Estabelecem os n.º 2, 3 e 4 do artigo 15.º da Lei de Bases do Património Cultural (rectius Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro), que ” 2 – Os bens imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal (...) 3 – Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adoptar-se-á a designação monumento nacional (…) 4 – Um bem considera-se de interesse nacional quando a respectiva protecção e valorização, no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação”.
f) Considera a Requerente que decorre da articulação dos preceitos acima referidos, e da entrada em vigor da Lei de Bases do Património Cultural, em 2001, que a inclusão de imóveis na lista de património mundial tem como consequência, imediata, a sua classificação como imóveis de interesse nacional e, logo, como “monumentos nacionais”, sem necessidade, portanto, de qualquer outro ato de classificação.
g) Em face do exposto, encontrando-se os imóveis da Requerente sitos nesse conjunto designado por Centro Histórico de Évora, consideram-se património Mundial da UNESCO, estando, por conseguinte, desde a publicação do Aviso acima mencionado, classificados como “monumentos nacionais”, ao abrigo do disposto no artigo 15.º da Lei de Bases do Património Cultural e, como tal, isentos de IMI, de acordo com o disposto na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.
h) Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 1 de Junho de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 00693/14.1BEPRT e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 8 de Junho de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 09284/16 e, bem assim, as decisões arbitrais proferidas pelo CAAD, designadamente, no âmbito do processo n.º 98/2016-T, de 14 de Junho de 2016, do processo n.º 379/2016, de 7 de Dezembro de 2016 e, em especial, a decisão arbitral proferida no processo n.º 405/2017-T, de 21 de Dezembro de 2017.
i) Em face do exposto, deverá ser determinada a anulação do Despacho proferido, em 20 de Junho de 2018, pelo Exmo. Senhor Diretor de Finanças de ..., de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa, atinente a IMI, do ano de 2015 e do ato de liquidação de IMI, referente ao ano de 2015, que estabeleceu um montante global a pagar de € 35.845,33.
4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:
POR EXCEÇÃO,
a) O tribunal arbitral é incompetente para apreciar o indeferimento do pedido de revisão oficiosa do ato tributário, porquanto tal matéria extravasa as competências que lhe estão reservadas por lei.
b) O pedido de pronuncia arbitral tem por objeto, ainda que de forma mediata, a liquidação de IMI, que por sua ver foi alvo de pedido de revisão oficiosa, sendo que, do artigo 2º, al. a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de março, decorre a exclusão de tal mecanismo do âmbito de vinculação da Requerida à jurisdição arbitral pois não é aí mencionado, apenas o sendo a reclamação graciosa por via da remissão para os artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
c) Assim, por falta de vinculação da Requerida, obrigatória face ao artigo 4º, nº 1, do RJAT, verifica-se a incompetência material do tribunal arbitral para a apreciação da liquidação de IMI inerente ao pedido de revisão oficiosa do ato Tributário o que consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no artigo 576º/1 e 2 e no artigo 577º-a) do CPC ex vi do artigo 29º/1-e) do RJAT.
Sem prescindir,
POR IMPUGNÇÃO
d) A Lei de Bases do Património Cultural (Doravante LBPC) consagra no artigo 15º três conceito jurídico-patrimoniais distintos em matéria de bens culturais imóveis: a categoria (Monumento, Conjunto e Sítio), a classificação (Interesse Nacional, Interesse Público e Interesse Municipal) e a designação (Monumento Nacional, reservada exclusivamente para os monumento, conjuntos ou sítios que se encontrem classificados como sendo de Interesse Nacional.
e) Não existe (desde a entrada em vigor da LBPC) uma classificação denominada de Monumento Nacional, mas apenas designação de Monumento Nacional, o que não é a mesma coisa, não sendo possível afirmar que o Centro Histórico de Évora está classificado como Monumento Nacional mas apenas, quanto muito, designado como Monumento Nacional em resultado direito da lei (art. 15º/2 e 3, por remissão do artigo 15º/7, ambos da LBPC, articulado com o artigo 72º/1 do Decreto-Lei 309/2009).
f) Assim não estando Centro Histórico de Évora classificado como Monumento Nacional, mas apenas designado como tal não é aqui aplicável a isenção prevista na alínea n) do nº 1, do art. 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, referindo-se o 1º segmento da norma (“Os prédios classificados como monumento nacionais”) aos prédios classificados como Monumento Nacionais à luz das leis do Estado Novo que antecederam a LBPC.
g) Ainda que se considerasse que a inscrição do Centro Histórico de Évora na “Lista do Património Mundial da UNESCO” constitui uma classificação e que esta corresponde à graduação de Monumento Nacional, constitui uma interpretação abusiva a conclusão de que os prédios aqui em causa, apenas por se encontrarem inseridos naquele conjunto, se encontram igualmente classificados como Monumento Nacional.
h) Não tendo a Requerente demonstrado que os seus prédios se encontram individualmente classificados como Monumento Nacional, forçoso é concluir que não reúne os requisitos para usufruir do benefício fiscal constante do artigo 44º/1-N) do EBF.
i) Na verdade, um conjunto, como pluralidade de prédios que é, não é um prédio em sentido fiscal, e só estes poderão beneficiar da isenção prevista no artigo 44º, nº 1, al. n), do EBF.
j) A interpretação do art. 44º, nº 1, al. n) do EBF, em articulação com o artigo 15º, nºs 3 e 7, da LBPC e com o artigo 3º, nº 3 do Decreto-Lei 309/2009, segundo a qual, todo e qualquer prédio, apenas e tão só por se encontrar localizado no interior do perímetro de um conjunto classificado se encontra, também ele, individualmente classificado e apto a beneficiar da isenção de IMI, é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da igualdade tributária, da justiça fiscal, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.
k) É ainda inconstitucional por violação da autonomia local, na medida em que nenhuma palavra teve o Município de Évora quanto á questão da perda de receita do IMI subjacente à área do Centro Histórico de Évora e também por violação do princípio da participação na decisão, uma vez que por via do artigo 15º, nº 7, da LBPC foi desrespeitado o constitucional princípio da participação (artigo 268º, nº 3 da CRP), na formação da decisão de classificação.
l) Padecendo ainda de inconstitucionalidade orgânica a interpretação da Requerente ao equiparar “as classificações previstas na legislação do estado Novo e as previstas na LBPC, ou seja, pela equivalência entre a classificação Monumento Nacional (prevista no Decreto 20.3985 de 1932) e a classificação Interesse Nacional (prevista no artigo 15º/2 da LBPC) pois que a classificação é um dos sistemas de proteção patrimonial adotado pelo LBPC, sendo que a definição das suas bases constitui matéria constitucionalmente reservada à Assembleia da República, salvo autorização desta última ao governo pelo que a questão da equivalência ou equiparação entre diferentes graduações de classificação terá necessariamente de resultar da lei do parlamento ou de decreto-lei autorizado do governo [artigo 165º/1, g) da CRP], e nunca de um juízo dedutivo determinado pela mera semelhança entre terminologias empregues pelos legisladores ao longo dos sucessivos regimes jurídicos de proteção do património cultural português.
5. A Requerente respondeu, por escrito, à exceção suscitada pela Requerida, em síntese, nos termos seguintes:
a) A alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março apenas diz respeito a atos de autoliquidação – e não a atos de liquidação, como é o caso de uma liquidação de IMI.
b) Ainda que assim não fosse, sempre se diria que, como é consabido, o Supremo Tribunal Administrativo tem, de forma reiterada, defendido a equiparação entre o pedido de revisão oficiosa do ato tributário e a reclamação graciosa necessária.
c) Esta equiparação não se encontra vedada em sede arbitral, conforme entendimento de Carla Castelo Trindade -que a Requerente acompanha- que afirma que “Excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado não foi efectivamente uma reclamação graciosa seria violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, tal como consagrado no artigo 20.º da CRP.” – cfr. TRINDADE, Carla Castelo, “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, Almedina, 2016.
d) A doutrina e a jurisprudência têm entendido – e neste segmento voltamos a acompanhar as palavras de Carla Castelo Trindade que “(…) os actos de segundo ou terceiro graus poderão ser sempre arbitráveis, na medida em que comportem, e só nesta medida, eles próprios a (i)legalidade dos actos de liquidação em causa.”
e) Em face do exposto, deverá improceder a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação da liquidação de IMI objeto do pedido de Revisão Oficiosa, invocada pela Requerida, na sua Resposta, uma vez que ficou plenamente demonstrada a competência do Tribunal Arbitral constituído para conhecer do pedido formulado pela Requerente nos presentes autos.
5. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.
6. As partes apresentaram alegações escritas.
7. Cumpre solucionar as seguintes questões:
a) Incompetência do tribunal arbitral.
b) Ilegalidade da decisão que indeferiu o pedido de revisão oficiosa e das liquidações objeto do presente processo.
c) Direito da Requerente à restituição do imposto pago.
d) Direito da Requerente a juros indemnizatórios.
Atendendo a que a procedência das exceções, a verificar-se, obsta ao conhecimento do mérito da causa, proceder-se-á à sua apreciação logo após fixação da matéria de facto.
II – A matéria de facto relevante
8. Consideram-se provados os seguintes factos:
1. A Requerente está inscrita na matriz predial como proprietária dos seguintes prédios urbanos, sobre os quais incidiu o ato de liquidação de IMI aqui em apreço:
i) Terreno para construção, identificado com o artigo matricial n.º..., da União de Freguesias de ..., sito na..., n.º..., Évora, com o Valor Patrimonial Tributário de € 728.878,90;
ii) Fração autónoma designada pela letra B do prédio em regime de propriedade horizontal, identificado com o artigo matricial n.º..., , da União das Freguesias de ..., sito na ..., n.º..., com o Valor Patrimonial Tributário de € 947.612,16;
iii) Fração autónoma designada pela letra D do prédio em regime de propriedade horizontal, identificado com o artigo matricial n.º..., da União das Freguesias de ..., sito na ..., n.º..., com o Valor Patrimonial Tributário de € 57.280,00;
iv) Fração autónoma designada pela letra E do prédio em regime de propriedade horizontal, identificado com o artigo matricial n.º..., da União das Freguesias de ..., sito na ..., n.º ..., Évora, com o Valor Patrimonial Tributário de € 77.840,00; e
v) Prédio em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, identificado com o artigo matricial n.º..., da União das Freguesias de ..., sito na Rua ..., n.ºs ... a ..., com o Valor Patrimonial Tributário de € 5.515.719,71.
2.Em 26.02.2016 a Requerida procedeu à liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis relativa a estes prédios, referente ao ano de 2015, no valor de €35.845,33 (trinta e cinco mil, oitocentos e quarenta e cinco euros e trinta e três cêntimos) tendo sido emitidos os documentos n.ºs 2015..., 2015... e 2015..., referentes às primeira, segunda e terceira prestações.
3.Os prédios em questão situam-se no centro histórico de Évora, que se encontra incluído na lista do património mundial da UNESCO, facto que se tornou público mediante Aviso, datado de 20 de Janeiro de 1988, da Direção de Serviços Culturais, publicado no Diário da República, n.º 39/1988, Série I, de 17 de Fevereiro de 1988.
4.A Requerente apresentou em 8.02.2018 pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação objeto do presente processo que foi indeferida em 20.06.2018 por decisão notificada à Requerente por carta registada com aviso de receção enviada em 22.06.2018 e o respetivo aviso assinado em 25.06.2018, decisão cujo teor constante de fls. 63 a 66 do processo administrativo constante dos autos se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
5.A Requerente procedeu ao pagamento das primeira, segunda e terceira prestações do imposto, respetivamente, em 27 de Abril de 2016, em 28 de Julho de 2016 e em 25 de Novembro de 2016.
Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados
9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, bem como das posições das partes expressas nos articulados e na decisão do pedido de revisão oficiosa.
Especificamente para a prova do facto de que os imóveis em causa se encontram situados na zona delimitada como Centro Histórico de Évora revelaram as certidões emitidas pela Câmara Municipal de ... e ainda as afirmações expressas da Requerida no mesmo sentido, constantes da decisão que indeferiu o pedido de revisão oficiosa a fls. 65 do processo administrativo, e ainda a fls. 53 e 59.
-III-SANEAMENTO
10. QUESTÃO PRÉVIA: INCOMPETÊNCIA MATERIAL
A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita as questões da incompetência deste Tribunal Arbitral e uma vez que a questão de incompetência é de conhecimento prioritário, começar-se-á pela apreciação da mesma.
Sobre esta matéria expende Jorge Lopes de Sousa:
“Não resulta do teor expresso do RJAT a possibilidade de serem apreciados pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD atos de indeferimento de pedidos de revisão de ato tributário. Na verdade, no artigo 2º do RJAT não se faz qualquer referência expressa a estes atos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de atos tributários» e «os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação». No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT, numa mera interpretação declarativa, não restringe o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos, pois a ilegalidade de atos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de uma ato de segundo grau, que confirme um ato de liquidação, incorporando com essa confirmação a sua ilegalidade.
Aliás, é inequívoco, pelo que se disse em relação às decisões de indeferimento de reclamações graciosas e recursos hierárquicos, que se incluem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos atos aí indicados é efetuada através da declaração de ilegalidade de um ato de segundo ou terceiro grau, que são o objeto imediato da pretensão impugnatória. A possibilidade de apreciação da legalidade de atos primários através da apreciação da legalidade de atos de segundo ou terceiro grau é patente na referência que no artigo 2º do RJAT se faz a atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, pois, relativamente a estes atos, é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artigos 131º e 133º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objeto imediato do processo impugnatório é, em regra, o ato de segundo grau que aprecia a legalidade do ato de liquidação, ato aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração a declaração de ilegalidade do ato de liquidação. Foi mesmo neste sentido que a administração tributária , através da portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competência as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recuso à via administrativa foi utilizado.
Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na al. a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um ato de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedidos de revisão do ato tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir (…)” .
Este entendimento tem sido, maioritariamente, sufragado pela jurisprudência arbitral.
Também este tribunal, considera correto o entendimento exposto, pelo que se decide julgar improcedente a exceção de incompetência do tribunal arbitral suscitada pela Requerida.
DEMAIS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
11. O tribunal encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem.
-IV- DO MÉRITO
12.Nos termos da alínea n), do n.º 1, do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, estão isentos de IMI “os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável.”
A isenção atualmente constante da al. n), do nº 1, do artigo 44º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, foi, originariamente, aditada pelo artigo 45º da Lei nº 109-B/2001 de 27 de Dezembro, ao então artigo 40º deste diploma, com a seguinte redação:
“Isenções
1-Estão isentos de contribuição autárquica:
(…)
n) Os prédios classificados como monumentos nacionais ou imóveis de interesse público e bem assim os classificados de imóveis de valor municipal ou como património cultural, nos termos da legislação aplicável.”
A norma fiscal remetia (e atualmente continua a remeter) para as definições legais constantes da “legislação aplicável” que é a Lei de Bases do Património Cultural (Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro), designadamente as constantes do seu artigo 15.º. De acordo com o nº 2 deste artigo “Os bens móveis e imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.”
E de acordo com o nº 3 “Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adoptar-se-á a designação «monumento nacional» (…)”.
Tendo em conta a remissão operada, não suscita dúvida razoável que o conceito de “monumento nacional” adotado não pôde deixar de ser o constante do nº 3, do art. 15º da LBPC, aprovada poucos meses antes que, automaticamente, atribui aos imóveis classificados como de interesse nacional a designação de “Monumento Nacional”.
Assim, face a estas normas, um imóvel designado por “monumento nacional” nos termos do art. 15º, nº 3, da LBPC, beneficiava da isenção prevista no al. n) do então artigo 40ª do EBF.
Acresce que, nos termos do nº 7 do mesmo artigo “Os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional. “
Assim, à face destas normas, os bens culturais imóveis incluídos nesta lista, estavam automaticamente classificados como de interesse nacional e considerados “Monumento Nacional” beneficiando assim da isenção legal.
De observar que a referida al. n) refere “prédios” e não a “conjuntos”. Nestes casos, trata-se necessariamente duma multiplicidade de prédios.
Tal não obstava, todavia, à aplicação da isenção legal aos prédios integrantes destes conjuntos pois, sem rigor terminológico, o legislador da LBPC, refere-se aos conjuntos como “Bens Imóveis” (Nºs 1 e 3 do art. 15º).
Não desconhecendo o legislador da Lei nº 109-B/2001 de 27 de Dezembro, os conceitos usados na Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro e para ela remetendo, não pode deixar
de se entender que a intenção legislativa foi a de isentar todos os prédios integrantes do conjunto legalmente definido como “Monumento Nacional”.
13. A Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, veio alterar a redação da al. n), do então artigo 40º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, nos seguintes termos:
“n) Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, nos termos da legislação aplicável.”
Esta redação é muito próxima da atualmente em vigor sob n), do n.º 1, do artigo 44.º, deste diploma, que é a seguinte:
“os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável.”
No essencial, e para o que aqui releva, a alteração legislativa consistiu, relativamente aos imóveis classificados como de interesse público e bem assim os classificados de imóveis de interesse municipal, na exigência da sua classificação individual como condição para beneficiar da isenção, diferentemente da opção legislativa para os prédios classificados de interesse Nacional (por inerência “Monumentos Nacionais”) relativamente aos quais tal exigência de classificação individual não foi estabelecida.
Se dúvidas houvesse, sobre se a isenção da alínea n) exigia sempre a classificação individual dos prédios, a nova redação da norma veio dissipá-las, ao exigi-la apenas para os prédios de interesse público, de valor municipal ou como património cultural (atualmente prédios de interesse público e de interesse municipal).
Neste sentido foi a decisão proferida no processo 325/2014-T, onde se podem ler as seguintes considerações, que se acompanham:
“1. Nos termos do artigo 44º do Estatuto de Benefícios Fiscais, nº 1: "Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis: (...) n) Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável".
2. Podemos verificar que este artigo é composto por duas previsões. Em primeiro lugar, estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais. Em segundo lugar, estão isentos do mesmo imposto os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal.
(…)
5. Os imóveis em questão fazem parte da Zona Histórica do ..., que foi inscrita na Lista do Património Mundial da UNESCO, conforme declarado pelo Aviso nº 15173/2010, publicado no Diário da República, II Série de 30 de Julho de 2010, emitido ao abrigo do nº 3 do art. 72º do Decreto-Lei 309/2009, de 23 de Outubro.
6. O art. 15º, nº7, da Lei 107/2001 refere expressamente que "os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria os bens qualificados como de interesse nacional".
(…)
9. Efectivamente, e conforme consta do artigo 15º da Lei 107/2001 e do art. 3º do Decreto-Lei 309/2009, um bem classificado como de interesse nacional é designado como "monumento nacional", independentemente de se tratar de um único edifício, conjunto ou sítio, sendo claro que os imóveis que compõem o conjunto ou sítio são abrangidos por essa classificação.
(…), a norma do nº5 do art. 44º, na redacção que lhe foi atribuída pela Lei 3-B/2010, de 28 de Abril, dispõe expressamente que "a isenção a que se refere a alínea n) do nº. 1 é de carácter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal (…)". Resulta, pois, em termos muitos claros que a intenção do legislador foi dispensar a classificação individualizada para efeitos de isenção de IMI aos monumentos nacionais, apenas a exigindo em relação a imóveis de interesse público ou de interesse municipal.
16. Ora, estando os prédios em questão integrados na Zona Histórica do ..., legalmente qualificada como monumento nacional, é manifesto que beneficiam da referida isenção, sendo assim ilegais as liquidações de IMI impugnadas (…)”
Também no mesmo sentido, pode ler-se no recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Dezembro de 2018, proferido no recurso 0501/17, o seguinte:
“(…)o legislador ao elaborar o Orçamento do Estado para 2007 quis introduzir uma alteração significativa no regime de acesso às isenções de IMI de que poderiam beneficiar os prédios classificados em razão do seu interesse e importância cultural e/ou valor patrimonial.
Enquanto que na versão da norma anterior a este OE de 2007 o legislador não exigia, para efeitos fiscais, a classificação individual de cada um dos prédios, bastando-se, portanto, com a sua classificação nos termos da legislação aplicável, com esta alteração passou a exigir mais um requisito, o da classificação individual nos termos da legislação aplicável.
Contudo, apenas passou a exigir esta classificação individual para os imóveis que devam ser integrados nas categorias de interesse público, de valor municipal ou património cultural, não fazendo a mesma exigência para os imóveis que devam ser integrados na categoria de monumento nacional (no EBF o legislador faz referência a monumento nacional quando se pretende referir aos imóveis de interesse nacional porque é assim que nos termos do disposto no artigo 15º, n.º 3 da Lei n.º 107/2001, de 08 de Setembro devem ser designados).
E esta distinção resulta claramente da vontade expressa do legislador ao editar a norma em questão, ou seja, o legislador não pretendeu exigir, para os imóveis que devam ser incluídos na categoria de monumento nacional (interesse nacional) e para efeitos desta isenção fiscal, que devam ser sujeitos a classificação individual, mantendo, portanto, quanto aos mesmos o regime que anteriormente se encontrava estabelecido. Aliás a “nova” redacção do preceito mantém inalterada a primeira parte do artigo em questão -Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais- que se refere aos monumentos nacionais.
Esta interpretação resulta, também, expressamente do debate parlamentar e votação ocorridos a propósito deste preceito legal.
Tal como resulta da leitura do Diário da Assembleia da Republica I Série, nº 24, de 02.12.2006, págs. 29 e 30, a exigência da classificação individual dos imóveis que devem ser enquadrados na categoria de monumento nacional não foi expressamente aceite pelos deputados:
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta 740-P, de Os Verdes, de substituição da alínea n) do n.º 1 do artigo 40.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais constante do artigo 77.º da proposta de lei.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP, do BE e de Os Verdes.
Era a seguinte: n) Os prédios classificados a título individual como monumentos nacionais ou imóveis de interesse público e bem assim os classificados, também a título individual, como imóveis de valor municipal ou como património cultural, nos termos da legislação aplicável.
O Sr. Presidente: — Vamos proceder à votação da proposta 855-P, do PS, de emenda da alínea n) do n.º 1 do artigo 40.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais proposta no artigo 77.º.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP, votos contra do BE e abstenções do PCP e de Os Verdes.
É a seguinte: n) Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, nos termos da legislação aplicável.
O Sr. Presidente: — Com esta aprovação fica prejudicada a votação da alínea n) do n.º 1 do artigo 40.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais proposta no artigo 77.º [e que era a seguinte: n) Os prédios classificados como monumentos nacionais, nos termos da legislação aplicável].
Daqui se conclui, assim, que os imóveis que já anteriormente beneficiavam da isenção fiscal, por se encontrarem enquadrados na categoria designada por monumento nacional, não foram abrangidos pelas alterações legislativas operadas pelo OE de 2007, podendo por isso manter a isenção fiscal de que vinham a beneficiar(…)” .
Reitera-se, assim, a conclusão de que, face à al. n), do art. 44º, do EBF (tal como já sucedia na primitiva os redação desta alínea, do então artigo 40º), os prédios integrantes de conjuntos designados por “Monumento Nacional” beneficiam da isenção aí prevista, não carecendo para o efeito de classificação individual.
14. Quando às inconstitucionalidades alegadas pela Requerida, há que recordar e sublinhar que a isenção em causa foi inserida pela Lei nº 109-B/2001, de 27.12, no Estatuto dos Benefícios Fiscais e objeto de posteriores alterações, também por Lei da Assembleia da República.
Sem prejuízo da remissão para a Lei de Bases do Património Cultural no que respeita aos prédios a que é aplicável, diploma que deve ser interpretado como qualquer outra lei, de acordo com os legais fatores hermenêuticos, tal isenção está inequivocamente estabelecida na al. n), do artigo 44º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (cuja constitucionalidade formal a Requerente não questiona), e não na Lei de Bases do Património Cultural, não ocorrendo, consequentemente, qualquer inconstitucionalidade por violação da autonomia local, do princípio da participação da decisão ou orgânica.
Por outro lado, como escreve Guilherme Waldemar d`Oliveira Martins:
“Uma norma que crie um benefício tributário viola o princípio da igualdade tributária, mas que, contudo fica legitimada ou até mesmo exigida pelas normas constitucionais de um determinado ordenamento”
(…)
“Os benefícios fiscais encontram fundamento fora da capacidade contributiva e da máxima da igualdade estudada, sem, no entanto, ser recusada a sua admissibilidade desde que encontrem a sua tutela noutro princípio, direito ou dever” .
O benefício fiscal em apreço encontra fundamento inequívoco no artigo 78º, nº 2, al. c), da Constituição da República Portuguesa, não ocorrendo, pois, inconstitucionalidade por violação dos princípios constitucionais da igualdade tributária, da justiça fiscal, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.
Assim sendo, de acordo com o supra exposto, a liquidação em causa viola o artigo 44º, nº 1º, al. n), do Estatuto dos Benefícios Fiscais, padecendo, em consequência, do vício de violação de lei, pelo que não pode deixar de ser anulada, tal como a decisão que indeferiu o pedido de revisão oficiosa.
15. Veio, ainda, a Requerente pedir a condenação da Requerida a reembolso das quantias indevidamente arrecadadas, bem como o pagamento de juros indemnizatórios que se mostrarem devidos, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, é procedente a pretensão do Requerente à restituição por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para restabelecer a situação que existiria se a ilegalidade em causa não tivesse sido praticada.
No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.
Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Por sua vez dispõe o nº 3 do mesmo artigo:
“3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
(…)
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.”
Como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24-10-2018, processo 099/18.3BALSB:
“Com a devida vénia permitimo-nos citar aqui o acórdão deste STA de 23/05/2018 supra referido onde se expressou:
(…) 3.8. Importa, por isso, afrontar a questão de saber se os juros indemnizatórios são devidos desde a data em que o pagamento do tributo foi efetuado ou a partir de um ano após o pedido de revisão formulado pelo contribuinte.
Já vimos que o acórdão fundamento entendeu que os juros indemnizatórios a que as impugnantes têm direito neste processo são apenas devidos a partir de um ano após o pedido de revisão por elas formulado.
O acórdão de 15-02-2007, processo 01041/06, deste STA tem o seguinte sumário:
“I - A revisão oficiosa dos actos de liquidação é susceptível de ser provocada pelo interessado, dentro do respectivo prazo, com fundamento em qualquer erro, de facto ou de direito, imputável à Administração.
II - Pedida a revisão oficiosa do acto de liquidação e vindo o acto a ser anulado, mesmo que só na impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada.”.
Neste acórdão são referidos os diversos acórdãos que neste mesmo sentido se pronunciaram.
E o acórdão fundamento acompanhou esta corrente jurisprudencial afirmando no seu sumário o seguinte:
“I - O art.º 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, sem definir o momento a partir do qual são os mesmos devidos.
II - O nº 3, c) do mesmo preceito consagra que também são devidos juros indemnizatórios, «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária».
III - O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.”.
Do artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária resulta que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Não resulta desta norma qual o momento a partir do qual são os juros indemnizatórios devidos.
O n.º 3, c) do mesmo preceito estabelece, contudo, que são devidos juros indemnizatórios, “quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária”.
À situação em apreciação é aplicável o nº 3, al. c) do artigo 43º da Lei Geral Tributária pois que podendo a recorrida ter questionado a liquidação optou por nada fazer até ao momento em que apresentou um pedido de revisão oficiosa do ato tributário.
Como se escreveu no acórdão fundamento entre a data da liquidação e a data do pedido de revisão decorreu um extenso período em que a reposição da legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que a não impulsionou, o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte, suscita a questão da ilegalidade do ato de liquidação imediatamente após o pagamento da quantia em questão pois que entendeu o legislador que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respetiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.
Daí que se possa concluir que esta norma do artigo 43.º, n.º 3 c) da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios, aplicável apenas em situações de revisão, como é o caso dos presentes autos e não perante a situação normal típica em que a impugnação da liquidação se inicia após o pagamento.
Não pode convocar-se para a solução do caso dos autos o artigo 57º nº 1 da LGT pois que a obrigação de conclusão do procedimento em quatro meses (e anteriormente seis meses) conduziria à inaplicabilidade do prazo de um ano, constante do artigo 43.º, n.º 3 c) da LGT.
Entende-se, por isso, que os juros indemnizatórios a que a recorrida têm direito, neste processo, são apenas os devidos a partir de um ano após o pedido de revisão formulado, ou seja, a partir de 28-03-2017.
O artigo 43.º, n.º 3 c) da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios, aplicável apenas em situações de revisão do ato tributário em que os mesmos são devidos decorrido um ano após o pedido de revisão.
(…)”.
Concordando com a expressão deste acórdão do Pleno, cujos fundamentos para aqui se aportam, somos levados a considerar que a decisão arbitral não se pode manter na medida dos juros determinada, impondo-se a sua revogação parcial. Acresce referir que este acórdão segue jurisprudência tirada há algum tempo, designadamente o acórdão de 22/06/2005 tirado no recurso nº 322/05 onde, com muita clarividência se expressou:
(…) O nº 3 refere, ainda, que “são também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
…
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.E entende-se que assim seja pois que se podia o contribuinte com fundamento em erro imputável aos serviços questionar a liquidação, nos termos do nº 1 do mencionado artº 43º, tendo, em tal situação, caso a sua pretensão procedesse direito aos juros indemnizatórios contados nos termos do nº 3 do artº 61º do CPPT (desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito) se deixou, eventualmente passar o pedido de impugnação e se socorreu do mecanismo da revisão imediatamente ficou sujeito às consequências deste mecanismo legal.
É que ao solicitar tal revisão é razoável que a AT disponha de certo prazo para a apreciar.
Neste sentido pode consultar-se Jorge de Sousa, CPPT Anotado, 4ª edição, 2003, notas 2 e 10 quando afirma que no artº 61º se prevê que sejam pagos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectue mais de um ano após o pedido, se o atraso for imputável à Administração Tributária sendo o termo inicial de contagem de tais juros indemnizatórios, no caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (fora das situações de reclamação graciosa enquadráveis no nº 1 do mesmo artº 43º da LGT), devidos a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão, podendo até ser contados a partir de momento posterior se o atraso não for imputável à Administração Tributária.
E não se descortina qualquer inconstitucionalidade em tal preceito legal, na interpretação que se deixa exposta, pois que a opção pela via da revisão que tem este regime e não pelo regime do nº 1 do artº 43º apenas é imputável ao particular que escolheu aquele caminho e não este pelo que não ocorre a inconstitucionalidade defendida da alínea c) do nº 2 do mesmo artº 43º da LGT”.
Pretender que a aplicação do preceito seria só para casos de procedência do pedido de revisão oficiosa constituiria limitação à extensão dos juros indemnizatórios que não tem na letra da lei correspondência verbal e funcionaria como “condicionadora do sentido decisório da Administração” causticando-a com juros mais extensos no caso de indeferimento do pedido de revisão apresentado muito para além dos prazos de impugnação ou reclamação normais.”
Em conformidade com este aresto, que se acompanha, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, que apenas são os devidos a partir do fim do prazo de um ano após a apresentação do pedido de revisão formulado, ou seja, a partir de 9 de Março de 2019 até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos, nos termos do artigo 61º, nº 5, do Código de Procedimento e Processo Tributário.
-IV- Decisão
Assim, decide o Tribunal arbitral:
a) Decretar a anulação da liquidação objeto do presente processo bem como a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra aquela.
b) Condenar a Requerida a restituir à Requerente os montantes do imposto pago respeitante à liquidação.
c) Condenar a Requerida a pagar juros indemnizatórios à Requerente desde 9 de Março de 2019 até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.
Valor da ação: €35.845,33 (trinta e cinco mil, oitocentos e quarenta e cinco euros e trinta e três cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas pela Requerida, no valor de 1 836.00 € (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, CAAD, 12.03.2019
O Árbitro
Marcolino Pisão Pedreiro