Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 456/2018-T
Data da decisão: 2019-02-28   Outros 
Valor do pedido: € 1.831,08
Tema: AIMI – Incidência objetiva (artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI) – Inconstitucionalidade - princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.
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DECISÃO ARBITRAL  

 

 

1 - Relatório

1.1 - A..., S.A., doravante designada por «Requerente», contribuinte n.º ..., com sede no ...., ..., ..., requereu a constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT») e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).

 

1.2 - O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 14 de setembro de 2018, tem por objeto a declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018..., proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de ... (...), em 19 de junho de 2018, e consequente anulação da liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) com o n.º 2017..., emitido pela “AT” em 30 de junho de 2017, com referência ao ano de 2017, no montante 1 831,08 € (mil, oitocentos e trinta e um euros e oito cêntimos).  

 

1.3 - A Requerente optou por não designar árbitro.

 

1.4 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 17 de setembro de 2018.

 

1.5 - O signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.6 - Em 31 de outubro de 2018, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.7 - Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 20 de novembro de 2018.

 

1.8 - A Requerida foi notificada, por despacho arbitral de 20 de novembro de 2018, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.9 - Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do CPPT.

 

1.10 - Em 21 de dezembro de 2018, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação impugnado com a consequente absolvição da Requerida do pedido.

 

1.11 - Caso assim não seja entendido, foi requerida a notificação da decisão arbitral ao Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 280.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no artigo 72.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional.

 

1.12 - Na mesma data juntou aos autos o respetivo PA.

 

1.13 - Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da documental junta ao processo, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos nos artigos 16.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, por despacho de 27 de dezembro de 2018, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, tendo ainda decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas, facultativas, no prazo de 10 dias, de forma sucessiva para a Requerida.

 

1.14 - Pelo mesmo despacho foi determinado que a decisão arbitral seria proferida até ao termo do prazo a que alude o artigo 21.º, n.º 1 do RJAT.

 

1.15 - As Partes não alegaram.

 

 

Posição das Partes

Da Requerente -

Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:

Que o objeto social consiste na compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamento e gestão de imóveis próprios ou alheios, a exploração e gestão de estabelecimentos hoteleiros e similares, nomeadamente hotéis, estalagens, restaurantes, cafés, snack-bares, empreendimentos de turismo de habitação e rural, de estabelecimentos de diversão, a promoção e exploração de atividades turísticas recreativas, de lazer, culturais, de espetáculos e exploração de jogos de fortuna ou de azar, sendo proprietária dos prédios urbanos mencionados na liquidação em crise, mormente prédios urbanos com destino habitacional, encontrando-se contabilizados como “activos fixos tangíveis” tendo em vista o arrendamento.

Dos imóveis da Requerente, o inscrito na matriz sob o artigo U..., que integra parte do espaço denominado “...”, encontra-se à exploração para casamentos, festas e outros eventos, enquanto os inscritos sob o artigo ... são frações que, até ao final do ano de 2017, se encontravam arrendadas, sendo que as mesmas detêm essa finalidade há várias décadas, e as duas frações inscritas no artigo ... destinam-se a exploração e não se encontram atualmente arrendadas.

Assim o património predial referido encontra-se destinado única e exclusivamente à exploração da Requerente no âmbito da sua atividade económica, a qual, no exercício de 2017, apresentou resultado negativo.

A Requerente foi notificada da liquidação de AIMI em causa, mas de modo a obstar à instauração de um processo de execução fiscal e ao vencimento de juros moratórios, pagou voluntariamente o imposto que lhe foi liquidado.

Porém a liquidação em causa é ilegal por se encontrar sustentada em norma materialmente inconstitucional que, por incidir sobre imóveis que integram o ativo de uma empresa de escopo imobiliário e deste modo essenciais para a obtenção de rendimentos no âmbito da sua atividade económica, é violadora dos princípios da igualdade, na sua vertente da capacidade contributiva, e da proporcionalidade, tratando de forma diferente contribuintes que se encontrem em situações idênticas, não sendo a medida da diferença aferida pela sua real capacidade contributiva e baseia-se numa solução legal arbitrária e desprovida de qualquer fundamento material percetível ou racional.

Deste modo apresentou a competente reclamação graciosa, a qual, tendo sido tramitada no ... Serviço de Finanças de ..., veio a ser indeferida pelo despacho que também se impugna.

Termina pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e por via disso pela anulação do despacho de indeferimento proferido na Processo de Reclamação Graciosa n.º ...2018...e anulação da liquidação impugnada, no montante de 1 831,08 €, com todas as consequências previstas na lei, nomeadamente o reembolso do montante indevidamente pago.

 

Da Requerida -

Defendendo-se por impugnação, invoca os seguintes argumentos:

Que o AIMI assume a natureza de imposto real, “na medida em que a modelação do quantitativo a pagar abstrai da dimensão económica das entidades, designadamente a qualificação como pequena, média ou grande empresa, bem como não atinge a totalidade do património líquido das entidades”, pelo que não pode ser qualificado como um tributo de natureza pessoal.

Deste modo o legislador afastou da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros” mas, optou expressamente por manter outros prédios que também integram o ativo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção, ao não os incluir na delimitação negativa consagrada.

  Assim o único critério relevante para delimitar o âmbito da incidência objetiva do AIMI é, tão-só, a tipologia de classificação dos prédios urbanos, prevista no artigo 6.º/1 do CIMI, para a qual remete expressamente o artigo 135.º-B/2.

O AIMI incidente sobre as pessoas coletivas e estruturas equiparadas reveste a natureza de um imposto real sobre o património imobiliário, constituído por prédios urbanos que preenchem os tipos visados pelo artigo 135.º-B/2, independentemente das classes do ativo em que se encontram inscritos – inventários, ativo fixo tangível ou ativo não corrente detido para venda.

Deste modo a Requerente encontra-se sujeita ao AIMI pelos prédios urbanos de que seja proprietária, usufrutuária ou superficiária e que preencham as condições enunciadas naquele preceito do CIMI, independentemente da natureza da atividade económica desenvolvida, e que tal não constitui afronta à CRP.

Quanto à inconstitucionalidade do artigo 135.º-B/2 do CIMI, e ainda que tal se verificasse, ainda assim não podia a Requerida desaplicar tal norma com esse fundamento, por estar obrigada a atuar em conformidade com o princípio da legalidade, em cumprimento do disposto no artigo 266.º/2 da CRP, artigo 3.º/1 do Código de Procedimento Administrativo e artigo 55.º da Lei Geral Tributária, contrariamente aos tribunais que, nos termos do artigo 204.º da CRP, estão impedidos de aplicar normas inconstitucionais, sendo-lhes atribuída a competência para a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional.

Mas no entender da Requerida a referida norma não se encontra eivada do vício de inconstitucionalidade por violação dos vícios que a Requerente lhe aponta.

Com efeito, o princípio da igualdade concretiza-se em diversas dimensões, como sejam a proibição do arbítrio, a proibição da discriminação e a obrigação de diferenciação.

Por outro lado, a capacidade contributiva, para além do rendimento e da utilização de bens, também se exprime, nos termos da lei, através da titularidade de património, conforme consagra o artigo 4.°/1 da LGT: «Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património.»

As escolhas inerentes à delimitação da incidência objetiva do AIMI são efetuadas dentro da margem de liberdade de conformação legislativa, ficando patente que o critério adotado pretende ser universalmente objetivo, induzindo maior uniformidade e igualdade no tratamento dos prédios alvo da tributação, em detrimento de outros critérios que apelassem a verificações casuísticas sobre o destino efetivo dado aos prédios.

Pelo que a diferente valoração e tributação de um imóvel com afetação habitacional, face a um imóvel destinado a comércio, indústria ou serviços, resulta da diferente aptidão dos imóveis em causa, a qual sustenta o diferente tratamento dado pelo legislador que, por razões económicas e sociais, decidiu, no âmbito da sua liberdade conformadora, afastar da incidência do imposto os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais.

O AIMI não visa uma tributação genérica do património, estando em causa apenas um imposto parcelar sobre determinadas manifestações de capacidade contributiva, respeitando antes a uma tributação parcelar do património, sem visar especificamente empresas ou um tipo de empresas específico, pois compreende toda a espécie de sujeitos passivos que sejam titulares dos direitos reais enunciados sobre os prédios em causa, independentemente de assumirem carácter empresarial ou não, abrangendo, assim, para além de sociedades, fundações, associações, pessoas singulares.

Que o dever de contribuir para os gastos públicos por via dos impostos é um limite imanente aos direitos de propriedade e de liberdade de iniciativa económica, pelo que a cobrança dos impostos, em ordem à satisfação das necessidades públicas, é um dos interesses claramente protegidos pela CRP.

Que inexiste qualquer influência significativa sobre a titularidade de prédios por empresas que se dediquem à comercialização dos mesmos, dado que o AIMI não possui alcance geral, mas tem o seu âmbito de aplicação restringido aos prédios urbanos sitos em Portugal, independentemente da natureza do proprietário, usufrutuário ou superficiário pelo que não será a circunstância de outros contribuintes detentores de património imobiliário identicamente valioso ficarem isentos do tributo, que justificará uma específica censura constitucional à norma em sindicância.

Como qualquer imposto sobre o património, o AIMI está dissociado de uma eventual realização de lucro com a venda dos bens imóveis, bem como da existência, ou não, de situação líquida negativa ou positiva, relevando, para a economia do imposto, apenas o valor patrimonial dos prédios habitacionais.

Além do mais o AIMI é um gasto dedutível, influenciando negativamente o lucro tributável do exercício, ou é dedutível à coleta do IRC quando os rendimentos gerados por imóveis, a ele sujeitos, no âmbito de atividade de arrendamento ou hospedagem, sejam incluídos na matéria coletável (artigo 135.º-J, n.º 1 e nº 2, do CIMI).

Termina pugnando pela total improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição da Requerida, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário impugnado, uma vez que a liquidação controvertida consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos.

 

 

2 - Saneamento

2.1 - As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

2.2 - O processo não enferma de nulidades, o pedido foi tempestivamente apresentado e não foram invocadas outras exceções além da já referida caducidade do direito de ação.

 

2.3 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

2.4 - Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

3. Matéria de Facto

3.1 Factos provados

 

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial que desenvolve a sua atividade no setor imobiliário;
  2. Tem por objeto a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamento e gestão de imóveis próprios ou alheios, a exploração e gestão de estabelecimentos hoteleiros e similares, nomeadamente hotéis, estalagens, restaurantes, cafés, snack-bares, empreendimentos de turismo de habitação e rural, de estabelecimentos de diversão, a promoção e exploração de atividades turísticas recreativas, de lazer, culturais, de espetáculos e exploração de jogos de fortuna ou de azar – cfr. certidão permanente junta com o ppa e que constitui o documento n.º 2;
  3. No âmbito da sua atividade a Requerente, em 01 de janeiro de 2017, era proprietária dos seguintes prédios urbanos classificados como habitacionais, cfr. notificação da liquidação junta com o ppa e que constitui o documento n.º 5 bem como informação a fls. 29 do PA:

Freguesia

Concelho

Artigos matriciais/frações

VPT (€)

...–

...(...)

...- fração “E”

23 030,00

Idem

...- fração “H”

23 920,00

...-

... (...)

...– fração “B”

44 660,00

Idem

...– fração “C”

41 630,00

Idem

...– fração “E”

44 200,00

Idem

...– fração “I”

41 630,00

Idem

...– fração “N”

43 520,00

Idem

...– fração “O”

44 200,00

Idem

...– fração “Q”

41 910,00

Idem

...– fração “T”

43 520,00

Idem

...– fração “V”

41 630,00

...–

... (...)

...

23 920,00

TOTAL

-------------------------------

457 770,00

 

  1. Todo o património predial antes referido encontrava-se, em 01-01-2017, destinado única e exclusivamente à exploração da Requerente no âmbito da sua atividade económica, cfr. documentos n.ºs 3 e 4 juntos com o ppa.
  2. No ano de 2017 a Requerente apresentou prejuízo para efeitos fiscais, no montante de 3 781 314,97 €, cfr. documento n.º 6 junto com o ppa.
  3. Em Agosto de 2017, a Requerente foi notificada da liquidação de AIMl n.º 2017..., de 30-06-2017, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira ("AT") com referência ao ano de 2017, no montante total de 1 831,08 €, com prazo de pagamento no mês de setembro de 2017, englobando os prédios antes referidos, sendo considerado o valor patrimonial tributável de 457 770,00 €, cfr. documento n.º 5 junto com o ppa.
  4. Em 29-09-2017, a Requerente efetuou o pagamento do imposto liquidado, cfr. documento n.º 7 junto com o ppa.
  5. Em 30-01-2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida, cujo processo com o n.º ...2018... foi tramitado pelo Serviço de Finanças de ..., cfr. documento n.º 1 junto com o ppa e processo administrativo apresentado pela AT em 21-12-2018.
  6. A Reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 19-06-2018, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de ... e notificado à Requerente através do ofício n.º ... da mesma data, registado em 20-06-2018 (RF...PT), cfr. documento n.º 1 junto com o ppa.
  7. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa remete para a fundamentação do projeto de decisão que consta do documento n.º 1, em que, além do mais, refere:

«(…) O Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) foi introduzido no ordenamento jurídico-tributário português pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Orçamento do Estado para 2017) e é um imposto pessoal, de base cadastral, que incide sobre o património imobiliário.

Dispõe o n.º 1, do artigo 135º-A do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) que são sujeitos passivos “… as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português”, refere o nº 3, do mesmo artigo que “a qualidade do sujeito passivo é determinada em conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 8º do presente código, com as necessárias adaptações, tendo por referência a data de 01 de janeiro do ano a que o adicional ao imposto municipal sobre os imóveis respeita”.

O AIMI incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos habitacionais e dos terrenos para construção, situados em território português, de que o sujeito passivo seja titular à data de 1 de janeiro do ano a que respeita o adicional, sendo aquele valor tributável apurado com base nas inscrições matriciais vigentes na referida data (artigo 135º-B e nº 1 do artigo 135º-C, ambos do Código do IMI).

A liquidação do AIMI é feita anualmente pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com base nos valores tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem nas matrizes em 1 de janeiro do ano a que o mesmo respeita (nº 1, artigo 135º-G).

Por sua vez, o artigo 6º, do CIMI determina que os prédios urbanos dividem-se em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros.

Pelo que a AT procede à respetiva liquidação com base nos dados inscritos nas matrizes prediais e com efeitos à data do facto tributário – 1 de janeiro do ano a que respeita o imposto recorrendo aos valores patrimoniais tributários, (matéria tributária) e aos sujeitos nela averbados como titulares dos direitos reais de gozo dos imóveis (incidência subjetiva).

O artigo 135º-B, nº 2 do CIMI, estabelece a incidência objetiva do AIMI, dispõe que “… São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d), do nº 1, do artigo 6º, deste Código …”.

Conforme consulta ao sistema informático da AT, os valores da liquidação aqui reclamada, tem por base a propriedade de vários prédios urbanos, situados na área dos serviços de Finanças de ..., de ... e de ... e encontram-se classificados como prédios urbanos com destino “habitação”, logo o apuramento do valor tributável de AIMI da referida liquidação foi efetuado de acordo com as normas de incidência objetiva do AIMI, ou seja, observando a classificação dos prédios prevista no artigo 6.º do CIMI.

Assim, nos termos do artigo 135º-F do CIMI, foi efetuada a respetiva liquidação (VPT x taxa 0,4%), tendo por base o valor tributável total de €457.770,00 com aplicação da taxa de 0,4% resultando a coleta de €1.831,08.

Relativamente à alegada inconstitucionalidade subjacente à tributação do AIMI afigura-se que não cabe apreciar a mesma em sede de reclamação graciosa, atendendo aos fundamentos previstos para a reclamação e impugnação, conforme artigo 70º nº 1, conjugado com o artigo 99.º, ambos do CPPT.

Face ao exposto, salvo melhor superior entendimento, conclui-se que a liquidação foi efetuada em conformidade, devendo ser negada a pretensão da reclamante, pelo que se propõe indeferimento da reclamação». 

  1. Em 14-09-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

3.2 Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

 

3.3 Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.  

Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.

A AT não questiona qualquer dos factos alegados pela Requerente.

 

 

4 - Matéria de Direito (fundamentação)

     Objeto do litígio

A questão que constitui o thema decidenduum reconduz-se a saber se os imóveis referidos nos autos, enquanto substrato da atividade económica da Requerente, estão abrangidos pelas normas de incidência objetiva do AIMI previstas no artigo 135.º-B do CIMI.

 

Questão a decidir:

- Da (i)legalidade da liquidação impugnada.

 

Refere a Requerente que o ato tributário é ilegal por se encontrar sustentado em norma materialmente inconstitucional que, por incidir sobre imóveis que integram o ativo de uma empresa de escopo imobiliário e deste modo essenciais para a obtenção de rendimentos no âmbito da sua atividade económica, é violadora dos mais basilares cânones da igualdade, na sua vertente da capacidade contributiva, e da proporcionalidade.

Antes de entrarmos na análise das referidas inconstitucionalidades, importa tecer algumas considerações sobre o sentido e alcance das normas convocadas.

 

A. Enquadramento

A Requerente é uma sociedade anónima que desenvolve a sua atividade no setor imobiliário, consistindo o seu objeto social na compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamento e gestão de imóveis próprios ou alheios, a exploração e gestão de estabelecimentos hoteleiros e similares, nomeadamente hotéis, estalagens, restaurantes, cafés, snack-bares, empreendimentos de turismo de habitação e rural, de estabelecimentos de diversão, a promoção e exploração de atividades turísticas recreativas, de lazer, culturais, de espetáculos e exploração de jogos de fortuna ou de azar.

 Assim todo o património predial encontrava-se, em 01-01-2017, destinado única e exclusivamente à exploração da Requerente no âmbito da sua atividade económica, através da venda ou arrendamento, constituindo um verdadeiro meio essencial à prossecução da sua atividade económica.

Entende deste modo a Requerente que o AIMI não lhe é aplicável, uma vez que com este imposto visou o legislador “tributar a titularidade de património imobiliário por revelar uma superior capacidade contributiva de quem o detém, concretizando, assim, o princípio da repartição justa e da capacidade contributiva”, pelo que, sendo os imóveis essenciais para a obtenção de rendimentos no âmbito da sua atividade económica devem considerar-se excluídos de tributação.

Acontece que a Requerente parte de pressupostos errados quanto ao sentido e alcance dos preceitos aplicáveis, como se demonstra:

Com efeito o Adicional ao IMI foi instituído pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2017), que aditou ao Código do IMI o capítulo XV integrado pelos artigos 135.º-A a 135.º-K.

No artigo 135.º-A define-se a incidência subjetiva do imposto, estabelecendo-se que “são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português”, sendo “equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis”.

Por sua vez, o artigo 135.º-B define o âmbito de incidência objetiva, estatuindo o seguinte:

Artigo 135.º-B

Incidência objetiva

1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.

2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.

 

A remissão feita no n.º 2 do artigo 135.º-B para o artigo 6.º do Código do IMI tem em vista caracterizar o que se entende como prédios urbanos «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» para efeitos da exclusão do âmbito de incidência do adicional ao imposto.

Assim, o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, tal como resulta do artigo 1.º do Código do IMI, e os artigos subsequentes definem, para efeitos do imposto, os conceitos de prédio, de prédios rústicos, de prédios urbanos e de prédios mistos (artigos 2.º a 5.º).

Por seu turno, o artigo 6.º estabelece as espécies de prédios urbanos, estatuindo o seguinte:

“1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.

4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.

 

Atento o exposto diga-se, desde já, que a literalidade dos artigos 135.º-A, n.º 1 e 135.º-B, n.ºs 1 e 2, do CIMI é clara e não se presta a qualquer dúvida interpretativa. Sendo a letra da lei, ou elemento gramatical, o primeiro elemento a convocar na hermenêutica jurídica, e sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), não se mostrará necessário convocar outros elementos de entre os disponíveis na panóplia hermenêutica.

Com efeito, afigura-se claro que o legislador, ao definir a delimitação negativa da incidência do imposto por referência aos prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º» do Código do IMI, está precisamente a pretender remeter para essa tipologia de prédios de acordo com a própria caracterização que o Código lhe atribui.

Como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo 676/2017-T, de cujo coletivo de árbitros o signatário fez parte, no seguimento da Decisão Arbitral proferida no processo n.º 664/2017-T, cuja jurisprudência passamos a seguir, por com ela concordarmos, “A exclusão do imposto abrange, por conseguinte, os prédios classificados como comerciais, industriais ou para serviços, entendendo-se como tais os edifícios ou construções licenciados para esses efeitos ou que tenham como destino normal cada um destes fins. Abarca, para além disso, a espécie residual referida na alínea d) do n.º 1 desse artigo 6.º, aí se incluindo os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem prédios rústicos e ainda os edifícios e construções que se não enquadrem em qualquer das anteriores classificações.

O âmbito de incidência objetiva, por efeito da remissão para aquele artigo 6.º, ficou assim definido não só por referência a uma certa espécie de prédios urbanos, mas também por referência ao procedimento administrativo através do qual foi efetuada a classificação ou, na falta de licença, à normal destinação desses prédios para os fins comerciais, industriais e serviços ou outros.”

É indubitável que a preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento».

No entanto não foi com base na atividade a que estão os imóveis afetos que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redação que veio a ser aprovada, definiu-se, como vimos, a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afetação ou não ao funcionamento das pessoas coletivas.

Assim sendo, como ficou consignado no Acórdão Arbitral n.º 675/2017-T, “se tivesse sido mantida, na redação final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afetos ao funcionamento das pessoas coletivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afetação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa.

(…), tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos ao funcionamento das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI.

“Na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento[1].

No caso em apreço, em face do afastamento da redacção proposta em que se dava relevância à afectação dos imóveis, não há razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.”

No mesmo sentido, pode ler-se na Decisão Arbitral, relativa ao processo n.º 676/2017-T, no seguimento da jurisprudência fixada na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 664/2017-T, atrás referida, que: “Tendo a lei definido o âmbito de incidência do imposto através de conceitos técnicos jurídicos utilizados noutros lugares do sistema é seguramente com esse sentido que tem de ser definido o âmbito aplicativo da disposição legal. As normas, por vezes, comportam mais do que um significado e então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. Mas se o legislador recorreu a uma linguagem técnico-jurídica especial, para expressar com maior precisão o seu pensamento, cabe ao intérprete socorrer-se do significado técnico-jurídico das expressões utilizadas, dispensando-se de elementos circunstanciais que apenas poderiam conduzir a um resultado interpretativo não pretendido pelo legislador (cfr., neste sentido, Baptista Machado, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1993, pág. 182).

Como se impõe concluir, a pretendida extensão da fórmula legislativa utilizada aos prédios afectos à actividade económica da empresa, independentemente da específica caracterização como prédios comerciais, industriais ou para serviços, não tem qualquer cabimento à luz dos critérios gerais da hermenêutica jurídica.”

Deste modo não assiste razão à Requerente quando alega que terá sido intenção do legislador pretender excluir do âmbito de incidência do imposto os prédios que constituam substrato da atividade económica das sociedades imobiliárias, a pretexto de que o objetivo prosseguido seria não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que possuem imóveis por efeito do seu objeto social, para não afetar a atividade económica por si desenvolvida.

Com efeito, tal interpretação não tem qualquer apoio na letra da lei nem tão pouco decorre do elemento racional e sistemático. Resulta claro da leitura e interpretação das normas em causa que a opção do legislador não foi no sentido preconizado pela Requerente. Uma tal opção pressuporia que o legislador, ao invés de ter delimitado o âmbito de incidência através de tipos caracterizados, tivesse optado por uma avaliação casuística em função da afetação do imóvel, em termos práticos, a uma atividade económica ou ao funcionamento de uma pessoa coletiva. O que se demonstra não ter acontecido.

Assim o critério relevante eleito pelo legislador, no âmbito da sua ampla margem de conformação, foi a classificação dos prédios face ao artigo 6.º do CIMI e não a afetação dos mesmos à atividade económica da Requerente como elemento do ativo fixo tangível. Acresce que tal afetação não consta da lei nem da Proposta de Lei n.º 37/XIII/2.A, de 13-10-2016, na redação introduzida pela Proposta de Alteração de 18-11-2016, constante da exposição de motivos dos partidos políticos, nomeadamente do Partido Socialista, não obstante na redação inicial da referida Proposta de Lei bem como do Relatório OE2017, de outubro de 2016 (Estratégia de Promoção do Crescimento Económico e de Consolidação Orçamental - IV.2.3. Orientações de Política Fiscal) e ainda do ponto 1.4.2.1 – “Medidas fiscais para 2017” da Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, de 31-10-2016, estar prevista a afetação à atividade produtiva.

Assim sendo, o facto de a Requerente deter os imóveis referidos nos autos enquanto substrato da sua atividade económica não afasta a incidência do AIMI.

 

B. Quanto às questões de inconstitucionalidade

As questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerente já foram abordadas em sentido negativo por diversas decisões arbitrais, cuja jurisprudência passamos a reproduzir, por facilidade de exposição.

Quanto ao princípio da igualdade e da capacidade contributiva, como ficou consignado na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 676/2017-T, reproduzindo a Decisão Arbitral n.º 664/2017-T “o Tribunal Constitucional tem sublinhado, um dos objectivos essenciais constitucionalmente definidos do sistema fiscal, a par da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, é o da repartição justa dos rendimentos e da riqueza, como se depreende do artigo 103.º, n.º 1, da Constituição.

É esta vinculação do sistema fiscal à ideia de justiça social e à diminuição da desigualdade na distribuição social dos rendimentos e da riqueza que exige que o mesmo seja progressivo. Essa exigência está expressamente consagrada no âmbito da tributação do rendimento pessoal: de acordo com o n.º 1 do artigo 104.º, o imposto sobre o rendimento pessoal visa «a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar».

A progressividade fiscal requer que a relação entre o imposto pago e o nível de rendimentos seja mais do que proporcional, o que só pode alcançar-se aplicando aos contribuintes com maiores rendimentos uma taxa de imposto superior. Por outras palavras, há progressividade quando o valor do imposto aumenta em proporção superior ao incremento da matéria coletável.

Consequentemente, a Constituição exige uma progressividade com a virtualidade intrínseca de contribuir para uma diminuição da desigualdade de rendimentos (sobre todos estes aspetos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/13, n.ºs 97, 98 e 99).

A progressividade do sistema fiscal constitui também uma exigência do princípio da igualdade material.

Conforme refere Casalta Nabais, o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo «a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)» (Direito Fiscal, 5ª edição, Coimbra, 2009, págs. 151-152).

Configurando-se o princípio geral da igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva – segundo o mesmo autor - enquanto tertium comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece dum específico e directo preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respectiva “constituição fiscal” e, em especial, aqueles que decorrem já dos princípios estruturantes do sistema fiscal que constam dos artigos 103º e 104º da Constituição (ob. cit., pág. 152).

Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva – dentro da mesma linha de entendimento - «afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na selecção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objecto e matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto» (ob. cit., pág. 154).

Também o Tribunal Constitucional, mais recentemente, tem analisado o princípio da igualdade fiscal sob o prisma da capacidade contributiva, como se pode constatar designadamente no acórdão n.º 142/2004, onde se consigna que «[o] princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação».

O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adoptadas pelo legislador fiscal, tem conduzido também à ideia, expressa por exemplo no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de que a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará «a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objecto do mesmo».

O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negativo da igualdade tributária, passando a adoptar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema.

Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 306/2010 e 695/2014)”.

Aplicando o exposto ao caso em análise, realça-se, em primeiro lugar, tal como se pode ler no do Relatório do Orçamento para 2017 (pág. 60), que a criação do adicional ao IMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, visou introduzir na tributação “um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados”, e, nesse sentido, compagina-se com o princípio da progressividade do imposto a que se reporta o n.º 3 do artigo 104.º da Constituição, que tem como corolário a imposição tendencial de uma maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.

A doutrina também tem entendido que a tributação do património, a par da tributação do rendimento, constitui uma projeção da capacidade contributiva, funcionando como um prolongamento do imposto pessoal sobre os rendimentos e como o reforço de discriminação qualitativa (Sérgio Vasques, “Capacidade contributiva, rendimento e património”, Fiscalidade – Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 23, Coimbra, 2005, págs. 33 e 36).

Assim, não se vê que a tributação do património imobiliário da Requerente afronte o princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva apenas porque a titularidade de bens imóveis constitui o próprio objeto da sua atividade económica.

Com efeito, os imóveis por si detidos estarão afetos a atividades livremente acessíveis à generalidade dos proprietários de imóveis e de quaisquer outras entidades, ainda que de natureza empresarial, que se dediquem à promoção imobiliária.

Como se pode ler no Acórdão Arbitral, proferido no processo n.º 664/2017-T, “A titularidade de um património imobiliário, para efeitos de venda e transformação, em vista à obtenção de resultados económicos, não deixa de constituir um activo patrimonial que é revelador de uma acrescida capacidade contributiva, que vai além do imposto que incide sobre o lucro tributável em razão da actividade económica desenvolvida. O que está em causa, por conseguinte, não é a tributação do rendimento real auferido por essas entidades através da actividade desenvolvida, mas a capacidade contributiva complementar que decorre da titularidade do património e que por si só pode facilitar a angariação de crédito ou o reforço da sua posição negocial na celebração de contratos (…)”; no mesmo sentido, pode ainda ver-se a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 676/2017-T.

Também como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 675/2017-T, “a titularidade de um património imobiliário de valor elevado evidencia, como em relação a qualquer proprietário de imóvel destinado a habitação, uma especial capacidade económica para poder contribuir adicionalmente para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, a que está consignada a receita do AIMI, e que «corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social» (Relatório do Orçamento para 2017, página 57).

Por isso, a imposição à generalidade dos detentores de imóveis habitacionais ou terrenos para construção de prédios habitacionais não se afigura materialmente inconstitucional, à face dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.”

Além de que, na linha do que se entendeu no Acórdão Arbitral, de 17 de março de 2016, proferido no processo n.º 507/2015-T, “haverá de estabelecer-se uma destrinça entre a titularidade de património imobiliário destinado a habitação que constitui, em si, um indício tendencialmente seguro de abastança económica, superior à da generalidade dos cidadãos, e a titularidade de direitos sobre imóveis destinados ao exercício de actividades comerciais, industriais, prestação de serviços ou afins que possam ser reconhecidos como factores de produção e cuja dimensão e valor patrimonial constitui, não tanto uma manifestação de riqueza, mas um padrão de adequação ao funcionamento da empresa.

Afigura-se assim existir fundamento constitucionalmente aceitável para a restrição da incidência do adicional ao imposto aos prédios habitacionais por confronto com os imóveis classificados como comerciais, industriais ou para prestação de serviços, ficando afastada a invocada inconstitucionalidade com base na violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.”

Em suma, é possível descortinar um fundamento material bastante para distinguir entre esses diferentes factos tributários para efeito da tributação do património não havendo igualmente qualquer tributação desproporcionada.

A Requerente faz, ainda, alusão, a propósito das questões de constitucionalidade, a jurisprudência do Tribunal Constitucional incidente sobre a norma da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, na redação da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

Também aqui seguiremos o consignado no Acórdão Arbitral, proferido no processo n.º 664/2017-T, nos termos que se seguem: “Deve começar por dizer-se que o preceito aí em análise não tem o mesmo conteúdo normativo que a disposição que agora está em apreciação e que o entendimento jurisprudencial que veio a ser firmado não pode ser transposto directamente para a situação do caso vertente.

O princípio da igualdade tributária foi mobilizado nesse aresto por se ter entendido que a inclusão no âmbito de incidência da norma de um terreno para construção a par de um prédio habitacional já edificado não reflecte a diferente capacidade contributiva dos respectivos proprietários, sendo essa a razão determinante do juízo de inconstitucionalidade. No caso vertente, ao contrário, para efeito da exclusão do Adicional ao IMI, pretende-se estabelecer a equiparação entre terrenos para construção e prédios urbanos comerciais, industriais ou para serviços na perspectiva inversa de que os terrenos para construção potencialmente utilizáveis para esse fins não se distinguem dos prédios já edificados que se encontrem classificados como comerciais, industriais ou para serviços.”

No mesmo sentido, além das decisões arbitrais supra referidas, foram proferidas outras nos seguintes processos a funcionar sob a égide do CAAD, que acompanhamos na íntegra: 654/2017, de 03-09-2018; 667/2017, de 05-09-2018; 668/2017, de 24-04-2018; 669/2017, de 19-09-2018; 677/2017, de 26-06-2018; 678/2017, de 06-09-2018; 679/2017, de 24-06-2018; 681/2017, de 23-05-2018; 682/2017, de 20-07-2018; 683/2017, de 12-07-2018; 684/2017, de 06-09-2018; 685/2017, de 06-09-2018; 686/2017, de 07-05-2018; 690/2017, de 06-09-2018; 691/2017, de 06-08-2018; 692/2017, de 11-05-2018; 693/2017, de 03-09-2018; 694/2017, de 30-06-2018; 696/2017, de 23-07-2018; 6/2018, de 26-07-2018; 306/2018, de 28-12-2018; 310/2018, de 10-12-2018; 356/2018, de 11-01-2019 e 420/2018, de 15-01-2019. 

Termos em que, face ao exposto, improcede o pedido formulado pela Requerente, sendo de manter a liquidação impugnada na ordem jurídica.

 

**

 

5 - Decisão

Em face do exposto, decide-se:

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral relativamente à declaração de ilegalidade e anulação da liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis com o n.º 2017..., emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira com referência ao ano de 2017, no montante total de 1 831,08 €, com a consequente absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido; e

b) Condenar a Requerente no pagamento das custas arbitrais do processo.

 

 

Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de 1 831,08 €.

 

 

Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 306,00 €, nos termos da Tabela I, anexa ao RCPAT, a cargo da Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 28 de fevereiro de 2019.

 

 

 

O Árbitro,

 

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

 

 

 



[1] BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, página 182.