Os árbitros José Baeta de Queiroz, Magda Feliciano e Marisa Almeida Araújo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam, por maioria, no seguinte:
1. Relatório
1.1.A..., pessoa coletiva n.º..., (doravante designado por “Requerente”) com sede na Rua ..., n. °..., ...-... Funchal, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, no dia 7 de setembro de 2018, ao abrigo do disposto no artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida” ou “AT”).
1.2. O Requerente pretende, no referido pedido de pronúncia arbitral, que seja, declarada a ilegalidade da decisão de indeferimento proferida no procedimento de revisão oficiosa n.° ...2015... e dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo (IS) n. ° 2014... e n. ° 2014..., relativos ao ano de 2014, reflectidos nos documentos de cobrança números 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015 ... e 2015..., com as demais consequências, nomeadamente a restituição do valor pago, acrescido de juros indemnizatórios.
1.3.O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Requerida, em 10 de setembro de 2018.
1.4.A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros, os quais comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável; e as partes não manifestaram recusar a designação, nos termos do artigo 11.º, n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e do artigo 7.º do Código Deontológico.
1.5.A 20 de novembro de 2018 foi constituído o tribunal arbitral.
1.6.Notificada para o efeito a 20 de novembro de 2018, a Requerida apresentou, em 4 de janeiro de 2019, a sua Resposta, tendo remetido cópia do processo administrativo na mesma data.
1.7. A 7 de janeiro de 2019 foi dispensada a reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo-se convidado o Requerente e a Requerida a alegar por escrito.
1.8. O Requerente apresentou alegações escritas a 29 de janeiro e a Requerida a 21 de fevereiro de 2019, mantendo as posições já assumidas tendo-se, no despacho subsequente de 25 de fevereiro de 2019, designado o dia 2 de abril de 2019 para a prolação da decisão.
1.9.O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
i. Em 2014 o Requerente era proprietário de dois lotes de terreno para construção situados em ..., inscritos na matriz predial urbana sob os artigos U-..., da freguesia de ..., e U-..., da freguesia de ..., ambos do concelho e distrito de ... e, nessa data, não tinham qualquer edificação ou construção erigida sobre o seu solo, tratando-se de «terrenos para construção».
ii. Aqueles terrenos encontravam-se inscritos na matriz predial urbana como “afectos a habitação” e com o valor patrimonial tributário, em 2014, de € 10.191.858,02 (dez milhões, cento e noventa e um mil, oitocentos e cinquenta e oito euros e dois cêntimos) quanto ao prédio com o artigo U-... da freguesia de ..., e de € 2.864.527,13 (dois milhões, oitocentos e sessenta e quatro mil, quinhentos e vinte e sete euros e treze cêntimos) quanto ao prédio com o artigo U-... da freguesia de ... .
iii. Em 20 de março de 2015 a Administração tributária emitiu as liquidações de Imposto de Selo números 2014... e 2014..., resultantes da aplicação, no ano de 2014, da taxa de 1% prevista na verba 28.1 da TGIS ao VPT dos imóveis, qualificados como terreno para construção, e notificou a Requerente dos respetivos documentos de cobrança com os números 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015... e 2015... .
iv. Nas referidas liquidações de Imposto de Selo, a Administração tributária apurou uma coleta total de € 101.918,58 quanto ao imóvel com o artigo U-... (freguesia de ...) e uma coleta total no valor de € 28.645,27 quanto ao imóvel com o artigo U-... (freguesia de...).
v. O Requerente procedeu ao pagamento integral do imposto apurado no montante de € 130.563,85 (cento e trinta mil, quinhentos e sessenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos), nos prazos indicados nos correspondentes documentos de cobrança.
vi. Suscitando erro sobre os pressupostos o Requerente apresentou um pedido de promoção da revisão oficiosa alegando que os terrenos para construção em apreço nos autos não estavam abrangidos pela verba 28.1 da TGIS já que, à data dos factos tributários, os terrenos para construção, não obstante disporem de autorização de loteamento e construção, não tinham a afectação circunscrita a habitação, encontrando-se igualmente prevista a afetação a comércio ou serviços e estacionamento.
vii. Segundo o alvará n. ° .../2009, de 30 de setembro de 2009, foi autorizada a construção de um edifício com uma área bruta de construção de 1.785m2 destinada a comércio, uma área de 6.950m2 destinada a habitação e, ainda, uma área de 4.742,50m2 afecta a estacionamento, quanto ao prédio inscrito na matriz predial da freguesia de ... com o número U-... .
viii. Para o prédio inscrito na matriz predial da freguesia de ..., com o artigo U-..., foi emitido o Alvará de loteamento n. ° .../07, através do qual a Câmara Municipal de ... classificou o terreno como «lote 1» e autorizou a construção nesse mesmo lote de um edifício com uma área bruta de construção total de 44.849 m2.
ix. Ainda que estes terrenos para construção tivessem uma construção aprovada simultaneamente para habitação, comércio e parqueamento, na matriz predial aqueles apresentavam um único VPT, não estando determinado o VPT correspondente a cada uma das afectações do prédio a edificar.
x. Em maio de 2018, o Requerente foi notificado do projeto de decisão do pedido de revisão oficiosa apresentado nos termos do qual era proposto o indeferimento total do aludido pedido.
xi. O Requerente exerceu o seu direito de audição, e remeteu à Administração Tributária os documentos destinados à comprovação de que os imóveis, qualificados como terrenos para construção e sobre os quais incidiu o imposto, dispunham, no período de tributação em apreço, de autorizações, emitidas pela Câmara Municipal competente, para a construção de edifícios destinados não só a habitação mas também a comércio, serviços e estacionamento.
xii. Em 12 de junho de 2018, o Requerente foi notificado do despacho de indeferimento.
xiii. Segundo o Requerente, a sujeição dos terrenos para construção à Verba 28.1 da TGIS depende do preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos (para além da propriedade do prédio): (i) o valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do código do IMI, ser igual ou superior a 1.000.000,00; (li) tratar-se de terreno para construção; e (iii) de a edificação autorizada e prevista para o mesmo ser, exclusivamente, para habitação, nos termos do Código do IMI, o que não será o caso na sua perspectiva.
xiv. Concluindo que os terrenos para construção que tenham, conjuntamente, diferentes afectações (outras afectações que não apenas para habitação) e cujo valor patrimonial tributário não esteja determinado, de forma individualizada, por referência a cada uma dessas afectações, não podem estar sujeitos a Imposto de Selo ao abrigo da Verba 28.1 da TGIS.
xv. Invoca ainda o Requerente que a titularidade de tais imóveis não indica a capacidade contributiva adicional que se encontra implícita na tributação que foi consagrada na verba 28.1 da TGIS, já que a aquisição de propriedade imobiliária por parte do A... ocorre em cenários de incumprimento de créditos concedidos, mormente por dação em cumprimento.
xvi. Por esta razão adicional, a sujeição daqueles imóveis do Requerente à verba 28.1 da TGIS é ainda contrária ao princípio constitucionalmente consagrado da igualdade, na medida em que, no decurso do ano de 2014, o A... se encontrava numa situação diferente (ou desigual) relativamente aos restantes sujeitos passivos deste imposto (para os quais a detenção de património imobiliário nas situações descritas constituía, efetivamente, uma manifestação de capacidade contributiva adicional).
xvii. Conclui o Requerente que devem ser anulados os atos de liquidação refletidos nos documentos de cobrança números 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015... e 2015..., com as devidas consequências.
1.10. Por sua vez, a Requerida respondeu sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e alegando, em síntese, que:
i. Pelas certidões de teor dos prédios urbanos e cadernetas prediais que estão na base das presentes liquidações, verifica-se que os terrenos para construção estão afetos a habitação, sendo a percentagem para cálculo de área da implantação de 35%.
ii. As avaliações efectuadas aos terrenos (notificadas e não contestadas), foram feitas com base nas declarações e elementos entregues pelo sujeito passivo – pedido de avaliação e mod.1 do IMI - onde declarou a afectação de habitação, constando posteriormente da matriz, e tendo resultado em valores patrimoniais tributários superiores a € 1.000.000,00
iii. A Requerida subsumiu os factos à norma de incidência, na qual, os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, estão sujeitos a Imposto de Selo.
iv. A norma de incidência – verba 28.1 da TGIS – ao ter positivado o prédio com afectação habitacional em detrimento do prédio habitacional, faz apelo ao coeficiente de afectação, cf. artigo 41.º do CIMI, que se aplica, indistintamente, a todos os prédios urbanos.
v. Terminando, assim, pela improcedência do pedido de pronuncia arbitral.
2. Saneador
2.1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
2.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
2.3. Não se verificam nulidades nem outras questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.
3. Matéria de facto
3.1. Factos Provados
Cabe ao tribunal selecionar os factos que importam para a decisão da causa e discriminar a matéria provada da não provada [conforme artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o Processo Administrativo juntos aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados.
i. Em 2014 o Requerente era proprietário de dois lotes de terreno para construção situados em ..., inscritos na matriz predial urbana sob os artigos U-..., da freguesia de ..., e U-..., da freguesia de ..., ambos do concelho e distrito de ... e, nessa data, não tinham qualquer edificação ou construção erigida sobre o seu solo.
ii. Os terrenos identificados em i. encontravam-se inscritos na matriz predial urbana afectos a habitação e com o valor patrimonial tributário, em 2014, de € 10.191.858,02 (dez milhões, cento e noventa e um mil, oitocentos e cinquenta e oito euros e dois cêntimos) quanto ao prédio com o artigo U-... da freguesia de ..., e de € 2.864.527,13 (dois milhões, oitocentos e sessenta e quatro mil, quinhentos e vinte e sete euros e treze cêntimos) quanto ao prédio com o artigo U-... da freguesia de ... .
iii. Em 20 de março de 2015, a Administração tributária emitiu as liquidações de Imposto de Selo números 2014... e 2014..., resultantes da aplicação, no ano de 2014, da taxa de 1% prevista na verba 28.1 da TGIS ao VPT dos imóveis.
iv. O Requerente foi notificado dos respetivos documentos de cobrança com os números 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015... e 2015 ...
v. Foi apurada uma coleta de € 101.918,58 quanto ao imóvel com o artigo U-... (freguesia de ...) e uma coleta total no valor de € 28.645,27 quanto ao imóvel com o artigo U-... (freguesia de...).
vi. A Requerente procedeu ao pagamento integral do imposto apurado no montante de € 130.563,85 (cento e trinta mil, quinhentos e sessenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos).
vii. O Requerente apresentou um pedido de promoção da revisão oficiosa com fundamentos que coincidem, no essencial, com os invocados no presente processo.
viii. Segundo o alvará n. °.../2009, de 30 de setembro de 2009, foi autorizada a construção de um edifício com uma área bruta de construção de 1.785m2 destinada a comércio, uma área de 6.950m2 destinada a habitação e, ainda, uma área de 4.742,50m2 afecta a estacionamento, quanto ao prédio inscrito na matriz predial da freguesia de ... com o número U-... .
ix. Para o prédio inscrito na matriz predial da freguesia de..., com o artigo U-..., foi emitido o Alvará de loteamento n. ° .../07, através do qual a Câmara Municipal de ... classificou o terreno como «lote 1» e autorizou a construção nesse mesmo lote de um edifício com uma área bruta de construção total de 44.849 m2, sendo 12.508m2 destinados a habitação, 15.048m2 a comércio e serviços, e 17.294m2 a estacionamento.
x. Em maio de 2018, o Requerente foi notificado do projeto de decisão do pedido de revisão oficiosa apresentado.
xi. Em 22 de maio de 2018, o Requerente exerceu o seu direito de audição e em 12 de junho de 2018 foi notificado do despacho de indeferimento.
3.2. Factos não provados
Com relevo para a apreciação do mérito da causa, considerando as possíveis soluções de direito, não há factos que se não tenham provado.
3.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada
A convicção sobre a matéria de facto resultou das alegações das partes, não se apresentando controvertidos no geral, e despectivo suporte documental junto ao processo bem como dos elementos que constam do processo administrativo junto pela Requerida.
4. Matéria de Direito.
A sujeição a IS dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da Verba n.º 28 à Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), efetuado pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.
Por sua vez, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, veio alterar a redação da norma, que passou a ser seguinte:
“28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” (nos artigos 2.º a 6.º do Código do IMI enumeram-se as espécies de prédios).
É no presente quadro jurídico que importa apreciar a qualificação jurídica do prédio sobre o qual incidiu o imposto em crise.
Com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, torna-se inequívoco que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da TGIS (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros).
Fazendo referência ao acórdão do STA de 09/04/2014 (proc. n.º 1870/13), resulta que «(o) facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os nºs. 1 e 2 do artigo 45º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI)».
Assim, «atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno».
Da mesma forma, no acórdão do STA, de 14-05-2014, processo n.º 046/14, refere-se que “não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI – subsidiariamente aplicável ao Imposto de Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral – uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto de Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afetação habitacional.”
Para além disso, quanto às matérias abrangidas pela reserva de lei, atente-se no artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no artigo 8.º da Lei Geral Tributária (LGT). Segundo estas normas, o princípio da legalidade fiscal abrange a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. Isto é também referido na obra “O Princípio da Legalidade Fiscal” de Ana Paula Dourado, Almedina, 2007, página 106.
Sendo a verba 28.1 TGIS uma norma de incidência, abrangida pelo princípio da legalidade fiscal, é proibida a sua aplicação analógica a situações aí não expressamente previstas.
Da mesma forma, também não será de admitir uma interpretação extensiva da referida verba que permitisse incluir na expressão constante da lei os terrenos para construção. Sobre interpretação regem os artigos 11.º, n.º 1 a 3 da LGT e 9.º do Código Civil.
Também na decisão arbitral proferida no processo n.º 467/2015-T, de 4/2/2016 e citada na decisão arbitral proferida no processo 294/2016/T e 454/2016-T, não se deve concluir, de imediato e sem mais, que o prédio em causa possa, à data dos factos, ser sujeito a Imposto do Selo, nos termos da verba 28.1 da TGIS (na sua redação atual), isto porque: “(…) a questão essencial que, [no contexto da nova redação da verba 28.1 da TGIS, dada pelo art. 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31/12,] se coloca, é a de saber se, … «sem [...] aquela previsão ou expectativa de ‘edificação para habitação’ [...] concretizada», se poderá aceitar a aplicação do Imposto do Selo aqui em análise [...].
Para responder à referida questão, afigura-se como particularmente útil a ponderação do seguinte: «No que se refere a terrenos para construção, quer estejam, ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma [CIMI], devem, como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida: - licença para operação de loteamento; - licença de construção; - autorização para operação de loteamento; - autorização de construção; - admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como; - aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para esse efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituada pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no art. 875.º CC.» [vd. António Santos Rocha / Eduardo José Martins Brás – Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados). Coimbra, Almedina, 2015, p. 44]”.
Assim, concluímos, como bem se enuncia na decisão n.º 478/2017-T do CAAD:
“(Q)ue, a partir da vigência da Lei 83-C/2013, estão sujeitos a IS os prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário seja superior a € 1.000.000;
- todos esses prédios, desde que os titulares não sejam pessoas singulares e residam em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável;
- os prédios com afectação habitacional e
- os terrenos para construção, autorizada ou prevista, para habitação, independentemente da pessoa sua titular”.
Acrescenta aquele aresto que “(d)ispõe o artigo 1.º n.º 6 do Código do Imposto do Selo que que o conceito de prédio é o definido no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), ou seja, nos termos do artigo 2.º n.º 1 deste último diploma, “(...) prédio é toda a fracção de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial”.
Prédios urbanos são os que não caibam na definição de rústicos do artigo 3.º do CIMI (artigo 4.º), e de acordo com o n.º 1 do artigo 6.º, podem ser
- habitacionais,
- comerciais,
- industriais ou para serviços, terrenos para construção, e outros".
Por sua vez, na senda da mesma decisão, “(t)errenos para construção são, conforme o artigo 6.º n.º 3 do CIMI, “(...) os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido no título aquisitivo, exceptuando- se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações (...)”.”
E, “(d)e acordo com o artigo 3.º do CIS, “o imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1.º”, concretizando o seu n.º 3, na alínea u), que se considera “titular do interesse económico” “o sujeito passivo referido no n.º 4 do artigo anterior”, ou seja, o sujeito passivo aludido no artigo 8.º do CIMI, a saber, o “proprietário do prédio em 31 de dezembro do ano a que o imposto respeitar” (n.º 1 do falado artigo 8.º).
Desta forma,
Os prédios do Requerente – dos quais era proprietário – são “terrenos para construção” conforme resulta dos documentos juntos aos autos e foi dado como provado.
E, de facto, de acordo, também, com os factos dados como provados, para os terrenos existia, à data dos factos, o alvará n. ° 1/2009, de 30 de setembro de 2009, que autorizou a construção de um edifício com uma área bruta de construção de 1.785m2 destinada a comércio, uma área de 6.950m2 destinada a habitação e, ainda, uma área de 4.742,50m2 afecta a estacionamento, quanto ao prédio inscrito na matriz predial da freguesia de ... com o número U-... . Por sua vez, para o prédio inscrito na matriz predial da freguesia de ..., com o artigo U-..., foi emitido o Alvará de loteamento n. ° .../07, através do qual a Câmara Municipal de ... classificou o terreno como «lote 1» e autorizou a construção nesse mesmo lote de um edifício com uma área bruta de construção total de 44.849 m2 dos quais 12.508m2 destinados a habitação, 15.048m2 a comércio e serviços, e 17.294m2 a estacionamento.
Mas da análise dos suportes documentais resulta que os terrenos em causa são para construção e, para os quais, está, também (expressão que se enfatiza) autorizada a edificação destinada a habitação, mas não só. Para além do VPT ter sido apurado para estes terrenos considerando as diferentes finalidades da sua edificação autorizada.
De facto, acarreta a inelutável aplicação da verba 28.1 da TGIS a demonstração cabal de que um prédio tem uma edificação prevista ou aprovada para habitação, este fim e não outros, no todo ou em parte, e desde que o respectivo valor patrimonial tributário desde edificação prevista para habitação seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.
Na senda da decisão 467/2016-T, que transcreve JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES, (Lições de Impostos sobre o Património e do Selo. Coimbra, Almedina, 3.ª ed., 2015, págs. 110 a 112): “O direito a construir não está ínsito no direito de propriedade, mas só nasce ex novo no património do proprietário quando um acto administrativo da entidade pública competente reconhece e autoriza o proprietário a construir ou a lotear. [...] só quando esse direito se constitui na esfera jurídica do proprietário é que o Código do IMI estabelece que estamos perante um terreno para construção”.
Assim, e continuando na senda daquela decisão, “(…) parece claro que para a verificação da previsão normativa não basta a mera inscrição matricial de um prédio como terreno para construção afecto a habitação, porquanto o recorte da incidência objectiva ora em apreço não abdica da demostração de uma efectiva potencialidade desta edificação, necessariamente revelada pela existência de suportes documentais que a autorizam. O mesmo é dizer que a incidência do imposto, para efeitos do disposto na verba 28.1 da TGIS, só se materializa, e mesmo assim não em termos definitivos ou completos, com a verificação de uma “afectação efectiva”, para utilizar a feliz expressão de JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES (ob. cit., p. 507)”.
Ora, sem a demonstração expressa, no próprio acto de liquidação, dessa efectiva potencialidade de edificação para habitação, não se mostra aplicável a verba 28.1 da TGIS, para fim diverso do que habitação, já que a edificação para comércio ou indústria não dará lugar à aplicação das normas a que vimos fazendo referência.
A “afectação habitacional” exige uma edificação suscetível de em concreto servir fins habitacionais, expurgando-se outros fins que não têm qualquer assento literal na letra da norma.
É certo que, matricialmente, o prédio é dado como sendo “terreno para construção” afeto a habitação, mas também é verdade que, para além do que se destinaria a habitação, em sentido próprio, outras finalidades extraem-se para afectação alternativa não prevista na norma.
O que nos parece seguro concluir assim é que o legislador não pretendeu tributar em sede de IS, por aplicação da verba 28.1. da TGIS, os terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista tivesse por destino escritórios ou serviços. Quis apenas tributar aqueles que se destinassem a habitação. Ora, atenta esta opção legislativa, que pode efectivamente suscitar o problema de saber se tal desiderato se mostra compatível, nomeadamente, com o princípio constitucional da igualdade tributária, não pode aplicar-se aquela verba a um imóvel para o qual se tivesse autorizado a construção para outras finalidades, como é o caso.
Posição que de forma lapidar resulta do acórdão n.º 478/2017-T do CAAD e que sufragamos.
Daquela decisão extrai-se que “(p)atentemente, a lei não pretende tributar em IS os terrenos para construção destinada a comércio e/ou serviços. Nem sequer visa abranger os edifícios para instalação de comércio e serviços.
Limita a incidência do imposto (abstraindo, agora, dos prédios erigidos) aos terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação.
Por outro lado, o prédio objeto de tributação é um só́, sendo impossível cindi-lo em três – um, a parte destinada a construção com afectação habitacional, outro, a parte destinada a construção com afectação a comercio, outro ainda, a parte destinada a construção com afectação a serviços”.
A mesma situação que se nos apresenta no caso sub judice e, dessa forma, concluímos como aquela decisão, que voltamos a seguir:
“Tratando-se de um único prédio (terreno para construção), não pode afirmar-se que a edificação nele autorizada ou prevista é para habitação. Isso é apenas uma meia verdade; verdade seria, do mesmo modo, se se dissesse que a edificação nele autorizada ou prevista é para comércio, ou que é para serviços”.
A mesma situação no caso em apreço com exceção de, in casu, termos dois terrenos para construção conforme factualidade dada como provada.
“A não se entender assim estaria a alargar-se o âmbito da norma de incidência, fazendo-a abranger aquilo que claramente está fora dela – os terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista é para comércio e/ou serviços.
Em súmula, a situação em apreço não está abrangida pela norma de incidência invocada pela Requerida – a verba 28.1 da TGIS – e esta, ao aplicá-la, incorreu em vicio de violação de lei”.
Fica prejudicada, perante o exposto, a questão de constitucionalidade suscitada pelo Requerente, já que o tribunal não faz da norma em apreço a interpretação que ele argui de inconstitucional.
5. Dos juros indemnizatórios
O artigo 43.º n.º 1 da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso em apreço, o erro que afeta as liquidações de Imposto de Selo é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que o Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento de cada uma das quantias até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
6. Decisão
Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgam-se, por maioria, procedentes os pedidos do Requerente, anulando-se as liquidações impugnadas e condenando-se a Requerida a restituir ao Requerente o imposto do selo pago, acrescido de juros indemnizatórios, desde a data dos pagamentos efectuados até ao reembolso.
7. Valor do processo
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC e 97.º - A, n.º 1 do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 130.563,85.
8. Taxa de Arbitragem
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, a cargo da Requerida, face ao seu decaimento, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 13 de março de 2019
Os Árbitros
(José Baeta de Queiroz)
(Magda Feliciano)
Com voto de vencido em anexo
(Marisa Almeida Araújo)
Voto Vencido
Na linha com o defendido na presente decisão, considera-se que face ao direito constituído devidamente interpretado aplicável ao caso concreto não é possível aceitar qualquer resposta à questão decidenda como uma evidência acabada, exacta e com um grau extremo de rigor e exactidão.
De facto, as constantes alterações legislativas ocorridas nos últimos anos sobre a verba 28 e 28.1 do Código do IS, a reboque e no contexto da crise económica e financeira vivida, levam a que ao intérprete caiba uma tarefa absolutamente ingrata.
Neste contexto, e precisamente por este contexto, não podemos acompanhar a presente decisão, pois, em face das alterações legislativas operadas sobre a norma em análise e, consequentes, incertezas, tendemos a procurar uma solução que se encontre mais próxima da literalidade das normas envolvidas. Na verdade, acompanhando J. Baptista Machado[1]entendemos que “o elemento gramatical (“letra da lei”) e o elemento lógico (“espírito da lei”) têm sempre que ser utilizados conjuntamente. Em consequência, tendo a norma em análise sido alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31.12, passando a prever a incidência de IS sobre terrenos para construção, cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do Código do IMI, e não constando da letra da norma que o IS só incide no caso do terreno para construção ser exclusivamente para habitação, entende-se que gramatical e logicamente o IS incide sobre terrenos para construção que tenham afectação habitacional (entre outras). Entender-se que a incidência do imposto apenas ocorre em caso de afectação “exclusiva” a habitação constitui, a meu ver, uma interpretação extensiva inadmissível, porquanto, não há nessa interpretação qualquer correspondência entre a letra da lei (que não comporta o “exclusivamente”) e o espírito da Lei (assente no alargamento da base de incidência tributária).
Assim, atento o limite à busca de sentido interpretativo e à própria natureza fiscal da matéria interpretada, à semelhança do que tem sido defendido noutras decisões do CAAD (n.º 527/2015, n.º 495/2015, n.º 515/2015), entende-se que a norma prevista na verba 28.1. do Código do IS, aplicável aos factos dos presente autos, deve ser interpretada no sentido de se considerarem abrangidos os terrenos para construção para construção, cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, independentemente desses terrenos para construção estarem também afectos ou puderem vir a estar (afectos) a outras actividades.
Do ponto de vista da constitucionalidade da norma, em geral, não partilho do sentimento de violação do princípio da igualdade tributária que desta interpretação possa resultar, acompanhando o sentido expresso sobre este tema pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 568/2016, de 25.11.2016.
É o que se me oferece dizer.
Razões pelas quais voto vencido.
Magda Feliciano
[1] In Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1991, pp. pag.182