Decisão Arbitral
I - Relatório
1. A A... S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede no..., ..., ..., ...-... ... (doravante designado por “Requerente”), apresentou, em 16-07-2018, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
2. A Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC), referentes aos anos de 2009, 2012, 2013, 2014 e 2015, no montante de total de € 46.495,82 (quarenta e seis mil quatrocentos e noventa e cinco euros e oitenta e dois cêntimos), respeitantes a 494 (quatrocentos e noventa e quatro) veículos automóveis, identificados pela Requerente no artigo 22.º do pedido de pronuncia arbitral, e, bem assim, dos atos de indeferimento dos pedidos de revisão do ato tributário apresentados pela Requerente sobre os mencionados atos de liquidação e, consequentemente, determinar o reembolso do valor indevidamente pago.
3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”).
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 17-07-2017.
5. A Requerente, em 17-07-2018, nos termos do artigo 144.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, aplicável ex vi pelo artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, juntou aos autos os documentos n.ºs 11 a 15, que constituíam parte integrante do pedido de pronúncia arbitral.
6. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.
7. O Requerente foi notificado, em 05-09-2018, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
8. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 25-09-2018.
9. A Requerida, devidamente notificada através do despacho arbitral, de 25-09-2018, apresentou, em 24-10-2018, a sua Resposta e o Processo Administrativo.
10. O Tribunal Arbitral por despacho, de 29-10-2018, concedeu à Requerente o prazo de dez dias para se pronunciar sobre a exceção suscitada pela Requerida na Resposta. A Requerente não se pronunciou.
11. O Tribunal Arbitral por despacho, de 17-12-2018, determinou: (i) dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, de acordo com o princípio da autonomia do Tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, a simplificação e a informalidade deste, nos termos do disposto nos artigo 19.º e n.º 2 e 29.º do RJAT, e considerando que foi previamente concedido prazo para a Requerente exercer o contraditório relativamente à exceção invocada pela Requerida, além de não haver lugar à produção de prova testemunhal; (ii) caso as partes pretendam proferir alegações escritas, estas deverão ser produzidas no prazo de 10 dias, a partir da notificação do presente despacho; (iii) indicar o dia 31 de janeiro de 2019 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral, devendo, até a essa data, o Requerente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o respetivo pagamento ao CAAD.
12. A Requerente e a Requerida não apresentaram alegações.
13. O Tribunal Arbitral através do despacho, de 30-01-2019, alterou para o dia 22-02-2019 o prazo limite para a prolação da decisão arbitral.
14. A posição da Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral, é, em síntese, a seguinte:
14.1. A questão essencial nos presentes autos arbitrais consiste em saber se face às normas legais existentes, deve a Requerente ser considerada, de modo irrevogável e definitivo, sujeito passivo de IUC, que lhe foi liquidado e por si pago, relativo aos veículos automóveis subjacentes ou se, ao invés, devem ser considerados sujeitos passivos do referido imposto os proprietários, à data do facto tributário, dos veículos em questão, que os adquiriram à ora Requerente no âmbito dos contratos de locação financeira automóvel entre ambos firmados, devendo assim ser restituído à Requerente o valor que esta pagou indevidamente a título de imposto.
14.2. A Requerente considera que ocorreu uma situação de erro imputável aos serviços, consubstanciado em erro de direito devido a uma errada aplicação das normas do Código do IUC, em particular do seu artigo 3.º, razão pela qual tem legitimidade para solicitar à AT que proceda à revisão dos atos tributários ora em causa. Assim, o presente pedido de pronúncia arbitral é plenamente tempestivo, porquanto ainda não decorreram quatro anos desde a data em que foi emitido o ato objeto do mesmo.
14.3. De acordo com o enquadramento legal vigente, deveria a AT, com base nas informações fornecidas pela Requerente, investigar e coligir os meios de prova necessários a uma correta decisão final, não se limitando a tomar por certas, de forma acrítica, as informações que lhe foram fornecidas por parte do IMTT e do IRN. Assim, não é aceitável que a AT não efetue uma investigação cuidada e criteriosa antes de liquidar tributos cuja ilegalidade se afigura manifesta.
14.4. O artigo 3.º, n.º 1, do CIUC, na redação em vigor ao tempo da formação dos factos tributários sub judicio, recorrendo à expressão “considerando-se” consagra uma presunção legal, presumindo que os sujeitos passivos do imposto (in casu, os proprietários) são as pessoas, singulares ou coletivas, de direito público ou de direito privado, em nome das quais os veículos se encontrem registados.
14.5. Um dos efeitos essenciais da celebração de um contrato de compra e venda é, nos termos do artigo 879.º, alínea a), do Código Civil “A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito.”. Deste modo, com a celebração dos contratos de compra e venda entre a Requerente e os adquirentes dos veículos anteriormente locados, transmitiu-se a propriedade daquela para aqueles últimos. Pelo que não mais pode a AT valer-se da presunção para considerar a Requerente sujeito passivo de IUC, nos termos do artigo 3.º do CIUC.
14.6. Decorre do disposto no artigo 8.º-B, n.º 1, do Código de Registo Predial, aplicável por força do artigo 29.º do Código do Registo Automóvel, que é o comprador /adquirente /locador que deve promover o registo. A faculdade conferida ao vendedor nos termos do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 55/75, em nada vem eliminar este ónus do comprador, caso o vendedor opte por não a exercer.
14.7. O facto de o direito de propriedade de automóveis estar sujeito a registo em nada altera a natureza real quod effectum do contrato de compra e venda. O registo tem um efeito meramente declarativo e não constitutivo, não sendo afetada a qualidade de proprietário pela ausência de registo.
14.8. O contrato de compra e venda de automóveis encontra-se sujeito ao princípio geral da liberdade de forma, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 219.º do Código Civil. Ora, permitindo a lei a celebração inclusive de determinado contrato de forma verbal, não pode simultaneamente de exigir que a prova da sua celebração se faça por documento.
14.9. As notas de débito juntas pela Requerente constituem prova inequívoca da celebração dos contratos de compra e venda entre esta e os consequentes proprietários dos veículos sub judice. Tais notas de débito comprovam a existência de relações comerciais que tinham por objeto um dado veículo, especificando a matrícula em causa, as datas de emissão e vencimento e indicando no seu descritivo “valor residual” ou “indemnização referente ao fecho do contrato”. Sendo evidente que tais documentos se reportam à celebração de contratos de compra e venda.
14.10. Em suma, a propriedade dos veículos transmitiu-se por mero efeito da celebração dos contratos de compra e venda respetivos, encontrando-se não só provadas essas transferências de propriedade como ainda o pagamento dos respetivos preços.
15. A posição da Requerida, expressa na resposta e nas alegações, pode ser sintetizada no seguinte:
15.1. Da análise dos pedidos de revisão apresentados, verifica-se que tendo os mesmos sido apresentados em 2016-10-12, 2016-10-13, 2016-10-14 e 2016-11-21, ou seja, estando largamente ultrapassado o prazo de 120 dias para a apresentação da mesma, nos termos do n.º 1 do art. 78.º LGT e art. 70.º e al. a) do n.º 1 do art. 102.º CPPT, os referidos pedidos de revisão oficiosa foram considerados extemporâneos. Ora, não pode nunca a Requerente pretender justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base nos indeferimentos dos pedidos de revisão, extemporâneos
15.2. Desta forma, tendo os pedidos de revisão sido apresentados quando já tinha sido ultrapassado o prazo legal para apresentação dos mesmos, então o prazo que vigora para a impugnação, ora apresentada neste tribunal arbitral, são os 90 dias após a data do termo do prazo de pagamento voluntário do IUC. Na situação em apreço, o pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado pela Requerente deu entrada em 2018-07-16, pelo que é extemporâneo.
15.3. A extemporaneidade constitui exceção peremptória, nos termos do art. 576.º do Código de Processo Civil (aplicável subsidiariamente pelo art. 29.º do RJAT), que importa a absolvição da A.T. quanto ao pedido, uma vez que impede o efeito jurídico dos factos articulados pela Requerente.
15.4. Em matéria de locação financeira e para efeitos da ilisão do artigo 3.º do CIUC, forçoso é que os locadores financeiros (como a Requerente) cumpram a obrigação ínsita no artigo 19.º daquele Código para se exonerarem da obrigação de pagamento do imposto. Ora, nenhuma prova fez a Requerente quanto ao cumprimento desta obrigação no que respeita aos veículos automóveis ora em análise.
15.5. Como se sabe, a lei determina prazos para a junção dos documentos destinados a fazer prova, consagrando o artigo 423.º do novo CPC que aqueles deverão ser apresentados com o articulado onde se aleguem os factos correspondentes. Assim sendo, após a dedução do pedido de pronúncia arbitral ficou precludida, por parte da Requerente, a apresentação ulterior de prova documental.
15.6. Não obstante, a Requerente alegar ter celebrado contratos de locação financeira, certo é que aquela é responsável pelo pagamento dos respetivos IUC, uma vez que não comunicou a existência de locação financeira a que alude o artigo 19.º do CIUC.
15.7. Na data de liquidação do IUC aqui em apreço, os veículos encontravam-se registados em nome da Requerente, pelo que as liquidações impugnadas foram emitidas de acordo com as regras de incidência subjetiva e objetiva do facto gerador do imposto. Em suma, o artigo 3.º do CIUC não comporta qualquer presunção legal.
15.8. Mesmo admitindo que, do ponto de vista das regras do direito civil e do registo predial, a ausência de registo não afecta a aquisição da qualidade de proprietário e que o registo não é condição de validade dos contratos com eficácia real, nos termos estabelecidos no CIUC (que no caso em apreço constitui lei especial, a qual, nos termos gerais de direito derroga a norma geral), o legislador tributário quis intencional e expressamente que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.
15.9. A Requerente para provar a transmissão dos veículos automóveis, cujas liquidações de IUC pretende ver declaradas ilegais e anuladas, junta 2ªs vias de notas de débito. Todas as notas de débito juntas contêm a inscrição no canto inferior esquerdo “Documento válido após boa cobrança”. A Requerente não juntou qualquer documento que prove essa boa cobrança.
15.10. As notas de débito são documentos internos e unilaterais que, desacompanhados de qualquer outro documento, não fazem prova da transmissão da propriedade do veículo. Também não juntou qualquer contrato de locação financeira, compra e venda ou mesmo mera correspondência trocadas com companhias de seguros. Para todos os efeitos legais, impugnam-se todos os documentos juntos para prova de transmissão de propriedade.
II - Saneamento
16. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
17. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
18. A Requerida suscitou a exceção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral por este ter sido formulado com base na apresentação extemporânea dos pedidos de revisão de ato tributário (vd., 15.2 a 15.4. supra). Efetivamente, a Requerida alegou que o prazo para o pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IUC era de 120 dias após terminar o prazo para o respetivo pagamento voluntário, o qual já se encontraria ultrapassado na data de apresentação pela Requerente dos pedidos de revisão oficiosa.
A Requerente não se pronunciou quanto à exceção no prazo concedido através do despacho arbitral, de 29-10-2018, embora no pedido de pronúncia arbitral se pronuncie sobre a tempestividade dos pedidos de revisão do ato tributário apresentados (vd., n.ºs 25.º a 59.º do pedido de pronuncia arbitral).
Cumpre apreciar.
O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido, de forma reiterada, que podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do ato tributário no prazo de 4 anos após a liquidação ou a todo o tempo no caso de o tributo ainda não ter sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços, também o contribuinte pode, naquele prazo, pedir a revisão oficiosa com fundamento em erro imputável aos serviços .
Além disso, deve considerar-se erro imputável aos serviços o erro nos pressupostos de facto e de direito, constituindo essa imputabilidade do erro aos serviços independentemente da demonstração de culpa dos funcionários envolvidos na emissão do ato em causa.
Assim, verifica-se que a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação do IUC dentro do prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT. Posteriormente, a Requerente, após notificação dos despachos da AT que decidiram os pedidos de revisão (vd., alínea E) do n.º 22.2. infra), apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral dentro do prazo legal de 90 dias para o efeito.
Pelos fundamentos expostos não se verifica a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral.
Nestes termos, improcede a exceção peremptória invocada pela Requerida.
19. Para além da exceção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, suscitada pela Requerida e julgada improcedente por este Tribunal, não foram suscitadas outras exceções de que cumpra conhecer.
20. Não se verificam nulidades nem quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
21. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
III - Mérito
III.1. Matéria de facto
22. Factos provados
22.1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
A) O Requerente é uma sociedade comercial que, no âmbito da sua atividade, se dedica à atividade de locação financeira automóvel.
B) A AT liquidou o IUC, relativo aos anos de 2009, 2012, 2013, 2014 e 2015, referente a 494 (quatrocentos e noventa e quatro) veículos automóveis, cujas matrículas estão identificadas nos autos, sendo a Requerente o sujeito passivo daquele imposto (vd., n.º 22 do Pedido de Pronúncia Arbitral e Documentos n.ºs 1 a 6 anexos ao referido pedido).
C) A Requerente procedeu ao pagamento do IUC, identificado na alínea anterior, conforme se verifica pelas Certidões comprovativas do pagamento, que constam dos Documentos n.ºs 1 a 6 anexos ao Pedido de Pronuncia Arbitral e que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
D) Relativamente às liquidações identificadas na alínea B), a Requerente apresentou, no Serviço de Finanças de ..., os pedidos de revisão do ato tributário, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, conforme constam dos Documentos n.ºs 1 a 6 anexos ao Pedido de Pronuncia Arbitral e que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
E) Os pedidos de revisão do ato tributário, referidos na alínea anterior, foram objeto dos seguintes despachos:
i) Despacho do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, por subdelegação, datado de 14-05-2018, relativo à Revisão Oficiosa n.º...2016... sobre o IUC 2013;
ii) Despacho do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, em substituição, datado de 11-04-2018, relativo à Revisão Oficiosa n.º ...2016... sobre o IUC 2015;
iii) Despacho do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, por subdelegação, datado de 19-04-2018, relativo à Revisão Oficiosa n.º ...2016... sobre o IUC 2014;
iv) Despacho do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, por subdelegação, datado de 19-04-2018, relativo à Revisão Oficiosa n.º ...2016... sobre o IUC 2014;
v) Despacho do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, em substituição, datado de 20-04-2018, relativo à Revisão Oficiosa n.º ...2016... sobre o IUC 2015;
vi) Despacho do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, em substituição, datado de 20-04-2018, relativo à Revisão Oficiosa n.º ...2016... sobre o IUC 2014;
vii) Despacho do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, por subdelegação, datado de 26-04-2018, relativo à Revisão Oficiosa n.º ...2016... sobre o IUC 2012;
viii) Despacho do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 26-04-2018, relativo à Revisão Oficiosa n.º ...2016... sobre o IUC 2013.
(Vd., Documentos n.ºs 7 a 15 anexos ao Pedido de Pronuncia Arbitral e que se dão por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
22.2. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
22.3. Fundamentação da matéria de facto
Quanto à matéria de facto dada como provada a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação da prova documental junta aos autos.
A Requerida impugna os documentos apresentados pela Requerente para fazerem prova da transmissão da propriedade para terceiros (vd. n.º 112.º da Resposta). Ora, tratando-se de documentos particulares, impunha-se à Requerida impugnar a veracidade da letra ou da assinatura. Mas, não o tendo feito e nem tendo arguido a falsidade dos ditos documentos, têm os documentos juntos pela Requerente força probatória plena, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 376.º do Código Civil.
22.4. Cumulação de pedidos
O presente pedido de pronúncia arbitral reporta-se a liquidações de IUC respeitantes a quatrocentos e noventa e quatro veículos automóveis, identificados pela Requerente no n.º 22.º do pedido de pronuncia arbitral, e, bem assim, dos atos de indeferimento dos pedidos de revisão do ato tributário apresentados pela Requerente sobre os mencionados atos de liquidação do IUC.
Considerando o disposto nos artigos 3.º do RJAT e 104.º do CPPT e atendendo à identidade dos factos tributários, e aos idênticos fundamentos de facto e de direito invocados, o tribunal considera que nada obsta à cumulação dos presentes pedidos.
III.2. Matéria de Direito
25. Em face do exposto, nos números anteriores, a questão principal a decidir nos presentes autos consiste em saber se, para efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º. 1, do Código do IUC, o sujeito passivo do IUC é a locadora ou o novo proprietário, caso se tenha verificado que, na data da ocorrência do facto gerador do imposto, o veículo continue registado em nome da locadora (seu anterior proprietário) apesar de já ter ocorrido a sua venda.
Cumpre apreciar.
26. O artigo 3.º do Código do IUC, nos seus números 1 e 2, na redação em vigor à data dos factos a que se reporta o presente pedido, dispõe o seguinte:
"1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
2. São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes co reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força de contrato de locação."
27. Diversas decisões, nos tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, têm considerado que a norma citada no n.º anterior contem uma presunção legal que admite prova em contrário.
A este respeito a Decisão Arbitral n.º 145/2017-T (e para cujo teor desde já aqui remetemos) afirma:
“Sobre esta questão, ou seja, a de saber se a norma de incidência subjectiva constante do n.º 1, do art.º 3.º do CIUC, consagra uma presunção, deve notar-se que a jurisprudência firmada no CAAD aponta no sentido de que a dita norma consagra uma presunção legal ilidível. Com efeito, desde as primeiras Decisões, proferidas sobre esta matéria, no ano de 2013, entre as quais se podem, nomeadamente, referir as proferidas no quadro dos Processos n.ºs 14/2013-T, 26/2013-T e 27/2013-T, até às mais recentes de que se podem indicar as Decisões proferidas no âmbito dos Processos n.º 69/2015-T, n.º 191/2015-T e n.º 202/2015 - T, passando por inúmeras Decisões proferidas no ano de 2014, de que se mencionam, a título de mero exemplo, as Decisões proferidas nos Processos n.ºs 34/2014-T, 120/2014-T e 456/2014 - T, todas apontam para o entendimento de que o n.º 1, do art.º 3.º do CIUC consagra uma presunção legal ilidível.
A este propósito, deve também referir-se a recente Decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida, em 23-01-2017, no Proc. N.º 463/13.4BELRS, onde se considera que a “[…] impugnante logrou ilidir a presunção estabelecida no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC.”
Deve ainda considerar-se o entendimento inscrito no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 19-03-2015, Processo 08300/14, disponível em: www.dgsi.pt, que secunda a referida jurisprudência, quando nele vem expressamente referido que o art.º 3.º, n.º 1 do CIUC “[…] consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível por força do art.º 73.º da LGT”. “
28. A posição constante da Decisão Arbitral supra citada merece a nossa concordância e dispensa-se, por desnecessária, a reprodução da respetiva fundamentação, no presente processo.
29. Devido à celebração do contrato de compra e venda o proprietário de pleno direito passa a estar abrangido diretamente pelo n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC. Face ao disposto no artigo 408.º, n.º 1, do Código Civil, a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as exceções previstas na lei. É o caso do contrato de compra e venda de veículo automóvel (vd., artigos 874.º e 879.º, alínea a), do Código Civil), o qual não depende de qualquer formalidade especial, sendo válido mesmo quando celebrado por forma verbal.
30. O direito de propriedade dos veículos automóveis está sujeito a registo, nos termos do disposto no Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de fevereiro, com as alterações subsequentes, e cuja finalidade, de acordo com o artigo 1.º, n.º 1, consiste em “...dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respetivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”. Efetivamente, a falta de registo não afeta a validade do contrato de compra e venda, mas apenas a sua eficácia, e, mesmo esta, unicamente perante terceiros de boa fé para efeitos de registo.
31. Concluindo-se, de acordo com o exposto nos n.ºs anteriores, que a norma de incidência subjetiva do IUC, constante do artigo 3.º do Código do IUC, consagra uma presunção ilidível, importa verificar se os factos alegados pela Requerente, nos presentes autos arbitrais, constituem, ou não, prova bastante para a sua ilisão. Assim, a Requerente terá de provar que não era a proprietária dos veículos identificados nos autos, por já anteriormente terem ocorrido as respetivas transferências de propriedade. Nestes termos, concluímos que sendo uma presunção ilidível, cabe à entidade que está inscrita no registo como proprietária do veículo, e por essa razão foi considerada pela AT como sujeito passivo do imposto, apresentar elementos de prova para demonstrar que o titular da propriedade é outra pessoa, por efeito da transmissão da propriedade.
32. A Requerente para fazer a prova referida no n.º anterior apresenta cópias de notas de débito. As referidas notas de débito na “Descrição/Serviços” identificam o n.º do contrato e contem as seguintes expressões: “Valor residual (identificação da matrícula) à data de …” ou ” indeminização referente ao fecho do contrato”.
Verifica-se que, no presente caso, as notas de débito, devido à sua natureza unilateral, não comprovam a transmissão da propriedade do veículo. Também, as notas de débito, juntas aos autos, não provam o respetivo pagamento por parte do comprador, aliás as próprias notas de débito contêm a referência: “Documento válido como Recibo após comprovativo de boa cobrança”. Ora, a Requerente não faz prova de que os valores indicados nas notas de débito foram efetivamente cobrados.
A Requerente não juntou aos autos os contratos identificados nas notas de débito, nem as faturas das alegadas vendas das viaturas automóveis identificadas nos autos, que certamente seriam meios de prova suscetíveis de contribuir para demonstrar a alegada transferência da propriedade dos veículos em causa.
Neste sentido, as notas de débito, juntas aos autos pela Requerente, não constituem, por si só, meios de prova suficientes para exclusivamente demonstrarem que a Requerente não era, à data da liquidação do IUC, a proprietária do veículo automóvel.
Atendendo ao exposto revelam-se insuficientes os meios de prova apresentados pela Requerente para ilidirem a presunção constante do artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC o que, em consequência, acarreta a improcedência do pedido da Requerente.
33. O Tribunal Arbitral, nos termos do atrás exposto, julgou improcedente o pedido da Requerente e, por isso, de acordo com os n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código do Processo Civil, aplicável por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a responsabilidade pelo pagamento da taxa arbitral é inequivocamente da Requerente.
IV – Decisão
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar improcedente a exceção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral suscitada pela Requerida;
b) Julgar improcedente o pedido de pronuncia arbitral e, em consequência, absolver a Requerida do pedido, com as devidas consequências legais.
V - Valor do Processo
Atendendo ao disposto nos artigos 32.º do CPTA, 306.º, n.º 2, do Código do Processo Civil e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em € 46.495,82 (quarenta e seis mil, quatrocentos e noventa e cinco euros e oitenta e dois cêntimos).
VI - Custas
O montante das custas é fixado em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros) a cargo da Requerente, nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 25 de fevereiro de 2019
O Árbitro
Olívio Mota Amador