Acordam os Árbitros Alexandra Coelho Martins (Árbitro Presidente), Luís M. S. Oliveira e Raquel Franco (Árbitros Auxiliares), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 19.09.2018, na seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A..., LDA., sociedade comercial com o número único de pessoa coletiva e de matrícula no Registo Comercial ..., com sede no Lugar ..., freguesia de ... e ..., Concelho de..., adiante designada por Requerente, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral no dia 09.07.2018, o qual foi aceite e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), na qualidade de Requerida.
A Requerente impugna o ato tributário de liquidação de Imposto Especial sobre o Consumo (“IEC”) emitido sob o n.º 2018/... de 26.03.2018, praticado pela Delegação Aduaneira de ... da Direção-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (atual AT ), no montante de € 160.368,39 referente a Imposto sobre Produtos Petrolíferos e Energéticos (“ISPPE”) e a Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), do período entre 01.01.2014 e 29.09.2017, e respetivos juros compensatórios no valor de € 8.178,65, perfazendo o total de € 168.547,04.
O ato tributário de liquidação de imposto e juros supra referido decorre de três correções:
(a) Comercialização de 273.033,88 litros de gasóleo colorido e marcado, entre 01.01.2014 e 29.09.2017, sem que a respetiva venda tenha sido registada no sistema eletrónico de controlo, terminal POS n.º..., em violação do artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC e dos n.ºs 5 e 6 da Portaria n.º 361-A/2008, de 12.05;
(b) Comercialização de 227.339,75 litros de gasóleo colorido e marcado, entre 01.01.2015 e 29.09.2017, sem que tenham sido emitidas faturas em nome dos titulares do cartão eletrónico, em violação do artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC e do n.º 8 da Portaria n.º 361-A/2008, de 12.05;
(c) Comercialização de 6.276,41 litros de gasóleo colorido e marcado a entidades não detentoras do cartão eletrónico de microcircuito obrigatório, em violação do artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC e dos n.ºs 5 e 6 da Portaria n.º 361-A/2008, de 12.05.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, os quais comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 30.08.2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 19.09.2018.
No dia 17.10.2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
A reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT teve lugar no dia 26.11.2018. Foram prestadas declarações de parte pelo Sr. B... e ouvidos os depoimentos das três testemunhas arroladas pela Requerente, C..., D... e E... .
As partes, notificadas para esse efeito, apresentaram alegações escritas, nas quais mantiveram as posições expressas nos articulados iniciais, tendo a Requerente suscitado a inconstitucionalidade da regra contida no artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC, que impõe ao proprietário ou ao responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público de gasóleo colorido e marcado o pagamento do imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, quando as quantidades vendidas não fiquem devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo, ou quando, para essas quantidades, não sejam emitidas as correspondentes faturas com a identificação fiscal do titular de cartão eletrónico instituído para efeitos de controlo dos abastecimentos. A inconstitucionalidade arguida pela Requerente assenta nos fundamentos invocados na Decisão Arbitral n.º 58/2018-T, de 19.11.2018, que recaiu sobre situação similar, em concreto, na violação do princípio da tipicidade dos tipos sancionatórios, do princípio ne bis in idem e do princípio da proporcionalidade.
Foi ainda comunicado às partes que a decisão final seria proferida até ao dia 18.03.2019.
Resumo da posição da Requerente
A Requerente peticiona a anulação do ato tributário supra identificado, alegando, quanto à primeira correção, relativa à venda de gasóleo colorido e marcado alegadamente não registada no sistema eletrónico de controlo, que todos os litros vendidos foram registados no TPA/POS n.º..., tendo até sido registados litros a mais do que aqueles que foram abastecidos, a pedido dos seus clientes, com o objetivo de acautelarem, dessa forma, o plafond de litros a que têm direito anualmente, conforme extrato de abastecimentos emitido pelo organismo competente, a Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (“DGADR”).
Segundo a Requerente, na maioria das vezes, os seus clientes, agricultores, não transportam consigo o cartão eletrónico de microcircuito, pelo que não o passam no momento do abastecimento e não é feito o seu registo imediato. Deste modo, por vezes, a Requerente faz o apontamento dos litros abastecidos e depois regista-os em conjunto, seja no final do dia, da semana ou do mês, circunstância que pode estar na origem da divergência da AT, sem que, contudo, justifique a posição por esta adotada.
Preconiza a Requerente que o registo nalguns casos temporalmente desfasado no sistema eletrónico de controlo não compromete a aplicação do regime fiscal mais favorável (taxa reduzida) do gasóleo colorido e marcado, pois não constitui um pressuposto substantivo do regime tributário. A obrigação de registo configura um elemento de controlo ou de verificação do preenchimento dos requisitos de acesso ao regime (ad probationem) e não um requisito constitutivo do mesmo (ad substantiam).
Por outro lado, reclamar à Requerente o pagamento da diferença do imposto, apenas e tão só porque o registo não foi feito “no momento” do fornecimento, consubstancia uma responsabilidade tributária carecida de base legal, de acordo com o princípio da legalidade tributária, nos termos dos artigos 165.º, n.º 1, alínea i) e 103.º, n.º 2, da Constituição, porquanto tal exigência [do registo no momento do abastecimento] não consta da lei, em concreto do artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC, mas apenas da norma regulamentar ínsita do n.º 6 da Portaria n.º 361-A/2008, de 12.05.
No tocante à segunda correção, referente à venda de gasóleo colorido e marcado com emissão de fatura a consumidor final, ou seja, sem identificação do nome do titular do cartão eletrónico de microcircuito, a Requerente invoca que a AT reconhece que essas vendas foram efetuadas a titulares do cartão eletrónico, pelo que, à semelhança da correção anterior, não está em causa o não preenchimento de um requisito material do benefício, mas apenas um elemento de controlo da sua atribuição, i.e., que efetivamente o gasóleo foi vendido a quem tinha o direito de o comprar com redução de taxa. O benefício fiscal em causa depende apenas de um ato de reconhecimento por parte da DGADR, traduzido na emissão do cartão de microcircuito. Através da emissão desse cartão, aquela Direção-geral reconhece e certifica que o seu titular preenche os requisitos objetivos e subjetivos para poder beneficiar do desagravamento.
A Requerente sustenta que o cartão microcircuito é um documento ad substantiam, pois sem ele não pode ser efetuada qualquer venda com redução de taxa. Já o registo das vendas e a emissão da fatura nos termos referidos constituem, em seu entender, um meio probatório que pode ser substituído por qualquer outro. Assim, se existirem provas de que os destinatários das vendas eram titulares do cartão microcircuito, com respeito pelos requisitos materiais ainda que as formalidades previstas na lei não tenham sido cumpridas, deve manter-se o direito à redução de taxa. Neste caso, todos os litros de gasóleo foram vendidos a titulares de cartão microcircuito e devidamente registados, como comprovado pelo sistema informático de venda TPA/POS. Assim, a redução de taxa apenas foi aplicada a quem efetivamente tem direito a esse benefício.
O facto de a Requerente ter falhado na emissão da fatura é punido em sede de contraordenação, prevista no artigo 109.º, n.º 2, alínea p) do Regime Geral de Infrações Tributárias (“RGIT”), por remissão do n.º 6 do artigo 93.º do Código dos IEC, e não pode ser o pressuposto da liquidação de um imposto que não é devido do ponto de vista dos seus pressupostos materiais, sob pena de, nesse caso, mais não ser do que uma (outra) sanção da mesma infração, que já é punida pela norma do RGIT, com a consequente violação do princípio ne bis in idem, pois ambas as sanções protegem o mesmo bem jurídico.
Um tal entendimento viola ainda os princípios constitucionais da tipicidade dos tipos sancionatórios e da proibição do excesso, pois a Lei Fundamental estabelece um numerus clausus de medidas sancionatórias, em consonância com o princípio do Estado de direito democrático – cf. artigos 165.º, n.º 1, alínea d), 18.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2, todos da Constituição.
Por fim, no que se refere à terceira correção, relativa à venda de gasóleo colorido e marcado a não titulares do cartão de microcircuito obrigatório, a Requerente alega que se tratou de erro da funcionária do posto de combustível, sendo que do total de 6.276,41 litros vendidos, 1.620,08 litros foram faturados à própria Requerente e 2.693,11 litros a F... . No primeiro caso, apresenta duas justificações: lapso derivado de a Requerente figurar como primeiro cliente/contribuinte a aparecer na listagem e o facto de gastar esse gasóleo colorido marcado no seu trator para limpeza dos terrenos que rodeiam o posto de combustível, estando o cartão de microcircuito no nome do Sr. G..., gerente, e não em nome da empresa. Na segunda situação, afirma que o titular do “cartão verde” era o marido da pessoa que foi faturada.
Resumo da posição da AT
A AT preconiza que a venda de gasóleo colorido e marcado sem que o operador, ora Requerente, tenha procedido ao registo, via TPA/POS, das quantidades em causa no sistema eletrónico de controlo, viola o disposto artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC e nos artigos 5.º e 6.º da Portaria n.º 361-A/2008 e constitui motivo de exigibilidade do imposto (diferencial entre o nível de tributação do gasóleo colorido e marcado e do gasóleo rodoviário). Refere ainda que o artigo 6.º da Portaria n.º 361-A/2008 determina que as vendas de gasóleo colorido e marcado nos postos de abastecimento sejam obrigatoriamente registadas nos terminais POS no momento em que ocorrem.
Segundo a AT, a argumentação da Requerente revela o completo descontrolo no cumprimento das regras legais referentes à obrigação de registo das transações de gasóleo colorido e marcado, chegando mesmo a admitir que os registos não são feitos quando dos abastecimentos no posto, podendo ser postergados até ao final do mês a que dizem respeito, ao completo arrepio do que está estabelecido legalmente.
Assim, considera que, relativamente a estas transações, se verifica a responsabilidade tributária (que qualifica de objetiva), prevista no artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC, do proprietário ou do responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades vendidas não registadas devidamente no sistema eletrónico de controlo, sendo que não podem ter qualquer relevância os supostos “descuidos” da Requerente em não proceder ao registo imediato dos abastecimentos de gasóleo colorido e marcado, porquanto o artigo 93.º, n.º 5 do referido Código estabelece a responsabilidade tributária objetiva do proprietário ou do responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades vendidas em desrespeito pelas regras de comercialização daquele combustível.
Por outro lado, quanto à comercialização de gasóleo colorido e marcado sem que a correspondente fatura identifique o titular do cartão, a AT entende que a mesma viola as obrigações decorrentes do artigo 93.º, n.º 5, in fine, do Código dos IEC, na redação dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31.12, Lei do Orçamento do Estado para 2015 (“LOE 2015”) e do artigo 8.º da Portaria n.º 361-A/2008.
Em seu entender, decorre do artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC a exigibilidade do imposto correspondente ao diferencial de tributação entre o gasóleo colorido e marcado e o gasóleo rodoviário, para as transações efetuadas a partir de 01.01.2015, em relação às quantidades para as quais não tenham sido emitidas as correspondentes faturas em nome do titular de cartão. Não reconhece a validade do argumento de que não há lugar à liquidação de imposto porquanto a emissão da fatura em nome do titular do cartão é apenas uma formalidade ad probationem, realçando que a própria Requerente assume não ter emitido as faturas nos termos a que estava obrigada.
Segundo a AT, constituía obrigação da Requerente titular todas as suas vendas com a emissão da correspondente fatura, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea b) do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), pelo que a fatura é a prova, por excelência, dessas transações e não um mero formalismo. Aduz que, no caso particular de venda de gasóleo colorido e marcado, à obrigação geral do Código do IVA acresce a obrigatoriedade de a fatura ter de ser emitida em nome do titular do cartão, nos termos do artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC. Na verdade, a exigência da emissão de fatura em nome do titular do cartão, introduzida pela LOE 2015 no citado n.º 5 do artigo 93.º do Código dos IEC, não configura um requisito puramente formal, mas sim, e por si só, uma causa de responsabilização pelo pagamento do IEC relevante, em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas em nome do titular.
Do mesmo modo, a AT sufraga que carece de fundamentação a alegação de que o gasóleo colorido e marcado “foi adquirido apenas por titulares de cartão eletrónico”, pois a não identificação dos adquirentes nas faturas emitidas a “cliente final”, inibe que a inspeção possa confirmar, por um lado, se o adquirente é titular de cartão que o habilite à aquisição do produto e, por outro, o cruzamento da venda (fatura) com o registo correspondente no sistema de controlo (TPA). A exigência da emissão de fatura em nome do titular do cartão, introduzida pela LOE 2015, visou, entre outros objetivos, obviar ao risco da utilização abusiva de cartões de terceiros nos registos no sistema de controlo (TPA), pelo que também nunca poderia proceder uma interpretação segundo a qual, como pretende a Requerente, o facto de haver registos nos TPA, para quantidades coincidentes com as faturadas, sem identificação do adquirente, constituiria prova da venda ao respetivo titular do cartão de microcircuito.
Pelas razões expostas, a AT conclui pela improcedência do pedido arbitral.
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, conforme previsto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03.
A ação é tempestiva e o processo não enferma de nulidades.
III. FUNDAMENTAÇÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos provados
A. A Requerente desenvolve a atividade principal de comércio a retalho de combustível para veículos a motor, em estabelecimento especializado (CAE 47300), além de outras atividades secundárias (CAE 056301 – Café; CAE 049392 – Outros transportes de passageiros diversos e CAE 049410 – Transportes rodoviários de mercadorias) – cf. Relatório de Inspeção Aduaneira (“RIA”) junto como documento 2 com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”).
B. A atividade da Requerente é exercida num posto de abastecimento de combustíveis de que é detentora, onde comercializa, entre outros produtos, gasóleo colorido e marcado – cf. RIA.
C. Entre os anos 2014 e 2017, a Requerente registou no sistema eletrónico, através do TPA/POS n.º..., abastecimentos de gasóleo colorido e marcado no volume total de 389.219,80 litros, distribuídos da seguinte forma:
LITROS REGISTADOS TPA/POS POR ANO
2014 2015 2016 2017
106.683,00 116.009,70 106.273,50 60.253,60
389.219,80
– cf. documento 3 junto com o ppa (extrato da DGADR).
D. Os abastecimentos de gasóleo colorido e marcado registados pela Requerente no sistema eletrónico de controlo, constam de listagem emitida pela DGADR que identifica, relativamente a cada um, os seguintes elementos de informação:
(i) Nome do cliente que abasteceu;
(ii) Data e hora do abastecimento;
(iii) Número de litros;
(iv) Número do cartão de microcircuito utilizado; e
(v) Número de beneficiário do cartão de microcircuito
– cf. documento 3 junto com o ppa (extrato da DGADR).
E. No período entre janeiro de 2014 e setembro de 2017, os abastecimentos de gasóleo colorido e marcado registados pela Requerente no sistema eletrónico de controlo foram superiores aos adquiridos aos fornecedores e que efetivamente vendeu em cerca de 60.000 litros – cf. dados quantitativos constantes do RIA e do documento 3 da DGADR, corroborado pelos depoimentos prestados.
F. Os clientes, agricultores, que abastecem gasóleo colorido e marcado no estabelecimento da Requerente, frequentes vezes não transportam consigo, no momento do abastecimento, o cartão eletrónico de microcircuito, pelo que não o passam nessa altura no TPA/POS n.º ... da Requerente e não é feito o seu registo imediato. Nesses casos, a Requerente faz o apontamento manual dos litros abastecidos e regista-os posteriormente em conjunto, seja no final do dia, da semana ou do mês – cf. declarações da parte e depoimento das testemunhas.
G. Quando os clientes passam o cartão de microcircuito no TPA, é frequente que insiram uma quantidade superior à do abastecimento efetivo, seja porque esse passo é, em regra, prévio ao do abastecimento e têm de fazer uma estimativa do combustível necessário para atestar o depósito, não sendo possível fazer a retificação subsequente do consumo efetivo, por intermédio do TPA, pois o sistema não o permite, ao contrário do que sucede, por exemplo, com o funcionamento dos cartões bancários de débito e de crédito; seja porque pretendem manter um histórico de consumos elevado, para assegurar os seus “plafonds” de gasóleo colorido e marcado (com receio de, caso consumam valores inferiores, verem diminuídos esses “plafonds”), registando consumos por excesso, ao que a Requerente acede. O valor faturado corresponde ao do consumo efetivo – cf. declarações da parte e depoimento das testemunhas.
H. No período de 01.01.2014 a 29.09.2017, o volume de 273.033,88 litros de gasóleo colorido e marcado vendidos pela Requerente foi registado no sistema eletrónico de controlo desta (terminal de pagamento automático POS n.º...) em momento diferente daquele em que ocorreu o abastecimento – cf. análise conjugada das declarações da parte e do depoimento das testemunhas com os elementos do RIA e do documento 3 da DGADR junto com o ppa.
I. No período de 01.01.2015 a 29.09.2017, foram emitidas, pela Requerente, faturas de venda de 227.339,75 litros de gasóleo colorido e marcado, sem nome, isto é, assumindo como destinatário a categoria genérica de “consumidor final”, NIF 999 999 990 – cf. RIA.
J. No período de 01.01.2014 a 29.09.2017, foram debitados / faturados pela Requerente 6.276,41 litros de gasóleo colorido e marcado a entidades que não são titulares do cartão eletrónico de microcircuito, dos quais 1.620,08 litros foram faturados à própria Requerente e 2.693,11 litros a F...– cf. RIA.
K. O terminal POS utilizado pela Requerente para registar as quantidades vendidas de gasóleo colorido e marcado frequentemente não funciona por falta de rede – cf. declarações da parte e depoimento das testemunhas.
L. Quando o terminal POS não funciona por falta de rede, a Requerente aponta em papel a quantidade que vendida e o cliente respetivo, sendo essa informação registada no terminal POS em momento posterior – cf. declarações da parte e depoimento das testemunhas.
M. Em 29.09.2017, em cumprimento da ordem de serviço n.º OI2017..., a Delegação Aduaneira de ... iniciou uma ação de natureza inspetiva à Requerente, de procedimento externo, tendo por âmbito o ISP - controlo de venda de gasóleo colorido e marcado, no período compreendido entre 01.01.2014 e 29.09.2017 – cf. RIA.
N. A inspeção efetuada teve por principal objetivo apurar se a comercialização de gasóleo colorido e marcado estava a ser feita em cumprimento do estipulado no artigo 93.º do Código dos IEC e da Portaria n.º 361-A/2008, de 12.05 – cf. RIA.
O. Em resultado desta ação inspetiva, em 20.02.2018, a Requerente foi notificada do projeto de conclusões, para exercer o direito de audição sobre a seguinte proposta de correções:
(a) Imposto de Consumo sobre Gasóleo Rodoviário - € 106.229,65;
(b) Contribuição de Serviço Rodoviário sobre o Gasóleo (“CSR”) - € 53.055,97;
(c) Encargos de Cobrança de CSR – 1.082,77
– cf. PA, fls.25-37 e 101-108
P. A Requerente optou por não exercer o direito de audição e a AT procedeu à notificação do Relatório Final de Inspeção por ofício datado de 21.03.2018, sobre o qual recaiu despacho concordante do Chefe de Delegação com a mesma data, que manteve as correções projetadas, e cujo teor se dá por reproduzido, extraindo-se a seguinte fundamentação com relevo para a matéria em discussão nos presentes autos arbitrais:
“Capítulo IV – Controlos efetuados
[…] o procedimento inspetivo teve início com a inventariação do gasóleo colorido e marcado existente nas instalações da empresa.
Na contabilidade da empresa, foram analisados os elementos contabilísticos considerados relevantes, nomeadamente as contas correntes de fornecedores de combustíveis, os registos efetuados nas subcontas da conta compras de combustíveis, subcontas da conta de vendas de mercadorias – combustíveis, entre outras.
Foram recolhidos os ficheiros do SAF-T, relativos ao período em análise.
Recolheu-se informação da base de dados da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR), relativamente ao GCM vendido a detentores de cartão eletrónico, bem como ao GCM adquirido por titulares de cartões inválidos ou suspensos.
Cruzou-se informação entre os registos contabilísticos (compras de CCM) e os abastecimentos efetuados pelos fornecedores.
Controlos efetuados:
[…]
2 – Análise das compras de combustíveis
Da análise dos documentos registados na contabilidade financeira da empresa, constatou-se que no período em análise foi adquirido gasóleo colorido e marcado (G.C.M) a três fornecedores, conforme se demonstra no quadro seguinte:
Quadro I – Apuramento das compras de GCM
Compras
FORNECEDORES 2014 2015 2016 2015 (até 29/09)
H..., Lda 7.000,00 0,00 0,00 0,00
I..., SA 74.996,00 41.007,00 0,00 0,00
J..., Lda 0,00 52.062,00 96.024,00 58.992,00
TOTAL 81.996,00 93.069,00 96.024,00 58.992,00
As aquisições supra identificadas foram confirmadas através do cruzamento de informação junto das empresas fornecedoras.
[…]
3 – Análise das vendas de gasóleo colorido e marcado
Para o apuramento das quantidades de GCM que não ficaram registadas no sistema eletrónico de controlo, terminal POS n.º..., bem como, apuramento das quantidades para as quais não foi emitida a correspondente fatura em nome do titular do cartão, foram efetuadas as seguintes diligências:
Foi feita a recolha e análise de elementos dos ficheiros SAF-T, relativos aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017;
Extraíram-se listagens da base de dados da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR), relativas aos registos efetuados no terminal POS (TPA) n.º...;
Procedeu-se, à confrontação dos dados recolhidos dos ficheiros SAF-T, com os registos efetuados no terminal POS (TPA) n.º... .
4. Da confrontação dos dados recolhidos dos ficheiros SAF-T, com os registos efetuados no terminal POS n.º..., apura-se:
4.1 A quantidade de gasóleo colorido e marcado vendido e não registado no sistema eletrónico de controlo em violação do disposto no n.º 5 do artigo 93.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC) e n.ºs 4 e 6 da Portaria n.º 361-A/2008, de 12/05, cuja quantidade apurada está sujeita a imposto sobre os produtos petrolíferos, resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado.
[…]
4.2. Gasóleo colorido e marcado vendido sem que a transação fosse titulada com a emissão de fatura em nome do dono do cartão eletrónico, em violação do disposto no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC e n.º 8 da Portaria 361-A/2008 de 12 de maio, cuja quantidade apurada está sujeita a imposto sobre os produtos petrolíferos, resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado.
[…]
6 – Determinação dos resultados
Para a determinação do resultado final foi considerado o somatório dos litros de GCM, por período, conforme se demonstra nos Quadros II a XXXVII
i. Litros de GCM vendidos que não foram registados no sistema eletrónico de controlo, terminal POS n.º...;
ii. Litros de GCM vendidos/saídos para os quais não foram emitidas as correspondentes faturas em nome dos titulares do cartão eletrónico;
iii. Litros de GCM vendidos a não detentores do cartão eletrónico.
[…]
Resumo por Rubricas:
Resumo por Rúbricas
Rúbrica Designação Valor
592 ISP 106.229,65 €
504 CSR = (CSR-Ret) 53.055,97 €
506 Ret. N.º 2 art.º 5 1.082,77 €
Total 160.368,40 €
[…]” - cf. RIA
Q. A Requerente foi notificada, pelo ofício n.º..., de 26.03.2018, da Alfândega de..., para proceder, no prazo de 15 dias a contar da notificação, ao pagamento dos valores de imposto referenciados no quadro da alínea anterior, na importância de € 160.368,40, e bem assim dos correspondentes juros compensatórios no valor de € 8.178,65, perfazendo o valor total a pagar de € 168.547,04, conforme impresso de liquidação “I.L.” n.º .../..., de 26.03.2018, emitido pela Delegação Aduaneira de ... e anexado ao referido ofício – cf. documento 1 junto com o ppa.
R. A Requerente, em discordância com o ato tributário identificado na alínea anterior [I.L. n.º .../...], apresentou no CAAD, em 9 de julho de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo.
A.2. Factos não provados
Não se provou a alegação de que não há vendas de gasóleo colorido e marcado sem o registo do cartão de microcircuito (vg. artigos 5.º e 26.º do ppa).
Também não se provou que o gasóleo colorido e marcado faturado pela Requerente a entidades que não são titulares do cartão de microcircuito o tenha sido por erro da funcionária (vg. artigos 102.º, 103.º, 106.º e 108.º do ppa), nem que esse gasóleo tenha sido efetivamente vendido a beneficiários do cartão de microcircuito. Pelo contrário, constata-se da declaração da parte e do depoimento da funcionária que a situação mais expressiva, relativa a F..., correspondeu mesmo a uma irregularidade voluntária da cliente, pois o consumo era para um estabelecimento de que a cliente era proprietária (aviário) e esta não possuía o cartão de microcircuito, apenas o seu marido. Por outro lado, em geral, era o gerente da Requerente e não a funcionária que tratava do assunto.
De igual modo, não se provou a razão da faturação de gasóleo colorido e marcado à Requerente, que não tem cartão de microcircuito, nem que se tenha tratado de lapso da funcionária (artigo 106.º do ppa).
Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), e 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto consolidada.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se nas posições assumidas pelas partes, na análise crítica da prova documental junta aos autos e, quando aplicável, nos depoimentos das testemunhas.
Relativamente às declarações da parte (B...) e da sua funcionária (a testemunha C...), dada a falta de distanciamento dos interesses da Requerente, o seu contributo foi relativizado pelo Tribunal.
Por outro lado, quanto ao facto essencial respeitante aos abastecimentos registados no sistema eletrónico de controlo (de gasóleo colorido e marcado) serem superiores aos vendidos, o mesmo já resultava da análise e confronto dos documentos (RIA vs. documento 3 junto com o ppa).
Os depoimentos de D... (contabilista da Requerente) e E... (cliente da Requerente), revelaram-se objetivos, mas com limitações, na medida em que não participam diretamente no dia a dia da Requerente.
B. DO DIREITO
B.1. Enquadramento normativo
A matéria em discussão convoca o regime jurídico-tributário do gasóleo colorido e marcado contido no Código dos IEC, em particular o disposto seu artigo 93.º, que se transcreve na parte aplicável:
“Artigo 93.º
Taxas reduzidas
1 - São tributados com taxas reduzidas o gasóleo, o gasóleo de aquecimento e o petróleo coloridos e marcados com os aditivos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.
2 - O petróleo colorido e marcado só pode ser utilizado no aquecimento, iluminação e nos usos previstos no n.º 3.
3 - O gasóleo colorido e marcado só pode ser consumido por:
a) Motores estacionários utilizados na rega;
b) Embarcações referidas nas alíneas c) e h) do n.º 1 do artigo 89.º;
c) Tratores agrícolas, ceifeiras debulhadoras, motocultivadores, motoenxadas, motoceifeiras, colhedores de batata automotrizes, colhedores de ervilha, colhedores de forragem para silagem, colhedores de tomate, gadanheiras-condicionadoras, máquinas de vindimar, vibradores de tronco para colheita de azeitona e outros frutos, bem como outros equipamentos, incluindo os utilizados para a atividade aquícola e na pesca com a arte-xávega, aprovados por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da agricultura e do mar ; (Redação dada pelo artigo 211.º, da Lei n.º 42 /2016, de 28.12)
d) Veículos de transporte de passageiros e de mercadorias por caminhos-de-ferro;
e) Motores fixos;
f) Motores frigoríficos autónomos, instalados em veículos pesados de transporte de bens perecíveis, alimentados por depósitos de combustível separados, e que possuam certificação ATP (Acordo de Transportes Perecíveis), nos termos a definir em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da agricultura e dos transportes.
4 - O gasóleo de aquecimento só pode ser utilizado como combustível de aquecimento industrial, comercial ou doméstico.
5 - O gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido pelos titulares do cartão eletrónico instituído para efeitos de controlo da sua afetação aos destinos referidos no n.º 3, sendo responsável pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo, bem como em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas em nome do titular de cartão. (Redação dada pelo artigo 207.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31.12)
6 - A venda, a aquisição ou o consumo dos produtos referidos no n.º 1 com violação do disposto nos n.ºs 2 a 5 estão sujeitos às sanções previstas no Regime Geral das Infrações Tributárias e em legislação especial.
7 - Para efeitos deste artigo, entendem-se por motores fixos os motores que se destinem à produção de energia e que, cumulativamente, se encontrem instalados em plataformas inamovíveis.
[…]”
O Código dos IEC é ainda complementado por um conjunto de normas regulamentares. Com relevo para o caso vertente, interessa referir as constantes da Portaria n.º 117-A/2008, de 08.02, que atualiza e revê o processo de reconhecimento prévio das isenções e das taxas reduzidas do ISP, e da Portaria n.º 361-A/2008, de 12.05, incidente sobre o gasóleo colorido e marcado, aprovadas ainda na vigência do anterior Código dos IEC e tendo por referência habilitante o seu artigo 74.º, cuja manutenção resulta do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21.06, que aprovou o novo Código dos IEC.
Merece especial destaque a Portaria n.º 361-A/2008, de 12.05, que, neste âmbito, estabelece regras de comercialização do gasóleo colorido e marcado e mecanismos de controlo, designadamente:
“[…]
5.º O gasóleo colorido e marcado só pode ser vendido nos postos de abastecimento aos beneficiários de uma isenção ou redução de taxa de ISP que sejam titulares de cartões de microcircuito emitidos para o efeito pela DGADR, através dos quais são registadas todas as transações de gasóleo colorido e marcado no sistema informático gerido pela Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS).
6.º As vendas a que se refere o número anterior são obrigatoriamente registadas nos terminais POS no momento em que ocorram.
7.º Os abastecimentos aos equipamentos autorizados a consumir gasóleo colorido e marcado que não possam ser efetuados no local do posto de abastecimento, nomeadamente alguns equipamentos agrícolas e florestais e os motores fixos, podem ser registados em terminal POS móvel, no ato e no local do respetivo abastecimento.
8.º O registo no sistema informático, através dos terminais POS, de cada abastecimento efetuado, não dispensa a emissão da respetiva fatura ou documento equivalente, emitida em nome do titular do respetivo cartão de microcircuito.
9.º Os registos das transações referidas no n.º 5.º são enviados em suporte informático pela SIBS à DGADR, a qual, para além das funções de coordenação nacional que lhe incumbem, gere a base de dados relativa ao gasóleo colorido e marcado e é responsável pela emissão, suspensão ou cancelamento dos cartões.
11.º O gasóleo colorido e marcado só pode ser abastecido aos equipamentos previstos no n.º 3 do artigo 74.º do CIEC, após a verificação, pela entidade competente, dos pressupostos e das condições exigíveis nos termos da legislação aplicável e a atribuição aos respetivos beneficiários do cartão referido no n.º 5.º.
12.º Em caso de erros de digitação ou outras anomalias verificadas na utilização dos terminais POS, devem os mesmos ser imediatamente comunicados, por escrito, preferencialmente por correio eletrónico, à DGADR, a fim de serem efetuadas as respetivas correções.
[…]”
De referir adicionalmente o disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 117-A/2008, de 08.02, segundo o qual:
“2.º Podem beneficiar de isenção ou da aplicação de uma taxa reduzida do imposto as pessoas singulares ou coletivas que, comprovadamente, utilizem produtos petrolíferos e energéticos sujeitos a ISP nas atividades ou nos equipamentos previstos nas disposições legais referidas no número anterior, desde que cumpram as seguintes condições:
a) Essa atividade esteja devidamente declarada, nos termos da legislação tributária aplicável, exceto quando dispensada por lei ou pela natureza da isenção;
b) Tenham a sua situação tributária e contributiva regularizada;
c) Tenham cumprido as suas obrigações declarativas em sede de impostos sobre o rendimento e do imposto sobre o valor acrescentado.”.
Dispõe, ainda, o artigo 5.º da Portaria n.º 117-A/2008 que os “benefícios fiscais concretizados através da utilização de gasóleo colorido e marcado são efetuados obrigatoriamente através da utilização de um cartão de microcircuito”.
No tocante à contribuição de serviço rodoviário ou CSR, a mesma foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31.08, e, de acordo com o disposto no seu artigo 1.º, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal, E.P.E.. Esta contribuição constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como é verificada pelo consumo dos combustíveis (artigo 3.º, n.º 1). De acordo com o artigo 4.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 55/2007, a CSR “incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e dele não isentos”, variando o seu valor em função do produto petrolífero utilizado (gasolina ou gasóleo rodoviário).
A CSR é devida pelos sujeitos passivos de ISP (artigo 5.º, n.º 1) e, não obstante constituir receita da EP – Estradas de Portugal (artigo 6.º), a sua liquidação e cobrança incumbe à Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (hoje AT), aplicando-se à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos IEC. Em síntese, estamos perante um tributo devido pelos sujeitos passivos de ISP que incide sobre o gasóleo rodoviário sujeito a ISP e deste imposto não isento.
Na situação objeto de análise, são imputadas à Requerente três práticas distintas que se apreciam, de seguida, a saber:
(i) Omissão da obrigação de registo das vendas de gasóleo colorido e marcado no sistema eletrónico de controlo;
(ii) Omissão da obrigação de identificação dos adquirentes de gasóleo colorido e marcado nas faturas emitidas;
(iii) Venda de gasóleo colorido e marcado a não beneficiários / não titulares do cartão de microcircuito.
B.2. Análise das correções: (i) Omissão da obrigação de registo das vendas de gasóleo colorido e marcado no sistema eletrónico de controlo
Resulta da prova produzida nos autos que os abastecimentos de gasóleo colorido e marcado registados pela Requerente no sistema eletrónico de controlo, através do seu terminal de pagamento automático POS n.º..., relativamente ao período em causa (de 01.01.2014 a 29.09.2017), de 389.219,80 litros, foram substancialmente superiores (em quase 60.000 litros), ao montante das compras desse combustível a fornecedores, no mesmo período de referência, e, em consequência, das vendas realizadas e faturadas aos clientes.
Com efeito, considerando o total de 330.081,00 litros de gasóleo colorido e marcado adquirido pela Requerente aos fornecedores no período de referência, conforme validado pela própria AT, que procedeu ao cruzamento desta informação junto desses fornecedores, e os 389.219,80 litros que a Requerente registou no sistema como tendo sido abastecidos, afigura-se que não lhe pode ser imputada a omissão de registo dos abastecimentos de gasóleo colorido e marcado, mas precisamente o inverso, o registo, por excesso, desses abastecimentos, atentas as quantidades efetivamente compradas e vendidas pela Requerente.
Esta circunstância é explicada pelo facto de os clientes da Requerente solicitarem o registo de abastecimentos em volume superior ao efetivo, tendo em vista assegurarem os “plafonds” anuais de consumo de gasóleo colorido e marcado que lhes são atribuídos, numa reminiscência do regime anterior, pois agora os referidos limites são apenas indicativos e não inibitórios como sucedia no passado. Assim, os clientes preferem registar consumos por excesso com receio de, caso consumam valores inferiores, verem diminuídos os seus “plafonds”, ao que a Requerente acede.
Neste ponto, é esclarecedora a fundamentação da Decisão Arbitral n.º 81/2013-T, de 05.12.2013, que refere que “os beneficiários podem agora adquirir nos Postos de Abastecimento autorizados, ao respetivo preço (que é muito inferior ao do gasóleo rodoviário) todas as quantidades que necessitarem (o plafond constante no cartão eletrónico é, agora, indicativo e não inibitório, como acontecia no sistema anterior), em circunstâncias normais, a regularidade de tal venda só é provada se para a mesma houver registo no sistema eletrónico de controlo, dado que este registo tem de ser feito na presença do titular do cartão, através da digitação do código secreto, que só ele conhece, e que dá acesso ao referido sistema de controlo.”
Por outro lado, também contribui para o registo em excesso dos abastecimentos de gasóleo colorido e marcado, o facto de, em regra, (dever) ser passado o cartão de microcircuito no TPA antes do abastecimento. Desta forma, o que é registado não é o valor do consumo exato, mas uma estimativa do mesmo, pelo que para evitar falhas ou insuficiências de abastecimento para atestar os depósitos, é usual que o cliente indique um valor superior no momento do registo, o qual não é passível de correção no TPA.
Em qualquer caso, independentemente das motivações do mencionado registo por excesso, é inequívoco que a Requerente registou no sistema gerido pela DGADR os abastecimentos de gasóleo colorido e marcado realizados aos seus clientes, até em quantidade superior ao que o foram. Estes clientes encontram-se devidamente identificados, através do seu nome, do número do cartão de microcircuito utilizado, do número de beneficiário e do dia e hora em que foi “passado” o cartão, que devia corresponder ao do abastecimento do gasóleo colorido e marcado.
Deste modo, ao contrário do que a AT alega como fundamento da sua correção, o problema que se suscita não é o de omissão da obrigação de registo no sistema eletrónico de controlo, por parte da Requerente, mas o da temporalidade do mesmo, tendo sido identificado que, em virtude do registo “por atacado” que a Requerente pratica com diversos clientes, muitos dos abastecimentos são reportados posteriormente à sua efetivação, numa base semanal, mensal ou outra. Assim, a questão central reside em saber se o registo foi feito no momento em que devia ter sido e, se não foi, quais as consequências dessa dilação temporal na esfera da Requerente.
Como acabou de se mencionar e consta do probatório, é frequente que a Requerente proceda ao registo dos abastecimentos de gasóleo colorido e marcado, no sistema eletrónico de controlo, dias ou semanas após a sua efetivação. Se em alguns casos tal sucede por opção voluntária dos intervenientes, pois os clientes da Requerente (agricultores que circulam com os seus tratores) nem sempre transportam consigo o “cartão verde” quando abastecem o gasóleo colorido e marcado, regularizando a situação em momento ulterior; noutros casos, deriva de circunstâncias de força maior, por motivos de ordem técnica que se prendem com a irregularidade da rede de internet que serve o estabelecimento, pois amiúde, dada a localização remota do posto de abastecimento, a conexão à rede é deficiente e o terminal fica inoperacional, desde logo quando se verificam determinadas condições atmosféricas, impedindo o registo contemporâneo das operações, o qual é necessariamente feito em momento ulterior. Além do mais, o problema é frequente, sendo suscetível de afetar a atividade da Requerente de forma significativa e não apenas pontualmente.
A solução prende-se com a interpretação do disposto no artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC, nomeadamente no tocante à expressão “fiquem devidamente registadas no sistema informático”. Importa, desde logo, salientar que, sobre o momento desse registo, o citado artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC nada estabelece. O que esta norma prevê ou exige é que que as quantidades de gasóleo colorido e marcado que sejam vendidas “fiquem devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo”, para que não opere a cominação de responsabilidade do proprietário ou do gestor do posto de abastecimento autorizado para venda desse combustível.
No caso, as referidas quantidades foram de facto registadas no sistema, com todos os detalhes exigíveis que permitem identificar quem comprou, com que cartão e em que quantidade.
O sistema descrito parece assegurar de forma suficiente o controlo do gasóleo colorido e marcado vendido e se o mesmo é comercializado a beneficiários do cartão de microcircuito. Afigura-se que, tendo a Requerente registado todas as quantidades abastecidas no sistema eletrónico de controlo, i.e., pelos meios adequados (TPA/POS), com a passagem de cartões de microcircuito válidos e a identificação dos beneficiários respetivos, não são de considerar verificados os pressupostos de que o artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC faz depender a responsabilidade do proprietário do posto pela diferença de tributação para o gasóleo rodoviário.
O termo “devidamente” empregue pela norma em exegese, apela ao modo como se efetua o registo e não à sua temporalidade, i.e., ao momento em que o mesmo é efetuado (que teria subjacente um advérbio de tempo e não de modo), pelo que deve entender-se inaplicável uma interpretação, como a da Requerida , que daí extrapole que só o registo simultâneo ao do abastecimento possa ser considerado como “devidamente” realizado.
O entendimento da AT afigura-se desprovido de suporte legal e colocaria em causa, designadamente, as situações de força maior, como por exemplo, no caso de dificuldades técnicas de acesso à rede, e a possibilidade de realização da atividade nessas condições, sem que, contudo, tal se justificasse (no sentido de ser necessário) do ponto de vista da finalidade de controlo da fraude que se pretende tutelar, pelo que sempre se revelaria uma exigência desproporcionada (cf. artigo 18.º da Constituição). Na verdade, o benefício público que se pretende assegurar [controlo da fraude] não necessita de uma tal compressão ao direito de livre iniciativa económica previsto no artigo 61.º, n.º 1 da Constituição , como resultaria das limitações à comercialização do combustível verde, sempre que se verificassem problemas de acesso à rede e a impossibilidade de registo imediato no sistema eletrónico de controlo.
Nestes moldes, a interpretação preconizada conforma-se aos parâmetros constantes dos artigos 9.º do Código Civil e 11.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), com suporte no elemento gramatical, que não faz qualquer referência ao momento do registo, e na teleologia ou principal objetivo tutelado pela norma, que é o de prevenir a fraude. Na verdade, a norma pretende evitar o abastecimento de gasóleo colorido e marcado a pessoas que não sejam titulares do cartão eletrónico instituído para efeitos de controlo da afetação do produto aos destinos previstos no artigo 93.º, n.º 3 do Código dos IEC, condição que na situação concreta não se verifica, pois, como salienta a Decisão Arbitral n.º 23/2015-T, de 14 de julho de 2015, “[n]o caso dos autos, bem como em todos os casos em que os fornecimentos tenham sido registados no sistema informático de acordo com a realidade dos factos, embora não no momento do fornecimento, a finalidade do art. 93.º, n.º 5 do CIEC encontra-se conseguida.”
Em linha com a posição da Requerente, o registo das vendas e, como se verá de seguida, também a emissão de faturas com a identificação dos compradores, constituem requisitos ad probationem, meios probatórios que podem ser substituídos por outros, e não elementos essenciais à (ou condições de) atribuição do benefício de redução de taxa do gasóleo. Ad substantiam é a titularidade do cartão de microcircuito, sem a qual não pode realizar-se o abastecimento, e essa foi assegurada na situação vertente.
Interessa notar que o artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC não recorta uma norma autónoma de incidência que venha instituir um novo facto tributário gerador de tributação, nem uma norma sancionatória, que preveja e estatua uma sanção específica para o atraso no cumprimento da obrigação fiscal acessória (o registo das operações no sistema eletrónico de controlo). É, como melhor se verá adiante, uma norma que institui um caso de responsabilidade tributária que impõe, desde logo, a preexistência de uma obrigação tributária originária que não é por si definida.
A posição que se perfilha não ignora que o n.º 6 da Portaria n.º 361-A/2008 estabelece a obrigação de as vendas de gasóleo colorido e marcado serem “registadas nos terminais POS no momento em que ocorram”. No entanto, este é um instrumento de natureza regulamentar que cria uma obrigação tributária acessória e não prestativa.
Aliás, se se pretendesse mais do que isso, a norma seria inválida, por violação do princípio da legalidade, como afirmado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 176/2010, de 05.05 (ainda que a propósito de uma outra portaria, entretanto revogada), de que se retira o seguinte excerto:
“É inquestionável que o princípio da legalidade fiscal impõe que seja a lei, ou decreto-lei emitido ao abrigo de autorização legislativa, a criar os impostos e também a definir os seus elementos essenciais (artigo 165.º, n.º 1, alínea i), e n.º 2, da Constituição).
Expressando o entendimento seguido por este Tribunal a esse respeito, disse-se no Acórdão n.º 127/2004:
«O princípio da legalidade tributária, que a Constituição de 1976 vem afirmando em todas as suas versões, consta hoje do seu art.º 103.º, n.º 2.
Segundo este, «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes». O princípio tem duas dimensões jurídicas, ambas enfeudadas à sua matriz histórica de não tributação sem a autorização do Parlamento, enquanto representante do povo (princípio da auto-tributação): uma traduzida na regra constitucional de reserva de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei do Governo emitido a coberto de autorização do Parlamento a que tem de obedecer a criação dos impostos, constante atualmente do art.º 165º, n.º 1, alínea i), da CRP; outra, consubstanciada na exigência de conformação, por parte da lei, dos elementos modeladores do tipo tributário, abrangendo, assim, a incidência objetiva e subjetiva, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
É esta segunda dimensão que densifica os fundamentos axiológicos da nossa Constituição Fiscal e que se materializa nos princípios da universalidade, da igualdade tributária e da capacidade contributiva.
Ora, a prossecução de um tal desiderato ético-político demanda que a função de definição dos elementos de cuja operacionalidade jurídica emerge a obrigação tributária esteja reservada à lei.
Deste modo, o princípio da legalidade tributária, na sua aceção material ou substancial, postula a sujeição ao sub-princípio da tipicidade legal dos elementos de cujo concurso resulte a modelação dos tipos tributários ou dos impostos ou, dito de outro modo, dos elementos essenciais dos impostos, e que são, segundo os próprios termos adquiridos da ciência fiscal pela nossa Lei Fundamental, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.»”
O instituto da responsabilidade tributária, que a LGT regula nos seus artigos 22.º a 28.º, insere-se inequivocamente no domínio de conformação da incidência tributária e das garantias dos contribuintes, pelo que não prescinde de um ato legislativo, na aceção do artigo 112.º da Constituição.
Em síntese, o registo da venda do gasóleo colorido e marcado no sistema eletrónico de controlo, em momento posterior ao previsto na Portaria n.º 361-A/2008 [momento da venda], configura uma irregularidade passível de gerar responsabilidade contra-ordenacional, in casu a prevista no artigo 109.º, n.º 2, alínea p) do RGIT (ex vi artigo 93.º, n.º 6 do Código dos IEC), por infração das regras de comercialização. Todavia, não consubstancia um facto tributário autónomo de incidência de ISPPE (e, por inerência, de CSR), nem dá origem ao nascimento de responsabilidade tributária na esfera da Requerente, por não preencher as condições da hipótese normativa que prevê essa responsabilidade, de acordo com o artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC.
Tendo sido cabalmente demonstrado o registo, pela Requerente, das operações de abastecimento de gasóleo colorido e marcado aos seus clientes, no sistema eletrónico de controlo, enferma de erro nos pressupostos de facto e de direito a correção efetuada pela AT com fundamento na pretensa omissão desse registo, pelo que é, neste segmento, procedente o vício substantivo invocado pela Requerente, gerador de anulabilidade nos termos e para os efeitos do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”).
Não se coloca em crise a validade e aplicação do artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC, nomeadamente por inconstitucionalidade, sendo a solução alcançada pela interpretação da norma em referência.
B.3. Análise das correções: (ii) Omissão da obrigação de identificação dos adquirentes de gasóleo colorido e marcado nas faturas emitidas
É um facto incontestado que a Requerente emitiu faturas de venda de gasóleo colorido e marcado sem ter identificado o número de identificação fiscal do adquirente e titular do cartão de microcircuito. Não obstante, ficou de igual modo estabelecido que as vendas foram registadas no sistema de controlo e que os respetivos adquirentes eram titulares do referido cartão, i.e., com acesso ao benefício fiscal, pelo que não está em questão a realidade e regularidade desses fornecimentos.
A questão decidenda é, neste ponto, estritamente de direito e respeita a saber se, nestas circunstâncias concretas, é aplicável o regime de responsabilidade tributária introduzido pela LOE 2015, no artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC, “em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas com a identificação fiscal do titular de cartão”, ou, sendo-o, se este passa o teste da respetiva conformidade constitucional.
Segundo a Requerente, não se constata a vigência de uma norma legal que imponha, como requisito de aplicação do regime de isenção ou de desagravamento do gasóleo colorido e marcado, a emissão das faturas com a identificação fiscal dos titulares dos cartões. Os requisitos constitutivos deste benefício fiscal são aqueles de que a lei faz depender a atribuição do cartão de microcircuito – requisito ad substantiam – sujeito a um ato de reconhecimento (prévio) por parte da DGADR.
Na opinião da Requerente, o registo das operações no sistema eletrónico de controlo e a obrigação de emissão de faturas com a identificação fiscal do titular do cartão configuram elementos de controlo ou de verificação – requisitos ad probationem – e não requisitos materiais do benefício. Retira idêntica conclusão dos elementos histórico e sistemático, para o que apela para a sinopse da evolução do benefício que consta da Decisão Arbitral n.º 81/2013-T, de 05.12.2013, invocando que nunca foi alterada a essência constitutiva da atribuição do benefício, que se mantém “ainda que as formalidades previstas na lei não tenham sido cumpridas”.
As consequências da aludida prática – de não emissão de faturas com identificação fiscal dos adquirentes para alguns dos fornecimentos realizados pela Requerente – estão limitadas, na perspetiva desta, à eventual responsabilidade contraordenacional, nos termos do artigo 109.º, n.º 2, alínea p) do RGIT, não podendo estender os seus efeitos à aplicação de um regime de responsabilidade pelo pagamento da diferença imposto que seria devida pela aplicação do regime do gasóleo rodoviário, ao proprietário ou explorador do posto de abastecimento (ou seja, a Requerente), por força do disposto nos artigos 93.º, n.º 5 e 4.º, n.º 2, alínea h) do Código dos IEC. Isto porque ficou demonstrado o preenchimento dos pressupostos substantivos da isenção do gasóleo colorido e marcado, e, bem assim, que as formalidades incumpridas não comprometeram a monitorização e controlo das operações, que estão vertidas nos documentos e registos contabilísticos, no correspondente registo no terminal POS n.º ... (e, por conseguinte, no sistema oficial de controlo do benefícios), e nos ficheiros SAF-T comunicados à AT que, apesar de não identificarem os clientes, identificam os abastecimentos de gasóleo colorido faturados.
Convém, antes de mais, analisar o regime de responsabilidade que consta do artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC e que constitui um caso especial de responsabilidade por dívidas fiscais de outrem. A disciplina jurídica em apreço não contém a definição originária da obrigação fiscal na esfera do sujeito passivo no qual se manifesta a capacidade contributiva. É um regime de salvaguarda, que pretende assegurar, nas diversas manifestações que assume, designadamente as previstas nos artigos 22.º a 28.º da LGT , o pagamento efetivo de receitas que sejam devidas ao credor tributário. Como salienta LIMA GUERREIRO, a “responsabilidade especificamente fiscal é, na verdade, por dívidas de outrem e não por dívidas próprias” (cf. LGT Anotada, Editora Rei dos Livros, 2000, p.126) e, nas palavras de SALDANHA SANCHES, constitui “um regime cuja severidade coloca sérios problemas na aplicação do princípio da proporcionalidade nas relações entre Estado e contribuinte” (cf. Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 2007.
A este respeito, SÉRGIO VASQUES nota que “o responsável surge obrigado ao cumprimento da prestação tributária na medida em que o contribuinte direto não se mostra capaz de a satisfazer e porque o responsável, em virtude das suas funções, se encontra em posição de influenciar o seu comportamento ou na incumbência de o fiscalizar de algum modo. O responsável tributário, assim observa Pasquale Russo, mostrando-se estranho ao facto tributário e respondendo nesse exato sentido por dívida de outrem, garante com o seu património o cumprimento da prestação tributária na medida em que da sua atuação depende a declaração desse facto ou a preservação do património do contribuinte direto” (cf. Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, p. 349.
Uma vez contextualizado o problema no âmbito do mecanismo da responsabilidade tributária, que permite exigir a prestação tributária a outrem que não o sujeito passivo (originário) da relação jurídica tributária, por força de uma especial posição que detém ou ocupa relativamente aos factos tributários e/ou aos seus sujeitos, parece ser necessário que se verifique a existência da obrigação tributária originária, na base da qual surja a obrigação tributária [responsabilidade] derivada. Dito de outro modo, a responsabilidade tributária só deve operar se se constatar a condição de precedência do facto gerador da obrigação fiscal “originária”, tipificado, nos seus pressupostos objetivos e subjetivos, em ato legislativo.
Na situação submetida à apreciação deste tribunal, ficou demonstrado que apesar de a emissão das faturas não ter observado o requisito de identificação do adquirente, que, assinale-se, consubstancia um requisito inovador da LOE 2015, a comercialização do gasóleo colorido e marcado foi efetuada com observância das condições legalmente estabelecidas para aplicação do regime de desagravamento fiscal: a venda a titulares do cartão de microcircuito, que foram devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo.
Deste modo, não se pode presumir no caso concreto que a irregularidade formal praticada na emissão da fatura (omissão de identificação do adquirente) comprometeu a isenção parcial de que o gasóleo colorido e marcado beneficia, cuja quebra [da isenção] está subjacente ao regime de responsabilidade do artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC.
Com efeito, entende-se não ser aplicável tal regime de responsabilidade porque, apesar da irregularidade, foi demonstrada a inexistência de fraude e a manutenção integral dos pressupostos substantivos da norma de isenção – as vendas terem sido feitas a adquirentes beneficiários, titulares do cartão de microcircuito, devidamente registadas –, com a consequente inexistência da obrigação tributária originária que possa alicerçar a responsabilidade como mecanismo de salvaguarda dos interesses do credor tributário.
Em conclusão, considera este Tribunal Arbitral, que os requisitos implícitos e necessários do regime de responsabilidade tributária previsto na parte final do artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC não estão preenchidos, por inexistência da obrigação tributária originária que teria de estar subjacente ou poder ser presumida, padecendo a correção feita pela AT neste âmbito de erro de direito, com a consequente anulabilidade do ato tributário na parte correspondente.
Não se suscitam, na interpretação sufragada do citado artigo 93.º, n.º 5, as questões de inconstitucionalidade invocadas pela Requerente em sede de alegações, pelo que a apreciação destas resulta prejudicada pela solução jurídica aplicada.
B.4. Análise das correções: (iii) Venda de gasóleo colorido e marcado a não beneficiários / não titulares do cartão de microcircuito
Quanto ao gasóleo colorido e marcado vendido pela Requerente a entidades que não eram titulares do cartão de microcircuito obrigatório, esta não apresentou qualquer justificação atendível que permitisse qualificar tais vendas como tendo sido realizadas a outras entidades.
Aliás, no caso da faturação emitida em nome da própria Requerente, nem sequer se pode falar de venda, mas sim de autoconsumo, por falta da bilateralidade subjetiva indispensável à caraterização do contrato de compra e venda.
Constituindo a titularidade do cartão de microcircuito uma condição substantiva de aplicação do regime fiscal do gasóleo colorido e marcado, a comercialização / afetação deste combustível a entidades que não sejam detentoras daquele cartão e beneficiárias do regime viola o disposto nos artigos 93.º, n.º 5 do Código dos IEC, pelo que a correção efetuada pela AT é, nesta matéria devida e válida, improcedendo os vícios que lhe foram apontados pela Requerente.
* * *
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, como as que se referem à inconstitucionalidade de uma dada interpretação do artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC.
IV – DECISÃO
Termos em que os árbitros deste Tribunal Arbitral acordam em:
(a) Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral de anulação do ato tributário n.º 2018/..., supra identificado, abrangendo ISPPA, CSR e juros compensatórios, relativamente às correções fundadas na alegada falta de registo das vendas de gasóleo colorido e marcado no sistema eletrónico de controlo (273.033,88 litros) e na omissão da identificação dos titulares do cartão eletrónico nas faturas emitidas (227.339,75 litros);
(b) Julgar improcedente o pedido na parte remanescente, que se refere à venda de gasóleo colorido e marcado a não detentores do cartão eletrónico de microcircuito (6.276,41 litros).
V – Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 168.547,04 (cento e sessenta e oito mil quinhentos e quarenta e sete euros e quatro cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI – Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.672,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar na proporção do respetivo decaimento, € 3.626,00, a cargo da Requerida, e € 46,00, a cargo da Requerente.
Lisboa, 7 de março de 2019
A Árbitro Presidente
(Alexandra Coelho Martins)
O Árbitro Auxiliar
(Luis M. S. Oliveira)
A Árbitro Auxiliar
(Raquel Franco)