DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Pedro Miguel Bastos Rosado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:
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Relatório
1. A..., com o número de identificação fiscal..., residente em..., ..., ..., ..., Estados Unidos da América, doravante designado por Requerente, apresentou, em 23 de abril de 2018, pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2016, com o n.º 2017..., no valor de € 10.941,19 (dez mil novecentos e quarenta e um euro e dezanove cêntimos), bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, sendo Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante designada por Requerida ou AT.
2. A pretensão do objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste na declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto tributário de liquidação de IRS referido em 1. (objecto mediato) e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada (objecto imediato), por vícios de falta de fundamentação e violação de lei, por erro nos pressupostos de direito.
3. Pede, ainda, a Requerente a restituição do imposto pago indevidamente acrescido dos juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral da quantia devida calculada sobre o montante pago indevidamente.
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 24 de abril de 2018, e posteriormente notificado à AT.
5. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou, em 29 de maio de 2018, o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo.
6. Em 14 de junho de 2018, as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo arguido qualquer impedimento.
7. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 4 de julho de 2018.
8. Para fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
8.1 Que auferiu rendimentos prediais de imóveis arrendados sitos em território português no ano fiscal de 2016;
8.2 Que tem perdas a reportar dos anos 2012 e 2015 e que as mesmas devem ser deduzidas no ano fiscal de 2016;
8.3. Que a AT não considerou a opção pelo englobamento da totalidade dos rendimentos prediais (categoria F) de IRS conforme declarado no anexo F do Modelo 3 de IRS do ano fiscal de 2016;
8.4 Que a AT desconsiderou o reporte de perdas apuradas nos anos de 2012 e 2015 na liquidação de IRS de 2016;
8.5. Que o acto de liquidação impugnado, tal como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ela apresentada, violam os princípios da tributação do rendimento efetivo e da legalidade tributária, constantes do artigo 103.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e o disposto no n.º 2 do artigo 8.º, da CRP, por violação do artigo 26.º, da Convenção para Evitar a Dupla Tributação Internacional entre Portugal e os Estados Unidos da América (CDT);
8.6 Que o acto de liquidação impugnado, tal como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ela apresentada, padecem do vício de violação de lei, por violação das normas constantes dos artigos 22.º, n.º 1 e n.º 3, alínea a), 55.º, n.ºs 1 e 2 e 72.º, n.ºs 8 e 9, todos do Código do IRS e do artigo 8.º da Lei Geral Tributária (LGT);
8.7 Que tais actos devem ainda ser anulados por assentarem em erro de direito e de facto imputável à AT;
8.8 Que tais actos são ainda ilegais por carecerem de fundamentação;
8.9. Termina a Requerente alegando que deve a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa e a liquidação de IRS serem declaradas ilegais e anuladas, formulando pedido de reembolso do imposto pago indevidamente, bem como de pagamento de juros indemnizatórios.
9. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta e remeteu o “processo administrativo” (adiante designado apenas por PA).
10. Na sua resposta, a AT invocou, em síntese, o seguinte:
10.1 - Que os argumentos arvorados pela Requerente “desvirtuam (…) os princípios estruturantes do IRS” e que a Requerente “obnubila também normas essenciais para a correcta aplicação do direito à presente contenda” (vide artºs 17º e 18º da Resposta);
10.2 - Que no que se refere aos rendimentos prediais dos não residentes “determina, e determinava, a alínea a) do n.º 3 do art.º 22.º do CIRS que não ocorra o englobamento, antes se prevendo uma tributação por via da aplicação de taxas com carácter especial ou liberatório, nomeadamente naquilo que vem previsto nos art.º 72.º do CIRS.” (artº 22º da Resposta);
10.3 - Que à data dos factos os rendimentos predais auferidos por não residentes eram tributados nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 72.º do CIRS à taxa de 28%.
10.4 - Que a operação de dedução de perdas é um processo prévio, anterior e condicionado pela possibilidade de englobamento;
10.5 - Que a lei impossibilita os não residentes de englobarem os rendimentos prediais obtidos por si em território nacional;
10.6 - Que, por maioria de razão, aquela operação prévia (dedução de perdas) não é passível ser realizada, porquanto a mesma sempre estaria condicionada ao prévio englobamento dos rendimentos (só possível para os residentes);
10.7 - Que não sendo possível o englobamento, é proibida a subsunção do regime do art.º 55.º do CIRS à factualidade dos autos.
10.8 - Que o art.º 55.º do CIRS “não pode ser interpretado de outra forma que não seja no sentido de que só nos casos em que a base de imposto é determinada mediante o englobamento dos rendimentos, poderá ser efectuada a dedução de perdas, apuradas em anos anteriores.” (artº 39º da Resposta).
10.9. Que o pedido deve ser julgado improcedente, não havendo lugar ao pagamento de quaisquer juros indemnizatórios.
11. Por despacho de 20 de outubro de 2018 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinou-se que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas.
12. No mesmo despacho de 20 de outubro de 2018, foi indicado o dia 17 de dezembro de 2018 como data limite para prolação da decisão arbitral.
13. As Partes apresentaram alegações escritas, nas quais reiteraram as posições assumidas nas peças processuais iniciais.
14. Por despacho de 17 de dezembro de 2018 foi indicado que a decisão arbitral seria emitida e notificada às partes até ao termo do prazo fixado no nº 1 do artº 21º do RJAT (4 de janeiro de 2019).
15. Por despacho de 4 de janeiro de 2019, o Tribunal decidiu prorrogar o prazo para a prolação da decisão arbitral por um período de dois meses, indicando que a decisão arbitral seria emitida e notificada às partes até 4 de março de 2019.
II. Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
O pedido de constituição do tribunal arbitral é tempestivo.
III. Matéria de facto
1. Factos provados
Dão-se como provados os seguintes factos com potencial relevo para a decisão:
A) No ano de 2016, a Requerente tinha residência fiscal nos Estados Unidos da América, estando devidamente enquadrada como não residente fiscal em Portugal.
B) Em 22 de maio de 2017, a Requerente, na qualidade de não residente, submeteu via internet a declaração Modelo 3 de IRS, relativa aos rendimentos do ano de 2016 (...), composta pelo anexo “F”, onde foram declarados rendimentos provenientes de rendas no valor de Euro 53.717,46, sobre os quais foram efectuadas retenções na fonte no valor de Euro 1.458,77, despesas de conservação e manutenção no valor de Euro 6.610,67 e Imposto Municipal sobre Imóveis no montante de Euro 2.821,20 (Cfr. documentos nºs. 1 e 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujo teores se dão como reproduzidos);
C) Na referida declaração modelo 3 de IRS, a Requerente declarou no campo 06 do quadro 7B do respectivo anexo “F” que pretendia optar pelo englobamento dos rendimentos indicados no campo 4, no valor de Euro 53.717,46, (Cfr. documento nºs. 1 e 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujo teores se dão como reproduzidos);
D) Em 20 de junho de 2017, foi efectuada pela AT a liquidação de IRS, do ano de 2016, n.º 2017..., com o valor a pagar de Euro 10.941,19, a qual foi notificada à Requerente (Cfr. documentos nºs. 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujo teores se dão como reproduzidos);
E) Não tendo sido paga a importância liquidada até 31 de agosto de 2017, foi pela AT instaurado, em 21 de Setembro de 2017, o processo de execução nº ...2017... (Cfr. documento nº. 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujo teores se dão como reproduzidos);
F) Em 24 de outubro de 2017, a Requerente procedeu ao pagamento da quantia exequenda, o que originou a extinção do processo de execução e o inerente pagamento integral do montante da liquidação de IRS, do ano de 2016, n.º 2017... (Cfr. documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujo teores se dão como reproduzidos);
G) Relativamente aos anos de 2011 e 2013 e 2015, a Requerente apresentou pedidos de pronúncia arbitral a solicitar a declaração de ilegalidade das liquidações de IRS entregues quanto a esses exercícios, que desconsideravam igualmente a dedução de perdas de anos anteriores aos rendimentos prediais auferidos;
H) Pedidos esses que originaram as Decisões Arbitrais sobre o Processo n.º 96/2015-T (anos de 2011 e 2013) e sobre o Processo n.º 399/2017-T (ano de 2015), que vieram deferir as pretensões da ora Requerente quanto à aceitação do reporte de perdas e, por conseguinte, declarar ilegais as liquidações de IRS quanto aos exercícios de 2011 e 2013 e 2015.
I) Em 13 de dezembro de 2017, a Requerente deduziu junto da AT, via internet, reclamação graciosa contra o acto de liquidação de IRS de 2016 nº 2017..., que veio a corresponder ao procedimento de reclamação graciosa nº. ...2017... (Cfr. documentos nºs. 1 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);
J) Através do Ofício nº ... de 2018-02-02 da AT, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa nº. ...2017... (Cfr. documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
II – ALEGAÇÕES DA RECLAMANTE
Decorre o alegado na petição que o sujeito passivo discorda da liquidação contestada, invocando que na mesma não foi considerada a opção pelo englobamento da totalidade dos rendimentos da categoria F, conforme declarado no campo 7 B do anexo “F”, para efeitos de reporte das perdas apuradas nos anos de 2012 e 2015, ao resultado liquido positivo, apurado por prédio, no ano de 2016.
Acresce que relativamente a questão semelhante, o Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) já se pronunciou favoravelmente, quanto aos anos de 2011 e 2013, no processo como nº 96/2015-T, cuja impugnação foi apresentada na sequência dos despachos de indeferimento proferidos nos processos de reclamação graciosa e recurso hierárquico apresentados relativamente aos referidos anos, tendo sido apresentado idêntico processo, relativamente à liquidação do ano de 2015, o qual se encontra a aguardar a decisão do CAAD.
Solicita, assim, que seja corrigida a liquidação ora contestada, referente ao ano de 2016, e processada nova liquidação onde se tenha em consideração a opção pelo englobamento e a dedução das perdas no valor global de 8.012,14 €, sendo o valor de 7.829,44 € respeitante a perdas apuradas no ano de 2012 e de 182,70 € no ano de 2015, com o consequente reembolso no valor de 2.243,40 €.
III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS
Em 22-05-2017, o sujeito passivo, ora reclamante, na qualidade de não residente, submeteu via internet a declaração Modelo 3 de IRS, relativa aos rendimentos do ano de 2016, ..., composta pelo anexo “F”, onde foram declarados rendimentos provenientes de rendas no valor de 53.717,46 €, sobre os quais foram efectuadas retenções na fonte no valor de 1.458,77 €, despesas de conservação e manutenção no valor de 6.610,67 € e Imposto Municipal sobre Imóveis no montante de 2.821,20 €.
Na referida declaração, o sujeito passivo declarou no campo 06 do quadro 7B do respectivo anexo “F” que pretendia optar pelo englobamento dos rendimentos indicados no campo 4, no valor de 53.717, 46 €, cfr fls 8 dos autos.
Em 20-06-2017, foi efectuada a liquidação ora reclamada, a qual não tendo sido paga dentro do prazo de cobrança voluntária, deu origem à instauração do processo de execução nº ...2017..., em 21-09-2017, o qual se encontra extinto por pagamento voluntário em 24-10-2017, cfr fls 4 do presente procedimento.
Da consulta do sistema informático, nomeadamente, a conta corrente – Perdas Categoria F, apura-se que o saldo das perdas por deduzir, respeita a 2012 e 2014, sendo o valor de 24.949,60 € e 317,24 €, respectivamente, cfr fls 11 dos presentes autos.
IV – APRECIAÇÃO DO PEDIDO
A reclamante e o respetivo representante fiscal dispõem de legitimidade para o acto, nos termos do artigo 9º do CPPT e artigos 19º, nº 6 e 65º da Lei Geral Tributária (LGT), o meio de recção utilizado é o próprio, nos termos do artigo 68º e 99º do CPPT e a presente acção afigura-se tempestiva, nos termos do nº 1 do artigo 70º do CPPT, porquanto foi apresentada em 13-12-2017, dentro o prazo de 120 dias contados do termo do prazo para pagamento voluntário que ocorreu em 31-08-2017.
Na presente data, não há conhecimento de que tenha sido apresentada qualquer impugnação judicial sobre a matéria em análise.
No caso em apreço, a reclamante pretende que seja considerada a opção pelo englobamento dos rendimentos da categoria “F”, de acordo com o indicado na declaração, a qual foi apresentada na qualidade de não residente, e dedução das perdas no valor global de 8.012,14 €, sendo o valor de 7.829,44 € respeitante ao reporte de perdas do ano de 2012 e de 182,70 € do ano de 2015.
No que respeita à tributação de pessoas singulares não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos auferidos em território português, cfr previsto no nº 2 do artigo 15º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), resultando da alínea a) do nº 3 do artigo 22º do CIRS a impossibilidade de englobamento dos rendimentos por eles auferidos.
Não existindo englobamento, os rendimentos prediais obtidos pela reclamante, na qualidade de não residente em território nacional ou noutro Estado da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, no ano de 2016, são tributados à taxa especial de 28%, de acordo com o disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 72º do CIRS.
Da análise à liquidação em causa nos presentes autos verifica-se que ao montante global dos rendimentos prediais obtidos, no montante de 53.717,46 €, subtraiu-se o total dos gastos suportados e pagos, previsto no artigo 41º do CIRS, no valor de 9.431,87 €, donde resultou o rendimento tributável líquido no valor de 44.285,59 €.
Verificando-se que as perdas da categoria F geradas em 2012 e 2014, constantes do sistema informático, são anteriores a 1 de janeiro de 2015, nos termos do nº 1 do artigo 55º do CIRS, na redacção anterior à Lei nº 82-E/2014, de 21 de dezembro, só nos casos em que a base do imposto é determinada mediante o englobamento de todos os rendimentos, poderá ser dedutível ao conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação, o resultado negativo apurado em qualquer categoria de rendimentos, sendo que o resultado liquido negativo apurado na categoria F só pode ser dedutível na mesma categoria, podendo ser reportado aos cinco anos seguintes àquele a que respeita, cfr nº 2 do referido artigo.
Assim, não sendo concedida a possibilidade de englobamento a sujeitos passivos não residentes, ou seja, não entrando o rendimento da categoria F no cálculo total dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação, não é aplicável o mecanismo da dedução de perdas previsto no artigo 55º do CIRS.
Quanto à decisão do Tribunal Arbitral a que a reclamante faz alusão, a mesma tem efeitos apenas nos termos concretos da sua decisão, não se aplicando a outras situações, nomeadamente, a liquidação em causa dos presentes autos.
V – PROPOSTA DE DECISÃO
Face ao exposto, conclui-se que o presente pedido não pode proceder, propondo-se o Indeferimento, concedendo à reclamante o respectivo direito de audição.
VI – INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR – AUDIÇÃO PRÉVIA
Realizada a instrução do processo, foi elaborada informação e efectuado o correspondente projecto de decisão, em 04-01-2018, no sentido do indeferimento, tendo sido dado conhecimento ao mandatário da reclamante através do ofício nº..., datado de 05-01-2018, acompanhado de fotocópia da citada informação.
A notificação foi efectuada mediante carta registada na mesma data, conforme registo a fls 24, para efeito do direito de audição prévia previsto no artigo 60º da Lei Geral Tributária, sendo-lhes concedido o prazo de 15 dias para o exercício desse direito que se encontra previsto no nº 6 do mesmo artigo.
Uma vez que, até à presente data, não veio o sujeito passivo exercer essa prerrogativa e que, já decorreu o prazo para esse efeito, deverá ser confirmado o projecto de decisão no qual é proposto o indeferimento da petição e, notificar-se o interessado do direito a recorrer ou a impugnar judicialmente da decisão, nos termos dos artigos 66º e 99º do CPPT.
Face ao exposto, sou do parecer que deverá ser mantida a decisão de indeferimento, convertendo-se em definitivo o projecto de decisão.
À consideração superior.
L) Em 23 de abril de 2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
M) A Requerente dispõe de um reporte de perdas da categoria F do IRS no valor global de 8.012,14 Euro, sendo o valor de 7.829,44 Euro respeitante ao ano de 2012 e de 182,70 Euro respeitante ao ano de 2015.
2. Fundamentação da matéria de facto dada como provada
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, cuja autenticidade não foi colocada em causa.
Relativamente ao reporte das perdas da categoria F do IRS, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona o que é afirmado pela Requerente relativamente aos montantes das perdas a reportar.
E na decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa nº ...2017... (Cfr. documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral) é referido o seguinte:
“Da consulta do sistema informático, nomeadamente, a conta corrente – Perdas Categoria F, apura-se que o saldo das perdas por deduzir, respeita a 2012 e 2014, sendo o valor de 24.949,60 € e 317,24 €, respectivamente, cfr fls 11 dos presentes autos”.
“Acresce que relativamente a questão semelhante, o Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) já se pronunciou favoravelmente, quanto aos anos de 2011 e 2013, no processo como nº 96/2015-T, cuja impugnação foi apresentada na sequência dos despachos de indeferimento proferidos nos processos de reclamação graciosa e recurso hierárquico apresentados relativamente aos referidos anos, tendo sido apresentado idêntico processo, relativamente à liquidação do ano de 2015, o qual se encontra a aguardar a decisão do CAAD”.
“Verificando-se que as perdas da categoria F geradas em 2012 e 2014, constantes do sistema informático, são anteriores a 1 de janeiro de 2015, nos termos do nº 1 do artigo 55º do CIRS, na redacção anterior à Lei nº 82-E/2014, de 21 de dezembro, só nos casos em que a base do imposto é determinada mediante o englobamento de todos os rendimentos, poderá ser dedutível ao conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação, o resultado negativo apurado em qualquer categoria de rendimentos, sendo que o resultado liquido negativo apurado na categoria F só pode ser dedutível na mesma categoria, podendo ser reportado aos cinco anos seguintes àquele a que respeita, cfr nº 2 do referido artigo.”
É pois manifesto que aquando da decisão sobre o procedimento de reclamação graciosa não foram consideradas perdas relativamente à liquidação do ano de 2015, desde logo porque ainda não havia sido proferida a Decisão arbitral sobre o Processo n.º 399/2017-T, relativa ao ano de 2015, no âmbito da qual veio a ser aceite a dedução de perdas dos anos anteriores e, consequentemente, provocou uma alteração na conta corrente – Perdas Categoria F e respectivo novo saldo das perdas por deduzir.
3. Factos não provados
Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
IV. Matéria de Direito
1. Ordem de conhecimento dos vícios
De harmonia com o disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, não sendo imputados aos actos impugnados vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade, nem indicada uma relação de subsidiariedade, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a, que segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz à tutela dos interesses ofendidos.
Na apreciação dos vícios imputados ao acto cuja declaração de ilegalidade é pedida deverá começar-se pelos «vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos» [artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT], já que «a arbitragem tributária visa reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» (artigo 124.º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).
Por isso, não se apreciarão prioritariamente o vício de falta de fundamentação invocado pela Requerente, que tem natureza meramente formal e cuja procedência não afasta a possibilidade de renovação do acto com o mesmo conteúdo, começando-se por apreciar vício de violação de lei, cuja procedência impede a renovação do acto de liquidação.
Afigurando-se que, da procedência do vício de violação de lei, por erro na aplicação do direito relativo à tributação dos rendimentos prediais auferidos pela Requerente, no ano de 2016, resultará uma eficaz tutela dos interesses ofendidos, passaremos à sua apreciação.
2. Apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral
As duas questões fundamentais consistem em saber se, no caso em análise: I) seria admissível o englobamento de rendimentos prediais auferidos, no ano de 2016, por não residentes em território nacional; e II) ainda que não sendo admissível o englobamento dos referidos rendimentos, se seria possível a dedução de perdas da categoria F, apuradas em anos anteriores.
A AT entende que a lei não só não permite aos não residentes o englobamento, como a operação prévia (dedução de perdas) não é igualmente passível ser realizada porquanto a mesma sempre estaria condicionada ao prévio englobamento dos rendimentos (só possível para os residentes).
Na sua Resposta, a AT dá conta da existência de jurisprudência firmada do CAAD relativamente à matéria em apreço, “todavia não a acompanha” (vide artº. 62º da Resposta).
Refere-se a AT às Decisões Arbitrais sobre o Processo n.º 96/2015-T (relativamente anos de 2011 e 2013) e sobre o Processo n.º 399/2017-T (relativamente ano de 2015).
Desde já se diga que as Decisões Arbitrais em causa, cujos fundamentos e sentido desde já afirmamos concordar, não deixaram de responder à primeira das questões – possibilidade ou não de englobamento de rendimentos prediais auferidos por não residentes em território nacional – em sentido favorável à posição defendida pela AT.
Vejamos:
2.1. Da possibilidade de englobamento dos rendimentos prediais auferidos por não residentes em território nacional.
Dispõe o n.º 2 do artigo 15.º, do Código do IRS que “tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”, desta forma concretizando o princípio da territorialidade ou da fonte dos rendimentos versus o princípio do “worldwide income” aplicável aos residentes em território português.
Quanto aos rendimentos auferidos por residentes está prevista a opção da sua tributação através do englobamento.
O englobamento consiste, desde logo, na operação pela qual se apura a totalidade dos rendimentos das diversas categorias de IRS, com vista ao apuramento do rendimento líquido, depois de efectuadas as deduções e abatimentos previstos nas secções seguintes ao artigo 22.º do Código do IRS.
E é sobre este rendimento líquido que irão incidir, no caso dos residentes em território nacional, as taxas gerais e progressivas.
Diversamente, no que concerne aos rendimentos auferidos em território português por não residentes, determinava a alínea a) do n.º 3, do artigo 22.º do Código do IRS, que não pode ocorrer o englobamento destes rendimentos.
Artigo 22º
Englobamento
Nº 3 - Não são englobados para efeitos da sua tributação:
a) Os rendimentos auferidos por sujeitos passivos não residentes em território português, sem prejuízo do disposto nos n.os 8 e 9 do artigo 72.º.
Dispõe ainda a alínea e) do nº 1 e o nº 8 do artº 72º do CIRS o seguinte:
Artigo 72.º
Taxas especiais
1 - São tributados à taxa autónoma de 28 %:
e) Os rendimentos prediais.
8 - Os rendimentos previstos nas alíneas c) a e) do n.º 1, no n.º 5 e no n.º 6 podem ser englobados por opção dos respetivos titulares residentes em território português.
Por conseguinte, está prevista a tributação dos rendimentos prediais auferidos por não residentes por via da aplicação de uma taxa especial proporcional de 28%.
Esta taxa especial não assume carácter liberatório, pressupondo obrigações declarativas a cumprir pelos não residentes que aufiram esta categoria de rendimentos.
Nesta questão, como já se referiu, acolhe-se na presente Decisão a doutrina vertida sobre esta matéria nas Decisões Arbitrais acima referidas.
‘O Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, veio introduzir um novo modelo de tributação do rendimento das pessoas singulares, em obediência ao imperativo constitucional de que “O imposto sobre o rendimento pessoal visará a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar”, estabelecido no n.º 1 do artigo 104.º da CRP.’
‘Foi neste âmbito que a determinação do rendimento coletável passou a ser feita através do englobamento, ou seja, pelo somatório dos rendimentos líquidos das diversas categorias de rendimentos (com algumas exceções), após efetuadas as deduções específicas de cada uma dessas categorias, bem como a dedução de algumas perdas, encontrando-se, assim, o rendimento global líquido.’
‘Para a justificação da criação da figura do englobamento, dispõe o ponto 3 do Preâmbulo do Código do IRS que “só a perspetiva unitária permite a distribuição da carga fiscal segundo um esquema racional de progressividade, em consonância com a capacidade contributiva”.
´Compreensivelmente, esta perspetiva unitária da tributação do rendimento pessoal só teria aplicação aos sujeitos passivos residentes em território nacional, porquanto os não residentes apenas seriam tributados pelos rendimentos obtidos neste território, sujeitos a taxas liberatórias ou taxas especiais, de natureza proporcional e sem possibilidade de englobamento.’
´Efetivamente, o englobamento tem por fundamental objetivo a tributação do rendimento global dos sujeitos passivos residentes em território nacional, por aplicação de taxas progressivas, tendo em vista a concretização do princípio da capacidade contributiva na tributação do rendimento pessoal.’
‘(…) dispõem os preceitos normativos relevantes do Código do IRS (cfr. n.º 2 do artigo 22.º e n.º 5 do artigo 72.º), na sua redação em vigor à data em causa (2016), que os rendimentos prediais auferidos por sujeitos passivos não residentes em território nacional relativos a imóveis nele situados são tributados à taxa especial de 28%, sem possibilidade de englobamento.’
A Requerente invoca também o princípio da não discriminação consagrado no artigo 26.º da CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América para fundamentar a sua pretensão.
Aderindo ao constante das referidas Decisões Arbitrais, cumpre referir que:
‘O princípio da não discriminação é corolário geral do princípio da igualdade, no que respeita ao critério da nacionalidade.’
‘Efetivamente a própria CDT dispõe, no seu artigo 26.º, que o elemento objetivo do preceito é impedir que estrangeiros (não nacionais de um dos Estados) fiquem sujeitos, num dado Estado, a qualquer tributação ou obrigação correspondente diferente ou mais gravosa do que aquelas a que estiverem sujeitos, ou poderem estar sujeitos, os nacionais desse Estado que se encontrem na mesma situação.’
‘Caindo, por conseguinte, a tónica do princípio da não discriminação na sua fundação na nacionalidade de um dado contribuinte, em vez de na sua residência fiscal, que é considerada critério legítimo de tratamento fiscal diferenciado.’
‘Invoca ainda a Requerente a decisão proferida no processo arbitral n.º 127/2012-T.’
‘Contudo, a questão aí decidida reporta-se à “tributação de mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, realizadas por sujeito passivo residente noutro Estado membro da União Europeia”, situação que não é, manifestamente, nem objetiva nem subjetivamente equiparável à dos presentes autos.’
Pelo exposto, temos igualmente que concluir que a liquidação em crise não viola o princípio da não discriminação previsto na CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América, e, consequentemente, não enferma de inconstitucionalidade por violação do artigo 8.º da CRP, que estabelece o primado do direito internacional sobre a ordem interna, sendo aplicáveis à situação concreta da Requerente as normas constantes no Código do IRS atrás referidas.
Não sendo possível o englobamento na situação em apreço, não deixa de ser curiosa a posição da Requerente. Se por um lado insiste na possibilidade de poder optar pelo englobamento, por outro lado acaba por solicitar o reembolso da quantia paga em excesso sem atender às consequências do próprio englobamento.
É que os rendimentos de prediais, quando tributados autonomamente, são-no com base, como se referiu acima, numa taxa especial de 28%. Já em caso de englobamento (o que só se afigura possível para os residentes em território nacional), os rendimentos prediais ficam sujeitos às taxas gerais e progressivas do artº 68º do CIRS.
Por isso, a opção pelo englobamento dos rendimentos prediais (quando existe) deverá ser bem ponderada, uma vez que as taxas gerais e progressivas do artº 68º do CIRS poderão levar a uma coleta total de IRS superior.
Ora, se bem atentarmos no rendimento colectável constante da nota de demonstração de liquidação IRS, e mesmo depois de consideradas as perdas dos anos anteriores invocadas pela Requerente, caso fosse possível e aceite a opção pelo englobamento, parece-nos manifesto que da aplicação das taxas média e taxa normal (colunas A e B) do artº 68º do CIRS resultaria uma colecta total superior à que resulta da aplicação da taxa especial de 28% do artº 72º do CIRS.
Por conseguinte, a pretensão da Requerente para que seja considerado o englobamento só se compreenderia se o englobamento fosse condição necessária, como é o entendimento da AT, para serem aceites as deduções de perdas, o que, como já antecipámos acima, não é essa a posição do Tribunal.
Assim, a posição deste Tribunal é que, pese embora a obrigação declarativa que impende sobre os sujeitos passivos não residentes que obtenham rendimentos prediais (categoria F) em Portugal, não é possível o englobamento de tais rendimentos auferidos por um residente fiscal nos Estados Unidos da América, como é o caso da Requerente no ano de 2016.
2.2. Da possibilidade de dedução das perdas da categoria F, apuradas em anos anteriores, ainda que não seja admissível o englobamento dos rendimentos prediais auferidos por não residentes em território nacional.
Defende a Requerida que, não sendo possível o englobamento dos rendimentos prediais auferidos por não residentes, daí, “(…) resulta inexoravelmente que a operação de deduções, mormente a dedução de perdas para o que ora nos interessa (que não é uma dedução especifica da Cat. F), e abatimento é um processo prévio, anterior e condicionado pela possibilidade de englobamento”.
“Concluindo-se que pela falta de previsão normativa que impossibilita os não residentes de englobarem os rendimentos obtidos por si obtidos em território nacional - in casu, os rendimentos da Cat. F (prediais) -, por maioria de razão, aquela operação prévia (dedução de perdas) não é passível de ser realizada, porquanto a mesma sempre estaria condicionada ao prévio englobamento dos rendimentos (só possível para os residentes.)”.
Vejamos esta questão:
Dispõe o nº 1 alínea b) e o nº 8 do artº 55º do CIRS o seguinte (redacção da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro):
Artigo 55.º
Dedução de perdas
1 - Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos seguintes termos:
b) O resultado líquido negativo apurado em determinado ano na categoria F só pode ser reportado aos seis anos seguintes àquele a que respeita;
8 - O direito ao reporte do resultado líquido negativo previsto na alínea b) do n.º 1 fica sem efeito quando os prédios a que os gastos digam respeito não gerem rendimentos da categoria F em pelo menos 36 meses, seguidos ou interpolados, dos cinco anos subsequentes àquele em que os gastos foram incorridos.
Citando a Decisão Arbitral n.º 96/2015-T quanto a esta questão, é ponto assente que “o legislador histórico do IRS (…) não pretendeu a tributação de todo e qualquer acréscimo, mas tão só do acréscimo líquido”.
Contudo, e ainda seguindo a linha de pensamento propugnada por esta Decisão, ‘a determinação dos rendimentos líquidos não se satisfaz apenas com a contemplação de deduções específicas a cada categoria de rendimentos (assumindo relevância, no caso presente, a referência ao artigo 41.º do Código do IRS que refere a possibilidade de deduções específicas aos rendimentos prediais em cada ano).’
‘Uma vez que os encargos suportados com a obtenção do rendimento de um dado ano podem ser superiores ao próprio rendimento desse mesmo ano.’
‘Neste sentido, surge a necessidade de, sob pena de, com a tributação, se atingir a fonte produtora do rendimento, ser ainda permitida a dedução de perdas de anos anteriores que, afinal, “mais não são do que o excesso sobre a dedução específica a considerar no ano em que os encargos são suportados” (cfr. Decisões Arbitrais acima referidas).
‘Ora, tendo em conta que as perdas a reportar mais não são do que a acumulação de deduções específicas que, em cada ano, apenas podem ser abatidas à matéria tributável desse mesmo ano, até à sua concorrência, podendo ser abatidas à matéria tributável positiva de anos posteriores, dentro do limite temporal legalmente estabelecido, não se vê como o referido princípio da tributação dos rendimentos líquidos possa ser satisfeito sem que sejam tidas em consideração as perdas a reportar de anos anteriores.’
Sendo que, tal como defendido pela Requerente, não existe norma que exclua a possibilidade de dedução de perdas por parte de sujeitos passivos não residentes.
‘Atendendo aos argumentos da Requerida, se é certo que o englobamento opera numa fase posterior à da subtração das “deduções e abatimentos previstos nas secções seguintes” (cfr. n.º 1 do artigo 22.º, do Código do IRS), daí não se seguirá, necessariamente, que, caso não seja possível o englobamento, deixe de ser possível beneficiar destas deduções.’
Efectivamente, a única excepção deste tipo é a que se refere à dedução de perdas da categoria G (relativas a certas mais-valias mobiliárias), por residentes em território nacional, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 55.º do CIRS, na redacção em vigor no ano em análise (2016), segundo a qual “O saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações previstas nas alíneas b), c), e), f), g) e h) do n.º 1 do artigo 10.º, pode ser reportado para os cinco anos seguintes quando o sujeito passivo opte pelo englobamento.” (sublinhado nosso).
‘Contrariando a posição transmitida pela AT sobre a possibilidade de dedução de perdas sem prévio englobamento, já a doutrina se pronunciou a propósito da tributação dos rendimentos da categoria F auferidos por residentes, por taxas proporcionais (embora estes possam optar pelo englobamento), instituída pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (artigo 72.º, n.º 7, do Código do IRS). Permitimo-nos citar Rui Duarte Morais, que afirma “Note-se que, estando em causa uma taxa especial (e não de uma taxa liberatória), esta se aplica a rendimentos determinados nos termos gerais, ou seja, a rendimentos líquidos, o mesmo é dizer que o sujeito passivo continua a ser admitido a fazer as eduções específicas que a lei prevê. Como manterá, também, o direito ao reporte de prejuízos que tenha tido, nesta categoria, em anos anteriores.” ‘
(Vide Decisão Arbitral n.º 96/2015-T).
Pelo exposto, conclui o Tribunal pela possibilidade de a Requerente efectuar as deduções de perdas apuradas no ano de 2012 e 2015 aos rendimentos prediais auferidos em 2016, apesar de não ser possível o englobamento destes rendimentos.
Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, impõe-se concluir que, quer o indeferimento expresso do pedido de reclamação graciosa nº. ...2017..., que não deveria ter sido totalmente indeferida mas sim julgada parcialmente procedente, quer a liquidação de IRS controvertida, padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos direito, consubstanciada na errada interpretação e aplicação da alínea b) do número 1 do artº 55º do CIRS, o que implica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação parcial, o que se decidirá a final.
3. Questões prejudicadas
Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, por violação da alínea b) do número 1 do artº 55º do CIRS, que assegura efectiva e estável tutela dos direitos da Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados, designadamente formais e procedimentais, como o vício de falta de fundamentação.
Na verdade, como está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no citado artigo 124.º do CPPT, julgado procedente um vício que obste à renovação do acto impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados.
Com efeito, se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios imputados aos actos tributários seria indiferente a ordem pela qual o seu conhecimento se fizesse.
Por isso, julgado procedente o pedido com fundamento num vício de violação de lei que impede a renovação dos actos impugnados com o mesmo sentido, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados, sejam formais e procedimentais, seja também de violação da lei.
4. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios
A Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela AT em excesso, bem como de pagamento de juros indemnizatórios.
A AT defende, em suma, que «as alegações da Requerente não podem, de todo, proceder, porquanto fazem uma interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso sub judice notoriamente errada”, que “fez uma correcta subsunção dos factos à lei”, que não existiu “erro imputável aos serviços”, pelo que “não há lugar ao pagamento de quaisquer juros indemnizatórios” (vide artºs 64º a 67º da Resposta).
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.
Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso dos montantes indevidamente pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.
Pelo que se referiu, o pedido de pronúncia arbitral procede apenas parcialmente quanto à liquidação de IRS n.º 2017..., relativa ao ano de 2016, na parte em que não considerou a dedução de perdas da categoria F no valor global de 8.012,14 Euro, sendo o valor de 7.829,44 Euro respeitante ao ano de 2012 e de 182,70 Euro respeitante ao ano de 2015.
Está provado que, no ano de 2016, a Requerente obteve um rendimento global de 53.717,46 Euro, teve deduções específicas no montante de 9.431,87 Euro e retenções na fonte de 1.458,77 Euro e que na liquidação de IRS foi aplicada a taxa especial de 28% ao rendimento colectável.
Ao serem consideradas as perdas dos anos anteriores no montante de 8.012,14 Euro, a serem deduzidas ao rendimento colectável apurado na liquidação em crise, resulta manifesto que, após a aplicação da taxa especial e depois de deduzida à colecta o montante da retenção na fonte, o imposto apurado seria inferior em 2.243,40 Euro conforme peticionado pela Requerente no procedimento de reclamação graciosa.
Por isso, a Requerente tem o direito de ser reembolsada desta quantia, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
Pelo exposto, procede o pedido de reembolso da quantia paga indevidamente de 2.243,40 Euro (dois mil duzentos e quarenta e três euro e quarenta cêntimos).
A ilegalidade desta liquidação é imputável à AT, pois emitiu-a por sua iniciativa, com errada interpretação da lei.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante a reembolsar.
Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que a Requerente efectuou o pagamento até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
V. Decisão
Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decide:
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade da decisão da reclamação graciosa n.º ...2017..., na parte em que não aceitou a dedução de perdas, e anular o respectivo despacho de indeferimento;
-
Julgar parcialmente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade e a consequente anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2016, n.º 2017..., na parte em que não aceitou a dedução de perdas na parte em que não considerou a dedução de perdas da categoria F no valor global de 8.012,14 Euro, sendo o valor de 7.829,44 Euro respeitante ao ano de 2012 e de 182,70 Euro respeitante ao ano de 2015;
-
Julgar procedente o pedido de restituição à Requerente apenas da quantia de 2.243,40 Euro (dois mil duzentos e quarenta e três euro e quarenta cêntimos).
-
Julgar procedente o pedido na parte relativa ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da Requerente, em virtude da parte do imposto indevidamente pago, desde a data em que a Requerente efectuou o pagamento (24/10/2017) até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado (2.243,40 Euro), à taxa legal supletiva.
VI. Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 10.941,19 (dez mil novecentos e quarenta e um euro e dezanove cêntimos).
VII. Custas
De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euro), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 4 de março de 2019
O árbitro,
Pedro Miguel Bastos Rosado