Decisão Arbitral
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 206/2014 – T
Tema: Imposto de Selo – verba 28.1 da TGIS
Autoras / Requerentes: A… e B…
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT)
1. Relatório
Em 28-02-2014, A…, viúva, contribuinte n.º …, residente na …, Oeiras, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa deixada por óbito de C…, e B…, casada, contribuinte n.º …, residente na Rua …, Oeiras, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança deixada por óbito de D…, doravante designadas por Requerentes, submeteram ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto de Selo, relativas ao ano de 2012, n.º …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, relativas ao prédio urbano sito na Rua …, Cascais, não constituído em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana da União das freguesias de … e … sob o artigo … (anterior artigo …), e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º ….
As Requerentes pedem a anulação dos referidos atos de liquidação de Imposto de Selo por os mesmos enfermarem de vício de violação da lei, por erro sobre os pressupostos para a aplicação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, entendendo que não se verifica o pressuposto legal de incidência do Imposto de Selo.
As Requerentes referem ainda que a AT violou a verba 28.1 da TGIS, por errada interpretação e aplicação da lei, assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103º da Constituição da República Portuguesa, os princípios da justiça, da igualdade, da proporcionalidade fiscal e da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.
As Requerentes alegam que o imóvel a que se referem todas as liquidações de Imposto de Selo é um prédio que contém sete andares ou divisões com utilização independente, todos afetos a habitação, e não se encontra constituído em regime de propriedade horizontal. Segundo as Requerentes, uma vez que nenhum dos andares ou divisões tem um VPT superior a um milhão de euros (1.000.000 €), não se verifica o pressuposto legal de incidência do Imposto de Selo previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.
As Requerentes pedem ainda a coligação nos termos do artigo 104º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT) e artigo 3 n.º 1 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), por se encontrarem reunidas as condições para admissibilidade da coligação de autores, que são a identidade da natureza do tributo, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em 05-06-2014, defendendo que o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações controvertidas deveria ser julgado improcedente, e defendendo que o valor patrimonial relevante para efeitos de incidência de imposto é o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda que sejam suscetíveis de utilização independente.
Foi designada como árbitro único, em 17-04-2014, Suzana Fernandes da Costa. Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 07-05-2014.
Foi agendada a reunião do tribunal arbitral para o dia 02-07-2014 pelas 12:30 horas. Na reunião as partes prescindiram da realização de alegações. Foi nessa data ainda fixada como data para prolação da decisão o dia 11-09-2014.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).
O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente, nos termos nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, tendo em conta que o prazo limite de pagamento do imposto constante dos documentos de cobrança terminou em 30-11-2013.
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias, para além do pedido de cumulação de pedidos e de coligação de autores que em seguida se decidirá.
As Requerentes pedem a cumulação de pedidos, alegando a existência de identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito.
Neste caso a cumulação de pedidos é admissível, nos termos dos artigos 104º do CPPT e 3º do RJAT, pelo que se admite.
As Requerentes pedem também a coligação nos termos do artigo 104º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT) e artigo 3 n.º 1 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), alegando que se encontram reunidas as condições para admissibilidade da coligação de autores, que são a identidade da natureza do tributo, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão.
Admite-se também a coligação de autores, nos termos das citadas disposições legais.
2. Matéria de facto
2. 1. Factos provados:
Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:
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A Requerente A… é comproprietária de 14/48 do prédio urbano sito na Rua …, Cascais, inscrito na matriz predial urbana da União das freguesias de … e … sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …, conforme caderneta predial junta ao pedido arbitral como documento n.º 29.
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A Requerente A… é ainda cabeça de casal da herança deixada por óbito de C…, herança indivisa com o número de identificação fiscal n.º …, e da qual faz parte integrante o prédio urbano identificado no ponto anterior na proporção de 14/48.
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A Requerente B… é comproprietária na proporção de 2/24 do prédio urbano identificado no ponto um.
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A Requerente B… é ainda cabeça de casal da herança deixada por óbito de D…, herança indivisa com o número de identificação fiscal …, e da qual faz parte integrante o prédio referido no ponto um, na proporção de 6/24.
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O prédio referido no ponto um não se encontra constituído em regime de propriedade horizontal e é composto por sete andares ou divisões com utilização independente, conforme caderneta predial junta ao pedido arbitral como documento 29.
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Em 24-10-2013, a Requerente B… foi notificada, na qualidade de comproprietária e de cabeça de casal da herança deixada por óbito de C…, das seguintes liquidações de Imposto de Selo no montante global de 5.864,62 €, (documentos 1 a 14 juntos ao pedido):
- liquidação n.º 2013 … no valor de 102,03 €, relativa ao R/C esquerdo do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 34.980,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 384,01 €, relativa ao R/C direito do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 131.660,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 520,22 €, relativa ao 1º andar do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 178.360,00 €;
-- liquidação n.º 2013 … no valor de 515,05 €, relativa ao 2º andar do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 176.590,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 517,13 €, relativa ao 3º andar do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 177.300,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 519,40 €, relativa ao 4º andar do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 178.080,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 374,47 €, relativa ao 5º andar do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 128.390,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 102,03 €, relativa ao R/C esquerdo do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 34.980,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 384,01 €, relativa ao R/C direito do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 131.660,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 520,22 €, relativa ao 1º andar do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 178.360,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 515,05 €, relativa ao 2º andar do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 176.590,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 517,13 €, relativa ao 3º andar do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 177.300,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 519,40 €, relativa ao 4º andar do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 178.080,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 374,47 €, relativa ao 5º andar do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 128.390,00 €.
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Em 31-10-2013, a Requerente B… foi notificada, na qualidade de comproprietária e de cabeça de casal da herança deixada por óbito de D…, das seguintes liquidações de Imposto de Selo no valor global de 3.351,21 € (documentos 15 a 28 juntos ao pedido):
- liquidação n.º 2013 … no valor de 29,15 €, relativa ao R/C esquerdo do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 34.980,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 109,72 €, relativa ao R/C direito do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 131.660,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 148,63 €, relativa ao 1º andar do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 178.360,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 147,16 €, relativa ao 2º andar do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 176.590,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 147,75 €, relativa ao 3º andar do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 177.300,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 148,40 €, relativa ao 4º andar do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 178.080,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 106,99 €, relativa ao 5º andar do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 128.390,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 87,45 €, relativa ao R/C esquerdo do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 34.980,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 329,15 €, relativa ao R/C direito do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 131.660,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 445,90 €, relativa ao 1º andar do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 178.360,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 441,48 €, relativa ao 2º andar do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 176.590,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 443,25 €, relativa ao 3º andar do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 177.300,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 445,20 €, relativa ao 4º andar do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 178.080,00 €;
- liquidação n.º 2013 … no valor de 320,98 €, relativa ao 5º andar do imóvel referido no ponto um, cujo VPT é de 128.390,00 €.
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O prazo limite de pagamento destas liquidações terminou em 30-11-2013.
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A Requerente A… procedeu ao pagamento das liquidações de imposto de selo de que foi notificada, conforme documento n.º 30 junto com o pedido arbitral.
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A Requerente B.. procedeu ao pagamento das liquidações de imposto de selo de que foi notificada, conforme documentos 15 a 21 e 30, juntos ao pedido arbitral.
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Das referidas liquidações consta que o valor patrimonial total do prédio é de 1.005.360,00€.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:
No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos.
3. Matéria de direito:
3.1.Objeto e âmbito do presente processo
Constituem questões decidendas nos presentes autos:
- saber se a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), no caso de prédios não constituídos em propriedade horizontal, incide sobre o somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares (VPT global), ou, antes, sobre o valor patrimonial tributário de cada parte do prédio com utilização económica independente;
- saber se houve violação do princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103º da Constituição da República Portuguesa, e dos princípios da justiça, da igualdade, da proporcionalidade fiscal e da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.
Sobre a primeira questão já se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do CAAD proferidos nos processos número 50/2013-T, 132/2013-T, 181/2013-T, 183/2013-T, 272/2013-T, 280/2013-T e 88/2014-T.
3.2. Questão do valor patrimonial tributário relevante para aplicação da verba 28.1 da TGIS
Segundo a Autoridade Tributária, num prédio em propriedade vertical (ou não constituído em regime de propriedade horizontal) o critério para a determinação da incidência do imposto de selo é o VPT global dos andares e divisões destinadas à habitação.
Já para as Requerentes a sujeição ao imposto do selo contido na verba nº 28.1 da TGIS deve ser aferida não pelo valor total do prédio mas pelo valor atribuído a cada uma das partes com utilização independente, em função do VPT respetivo, devendo seguir o mesmo critério da determinação do IMI.
Vejamos:
A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28 à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redação:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);
Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras:
c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; (…)
f) As taxas aplicáveis são as seguintes:
i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;
ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %; “
A verba 28.1 TGIS e as subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, contém um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária que é o de “prédio com afetação habitacional”.
Por sua vez, o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”
A norma de incidência refere-se a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código.
Por sua vez o art.º 6.º do CIMI indica as diferentes espécies de prédios urbanos, e determina que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.” vd. alínea a) do nº 1) do art.º 6.º CIMI.
Há assim que concluir que para o legislador é irrelevante que o prédio esteja em propriedade vertical ou em propriedade horizontal, relevando apenas a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.
Uma vez que o CIS remete para o CIMI, devemos considerar que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal.
Daí decorre que o respetivo IMI, bem como o Imposto de Selo, são liquidados individualmente em relação a cada uma das partes. Por este facto, o critério legal para definir a incidência do novo imposto terá de ser o mesmo.
Assim se conclui como no acórdão CAAD 50/2013-T, segundo o qual “se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência da verba 28.1 da TGIS”.
Resulta assim da lei que só haveria lugar a incidência do imposto de selo da verba 28.1 da TGIS se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00, o que não ocorre nos presentes autos.
O critério defendido pela AT, que tem em conta a soma das partes, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta do CIMI e que se aplica por remissão, em sede de Imposto de Selo.
Acresce o facto da própria lei estabelecer expressamente, na parte final da verba 28 da TGIS, que o Imposto de Selo a incidir sobre os prédios urbanos de valor igual ou superior a €1.000.000,00 –“sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.”
Em conclusão o valor patrimonial relevante para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS é o VPT da parte, andar ou divisão com utilização independente.
3.3. Violação de princípios constitucionais
Pese embora a análise das eventuais inconstitucionalidades se possa encontrar prejudicada, não deixaremos de tomar posição sobre os princípios invocados na linha da jurisprudência do CAAD.
Alegam as Requerentes que a aplicação da verba 28.1 da TGIS viola o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103º da Constituição da República Portuguesa, os princípios da justiça, da igualdade, da proporcionalidade fiscal e da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.
De acordo com a interpretação sufragada supra, a tributação de partes com utilização independente de valor inferior a um milhão de euros não se encontra abrangida pela norma de incidência; logo, a sua tributação viola efetivamente o princípio da legalidade fiscal.
Da mesma forma estarão a ser violados o princípio da igualdade, mais concretamente nos seus corolários de capacidade contributiva e proporcionalidade fiscal.
Relativamente ao princípio da igualdade vejam-se os acórdãos CAAD n.º 50/2012-T e 218/2013-T, e os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 142/04 e 187/2013.
Concluímos como no acórdão do CAAD n.º 218/2013-T, “a liquidação de Imposto de Selo ora em apreciação viola manifestamente o princípio da igualdade fiscal previsto no artigo 13º da RCP, porque: i) é baseada numa norma que trata contribuintes que se encontram em situações idênticas de forma bem diferente, não sendo a medida da diferença aferida pela sua real capacidade contributiva; ii) é baseado numa solução legal arbitrária desprovida de qualquer fundamento racional.”
Sobre a violação do princípio da capacidade contributiva veja-se também o acórdão CAAD n.º 14/2014-T.
No caso dos autos o prédio em questão encontra-se em propriedade vertical e contém vários andares e divisões com utilização independente destinados a habitação, como ficou provado supra. Dado que nenhum dos andares destinados a habitação tem valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do Imposto de Selo previsto na Verba 28 da TGIS.
Olhando agora à ratio legis do preceito em questão na verba 28.1 TGIS e citando o acórdão CAAD 50/2013-T “o legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00.
Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.” Já quando aplicado a uma parte ou fração que não exceda o referido valor de um milhão de euros não se encontrará verificada a norma de incidência.
O princípio da igualdade fiscal determina que se deva tratar fiscalmente de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente. Ora, não se justifica o tratamento diferenciado das frações ou partes de um prédio só pelo facto de o mesmo já se encontrar em propriedade horizontal, desde que as frações ou partes tenham utilização independente.
Da mesma forma a tributação em sede de IS da parte do prédio com utilização independente quando inferior a um milhão de euros revela-se manifestamente desproporcionada, pelo que também o princípio da proporcionalidade estará a ser violado.
Assim, e na linha da jurisprudência do TC e do CAAD, concluímos pela violação do princípio da legalidade fiscal, da igualdade fiscal, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.
Dos juros indemnizatórios
Nos termos do n.º 1 do art.º 43º da LGT, aplicável por força do artigo 29º n.º 1 alínea a) do RJAT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Ora, enfermando de ilegalidade as liquidações de imposto de selo em causa, são devidos juros indemnizatórios desde a data do pagamento até ao integral reembolso por parte da AT.
4. Decisão
Em face do exposto, determina-se:
- julgar totalmente procedente o pedido formulado pelas Requerentes no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo n.º …, …, …, …, …, …,…, …, …,…, …, …,…, …, …,…, …, …,…, …, …,…, …, …,…, …, …, …;
- julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente A…, o valor do imposto indevidamente pago no valor total de 5.864,62 €, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tal pagamento foi efetuado até à data do integral reembolso do mesmo;
- julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente B…, o valor do imposto indevidamente pago no valor total de 3.351,21 €, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tal pagamento foi efetuado até à data do integral reembolso do mesmo.
5. Valor do processo:
De acordo com o disposto no artigo 315º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 9.215,83 €.
6. Custas:
Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 918,00 €, devidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique.
Lisboa, 11 de setembro de 2014.
Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.
O árbitro singular
Suzana Fernandes da Costa