Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Pedro Miguel Bastos Rosado e Prof.ª Doutora Maria do Rosário Anjos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 20-11-2018, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., portadora do número de identificação de pessoa coletiva..., com sede no ..., Rua ..., ...-... Lisboa, da área do Serviço de Finanças Lisboa..., doravante abreviadamente designada por "REQUERENTE", veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.
A Requerente pede Anulação dos actos tributários de liquidação de IMPOSTO DO SELO n.º 2018..., no montante de € 138.521,74, e respetivos atos tributários de liquidação de JUROS COMPENSATÓRIOS n.ºs 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., que perfazem um montante de € 17.369,21, tudo num montante total de €155.890,95.
A Requerente pede ainda juros indemnizatórios.
Subsidiariamente, requer que, em caso de improcedência dos pedidos referidos, seja efectuado reenvio prejudicial dos presentes autos ao TJUE, ao abrigo do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 12-09-2018.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, os Árbitros que inicialmente foram designados pelo Conselho Deontológico comunicaram a aceitação do encargo, no prazo aplicável.
Em 31-10-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 20-11-2018.
A Administração Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.
Por despacho de 17-01-2019, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
-
A Requerente, com o NIPC..., é uma empresa pertencente ao grupo B..., com sede na Rua ..., no ... Lisboa, e o seu objecto social são as “Atividades auxiliares dos transportes aéreos”, encontrando-se enquadrada com o CAE 52230;
-
Em 31-12-2014, a C... (C...), com sede em ..., na Bélgica, detinha a totalidade do capital da empresa;
-
Em 16-05-2014, a Requerente assinou com a D..., SGPS, S.A. ("D...") um contrato de gestão centralizada de tesouraria denominado “Centralised Cash Management Agreement”, em cujos termos formalizou a sua adesão ao mecanismo de cash pooling utilizado pelas entidades do GRUPO D..., que tem como "MASTER ACCOUNT HOLDER" a E..., S.A., residente na BÉLGICA (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A Requerente celebrou igualmente contratos semelhantes com as suas subsidiárias (F... e G...), uma vez que as mesmas também integraram o referido cash pooling;
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A coberto da ordem de serviço nº OI 2016..., de natureza externa e âmbito parcial (IRC e I. Selo), relativa ao exercício de 2014, foram realizados actos inspectivos, que ocorreram entre Junho de 2016 e Maio de 2017:
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Na inspecção referida foi elaborado o Projecto de Relatório que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral;
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A Requerente exerceu o direito de audição sobre o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária nos termos que constam do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral;
-
Na sequência do exercício do direito de audição, a Autoridade Tributária e Aduaneira manteve a integralidade das correções de Imposto do Selo inicialmente propostas, no Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral em que se refere, além do mais o seguinte:
III - DESCRIÇAO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇOES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
(...)
lIl.2 - CORREÇÕES AO IMPOSTO EM FALTA
lIl.2.1 - IMPOSTO DO SELO (IS)
lll.1.2.1 - “Centralized cash management agreement” - Excedentes de tesouraria (verba 17.1.4 da TGIS) -€ 138.521,74
i) Dos factos
O sujeito passivo iniciou a sua participação no sistema de cashpooling do Grupo B..., a 24 de junho de 2014.
De acordo com o ponto 6.2 Situação financeira do Relatório de Gestão e Contas de 2014 (incluído no dossier fiscal remetido pelo sujeito passivo) é indicado que “encontra-se registado o montante de excedentes de tesouraria do Grupo A... aplicado no sistema de cash pooling e que, em 31 de dezembro de 2014 era de cerca de 63,8 milhões de euros".
Da análise ao balancete analítico antes de apuramento de resultados (incluído no dossier fiscal remetido pelo sujeito passivo), a essa mesma data, constata-se que os montantes cedidos pelo sujeito passivo à C... (C...), no âmbito da sua participação no mecanismo de cashpooling do Grupo D..., registados na conta 25310000 - Acc-Empr.Emp.Mãe apresenta um saldo devedor de € 63.773.873,90 (inclui o montante de €17.420.858,24, referente aos excedentes de tesouraria da F... (conta 25210300 - Acc-Emp.Gr-Empréstim)), que são aplicados, através da A..., no sistema de cashpooling do Grupo B... . E decorrente da disponibilização desses fundos, durante o período de tributação de 2014, o sujeito passivo registou como rendimentos nas contas 78110111 - JO-Cash PooI.(B...) e 78110112 - JO-Cash Pool.(F...) os montantes de € 20.871,85 e € 12.659,20, respetivamente, referentes à remuneração pela cedência das suas disponibilidades de tesouraria, a qual totalizou o valor de € 33.531,05. Não foi, no entanto, identificada evidência que as cedências de fundos tivessem sido sujeitas a tributação em sede de Imposto do Selo.
E da leitura do Relatório de Preços de Transferência do período de tributação de 2014, disponibilizado pelo sujeito passivo, nomeadamente, quanto ao seu ponto 4.2.3.3 Cash-pooling, são identificados os seguintes factos:
“Com vista à aplicação de excedentes de tesouraria, e de forma a financiar-se pontualmente através do Grupo, o Grupo B... implementou um sistema de cash-pooling a ser utilizado pelas entidades do Grupo.
(...)
Neste âmbito, a A... celebrou um contrato de cash-pooling com o Grupo, cujo montante a 31 de dezembro de 2014 perfazia um saldo credor de 63.773.974 euros. A A... celebrou igualmente contratos semelhantes com as suas subsidiárias (F... e G...), uma vez que as mesmas também integram o cash-pooling, mas são para efeitos de pagamento/recebimento de juros representadas pela A... .
-
Pelo exposto, e atendendo à sua posição credora na maior parte do período, a A... auferiu um total de juros no valor de 33.531 euros junto da C... . Ainda no seguimento desta operação de cash-pooling, a A... imputou cerca de 10.526 euros e 2.133 euros à F... e G..., respetivamente.”
De acordo com os esclarecimentos solicitados ao sujeito passivo este veio indicar (Anexo V) que participa num sistema de gestão centralizada de tesouraria, identificado como Physical Cash Pooling implementado pelo Grupo B..., através de contas abertas nos bancos H... e I... .
E que a transferência dos fundos decorrentes do Cash Pooling acima referido encontra-se suportada por um contrato celebrado entre a A... e a C... (C...), pool leader internacional, residente na Bélgica, e que é a detentora do total do capital da A... . Sendo que a transferência de fundos entre as contas bancárias é efetuada numa base diária, em que as duas instituições bancárias acima referidas são meras prestadoras de serviços.
Nos termos do referido contrato - o “Centralized Cash Management Agreement' (disponibilizado pelo sujeito passivo - Anexo VI) - verifica-se, nos seus considerandos, que as partes desejam maximizar a sua sinergia através da participação num sistema de gestão centralizada de tesouraria, o que permitirá promover a coordenação e a utilização óptima dos seus excedentes de tesouraria e cobrir as suas necessidades de fluxos de caixa.
E no seu artigo 1º são definidos os seus objetivos, como seguidamente se indicam:
As partes acordam em utilizar de forma permanente e sistemática o sistema de cashpooling, que é coordenado pela Companhia Centralizadora; a Companhia Centralizada, a A..., obriga-se e aceita, que a entidade centralizadora assegure a coordenação e centralização de todas as suas necessidades de caixa e excesso de liquidez no curto prazo para que possa beneficiar:
- De uma otimização de sua gestão de caixa
- De uma redução do custo médio ponderado do seu financiamento e, consequentemente, dos seus encargos financeiros e bancários;
- De um retorno justo sobre seus excedentes de caixa.
Pelo que, tal como expresso no artigo 2º desse acordo, se confirma que a A... confia à entidade centralizadora a gestão dos seus excedentes e necessidades de caixa. E, como tal, essa será responsável, em particular, pelo recebimento dos fundos correspondentes aos excedentes de caixa da A... e pela disponibilização dos fundos necessários à A... para cobrir as suas necessidades de tesouraria.
E, nos termos do seu artigo 6º este acordo não tem termo definido.
Por outro lado, conforme expresso no appendix 2 desse acordo é identificada como “the Master Account Holder” (titular da conta principal) a E... SA (BE...), residente na Bélgica.
II) Posição do sujeito passivo
O sujeito passivo não liquidou Imposto do Selo nas suas cedências de fundos à entidade centralizadora durante o período de tributação de 2014.
Nesses termos, foi-lhe solicitado que justificasse o tratamento fiscal aplicado a estas operações, tendo este apresentado o seguinte entendimento (Anexo V): “As transferências de fundos efetuadas no âmbito do referido Cash Pooling enquadram-se como operações isentas de imposto de selo, à luz das alterações introduzidas pelo OE 2014, com efeito a 1 de janeiro de 2014.
A isenção é aplicável atendendo que:
-
O Cash Pooling é utilizado para fazer face a carência de tesouraria de curto prazo, numa ótica de conta corrente entre a C... e a A...;
-
A C... é residente em Estado Membro da UE;
-
As entidades encontram-se em relação de domínio e grupo;
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Nenhuma das entidades é uma instituição bancária;
-
O pool líder internacional (C...) tem conta aberta na Bélgica (onde se concentra os fluxos financeiros) assumindo-se como Master Account;“
iii) Enquadramento legal
a) Conceito de crédito
A verba 17.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo prevê a tributação “Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título".
Deste modo, assume particular importância definir aquilo que deve entender-se como crédito de forma a poder delimitar corretamente os contornos das operações sub-judice e, consequentemente, o seu enquadramento em sede de Imposto do Selo.
Neste âmbito, mostra-se relevante observar o exposto por José Maria Pires na sua obra “Direito Bancário, 2.º volume, As Operações Bancárias” (Rei do Livros).
Assim, refere aquele autor, a págs. 181, a propósito da noção de crédito:
“Em termos gerais, podemos dizer que o crédito consiste numa troca em que não há simultaneidade entre prestação e contraprestação, ou seja, o conceito de crédito analisa-se em duas prestações separadas pelo tempo.”
E prossegue:
“A intervenção do factor tempo nas operações de crédito implica a verificação de um custo económico, porquanto o credor renuncia temporariamente aos seus bens e, além disto, corre o risco de insolvência do devedor. Quer isto dizer que a cedência de bens a crédito é normalmente acompanhada de uma remuneração o juro."
Na sequência deste raciocínio, afirma posteriormente:
“Por outro lado, o referido factor tempo, com o seu inerente risco, introduz um outro elemento do crédito que, embora de ordem psicológica, é de algum modo sucedâneo do valor real da contraprestação: a confiança depositada pelo credor (acreditante) na promessa de pagamento do devedor (acreditado), isto é, a forte convicção do primeiro de que o compromisso do segundo será por ele honrado.”
De seguida enuncia aqueles que considera serem os elementos do crédito:
“Assim, consideramos como elementos do crédito os seguintes: o tempo; o risco; a confiança; o juro.”
Concretiza este ponto com uma definição de crédito:
“Após estes esclarecimentos, julgamos que se pode dar a seguinte noção geral de crédito, tendo em consideração que estamos no âmbito de uma noção económica e não jurídica:
O crédito é um acto de troca económica em que o credor realiza uma prestação, em determinado momento, a favor de outrem e aceita o risco da respectiva contraprestação ser diferida para momento ou momentos posteriores, confiando no cumprimento pontual do creditado e tendo normalmente direito a uma remuneração.
Como se refere na sentença relativa ao processo de impugnação n.º 6/11 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 20 de fevereiro de 2013 «Atento a natureza daquele sistema de gestão centralizada de tesouraria e respetivo objeto social, dúvidas não se põem no presente caso quanto a se traduzirem em operações de transferências entre a conta da aderente e a conta da entidade centralizadora quanto aos excedentes colocados à disposição daquela entidade centralizadora, o que não impede que a mesma possa comportar os excedentes de fundos disponibilizados pela entidade centralizadora em benefício dos aderentes, tendo em consideração que quer uns quer outros consubstanciam financiamentos obtidos ou concedidos (e não uma mera entrega de uma coisa, ainda que fungível, a outra para que a guarde que caracteriza o depósito) pelo que a concessão/utilização do crédito estão sujeitas a imposto, sendo as entidades domiciliadas em território nacional responsáveis pela liquidação e entrega do imposto quanto às operações realizadas no território nacional ou que sejam destinatárias das mesmas (vd n.º 1, e alínea b), do n.º 2, do art. 4.º do C.I. Selo), independentemente do apuramento que se faça da matéria coletável do imposto, cfr nesse sentido J. Rebouta in “Contextualização Fiscal da Gestão Centralizada de Tesouraria em Ambiente Internacional” acessível através da consulta do “site” da Internet devidamente identificado para o efeito.››
Por outro lado, Mónica Sofia Rodrigues Marques, em “Operação de aquisição de empresa – estratégia fiscal”, de março de 2013, salienta que ‹‹São correntes as operações de crédito de curto médio/longo prazo, realizadas entre as empresas que compõem um Grupo empresarial. Estas operações são ainda mais intensas nos Grupos que adotam modelos de cash pooling, com o objetivo de otimização da gestão de excedentes e das carências de tesouraria das empresas que o integram. Um dos modelos de cash pooling é o “zero balancing cash pooling”, nos termos do qual as sociedades do Grupo possuem contas à ordem individuais, cujos saldos devedores ou credores são regularizados diariamente, por contrapartida de uma conta bancária da sociedade gestora. Esta pode centralizar os pagamentos a entidades terceiras, designadamente fornecedores, assim como os recebimentos de entidades terceiras, designadamente, dos clientes.
Sempre que os excessos de tesouraria das sociedades do Grupo, transferidos para a conta da entidade gestora, superem os créditos que esta tenha perante aquelas, devidos a pagamentos que tenha efetuado por conta delas, os fluxos financeiros correspondem a concessões de crédito das sociedades do Grupo à sociedade gestora. Da mesma forma, sempre que os excessos de tesouraria não sejam suficientes para cobrir os créditos que a entidade gestora tem a haver, os fluxos financeiros correspondem a concessões de crédito da entidade gestora, a favor das sociedades do Grupo.››
Verifica-se que os fundos cedidos pela A... excedem os fundos obtidos por esta a partir da entidade gestora.
Esta diferença reveste a forma de crédito concedido da primeira à segunda entidade.
Desta forma, os fundos cedidos pela A... à entidade centralizadora, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, consubstanciam financiamentos concedidos utilizados posteriormente por essa entidade, como bem lhe prouver.
c) Incidência objetiva e subjetiva
De acordo com o princípio da territorialidade instituído pelo n.º 1 do artigo 4.º do Código do Imposto do Selo (CIS), o Imposto do Selo incide sobre todos os factos referidos no artigo 1.º do mesmo código, ocorridos em território nacional.
Por sua vez, o n.º 1 do artigo 1.º do CIS refere que “o imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis, e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens."
Do descrito anteriormente constatamos que, por remissão do artigo 1.º do CIS para a Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), todos os factos previstos na referida tabela, que tenham ocorrido em território nacional estão sujeitos a Imposto do Selo.
Da leitura da verba 17 da TGIS constata-se que, “Sob epígrafe “operações financeiras”, incluem-se no âmbito da incidência do imposto de selo a concessão de crédito, qualquer que seja a natureza da entidade concedente e do utilizador, a par de um conjunto de operações financeiras, de que resultem juros e comissões, que apenas ficam sujeitas a tributação em imposto de selo se forem realizadas por instituições de crédito, sociedades financeiras, outras entidades a ela legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”.
Ora, a transferência dos excedentes de tesouraria, do sujeito passivo para a entidade centralizadora corresponde a financiamento concedido pelo sujeito passivo a essa entidade, já que se tratam de operações financeiras de concessão de crédito sob a forma de disponibilização de fundos.
Uma vez que estamos em presença de uma concessão e utilização de crédito, temos a A..., sujeito passivo nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 2º do CIS com sede em Portugal, como entidade mutuante (concedente) e a entidade centralizadora, como entidade mutuária (utilizadora), pelo que a realização do crédito (disponibilização dos fundos) ocorre em território nacional, tratando-se assim de uma operação sujeita a Imposto do Selo, de acordo com o princípio da territorialidade instituído no referido n.º 1 do artigo 4.º do CIS, sendo tributada pelas taxas previstas na verba 17.1, competindo ao sujeito passivo a liquidação e entrega nos cofres do Estado do Imposto nos termos dos artigos 23.º e 41 .º, ambos do CIS.
Sendo o prazo, e o seu conhecimento ou não, determinantes para o enquadramento de uma operação financeira em sede de Imposto do Selo, quer quanto a determinação do momento da obrigação tributária face ao disposto no artigo 5º do CIS, quer quanto à taxa Imposto aplicável e bem como à verificação, ou não, de eventuais normas de isenção afigura-se que a aferição do prazo da operação financeira, terá de ser feita no momento em que esta operação ocorre, porque só nessa data poderá proceder-se ao adequado enquadramento - sem prejuízo das situações previstas na Lei em que a alteração do prazo inicialmente considerado promove o reenquadramento da operação naquele Imposto.
Prevê o “Centralized Cash Management Agreement”, no seu artigo 6º, que o mesmo é realizado por prazo indeterminado, não estando definidos quaisquer prazos de concessão do crédito.
Daqui resulta que, para efeitos de enquadramento nas taxas da verba 17.1.2 da TGIS e para determinação do momento da obrigação tributária nos termos do artigo 5.º do CIS, o crédito em análise foi concedido por prazo não determinado ou determinável.
Segundo a lei e a melhor doutrina (confira-se a propósito o disposto no artigo 278.º do Código Civil, sob a epígrafe Termo), os Termos, enquanto clausulados apostos a contratos, destinam-se a prever um momento certo, futuro e determinado ou determinável (termo certus an e certus quandu), ou certo, futuro e indeterminado (termo certus an e incertus quandu, também designado de termo incerto), a partir do qual se iniciam (termo inicial) ou cessam (termo final) os efeitos de um Negócio Jurídico.
Os Negócios Jurídicos estão, no nosso Direito, sujeitos ao princípio geral da liberdade contratual, prevista no artigo 405.º do Código Civil, nos termos do qual as partes podem clausular as suas relações por forma a adaptá-las às suas pretensões e necessidades. O Termo surge neste âmbito como um dos elementos acidentais dos Negócios, como cláusulas acessórias típicas que as partes podem apor à totalidade ou apenas a parte dos contratos que celebram.
Se o Termo for certo (certus an e certus quandu) estaremos perante um prazo, estipulado pelas partes, a partir do qual determinado efeito negocial se verificará (prazo inicial), ou deixará de se verificar (prazo final).
No caso específico, as partes não definiram uma data específica do calendário para o reembolso dos empréstimos concedidos e o próprio acordo não tem termo definido.
Face ao exposto, e porque in casu as partes não definiram uma data específica para o reembolso dos empréstimos concedidos, conclui-se não existir um prazo certo para o reembolso das respetivas utilizações, inviabilizando assim a tributação de acordo com as verbas 17.1.1 a 17.1.3 da TGIS.
Assim, é a circunstância de não existir um prazo de reembolso determinado ou determinável que é relevante para efeitos de tributação pela verba 17.1 .4 da referida tabela.
Daqui resulta que este financiamento, para efeitos de enquadramento nas taxas da verba 17.1. da TGIS e para determinação do momento da obrigação tributária nos termos do artigo 5.º do CIS, foi concedido por prazo não determinado ou determinável.
Para efeitos de aplicação das taxas previstas na verba 17.1 e uma vez que o crédito é utilizado por prazo não determinado ou determinável, a obrigação tributária considera-se constituída no último dia de cada mês, sendo a taxa a aplicar, a referida na verba 17.1.4 da TGIS, ou seja 0,04%, que, de acordo com o descritivo inscrito nesta verba, incide “...sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante um mês, divididos por 30.”
Importa referir que, “segundo entendimento da administração fiscal, o cálculo do imposto deve, neste caso, efetuar-se com base nos saldos - valor diariamente apurado (vd. Circular 15/2000). Observa-se que os saldos a considerar são, tal como expressamente resulta da norma em causa, os saldos devedores sendo irrelevantes para tal contagem os dias em haja saldos credores."
Por sua vez da leitura da Circular 15, de 05/07/2000, da Direção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património, destaca-se o seguinte ponto, igualmente relativos à verba 17:
“23. No referido ponto 17.1 da Tabela Geral, tributa-se a utilização de crédito, em virtude da sua concessão a qualquer título. A enumeração constante daquela norma é meramente exemplificativa e não taxativa.”
d) Sobre as normas de isenção do imposto do selo
As isenções previstas nas alíneas g) e h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS
Nos termos do n.º 1 do artigo 7º do CIS encontram-se consideradas, nas suas alíneas g) e h) as seguintes isenções:
g) As operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efetuadas por outras sociedades a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham uma participação de, pelo menos, 10 % do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a (euro) 5 000 000, de acordo com o último balanço acordado e, bem assim, efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de Grupo;
h) As operações, incluindo os respectivos juros, referidas na alínea anterior, quando realizadas por detentores de capital social a entidades nas quais detenham directamente uma participação no capital não inferior a 10% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo ou desde a constituição da entidade participada, contanto que, neste último caso, a participação seja mantida durante aquele período;
Ora se nos reportarmos, em concreto, aos requisitos necessários à mesma, conforme estipulado na referida alínea g), temos que esta isenção incide, sinteticamente, sobre os empréstimos (incluindo juros) efetuados por sociedades a favor de sociedades participadas ou com a qual se encontrem em relação de domínio ou de grupo, desde que os mesmos sejam:
-
Concedidos por prazo não superior a um ano, e
-
Exclusivamente destinados a carências de tesouraria destas sociedades.
Note-se que estes requisitos são de existência cumulativa.
Como tal, temos que não basta os intervenientes se encontrarem em relação de grupo e que a duração da cedência dos fundos não ultrapasse um ano, é também imprescindível que essas cedências sejam exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria.
E neste sentido, veja-se a decisão arbitral referente ao Processo n.º 76/2013-T emanada do Tribunal Arbitral (CAAD) da qual se retira que a mencionada alínea g) do n.º 1 do Código do Imposto do Selo “(...) fala em operações «exclusivamente destinadas a cobertura de carência de tesouraria››, e não principalmente (ou qualquer outro sinónimo) destinadas a tal finalidade”.
A inaplicabilidade das isenções constantes das alíneas g) e h) do n.º 1, prevista no n.º 2 do artigo 7.º do CIS.
O n.º 2 do artigo 7º do CIS estipula que “O disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direcção efectiva no território nacional, com excepção das situações em que o credor tenha sede ou direcção efectiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional."
e) O enquadramento das cedências de fundos realizadas pelo sujeito passivo durante o ano de 2014
O sujeito passivo considera que as referidas operações, apesar de serem sujeitas a Imposto do Selo, aproveitam da isenção prevista no artigo 7º do CIS e como tal não sujeitou os créditos concedidos a Imposto do Selo.
Tal como anteriormente mencionado é seu entendimento que “As transferências de fundos efetuadas no âmbito do referido Cash Pooling enquadram-se como operações isentas de imposto de selo, à luz das alterações introduzidas pelo OE 2014, com efeito a 1 de janeiro de 2014” (Anexo V). E que essa isenção é aplicável na medida em que o cashpooling é utilizado para fazer face a carências de tesourarias de curto prazo, numa ótica de conta corrente entre a entidade centralizadora e a A... e que estas entidades encontram-se em relação de domínio e grupo.
Nestes termos, e analisados os argumentos do sujeito passivo à luz da alínea g) do n.º 1 do artigo 7º do CIS, temos que:
-
quanto ao requisito destas operações financeiras serem “efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo", admite-se cumprido, na medida em que as entidades beneficiárias eram seus acionistas únicos;
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no que se refere à duração dessa cedência de fundos, ou seja, o cumprimento de um “prazo não superior a um ano"; temos entidades distintas:
- A D... como beneficiária (entidade centralizadora) desses fundos, entre 2014-06-24 e 2014-07-07, apenas 14 dias, logo inferior a um ano;
- A C... como beneficiária (entidade centralizadora) desses fundos, entre 2014-07-08 e de 2014-08-07 a 2014-12-31, logo inferior a um ano.
-
já no que respeita ao requisito de essas operações serem “exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria", o sujeito passivo chamado a comprovar que as suas aplicações de excedentes de tesouraria foram exclusivamente destinadas a cobertura de carências de tesouraria da entidade recetora (centralizadora) desses fundos, veio por mensagem de correio eletrónico de 2017-01-30, apresentar que “...confirma que as suas aplicações de excedentes de tesouraria resultam da necessidade de dar cumprimento as obrigações contratuais assumidas por si e demais participantes na estrutura de cashpooling vigente no âmbito do Grupo B..., a qual é exclusivamente destinada a suprir as respectivas carências de tesouraria" (Anexo VIII).
Na verdade, relativamente aos dois primeiros requisitos não restarão dúvidas na qualificação desta operação financeira como uma cedência de crédito de curto prazo entre sociedades intragrupo, o mesmo não se poderá dizer relativamente ao terceiro e último requisito supra elencado.
De facto, para fazer a prova do elemento de “utilização exclusiva” dos fundos para carências de tesouraria da entidade centralizadora, o sujeito passivo ao invocar a isenção deverá provar a existência dessas carências de tesouraria por parte das entidades beneficiárias dos mesmos, a D... e a C... .
E, por outro lado, o sujeito passivo ao invocar que “as suas aplicações de excedentes de tesouraria resultam da necessidade de dar cumprimento as obrigações contratuais assumidas por si e demais participantes na estrutura de cashpooling vigente no âmbito do Grupo B..., a qual é exclusivamente destinada a suprir as respetivas carências de tesouraria" (Anexo VIII), não se considera correta. Primeiro porque a necessidade de cumprir as obrigações contratuais, retira o cumprimento da necessária “utilização exclusiva” dos fundos para carências de tesouraria, pois o próprio “Centralized Cash Management Agreement” (Anexo VI), não prevê que apenas sejam disponibilizados os excedentes de tesouraria da A..., quando existam carências de tesouraria das entidades beneficiárias, a D... e a C... .
O que esse acordo prevê, nos seus artigos 1º e 2º, é que as partes acordam em utilizar de forma permanente e sistemática o sistema de cashpooling, em que a A... obriga-se e aceita, que as entidades beneficiárias, a D... e a C..., assegurem a coordenação e centralização de todas as suas necessidades de caixa e excesso de liquidez no curto prazo. E, como tal, serão responsáveis, em particular, pelo recebimento dos fundos correspondentes aos excedentes de caixa da A... e pela disponibilização dos fundos necessários a A... para cobrir as suas necessidades de tesouraria.
E até porque o próprio contrato nada dispõe, ou sequer refere, sobre a situação de tesouraria das entidades beneficiárias dos fundos, as entidades centralizadoras, aquando do início da sua implementação, o que sempre seria um dado relevante para aferir se os fluxos financeiros verificados poderiam ocorrer ou não num quadro de carência daquelas.
Nem tão pouco, se poderá afirmar que o próprio "CentraIized Cash Management Agreement" existente implique que só ocorram fluxos financeiros exclusivamente em situações de carência de tesouraria. Uma vez que, o próprio contrato admite a existência de propósitos acessórios no sistema de cashpooling, parecendo não atentar que a norma que poderia acolher a sua pretensão fala em operações “exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria”, e não principalmente (ou qualquer outro sinónimo) destinadas a tal finalidade.
No entanto, verifica-se que o sujeito passivo assenta praticamente toda a sua argumentação no entendimento de que, por natureza, as suas aplicações de excedentes de tesouraria se deverão considerar isentas, atenta a existência de um contrato e a necessidade de dar cumprimento as obrigações contratuais assumidas por si, e do qual decorreria inexoravelmente que essas operações seriam exclusivamente destinadas a suprir as carências de tesouraria.
Ora, a existência de um contrato é uma mera forma jurídica que, como é óbvio, pode ter ou não adesão na realidade. Ou seja, mesmo que fosse possível entender que a execução rigorosa do contrato na realidade não geraria operações tributáveis, daí não decorreria, de per si, que essa execução rigorosa tivesse efetivamente ocorrido na realidade, o que sempre haveria que demonstrar, e no caso não foi feito.
Em todo o caso, o certo é que o "Centralized Cash Management Agreement' (com tradução literal para Contrato de Gestão Centralizada de Caixa) existente, não é exclusivamente, ao contrário do que argumenta o sujeito passivo, um “Contrato de Gestão de Carências de Tesouraria”, o que decorre desde logo do próprio nomen iuris com que foi crismado.
Depois, o próprio contrato em causa é expresso em assumir, nos seus considerandos, que as partes desejam maximizar a sua sinergia através da participação num sistema de gestão centralizada de tesouraria, o que permitirá promover a coordenação e a utilização ótima dos seus excedentes de tesouraria e cobrir as suas necessidades de fluxos de caixa. E tal como expresso no artigo 2º desse acordo, se confirma que a A... confia à entidade centralizadora a gestão dos seus excedentes e necessidades de caixa. E, como tal, a entidade centralizadora será responsável, em particular, pelo recebimento dos fundos correspondentes aos excedentes de caixa da A... e pela disponibilização dos fundos necessários à A... para cobrir as suas necessidades de tesouraria.
E como se pode verificar, o próprio contrato também não prevê que o recebimento dos fundos correspondentes aos excedentes de caixa da A..., pela entidade centralizadora, se encontre dependente da existência de necessidades de tesouraria da entidade centralizadora, logo mesmo o integral cumprimento do contrato, nunca poderia permitir concluir que tais operações fossem exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria, como o sujeito passivo procurou justificar.
Nestes termos, encontra-se evidenciado que as operações financeiras de cedência dos excedentes de tesouraria do Grupo A... não cumprem os requisitos, previstos no artigo 7º do CIS, para que essas operações possam estar isentas do Imposto do Selo. Visto que, não se encontra comprovado que o crédito cedido pelo Grupo A... às entidades beneficiárias, a D... e a C..., tenha sido exclusivamente utilizado para suprir as necessidades de tesouraria destas. E uma vez que o sujeito passivo não cumpriu o ónus da prova quanto aos pressupostos da isenção pretendida, uma vez que nos termos do n.º 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT), caberia ao sujeito passivo provar que as cedências em causa se destinavam a suprir as carências de tesouraria de que a lei faz depender a isenção, o que não fez.
Assim, estando demonstrada a existência de operações financeiras tributáveis em sede de Imposto do Selo, incumbe ao sujeito passivo a prova dos pressupostos de tal tributação, máxime, por ser isso que lhe foi solicitado e resulta da norma prevista na alínea g) e h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.
Ora bem, a demonstração dos pressupostos para beneficiar da isenção é obrigatória e remete-nos para a problemática do ónus da prova, sendo necessário observar o disposto no artigo 342.º do Código Civil (CC) onde se determina que “Aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado" estabelecendo ainda o artigo 74.º da Lei Geral tributária (LGT), com a epígrafe “Ónus da prova", no seu n.º 1, que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”, daqui resultando que a “administração tributária terá o Ónus da prova dos pressupostos dos factos constitutivos dos direitos que pretender exercer no procedimento, enquanto os sujeitos passivos terão o ónus de provar os factos que possam servir de suporte à concretização desses direitos." - conforme Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa in Lei Geral Tributária comentada e anotada, 3ª edição.
E, de facto, este tem sido o entendimento uniforme da jurisprudência” do Supremo Tribunal Administrativo (STA) em matérias análogas, podendo consultar-se, a tal respeito, o Acórdão de 24-04-1991, proferido no processo 013143, o Acórdão de 14-01-2005, proferido no processo 01480/03, bem como o Acórdão de 29/04/2004, proferido no processo 01680/03, em cujo sumário se pode ler:
III - Tendo efectuado uma transacção intracomunitária que beneficia de isenção, cabia à impugnante provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, ou seja, a existência da alegada transmissão intracomunitária."
E também ao nível dos Tribunais Centrais se pode encontrar jurisprudência no mesmo sentido, citando-se, a titulo de exemplo, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCA-Sul) de 24-01-2012, proferido no processo 05079/11, onde se pode ler que o ónus da prova dos factos constitutivos de um direito à isenção do tributo ou de um outro direito pretendido exercer perante a AT, radicava-se no sujeito passivo do imposto que não nesta, tendo a causa de ser julgada contra a parte onerada com tal ónus quando a realidade dos factos, por outra via, também se não logra obter”, bem como o Acórdão do mesmo Tribunal de 02-07-2013, proferido no processo 06629/13, onde se referiu que “Atento o disposto no artº. 74. nº.1, da L.G.T., é ao sujeito passivo de imposto que compete fazer prova dos pressupostos de sujeição ao regime de determinado benefício fiscal, enquanto facto impeditivo da tributação-regra.”.
Tratando-se de uma isenção, estamos perante um Benefício Fiscal de acordo com o n.º 2 do artigo 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) “São benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria colectável e à colecta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam às características anunciadas no número anterior.”
E de acordo com o artigo 7.º do mesmo diploma “Todas as pessoas, singulares ou colectivas, de direito público ou de direito privado, a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento, ficam sujeitas a fiscalização da Direcção-Geral dos Impostos e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respectivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios.”
Nestes termos, a Autoridade Tributária solicitou ao sujeito passivo a comprovação que as suas aplicações de excedentes de tesouraria foram exclusivamente destinadas a cobertura de carências de tesouraria da entidade recetora (centralizadora) desses fundos, limitando-se a responder por mensagem de correio eletrónico de 2017-01-30, “...confirma que as suas aplicações de excedentes de tesouraria resultam da necessidade de dar cumprimento as obrigações contratuais assumidas por si e demais participantes na estrutura de cashpooling vigente no âmbito do Grupo B..., a qual é exclusivamente destinada a suprir as respetivas carências de tesouraria" (Anexo VIII).
Pelo que, tendo este invocado a isenção prevista nas alíneas g) e h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS e não tendo efetuado a sua comprovação, opera a extinção do benefício fiscal, que tem como consequência a reposição automática da tributação-regra de acordo com o n.º 1 do artigo 14.º do EBF.
Em síntese, conclui-se que os financiamentos concedidos pela A... as entidades beneficiárias, D... e a C..., preenchem o conceito de crédito.
Para efeitos de aplicação das taxas previstas na verba 17.1 e uma vez que o crédito é utilizado por prazo não determinado ou determinável, a obrigação tributária considera-se constituída no último dia de cada mês, sendo a taxa a aplicar, a referida na verba 17.1.4 da TGIS, ou Seja 0,04%, que, de acordo com o descritivo inscrito nesta verba, incide “...sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em divida apurados diariamente, durante um mês, divididos por 30.”
Não sendo os excedentes de tesouraria do Grupo A..., comprovadamente utilizados exclusivamente para suprir as necessidades de tesouraria das entidades beneficiárias dos mesmos, a D... e a C..., não podem ver reconhecida a isenção prevista nas alíneas g) e h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, por incumprimento dos seus requisitos.
Concretizando por entidade beneficiária:
e.1) Os excedentes de tesouraria do Grupo A... cedidos à D..., SGPS, SA (D...)
O sujeito passivo a 16 de maio de 2014 assinou com a D..., SGPS,SA (NIPC...) um contrato de gestão centralizada de tesouraria denominado de “Centralized Cash Management Agreement”, em que formaliza a sua adesão ao sistema de cashpooling utilizado pelas entidades do Grupo B..., que tem como “the Master Account Holder” a E... SA (BE...), residente na Bélgica.
O sujeito passivo iniciou a sua participação no sistema de cashpooling, no dia 24 de junho de 2014, tendo transferido para o referido sistema o montante de € 58.958.241,79 (inclui o montante de € 6.794.200,65 referente a excedentes de tesouraria disponibilizados pela G... e o montante de € 13.926.976,63 disponibilizados pela F...).
Assim, em resultado da adesão ao sistema de cashpooling vigente no âmbito do Grupo B..., a entidade centralizadora dos fundos disponibilizados pelo sujeito passivo foi, até 7 de julho de 2014, a sociedade D..., SGPS, S.A (D...), sua acionista única, data em que foi objeto de dissolução e liquidação, da qual resultou a partilha do seu património (incluindo a participação detida no capital da A...) para a C..., S.A. (C...), residente na Bélgica (BE...).
Durante o período em que a D... foi a entidade centralizadora dos excedentes de tesouraria do Grupo A... (A..., G... e F...), ou seja, entre 2014-06-24 e 2014-07-07, verifica-se que os fundos cedidos pela A... excedem os fundos obtidos por esta a partir da entidade gestora, encontrando-se permanentemente numa posição de crédito concedido à D... .
Desta forma, os fundos cedidos pela A... à D..., no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, consubstanciam financiamentos concedidos utilizados posteriormente por essa entidade, como bem lhe prouver.
Em conclusão, de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS são sujeitos passivos do Imposto as entidades concedentes do crédito.
Já de acordo com o n.º 1 do artigo 23.º do CIS a liquidação e o pagamento do Imposto compete às entidades concedentes do crédito.
Deste modo, conjugando a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º com o n.º 1 do artigo 23.º, ambos do CIS, é a A... o sujeito passivo do Imposto, competindo-lhe liquidar o Imposto devido.
Por outro lado, de acordo com a alínea g) do artigo 5.º do CIS, nas operações de crédito o nascimento da obrigação tributária ocorre no momento em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável, no último dia de cada mês.
Por fim, o dever do pagamento do Imposto apurado em falta é da A... por conjugação do artigo 41.º do CIS com o n.º 1 do artigo 23.º do mesmo código.
Nestes termos foi apurado Imposto do Selo em falta no montante de € 11.005,93 apresentando-se em anexo mapa demonstrativo dos cálculos do apuramento do Imposto mensalmente em falta, que se resume no quadro seguinte:
e.2) Os excedentes de tesouraria do Grupo A... cedidos à C... (C...)
A participação do Sujeito passivo no sistema de cashpooling vigente no âmbito do Grupo B..., tinha como entidade centralizadora dos fundos por si disponibilizados, até 7 de julho de 2014, a sociedade D..., SGPS, S.A (D...), sua acionista única, data em que foi objeto de dissolução e liquidação, da qual resultou a partilha do seu património (incluindo a participação detida no capital da A...) para a C..., S.A. (C...), residente na Bélgica (BE...).
Assim, a partir de 2014-07-08, a C... passou a ser a entidade centralizadora dos excedentes de tesouraria do Grupo A... (A..., G... e F...), ou seja, entre 2014-07-08 e 2014-07-30 e de 2017-08-07 a 2014-12-31, verifica-se que os fundos cedidos pela A... excedem os fundos obtidos por esta a partir da entidade gestora, encontrando-se numa posição de crédito concedido a C... .
Desta forma, os fundos cedidos pela A... à C..., no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, consubstanciam financiamentos concedidos utilizados posteriormente por essa entidade, como bem lhe prouver.
Não sendo os excedentes de tesouraria do Grupo A..., comprovadamente utilizados exclusivamente para suprir as necessidades de tesouraria da entidade beneficiária dos mesmos, a C..., não podem ver reconhecida a isenção prevista nas alíneas g) e h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, por incumprimento dos seus requisitos.
Por outro lado, em face do sentido dos fluxos financeiros realizados entre a A... e a C... constata-se que o credor é a A..., sendo ela a entidade concedente de crédito, cuja sede se situa no território nacional, pelo que, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do CIS, não são aplicáveis as isenções das alíneas g) e h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS. Uma vez que, essas isenções não são aplicáveis quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional, o que é o caso da C..., que é uma entidade residente para efeitos fiscais na Bélgica. E, mesmo no caso de um dos intervenientes não ter sede em território nacional, as isenções das alíneas g) e h) só prevalecem caso o credor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado Membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação, sobre o rendimento e o capital, acordada com Portugal, o que não é o caso conforme foi anteriormente indicado, a A... e a C... pertencem ao mesmo grupo económico, tendo o credor sede no território nacional. Ora se atendermos ao n.º 2 do artigo 7.º do CIS, constatamos que o financiamento concedido pela A... à C... não poderia aproveitar da isenção de Imposto do Selo, por si invocada.
Em conclusão, de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS são sujeitos passivos do imposto as entidades concedentes do crédito.
Já de acordo com o n.º 1 do artigo 23.º do CIS a liquidação e o pagamento do imposto compete as entidades concedentes do crédito.
Deste modo, conjugando a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º com o n.º 1 do artigo 23.º, ambos do CIS, é a A... o sujeito passivo do imposto, competindo-lhe liquidar o imposto devido. Por outro lado, de acordo com a alínea g) do artigo 5.º do CIS, nas operações de crédito o nascimento da obrigação tributária ocorre no momento em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável, no último dia de cada mês.
Por fim, o dever do pagamento do imposto apurado em falta é da A... por conjugação do artigo 41.º do CIS com o n.º 1 do artigo 23.º do mesmo código.
O Imposto apurado em falta ascende a € 127.515,81 apresentando-se em anexo mapa demonstrativo dos cálculos do apuramento do Imposto mensalmente em falta (Anexo I), que se resume no quadro seguinte:
f) Conclusão
Em face do descrito, conclui-se que os financiamentos concedidos pela A... à D..., SGPS, S.A (D...) e à C..., S.A. (C...) - entidades centralizadoras dos excedentes de tesouraria do Grupo A...- preenchem o conceito de crédito, e uma vez que os fundos cedidos pela A... excedem os fundos obtidos por esta a partir dessas entidades, esta diferença reveste a forma de crédito concedido da primeira às segundas entidades.
Para efeitos de aplicação das taxas previstas na verba 17.1 e uma vez que o crédito é utilizado por prazo não determinado ou determinável, a obrigação tributária considera-se constituída no último dia de cada mês, sendo a taxa a aplicar, a referida na verba 17.1.4 da TGIS, ou seja 0,04%, que, de acordo com o descritivo inscrito nesta verba, incide “...sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante um mês, divididos por 30."
Em face do exposto anteriormente, e tendo presente o previsto nas alíneas g) e h) do n.º 1 e no n.º 2, ambos, do artigo 7.º do CIS, as isenções invocadas pelo sujeito passivo relativamente às cedências de crédito por si realizadas durante o ano de 2014 a favor da D... e da C... não são aplicáveis em virtude do incumprimento dos requisitos das mesmas. Visto que os fundos cedidos e o respetivo contrato não visam exclusivamente a cobertura de carências de tesouraria, e como devidamente evidenciado, o contrato que rege estas operações visa a gestão centralizada de tesouraria, pelo que a disponibilização dos excedentes de tesouraria não se encontra condicionada à existência de carência de tesouraria da entidade beneficiária dos mesmos.
Assim, de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS são sujeitos passivos do Imposto as entidades concedentes do crédito. Já de acordo com o n.º 1 do artigo 23.º do CIS a liquidação e o pagamento do Imposto compete as entidades concedentes do crédito.
Deste modo, conjugando a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º com o n.º 1 do artigo 23.º, ambos do CIS, é a A... o Sujeito passivo do Imposto, competindo-lhe liquidar o Imposto devido. Por outro lado, de acordo com a alínea g) do artigo 5.º do CIS, nas operações de crédito o nascimento da obrigação tributária ocorre no momento em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável, no último dia de cada mês.
Por fim, o dever do pagamento do Imposto apurado em falta é da A... por conjugação do artigo 41.º do CIS com o n.º 1 do artigo 23.º do mesmo código.
O Imposto apurado em falta ascende a € 138.521,74 (€ 127.515,81 + € 11.005,93), apresentando-se em anexo o mapa resumo do Imposto em falta, por período de Imposto:
Assim sendo, e nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 23.º e 41.º do CIS, a liquidação deste Imposto e a sua entrega nos cofres do Estado compete à entidade concedente do crédito, a A... no caso em análise, pelo que a A... deveria ter pago o Imposto até ao dia 20 do mês seguinte aquele em que a obrigação tributária se tenha constituído (n.º 1 do artigo 44.º do CIS).
E à luz do n.º 1 do artigo 40.º do CIS, a não entrega do Imposto ou o retardamento da liquidação é sempre imputável ao sujeito passivo, acrescendo, ao montante do Imposto devido, juros compensatórios.
Em face do descrito anteriormente, foi apurado, de acordo com o mapa anterior, Imposto do Selo em falta, no montante de € 138.521,74 (€ 127.515,81 + € 11.005,93), resultante da aplicação da verba 17.1.4 da TGIS, ao crédito concedido pela A... a D... e à C... durante o ano de 2014, com prazo não determinado ou determinável.
De referir que o Imposto do Selo liquidado é considerado encargo do utilizador do crédito de acordo com a alínea f) do n.º 3, conjugado com o n.º 1 do artigo 3.º do CIS, com as consequentes implicações ao nível do Imposto do Rendimento das Pessoas Coletivas uma vez que de acordo com a alínea f) do n.º 1 do artigo 23.º- A do Código do IRC, tratam-se de encargos não dedutíveis para efeitos fiscais.
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Posteriormente, a Requerente foi notificada dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo n.º 2018..., no montante de € 138.521,74, e respetivos actos tributários de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., que perfazem um montante de € 17.369,21, liquidações de imposto e juros que no total perfazem €155.890,95 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A Requerente efectuou o pagamento do montante de € 155.890,95, correspondente ao Imposto do Selo e juros compensatórios liquidados, (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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O “Centralised Cash Management Agreement” referido no Relatório da Inspecção Tributária, tem o teor que consta do seu Anexo VI, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
ARTICLE 1 - PURPOSE
The Parties agree to make permanent and systematic use of multi-currency cash pooling, which would be coordinated by the Centralizing Company; the Centralized Company mandate the latter, which accepts, to ensure, coordination and centralization of all their cash needs and excess liquidity in the short term to allow the Centralized Company to benefit:
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from an optimisation of its cash management;
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from a reduction in the weighted average cost of its financing and, accordingly, of its financial and banking charges;
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from a fair return on its cash surpluses.
ARTICLE 2 — MISSION OF THE CENTRALISING COMPANY
The Centralized Company entrusts to the Centralizing Company the management of their cash surpluses and needs.
As such, the Centralizing Company will be responsible in particular for:
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receiving in the form of advances, from those of the Centralized Company having surplus cash, the funds that correspond to such surplus;
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making available in the form of advances to those Centralized Company with cash needs such funds as will enable them to cover those needs;
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negotiating all short-term bank loans and, in general, the terms and conditions of any and all bank financing;
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negotiating and implementing any system of automated management of cash and information flows between the Centralizing Company, the Centralized Company and the banking institutions;
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making any investment – through whatever means – that complies with the investment policy of the B… Group;
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any other task directly or indirectly related to the short-term management of the liquidity of the Centralized Company. ( [1] )
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A Requerente iniciou a sua participação no sistema de cash pooling a 24-06-2014, sendo a entidade centralizadora a D..., tendo transferido para o referido sistema o montante de €58.958.241,79, o qual inclui o montante de € 6.794.200,65 referente a excedentes de tesouraria disponibilizados pela G... e o montante de € 13.926.976,63 disponibilizados pela F...;
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Em 07-07-2014, a D... foi objecto de dissolução e liquidação, da qual resultou a partilha do respectivo património (onde se incluiu a participação detida no capital da Requerente) para a C..., S.A. ("C..."), residente na Bélgica;
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A partir de 08-07-2014, a C... passou a ser a entidade centralizadora dos excedentes de tesouraria do GRUPO A... (A..., G... e F...), através de uma conta sediada no H..., na Bélgica;
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A transferência dos fundos decorrentes do cash pooling supra referido se encontra suportada por um contrato celebrado entre a REQUERENTE e a C..., operando numa base diária, em que as instituições bancárias intervenientes actuam como meros prestadores de Serviços;
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O balanço da C... relativo a 31-12-2014, tem o teor que consta do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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A C... celebrou em 29-07-2013, com a E..., o contrato de abertura de crédito que consta do documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, pelo qual lhe disponibilizou um crédito no valor de € 700.000.000,00, com pagamento semestral de juros;
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Do documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido constam extractos de conta da C... junto do H...;
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A D... apresentara um resultado líquido antes de impostos negativo, correspondente a €95.489,02, documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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O extracto da conta 6221 da D... relativo ao período de 31-01-2014 a 30-06-2014 tem o teor que consta do documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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Em 11-09-2018, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se no processo administrativo e nos documentos juntos pela Requerente cuja correspondência à realidade não é contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Não se provou que os fundos disponibilizados pela Requerente se destinassem exclusivamente a cobertura de carências de tesouraria.
A fundamentação sobre esta matéria será incluída na apreciação da matéria de direito.
3. Matéria de direito
O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos.
Assim, como defende a Requerente, não é relevante fundamentação a posteriori, designadamente a relativa ao «fundo de maneio» que a Autoridade Tributária e Aduaneira refere na sua Resposta.
A Requerente iniciou em 24-06-2014 a sua participação no sistema de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling) do Grupo B..., em que se integra, no âmbito de contratos que celebrou com empresas desse grupo.
O sistema foi implementado através de contas abertas nos bancos H... e I..., que são meras prestadoras de serviços.
A entidade centralizadora dos fundos disponibilizados pelo sujeito passivo foi, até 7 de julho de 2014, a sociedade D..., SGPS, S.A (D...), sua accionista única, entidade residente em Portugal.
Naquela data a D... foi dissolvida e liquidada, tendo a participação detida no capital da A... sido transferido para a C..., S.A. (C...), residente na Bélgica.
No âmbito desse sistema, a Requerente cedeu fundos que não foram sujeitos a tributação em Imposto do Selo.
No procedimento inspectivo, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, relativamente às operações com a D..., que as operações em causa estão sujeitas a tributação em sede de Imposto do Selo, pois, em suma:
– «estamos em presença de uma concessão e utilização de crédito, temos a A..., sujeito passivo nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 2º do CIS com sede em Portugal, como entidade mutuante (concedente) e a entidade centralizadora, como entidade mutuária (utilizadora), pelo que a realização do crédito (disponibilização dos fundos) ocorre em território nacional, tratando-se assim de uma operação sujeita a Imposto do Selo, de acordo com o princípio da territorialidade instituído no referido n.º 1 do artigo 4.º do CIS, sendo tributada pelas taxas previstas na verba 17.1, competindo ao sujeito passivo a liquidação e entrega nos cofres do Estado do Imposto nos termos dos artigos 23.º e 41 .º, ambos do CIS»;
– é inaplicável a isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS, por não se ter demonstrado que as operações sejam «exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria».
Relativamente à C..., residente na Bélgica, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que as operações estão sujeitas a Imposto do Selo porque, em suma:
«o credor é a A..., sendo ela a entidade concedente de crédito, cuja sede se situa no território nacional, pelo que, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do CIS, não são aplicáveis as isenções das alíneas g) e h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS. Uma vez que, essas isenções não são aplicáveis quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional, o que é o caso da C..., que é uma entidade residente para efeitos fiscais na Bélgica. E, mesmo no caso de um dos intervenientes não ter sede em território nacional, as isenções das alíneas g) e h) só prevalecem caso o credor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado Membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação, sobre o rendimento e o capital, acordada com Portugal, o que não é o caso conforme foi anteriormente indicado, a A... e a C... pertencem ao mesmo grupo económico, tendo o credor sede no território nacional».
Entendeu ainda Autoridade Tributária e Aduaneira que a Requerente não fez prova de que os fundos disponibilizados se destinavam exclusivamente à cobertura de carência de tesouraria.
A Requerente imputa à liquidação impugnada vícios por:
– violação das regras sobre incidência territorial do Imposto do Selo (a utilização do crédito ocorrer fora do território português), no caso dos créditos concedidos à C...;
– violação da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea g), do CIS;
– desconformidade do artigo 7.º, n.º 2, do CIS com o Direito Europeu, no que concerne aos créditos concedidos à C...;
– violação do princípio da legalidade, na sua vertente da tipicidade;
– violação do princípio da igualdade, quanto ao créditos concedidos à C... .
3.1. Questão aplicação do CIS quanto aos créditos concedidos à C...
A Requerente defende, em suma, o seguinte:
– a utilização dos créditos concedidos à C... ocorreu integralmente fora do território português, fora do âmbito de incidência territorial do CIS;
– no caso de operações financeiras de cedência de crédito, «o facto tributário relevante é a efetiva utilização do crédito por parte do beneficiário, considerado, por isso mesmo, nos termos do CIS, o titular do interesse económico correspondente (cfr. artigo 3.º, n.º 3, alínea f), do CIS)» e não o contrato que lhes está subjacente;
– nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do CIS, «o imposto do selo incide sobre todos os factos referidos no artigo 1.º ocorridos em território nacional», o que está de acordo com o artigo 13.º, n.º 1, da LGT;
– «quanto à C..., os créditos cedidos pela REQUERENTE tiverem como destinatária uma entidade não-residente sem estabelecimento estável em Portugal que não os utilizou em território português»;
– o titular do interesse económico nas concessões de crédito que é o "utilizador do crédito”;
– mesmo nos casos em que esteja em causa uma conta corrente, a utilização eƒetiva do crédito em território português continuará a ser determinante para a constituição do facto tributário de que depende a sujeição a Imposto do Selo, para os efeitos previstos na verba 17.1 da TGIS;
– se interpretássemos que nas situações em que o beneficiário é não-residente o facto tributário deixa de ser a utilização de crédito para passar a ser a concessão de crédito, tal interpretação normativa padeceria de discriminação e restrição à livre circulação de capitais, proibida pelo Direito Comunitário (cf. artigo 63.º TFUE e ao artigo 40.° do Acordo EEE), aplicável não só em relação a outros Estados-membros (o que se verifica no nosso caso uma vez que a C... é residente na Bélgica), mas também em relação a países terceiros.
Como pertinentemente refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu, em 28-11-2018, decisão no processo n.º 0436/16, citado pela Requerente [2], em que apreciou as questões de:
-
Saber se a mera disponibilização de fundos no âmbito de um contrato de centralização de tesouraria (contrato de “cash pooling” na modalidade de “cash concentration”), nos termos do qual uma sociedade canaliza os seus excedentes de tesouraria para uma entidade centralizadora pertencente ao mesmo grupo de sociedades, podendo esta entidade investir os excedentes de tesouraria globais junto de entidades terceiras ou disponibilizá-los a outras sociedades do mesmo grupo em situação deficitária, e devendo restituir os excedentes de tesouraria daquela sociedade sempre e quando aquela o solicitar, configura uma operação de crédito sujeita a IS nos termos da verba 17.1.4 da TGIS;
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Saber se o crédito sob a forma de conta corrente, concedido por uma entidade com sede em território português a uma entidade com sede noutro Estado, no qual se procederá à utilização do crédito, é sujeita a IS em Portugal ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 1, do CIS.
São precisamente as questões que se colocam no presente processo, como é reconhecido pela Requerente (no artigo 73.º do pedido de pronúncia arbitral).
O Supremo Tribunal Administrativo decidiu o seguinte:
Dispõe a verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto de selo que, o crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30.
Resumidamente, a situação de facto é a seguinte: a A………., Lda (A……..) celebrou um contrato com a A’……….. (A’………), pelo qual se comprometeu a transferir todos os excedentes de tesouraria para esta A’……….., entidade responsável pela gestão centralizada de tesouraria do grupo A…….. Por outro lado, passou a poder beneficiar dos fundos da A’……….., no caso de necessitar dos mesmos.
Pelas transferências de fundos realizadas a A………… recebeu juros no montante € 3.626.988,59.
A A………… tem sede em Portugal e a A’………… tem sede na Suécia.
Não há dúvida, porque está provado documentalmente, que a impugnante e a referida A’………… fazem parte de um acordo de gestão integrada de tesouraria em que perante a existência de excedentes de tesouraria, no caso da impugnante, tais excedentes foram remetidos à A’………… que os utilizou no auxilio a outras empresas que necessitavam de capital e em contrapartida pagou juros à impugnante pela disponibilização desses excedentes com os quais contribuiu para a o referido acordo de gestão integrada.
Ocorreu, portanto, uma ou mais operações de transferência de saldos entre a(s) conta(s) da impugnante e a(s) conta(s) da entidade centralizadora, a A’…………, que não podem deixar de consubstanciar financiamentos concedidos através da realização de operações de tesouraria, verificando-se, assim, a concessão de crédito a que alude a referida verba 17.1.4 da TGIS.
Com esta verba do IS pretende-se tributar as transferências de saldos entre a impugnante, enquanto empresa nacional, e a entidade centralizadora, sedeada na Suécia, devendo tais transferências de saldos ser qualificadas como financiamentos concedidos também para efeitos do disposto no artigo 4º, n.º 1 do CIS. Portanto, no caso concreto, incumbiria à impugnante a liquidação do imposto de selo, na qualidade de concedente do crédito, que seguidamente o deveria debitar à A’………… não residente.
E tais transferências de saldos, tanto são tributadas quando ocorrem entre empresas nacionais, entre empresas de estados-membros ou até entre empresas de estados-membros e de países terceiros, aplicando-se sempre as normas constantes dos artigos 1º. n º 1, 2º, b), 3º, n.º 1, f), 4º, n.º 1, 23º, n.º 1, 41º e 44º, todos do CIS.
Nesta medida, não se vislumbra que sejam ofendidas as normas do artigo 63º do TFUE e 40º do Acordo EEE, que consagram a livre circulação de capitais, uma vez que estas normas relativas ao IS são aplicadas indistintamente a todas as operações económicas legalmente previstas, sem discriminação em função da nacionalidade ou do território, quando duas empresas operem nas mesmas condições e sujeitas aos mesmos acordos que a impugnante e a A’………., em sentido coincidente, onde se decidiu que o direito da União era ofendido por haver um tratamento diferente em razão do território, pode ver-se o acórdão do TJUE proferido no processo n.º C-439/97.
Efectivamente a operação de transferência de capitais realizada entre a impugnante e a dita A’…………, e ao contrário do que defende a impugnante, tem que ser necessariamente subsumida ao disposto no artigo 4º, n.º 1 do CIS e respectiva verba 17.1.4 da TGIS, desde logo porque tem que ser qualificada como uma operação de crédito com contrapartida, isto é, remunerada por via do pagamento dos juros calculados a uma taxa acordada entre as partes e durante o período de tempo de duração da cedência do capital. E sempre que haja a utilização desse mesmo capital por parte da A’………..–crédito utilizado- ocorre a possibilidade de tributação ao abrigo das normas respeitantes ao CIS e à TGIS atrás indicadas.
Podemos, assim, concluir que não procede o recurso que nos vinha dirigido, respondendo-se às duas questões colocadas em sentido contrário ao pretendido pela impugnante.
À luz deste acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, deverá entender-se que, embora o Imposto do Selo seja encargo do utilizador do crédito [nos termos do artigo 3.º, n.º 3, alínea f), do CIS], o Sujeito Passivo é quem concede o crédito [de harmonia com o disposto no artigo 2.º, alínea b), do mesmo Código].
De onde decorre que «incumbiria à impugnante a liquidação do imposto de selo, na qualidade de concedente do crédito, que seguidamente o deveria debitar à (...) não residente», em sintonia com o preceituado no artigo 23.º, n.º 1, 41.º e 44.º, do CIS.
Desta perspectiva, a conexão relevante para aferir a incidência territorial do Imposto do Selo é o local da concessão do crédito, que determina o dever de liquidar do concedente.
Estando-se perante uma decisão do Supremo Tribunal Administrativo, proferida por unanimidade, sobre uma questão idêntica à que se coloca neste processo, adere-se a essa jurisprudência, pelos fundamentos invocados, que têm suporte legal nas normas invocadas.
Como se refere no mesmo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo «estas normas relativas ao IS são aplicadas indistintamente a todas as operações económicas legalmente previstas, sem discriminação em função da nacionalidade ou do território, quando duas empresas operem nas mesmas condições e sujeitas aos mesmos acordos que a impugnante e a A’………., em sentido coincidente, onde se decidiu que o direito da União era ofendido por haver um tratamento diferente em razão do território, pode ver-se o acórdão do TJUE proferido no processo n.º C-439/97», pelo que a sua aplicação não envolve violação do princípio da igualdade, nem discriminação entre empresas situadas em território nacional e as localizadas em outros Estados membros da União Europeia, que possa considerar-se incompaginável com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que proíbe «as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros».
Improcede, assim, o primeiro vício imputado pela Requerente à liquidação impugnada.
3.2. Questão da violação da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea g), do CIS
O artigo 7.º, n.º 1, alínea g), do CIS estabelece o seguinte:
1 – São também isentos de imposto:
(...)
g) As operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efetuadas por outras sociedades a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham uma participação de, pelo menos, 10% do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a (euro) 5 000 000, de acordo com o último balanço acordado e, bem assim, efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo; (Redação da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro)
No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que estavam reunidos dois dos requisitos para a Requerente beneficiar desta isenção, designadamente, os de as operações financeiras terem duração inferior a um ano, e «quanto ao requisito destas operações financeiras serem “efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo".
Mas, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não se verifica o requisito de essas operações serem «exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria».
A Requerente invocou, no procedimento de inspecção, para demonstração da satisfação deste requisito, que «as suas aplicações de excedentes de tesouraria resultam da necessidade de dar cumprimento as obrigações contratuais assumidas por si e demais participantes na estrutura de cash pooling vigente no âmbito do Grupo B..., a qual é exclusivamente destinada a suprir as respetivas carências de tesouraria" (Anexo VIII)».
A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou este entendimento da Requerente porque, em suma:
– «para fazer a prova do elemento de “utilização exclusiva” dos fundos para carências de tesouraria da entidade centralizadora, o sujeito passivo ao invocar a isenção deverá provar a existência dessas carências de tesouraria por parte das entidades beneficiárias dos mesmos, a D... e a C...»;
– o próprio “Centralised Cash Management Agreement”(...) não prevê que apenas sejam disponibilizados os excedentes de tesouraria da A..., quando existam carências de tesouraria das entidades beneficiárias, a D... e a C...»;
– «o que esse acordo prevê, nos seus artigos 1º e 2º, é que as partes acordam em utilizar de forma permanente e sistemática o sistema de cashpooling, em que a A... obriga-se e aceita, que as entidades beneficiárias, a D... e a C..., assegurem a coordenação e centralização de todas as suas necessidades de caixa e excesso de liquidez no curto prazo»;
– «mesmo que fosse possível entender que a execução rigorosa do contrato na realidade não geraria operações tributáveis, daí não decorreria, de per si, que essa execução rigorosa tivesse efetivamente ocorrido na realidade, o que sempre haveria que demonstrar, e no caso não foi feito»;
– «o próprio contrato também não prevê que o recebimento dos fundos correspondentes aos excedentes de caixa da A..., pela entidade centralizadora, se encontre dependente da existência de necessidades de tesouraria da entidade centralizadora, logo mesmo o integral cumprimento do contrato, nunca poderia permitir concluir que tais operações fossem exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria, como o sujeito passivo procurou justificar»;
– «Nem tão pouco, se poderá afirmar que o próprio "CentraIised Cash Management Agreement" existente implique que só ocorram fluxos financeiros exclusivamente em situações de carência de tesouraria. Uma vez que, o próprio contrato admite a existência de propósitos acessórios no sistema de cashpooling, parecendo não atentar que a norma que poderia acolher a sua pretensão fala em operações “exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria”, e não principalmente (ou qualquer outro sinónimo) destinadas a tal finalidade»;
– «o sujeito passivo não cumpriu o ónus da prova quanto aos pressupostos da isenção pretendida, uma vez que nos termos do n.º 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT), caberia ao sujeito passivo provar que as cedências em causa se destinavam a suprir as carências de tesouraria de que a lei faz depender a isenção, o que não fez»;
– «tendo presente o previsto nas alíneas g) e h) do n.º 1 e no n.º 2, ambos, do artigo 7.º do CIS, as isenções invocadas pelo sujeito passivo relativamente às cedências de crédito por si realizadas durante o ano de 2014 a favor da D... e da C... não são aplicáveis em virtude do incumprimento dos requisitos das mesmas. Visto que os fundos cedidos e o respetivo contrato não visam exclusivamente a cobertura de carências de tesouraria, e como devidamente evidenciado, o contrato que rege estas operações visa a gestão centralizada de tesouraria, pelo que a disponibilização dos excedentes de tesouraria não se encontra condicionada à existência de carência de tesouraria da entidade beneficiária dos mesmos».
Afigura-se essencialmente correcto este entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois o “Centralised Cash Management Agreement” que consta do Anexo VI ao Relatório da Inspecção Tributária embora também preveja a disponibilização de fundos às Empresas Centralizadas com necessidades monetárias de fundos, não prevê que tal disponibilização seja a única utilização permitida para os fundos disponibilizados e só nos casos em que a cobertura de carência de tesouraria é a finalidade exclusiva tem aplicação a isenção.
Na verdade, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, no contrato prevê-se a utilização permanente e sistemática do sistema de cash pooling, «em que a A... obriga-se e aceita, que as entidades beneficiárias, a D... e a C..., assegurem a coordenação e centralização de todas as suas necessidades de caixa e excesso de liquidez no curto prazo».
Os objectivos enunciados no contrato são uma optimização de gestão de caixa, uma redução do custo médio ponderado do financiamento e, consequentemente, dos seus encargos financeiros e bancários e um retorno justo sobre seus excedentes de caixa («from an optimisation of its cash management; from a reduction in the weighted average cost of its financing and, accordingly, of its financial and banking charges; from a fair return on its cash surpluses»), finalidades estas que não têm forçosamente de verificar-se apenas quando existam carências de tesouraria.
Inclusivamente, prevê-se no contrato que os fundos disponibilizados sejam utilizados para a Empresa Centralizadora fazer qualquer investimento - por qualquer meio - que esteja em conformidade com a política de investimento do Grupo B... («making any investment – through whatever means — that complies with the investment policy of the B... Group»), o que evidencia que os fundos disponibilizados sem a restrição à utilização para cobertura de carências de tesouraria de empresas do grupo.
Estabelecendo a alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, como requisito da isenção, que as operações financeiras sejam «exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria», tem de se concluir que não fica satisfeito esse requisito quando a disponibilização de fundos é efectuada de forma sistemática e sem limitação quanto a utilização para aquela finalidade, mesmo que, posteriormente, se venha a concluir que a entidade centralizadora, de entre os vários destinos possíveis, optou por lhes vir a dar total ou parcialmente utilização para cobertura de carência de tesouraria.
O facto de o contrato não restringir a utilização dos fundos disponibilizados pela Requerente à cobertura de carências de tesouraria, não sendo, naturalmente, um elemento decisivo para obstar a que se possa concluir que o destino das operações foi apenas este, constitui um elemento relevante para aferir o destino das operações, já que, por um lado, a disponibilização não depende da existência de carências de tesouraria e, por outro lado, a disponibilização de fundos foi feita sem qualquer restrição à utilização, podendo os fundos ser utilizados para outros fins, designadamente para efectuar qualquer investimento - por qualquer meio - que esteja em conformidade com a política de investimento do Grupo B... .
De qualquer modo, é certo que, apesar de a disponibilização dos fundos não estar condicionada à existência de carências de tesouraria e não existir restrição à sua utilização para sua cobertura, se se demonstrar que as operações efectuadas tiveram essa finalidade e utilização, não será de afastar a aplicação da isenção.
A Requerente não fez essa prova no procedimento tributário, mas pretende fazê-la no presente processo, através de documentos que apresentou.
Para aplicação da isenção será necessário provar não só que existiam carências de tesouraria no âmbito da entidade centralizadora, que todos os fundos disponibilizados pela Requerente eram necessários para as cobrir e que foram efectivamente utilizados para essa cobertura.
Como se diz na Informação Vinculativa junta pela Requerente como documento n.º 9, para efeitos de apuramento da utilização exclusiva dos fundos disponibilizados para cobertura de carências de tesouraria, «em cada situação em concreto, se deve delimitar as insuficiências de tesouraria em face dos compromissos ou obrigações a satisfazer num horizonte temporal de curto prazo, devendo a carência reportar-se ao início da utilização do crédito e aparecer relevada nos registos contabilísticos da sociedade beneficiária do crédito».
Não basta para tal apuramento, quanto a cada disponibilização de fundos, a indicação de responsabilidades a assumir, sendo necessário para tal apuramento também a previsão dos valores a receber.
Assim, para prova da utilização exclusiva dos fundos disponibilizados pela Requerente durante o período em que a entidade centralizadora do grupo A... (A..., G... e F... ) foi a D..., entre 24-06-2014 e 07-07-2014, não basta a constatação de que nesta última data registava um resultado negativo (como resulta do documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral), não só porque o contrato operava numa base diária ( [3] ) e as operações diárias não podem ser apuradas apenas com base no resultado final do período, mas inclusivamente porque, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, esse resultado nem é relevante para demonstração de carências de tesouraria, pois «o apuramento do resultado é efectuado com base no regime de competência económica (confrontando gastos e rendimentos do período) independentemente dos correspondentes pagamentos ou recebimentos».
Por idênticas razões, no que concerne aos períodos em que os fundos cedidos pela Requerente à C... excedem os dela recebidos, entre 08-07-2014 e de 30-07-2014 e entre 07-08-2014 e 31-12-2014, não se afigura relevante a situação que se apura pelo balanço em 31-12-2014 (a que se reporta o documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral), que poderá permitir aferir a situação nesta data, mas não naquelas. Designadamente, não se pode concluir desse documento que a C... tivesse ou contasse ter num curto prazo necessidades de tesouraria para as quais não tivesse disponibilidades de curto prazo, nem que os fundos disponibilizados pela Requerente tenham sido utilizados exclusivamente para essa hipotética cobertura. Neste contexto, há que ter em conta que só é relevante para efeito da isenção a utilização exclusiva dos fundos disponibilizados para cobertura de carências de tesouraria e estão em causa valores disponibilizados da ordem de € 60.039.655,60 em Julho de 2014, de € 13.847.065,71 em Agosto de 2014, de € 33.295.642,21 em Setembro de 2014, de € 58.217.121,59 em Outubro de 2014, de € 76.569.742,23 em Novembro de 2014 e de € 76.820.274,77 em Dezembro de 2014.
Quanto aos extractos diários da conta do ... no H... que constam do documento n.º 11, que se reportam aos dias 08-7-2014, 27-08-2014, 13-09-2014, 27-10-2014, 25-11-2014, 24-12-2014 e 29-12-2014, permitem aferir da situação nesses dias, mas não em todos os outros dias durante esses períodos em que se manteve a Requerente numa posição de crédito concedido a C..., pelo que não se pode concluir que os fundos disponibilizados foram utilizados exclusivamente para cobertura de carências de tesouraria. Por outro lado, os valores dos movimentos bancários referidos nesses extractos, que são sempre inferiores a € 5.000.000,00, não têm sequer aproximação aos referidos valores disponibilizados que foram considerados para liquidação do Imposto do Selo de € 60.039.655,60 em Julho de 2014, de € 13.847.065,71 em Agosto de 2014, de € 33.295.642,21 em Setembro de 2014, de € 58.217.121,59 em Outubro de 2014, de € 76.569.742,23 em Novembro de 2014 e de € 76.820.274,77 em Dezembro de 2014.
Para além disso, o contrato de financiamento contraído pela C..., no valor de € 700.000.00,00 ( [4] ) com cujas obrigações de pagamento de juro semestrais a Requerente presente demonstrar as carências de tesouraria da C..., evidencia, pelo contrário, a dimensão da insuficiência probatória que a Requerente traz ao processo.
Na verdade, as obrigações de pagamentos de juros semestrais, calculados nos termos do seu artigo 4.º com base na Euribor a 6 meses acrescida de 1,25% , seriam inferiores a €5.500.000,00 no segundo semestre de 2014 ( [5] ), valor este muito distante dos valores da disponibilização de fundos pela Requerente verificada em cada um dos meses desse semestre e de menos de 2% dos valores globais disponibilizados no período referido. Por outro lado, o reembolso do financiamento apenas era imposto de uma só vez, em 31-07-2018, como se prevê no artigo 1.º do contrato referido ( [6] ), pelo que dessa obrigação não decorriam carências de tesouraria.
Por isso, tendo em conta também que a C... teria alguns rendimentos, tem de concluir que não se demonstrou a «efetiva situação de carência de tesouraria despoletada pelas obrigações que decorrem do contrato» a que alude a Requerente no artigo 153.º do pedido de pronúncia arbitral.
Assim, não se pode considerar provado que os fundos disponibilizados pela Requerente se destinassem exclusivamente (nem sequer predominantemente) a cobertura de carências de tesouraria.
3.2.1. O ónus da prova quanto aos pressupostos dos benefícios fiscais
O artigo 74.º, n.º 1, da LGT estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».
No específico caso dos benefícios fiscais, o artigo 14.º, n.º 2, da LGT estabelece que «os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão, ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício, nomeadamente as relativas aos impostos sobre o rendimento, a despesa ou o património, ou às normas do sistema de segurança social, sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito».
Desta norma infere-se que o ónus da prova dos pressupostos dos benefícios fiscais recai sobre os contribuintes e concretiza-se através da revelação desses pressupostos ou autorização para eles serem revelados à Administração Tributária.
Na falta de cumprimento desse ónus, os benefícios fiscais ficam sem efeito, como estatui a parte final daquele n.º 2 do artigo 14.º.
O artigo 65.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) confirma esta conclusão ao estabelecer, no seu n.º 1, que «salvo disposição em contrário e sem prejuízo dos direitos resultantes da informação vinculativa a que se refere o n.º 1 do artigo 57.º, o reconhecimento dos benefícios fiscais depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, o cálculo, quando obrigatório, do benefício requerido e a prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei» e, no seu n.º 5, que «a manutenção dos efeitos de reconhecimento do benefício dependem de o contribuinte facultar à administração fiscal todos os elementos necessários ao controlo dos seus pressupostos de que esta não disponha».
Resulta, assim, destas normas que, nos casos em que a Administração Tributária não dispõe de elementos de prova dos benefícios fiscais, é o contribuinte que lhos tem de fornecer, «sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito», como determina a parte final do n.º 2 do artigo 14.º da LGT.
Embora estas regras estejam previstas para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo jurisdicional que se lhes seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova de certos factos no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo jurisdicional. ( [7] )
Por outro lado, embora o artigo 100.º, n.º 1, do CPPT estabeleça a regra de que «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado», nos casos dos pressupostos dos benefícios fiscais não se está perante uma situação aqui directamente enquadrável, pois, ela reporta-se apenas a prova da existência do facto tributário e sua quantificação e não às isenções.
O facto tributário é o facto jurídico constitutivo da obrigação de imposto e «a isenção tem a natureza jurídica de um facto impeditivo autónomo e originário e não de uma delimitação negativa do facto constitutivo». ( [8] )
Para além disso, aquela regra do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, tem natureza de norma geral sobre o ónus da prova nos processos de natureza jurisdicional, pelo que deve ceder perante normas especiais sobre essa matéria, como é o caso das normas que se referiram sobre o ónus da prova em matéria de benefícios fiscais. Nos casos em que existem normas especiais sobre o ónus da prova que o fazem recair sobre o contribuinte no procedimento tributário, deve entender-se que ele também lhe é imposto no processo jurisdicional, pois a ponderação de interesses, baseada em regras da normalidade, que justifica a repartição do ónus da prova no procedimento tributário é a mesma que se tem de fazer no processo judicial, e, por isso, «o critério de repartição deverá ser o mesmo, como impõe a coerência valorativa e axiológica imposta pelo princípio da unidade do sistema jurídico, que é o elemento primordial da interpretação jurídica (art. 9.º, n.º 1, do Código Civil). Com efeito, não se compreenderia que, com base num determinado critério sobre o ónus da prova, se levasse a administração tributária a praticar um acto de liquidação (que, à face deste critério, seria legal), para, depois, no processo judicial, inverter o ónus da prova sobre os mesmos factos, levando o tribunal a decretar a anulação desse acto, por ilegalidade consubstanciada em erro sobre os pressupostos de facto, sem que sobreviesse qualquer alteração da matéria de facto». ( [9] )
Por isso, no caso em apreço, sendo pressuposto do benefício fiscal as operações serem «exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria», é sobre a Requerente que recai o ónus da prova desse destino exclusivo.
Consequentemente, a falta da prova desse requisito tem de ser processualmente valorada contra a Requerente, o que tem como consequência considerar não verificado esse requisito do benefício fiscal.
3.3. Questão da compatibilidade do artigo 7.º, n. 2, do CIS com o Direito Europeu
A Requerente suscitou a questão da desconformidade do artigo 7.º, n.º 2, do CIS com o Direito Europeu.
O artigo 7.º, n.º 2, do CIS reporta-se à alínea g) do seu n.º 1, regulando o âmbito de aplicação subjectivo do benefício fiscal.
Devendo considerar-se que não se demonstram todos os requisitos objectivos do benefício fiscal, é forçoso concluir que a Requerente não pode usufruir do benefício fiscal, pelo que é inútil apreciar se se verificam ou não os requisitos subjectivos ou se a previsão legal destes é compatível com o Direito Europeu.
Fica assim prejudicado, por ser inútil, o conhecimento desta questão, de harmonia com o disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, subsidiariamente aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Pelo exposto, não se toma conhecimento desta questão.
3.4. Vício de violação do «princípio da legalidade, na sua vertente quanto tipicidade»
A Requerente imputa este vício à liquidação por entender que não tem suporte legal a tributação de «utilizações de crédito integralmente ocorridas fora do território Português» e invoca o artigo 103.º, n.º 2 da CRP, que exige a forma de lei para as normas que definem a incidência dos impostos.
Pelo que já se referiu, na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, as operações em casa são tributadas em Imposto do Selo em Portugal, sendo as «entidades concedentes do crédito» os sujeitos passivos, apesar de o encargo da tributação dever ser repercutido no utilizador do crédito.
Assim, está-se perante tributação que tem previsão legal e um elemento de conexão territorial com Portugal, sendo correcta a interpretação adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Por isso, não é a Circular n.º 15/2000, invocada pela Requerente, mas sim a própria lei que prevê a incidência do Imposto do Selo nesta situação de concessão de crédito.
Consequentemente, não se verifica a invocada violação do princípio da igualdade, derivada da violação do princípio da tipicidade ou de regras de incidência, invocada pela Requerente.
3.5. Vício de violação do princípio da igualdade
O princípio da igualdade proíbe discriminações arbitrárias, desprovidas de justificação racional.
No caso em apreço, a Requerente defende que ocorre discriminação relativamente aos pressupostos subjectivos da isenção:
– «Note-se que a REQUERENTE reconhece, sem grande dificuldade, que em situações nas quais o devedor se encontra em território português, seja neste último território que, presumivelmente, ocorra a utilização do crédito, pelo que aí terá lugar a tributação em sede de IMPOSTO DO SELO». ( artigo 212.º do pedido de pronúncia arbitral)
– «Já não pode a REQUERENTE compreender, nem tão pouco aceitar, que desta última presunção se passe para uma outra, que é a de vedar a aplicação de uma isenção expressamente prevista a casos em que o devedor se encontra fora desse território, nomeadamente num ESTADO-MEMBRO DA UNIÃO EUROPEIA que, inclusive, tem uma CONVENÇÃO DE DUPLA TRIBUTAÇÃO celebrada com o ESTADO PORTUGUÊS». (artigo 213.º do pedido de pronúncia arbitral).
– «Em síntese, ao restringir a aplicação da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea g) do CIS, a situações em que o “devedor” se encontra sediado em território português, preterindo-a em casos em que é o credor a encontrar-se sediado em território português - estando apenas em causa uma diferença quanto à direção do fluxo de financiamento e não quanto ao próprio financiamento concedido - O legislador e a AT consentem numa interpretação ferida de inconstitucionalidade material, por violação do principio da igualdade, tal como previsto no artigo 13.º da CRP».( artigo 215.º do pedido de pronúncia arbitral).
Colocada nestes termos, perante o decidido sobre a não verificação de um dos requisitos objectivos da isenção, a questão da violação do em princípio da igualdade quanto às normas que prevêem os requisitos subjectivos configura-se como uma questão de inconstitucionalidade abstracta, pois a sua resolução não tem qualquer relevância no caso concreto. Trata-se, assim, doutra perspectiva, de uma questão de conhecimento prejudicado, por ser inútil, de harmonia com o disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, subsidiariamente aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Pelo exposto, não se toma conhecimento desta questão.
3.6. Questão da desconformidade ao direito europeu, em especial face à liberdade de estabelecimento
A Requerente suscita esta questão por entender que «a AT procedeu a uma interpretação manifestamente discriminatória do disposto no artigo 7.º, n.º 2, do CIS, onde se restringe a aplicação da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea g) do mesmo CIS às situações em que o credor se encontra sediado em território português». (...) «Ora, neste caso, a discriminação resulta do tratamento fiscal menos favorável oferecido a um benefício fiscal estritamente relacionado com o âmbito de atividade - já que se projeta sobre a situação de tesouraria da entidade - quando o credor se encontre sediado em território Português». (...) «Assim, admitir que um Estado-Membro possa aplicar livremente um tratamento diferente apenas em razão do facto de o devedor se encontrar noutro Estado-Membro esvaziaria as normas relativos à livre circulação de pessoas e empresas do respetivo conteúdo» (artigos 217.º, 223.º e 231.º do pedido de pronúncia arbitral).
Pelo que já se referiu, faltando o preenchimento de um dos requisitos objectivos da isenção, está afastada a possibilidade de a Requerente ou qualquer outro sujeito passivo dela poder beneficiar, seja residente em Portugal ou em qualquer Estado Membro da União Europeia.
Por isso, também neste caso se está perante uma questão de conhecimento prejudicado, como se referiu no ponto anterior.
Assim, não se toma conhecimento desta questão.
3.7. Pedido de reenvio prejudicial
A Requerente formula pedido de reenvio prejudicial a dirigir ao TJUE para apreciação da questão de saber «se a restrição operada pela lei nacional, consubstanciada na recusa de concessão de idêntica isenção de Imposto do Selo sempre que o devedor tem o domicílio, sede ou estabelecimento num estado membro da EU, se mostra conforme com o TFUE e em particular com os princípios da liberdade de estabelecimento e de não discriminação”.
Pelo que já se referiu, a resolução desta questão não tem aplicação no caso em apreço, por estar afastada a possibilidade de a Requerente beneficiar da isenção, por não verificação de um requisito objectivo desta.
Por isso, não tem qualquer utilidade para a decisão da causa o reenvio requerido, pelo que se indefere.
3.8. Liquidações de juros compensatórios
A Requerente não imputa qualquer vício autónomo às liquidações de juros compensatórios, pelo que a sua ilegalidade apenas poderia ser consequência da ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo.
Assim, não sendo ilegal a liquidação de Imposto do Selo, tem de se concluir que não enfermam dos vícios invocados pela Requerente.
4. Juros indemnizatórios
O direito a juros indemnizatórios, no caso de processos impugnatórios instaurados dentro dos prazos legais de impugnação, depende da existência de «erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso em apreço, as liquidações de Imposto do Selo e juros compensatórios não enfermam de erro, pelo que a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios.
5. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação das liquidações de Imposto do Selo e juros compensatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.
-
Não tomar conhecimento das questões referidas nos pontos 3.3., 3.5. e 3.6. deste acórdão;
-
Indeferir o pedido de reenvio prejudicial para o TJUE;
-
Julgar improcedente para o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 155.890,95.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 08-02-2019
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Pedro Miguel Bastos Rosado)
(Maria do Rosário Anjos)
[1] Numa tradução livre:
ARTIGO 1 - OBJETIVO
As Partes concordam em fazer uso permanente e sistemático de multi-divisa cash pooling, que seria coordenado pela Empresa Centralizadora; o mandato da Empresa Centralizada, que aceita assegurar a coordenação e centralização de todas as suas necessidades de caixa e liquidez excedentária a curto prazo para permitir que a Empresa Centralizada beneficie:
- de uma otimização de sua gestão de caixa;
- de uma redução do custo médio ponderado do seu financiamento e, consequentemente, dos seus encargos financeiros e bancários;
- de um retorno justo sobre seus excedentes de caixa.
ARTIGO 2 - MISSÃO DA EMPRESA CENTRALIZADORA
A Companhia Centralizada confia à Companhia Centralizadora o gerenciamento de seus excedentes e necessidades de caixa.
Como tal, a Empresa Centralizadora será responsável em particular por:
-
recebimento sob a forma de adiantamentos, da Empresa Centralizada com excedente de caixa, dos fundos correspondentes a esse excedente;
-
disponibilizar, sob a forma de adiantamentos àquelas Empresas Centralizadas com necessidades monetárias fundos que lhes permitam cobrir essas necessidades;
-
negociar todos os empréstimos bancários de curto prazo e, em geral, os termos e condições de todo e qualquer financiamento bancário;
-
negociação e implementação de qualquer sistema de gestão automatizada de caixa e fluxo de informações entre a Companhia Centralizadora, a Companhia Centralizada e as instituições bancárias;
-
fazer qualquer investimento - por qualquer meio - que esteja em conformidade com a política de investimento do Grupo B...;
-
qualquer outra tarefa direta ou indiretamente relacionada à gestão de curto prazo da liquidez da Companhia Centralizada.
[3] Como a Requerente refere no artigo 32.º do pedido de pronúncia arbitral.
[4] E não de € 700.000,00 como, por lapso, refere a Requerente no artigo 152.º do pedido de pronúncia arbitral.
[5] O valor máximo da Euribor a 6 meses não excedeu, 0,308% entre 04-07-2014 e 02-01-2015, como pode ver-se em https://pt.euribor-rates.eu/euribor-2014.asp e https://pt.euribor-rates.eu/euribor-2015.asp.
Por isso, os juros máximos nesse período seriam de 1,558%, pelo que o financiamento de € 700.000.000,00 implicaria, a essa taxa máxima, juros anuais de € 10.906,000,00, e de € 5.453.000,00 no segundo semestre de 2014.
[6] Os reembolsos antecipados que eventualmente tenham sido efectuados ao abrigo do artigo 7.º do contrato não indiciariam, naturalmente, carências de tesouraria.
[7] Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 24-10-2007, processo n.º 479/07; de 20-10-2010, processo n.º 495/10; e de 28-9-2011, processo n.º 494/11.
[8] Neste sentido, ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal, I, 1981, páginas 247 e 282.
[9] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24-10-2007, processo n.º 0479/07.