DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. No dia 28 de agosto de 2018, a sociedade comercial A..., Lda., NIPC..., com sede na Rua ..., ..., ..., ... (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste tribunal relativamente à:
- Declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2018..., respeitante ao exercício de 2015, e respetivos juros compensatórios, da qual resulta o montante total a pagar de € 18.239,73 (€ 16.800,00 de IRS e € 1.439,73 de juros compensatórios);
- Restituição dos montantes de imposto e de juros compensatórios indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento até à data do seu integral reembolso.
A Requerente juntou 7 (sete) documentos, arrolou 4 (quatro) testemunhas e requereu a prestação de declarações de parte do seu sócio e gerente, B..., não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.
É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).
2. No essencial, a Requerente alega vício de violação de lei, por errónea interpretação e aplicação da norma constante do artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS e a consequente anulabilidade da predita liquidação adicional de retenções na fonte de IRS e da respetiva liquidação de juros compensatórios.
2.1. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente faz assentar a impugnação dos atos tributários controvertidos, essencialmente, nos seguintes argumentos:
A Requerente foi questionada, em sede inspetiva, e para o que ora releva, sobre a natureza de um movimento a débito detetado, em 31.12.2015, na conta 2789003 (Outros devedores e credores), no montante de € 60.000,00, por crédito numa conta titulada em nome do sócio e gerente à data dos factos, B...; alega a AT que os movimentos contabilísticos refletidos na conta do sócio-gerente B... se presumem feitos a títulos de adiantamento por conta de lucros.
Este entendimento da AT estriba-se no n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos sub judice, que dispõe que os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios escrituradas nas sociedades comerciais, quando não resultem de mútuos, prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento por conta de lucros.
Acresce que, para justificar que o movimento em análise "configura um movimento por conta de lucros", veio a AT argumentar com o facto de o documento de suporte ser "um Aviso de lançamento de 31/12/2015, com a Descrição Manual de “Empréstimo da Sociedade ao sócio B...", no valor de € 60.000...".
Considerando, sem mais, que "não estamos perante nenhum mútuo, (…), ou seja, o documento de suporte não está de conformidade com os requisitos previstos nos artigos 1142.º e 1143.º do Código Civil, pelo que se trata de adiantamentos por conta de lucros, os quais são considerados como rendimentos de capitais".
Segundo a Requerente, o lançamento a débito realizado em 31.12.2015, no valor de € 60.000,00, decorre de um "Contrato de Empréstimo", o que deverá ser reiterado pela análise da cópia desse contrato que junta, sob a designação de documento n.º 6, ao pedido de pronúncia arbitral. Com efeito, afirma a Requerente que o sócio-gerente à data dos factos, B..., necessitou de alguns fundos para o exercício da sua atividade profissional, pelo que celebrou o aludido contrato com a Requerente, através do qual esta emprestou a quantia de € 60.000 e este se obrigou a restituir a quantia mutuada no prazo de 3 anos, tendo ainda sido definido que tal mútuo seria remunerado a uma taxa anual de juros de 3%, devendo tais juros ser pagos até ao termo do pagamento integral do montante mutuado.
Nesse sentido, a Requerente alega que foi já reembolsado pelo dito B..., através da sociedade "C... SGPS, S.A.", o montante total de € 53.000, conforme decorre dos comprovativos bancários e ainda das declarações fiscais desta sociedade, em duas tranches datadas de 13.07.2017 e 07.05.2018, sendo expectável que até final do ano o empréstimo esteja integralmente reembolsado; sendo de sublinhar que o primeiro reembolso de € 50.000, datado de 13.07.2017, foi efetuado em data anterior ao início da inspeção, a qual foi legitimada apenas dois meses depois, por despachos de 26.09.2017 e 03.10.2017, pelo que não se compreende como pôde a AT fazer tábua rasa deste reembolso. A Requerente reitera, no mesmo sentido, que resulta igualmente inequívoco do documento de suporte contabilístico respeitante ao lançamento na conta corrente do sócio que se trata de um "Aviso de lançamento" com a descrição "Empréstimo da Sociedade ao sócio B...".
A Requerente alega, ainda, que a forma como o contrato de mútuo é realizado apenas se poderá reputar relevante para efeitos civis, não para efeitos fiscais, pois não está na esfera da AT regular as relações entre particulares ou imiscuir-se na forma como os contratos civis são celebrados, mas somente tributar as realidades que considerar serem de tributar; entendimento contrário consubstanciaria uma violação do princípio contabilístico subjacente ao Direito Fiscal, da substância sobre a forma.
Assim, tendo o valor em causa resultado de um empréstimo feito pela Requerente ao sócio-gerente, não poderá o facto de não terem sido cumpridas as exigências formais legalmente previstas desqualificar, pura e simplesmente, a substância e materialidade da operação, a qual foi suportada por toda a prova documental junta.
Acresce que, tratando-se de uma presunção ilidível, a AT teria que ter demonstrado — e não demonstrou — que se encontravam reunidos os factos índice que lhe permitiriam fazer o enquadramento de valores contabilísticos como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos sócios; no caso concreto, a AT tão-pouco logrou demonstrar que a vontade da sociedade foi no sentido da distribuição de lucros ao sócio. Por outro lado, não tiveram lugar quaisquer deliberações sociais no sentido da distribuição de lucros, sendo que não houve assembleia geral nesse sentido e constante de Ata, tal como determinam os artigos 246.º e 376.º do Código das Sociedades Comerciais.
Ademais, a Requerente declarou os seus resultados na Declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC e anexos, para efeitos de tributação em sede de IRC, não declarando os lucros "distribuídos" através da Declaração Modelo 10 e nem o poderia fazer, pois não procedeu a qualquer distribuição ou adiantamento por conta de lucros.
A Requerente afirma ainda que a AT apenas alega que, em virtude de o contrato não ter sido celebrado por escritura pública, o mesmo não era válido e portanto deveria qualificar-se como adiantamento por conta de lucros, sem que tenha logrado fazer prova desse facto, ou seja, de que o montante em causa foi entregue a título de adiantamento por conta de lucros.
Face ao exposto, a Requerente sustenta que é notório que se verifica o vício de falta de fundamentação do Relatório Inspetivo, porquanto a AT não provou, como tinha o dever legal de fazer, de forma clara, inequívoca e fundamentada, que este lançamento se presume feito a título de adiantamento de lucros.
Sendo igualmente notório, segundo a Requerente, que os movimentos contabilísticos que deram lugar à correção em apreço foram alicerçados por um empréstimo já reembolsado praticamente na totalidade, pelo que não se enquadra tal realidade na definição de adiantamento por conta de lucros, como pretende fazer crer a AT.
Pelo que, conclui a Requerente, a liquidação ora impugnada enferma de vício de violação de lei, por consubstanciar erro sobre pressupostos de direito e de facto a sujeição a retenção na fonte de IRS da realidade em apreço devendo, por este motivo, ser anulada.
3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 3 de setembro de 2018.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4.1. Em 17 de outubro de 2018, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
4.2. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 7 de novembro de 2018.
5. No dia 10 de dezembro de 2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente e concluiu pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.
5.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta:
A Requerente apresentou um documento designado “contrato de mútuo”, sendo certo que na contabilidade da empresa não se encontrava qualquer “contrato de mútuo” da sociedade ao seu sócio e gerente B... .
O dito contrato, celebrado em 15 de junho de 2015, concretizaria um alegado mútuo entre a Requerente e aquele B..., mostrando-se assinado por este, em nome pessoal, como primeiro e como segundo contratante, não sendo feita qualquer menção à qualidade em que ele assina enquanto primeiro contratante.
A realização do alegado empréstimo não se encontra mencionada em qualquer ata da sociedade, não tendo, pois, sido deliberado por esta. Nunca a existência do aludido empréstimo e o consequente compromisso da empresa de disponibilizar ao sócio a totalidade da sua liquidez (que fosse sendo gerada), foi mencionada em qualquer prestação de contas, seja à Administração Tributária, à Conservatória do Registo Comercial, ou outras interessadas.
O contrato foi celebrado por simples documento particular, não está contabilizado qualquer pagamento de juros do suposto empréstimo e nunca, até dezembro de 2015, a contabilidade da Requerente refletiu a existência de qualquer empréstimo ao sócio, ou seja, nunca refletiu a existência do alegado contrato de mútuo. Ademais, não foram apresentados quaisquer documentos financeiros que refletissem (ou, muito menos, comprovassem) as supostas transferências financeiras que alegadamente teriam ocorrido no âmbito do aludido contrato de empréstimo.
Nesta conformidade, a Requerida sustenta que a operação relevante para a matéria em discussão não se refere a mútuos, tratando-se, antes, de lançamento em conta-corrente do sócio, presumindo-se, por isso, que tal importância se refere a distribuição dos lucros da sociedade, conforme estatuído no n.º 4 do artigo 6.º do CIRC.
Mais afirma a AT que uma verdadeira contabilização de empréstimos, ainda que aos sócios, implicaria a movimentação da “conta 41 – Investimentos financeiros” e não da conta “2789003 – Outras contas a receber e a pagar” que mais não é do que uma conta de natureza indefinida relacionada com sócios.
Em suma, a AT conclui que o valor que foi pago (colocado à disposição) pela sociedade ao sócio gerente, não pode, por falta de enquadramento, ser considerado um mútuo da sociedade ao sócio, apenas podendo configurar uma distribuição de lucros ou adiantamentos por conta dos lucros. O que constitui rendimentos de capitais, tributáveis em sede de IRS (nos termos do n.º 1 e da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º, do n.º 4 do artigo 6.º e do n.º 2 da alínea a) do n.º 3 do artigo 7.º do Código do IRS) pelo que, em consonância, estava a «Requerente obrigada ao cumprimento das normas que estabelecem a tributação destes rendimentos por retenção na fonte (em conformidade com a alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º e n.º 3 do artigo 98.º do Código do IRS).
No caso concreto dos autos, a Administração Tributária, após análise aos dados e apuramentos resultantes da escrita da requerente, constatou que, no ano de 2015, foi, pela empresa, lançado em conta corrente do seu sócio principal, ou seja, foram colocados à sua disposição, passando este a ser o seu titular, montante que se encontrava no “Caixa”. Não tendo o lançamento sido efetuado a título de empréstimo, presumiu-se que o mesmo foi feito a título de distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros.
Com o propósito de afastar a sobredita presunção, vem a Requerente, em síntese, num primeiro momento, afirmar, que o lançamento na conta corrente do sócio, registado no ano de 2015, resulta de lançamentos subjacentes ao dito contrato de mútuo; porém, como resulta evidente do relatório inspetivo, aquando da realização da ação inspetiva não existia na contabilidade qualquer contrato.
Assim, a contabilidade, para além de não expressar essa suposta realidade, não integrava qualquer contrato de empréstimo; aliás, fica por esclarecer no douto requerimento inicial porque é que aquilo que a Requerente pretende considerar como empréstimo, acabou por não ficar refletido em conta para tal apropriada. Ora, diz a AT, a presunção de veracidade das declarações e documentos da contabilidade, prevista no artigo 75.º da LGT verifica-se apenas quanto aos elementos e aos movimentos que dela constam.
Por outro lado, diz a AT que não se mostra pago o Imposto de Selo que seria sempre devido pela formalização do contrato, nos termos legais, sendo certo que se a Requerente o tivesse feito, sempre o comprovaria nos autos e/ou em sede inspetiva.
Desta forma, é preciso prova – que só poderia resultar da demonstração dos exatos movimentos financeiros, expondo a sua origem e destino – quer quanto aos montantes quer quanto ao momento em que tal ocorreu; sem essa prova, o que permanece é a realidade expressa pela contabilidade que se traduz num mero “Aviso de lançamento”.
A AT afirma ainda que a Requerente não prova que tenha sido restituída a quantia mutuada, porquanto, a restituição a que a Requerente alude diz respeito à sociedade “C..., SGPS, S.A.” e não ao dito B..., sendo ainda que o pagamento realizado – sendo essa, aliás, a própria referência da sociedade SGPS – é que se trata de um pagamento realizado no âmbito de um empréstimo para consigo (SGPS) e não para com o B... .
5.5. A Requerida não juntou documentos, nem requereu a produção de quaisquer outras provas, tendo, na mesma ocasião, procedido à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).
6. A Requerente prescindiu da produção de prova que requereu, a final, no pedido de pronúncia arbitral e, sequentemente, ambas as Partes prescindiram da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
7. Em 21 de janeiro de 2019, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, a fixar prazo para a apresentação de alegações e a determinar, como data limite para a prolação da decisão arbitral, o dia 30 de abril de 2019.
8. As Partes não apresentaram quaisquer alegações.
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II. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades, não tendo sido invocadas quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.
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III. Fundamentação
III.1. De Facto
§1. Factos ProvadosROVADOS
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente dedica-se à organização de eventos de banquetes, casamentos, batizados e atividades similares com fornecimento próprio, catering e atividades hoteleiras, nomeadamente restaurante.
b) No ano de 2015, B... era sócio e gerente da Requerente. [cf. PA]
c) A coberto das Ordens de Serviço n.ºs OI2017... e OI2017..., com despachos, respetivamente, de 26.09.2017 e de 03.10.2017, primeiramente parciais (IVA), passando a gerais, em 28.12.2017, a Requerente foi sujeita a uma ação inspetiva externa, incidente sobre os anos de 2015 e 2016. [cf. PA e documento n.º 2 anexo ao pedido de pronúncia arbitral]
d) Nessa sequência, foi elaborado o respetivo Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual foi proposta a seguinte correção atinente a IRS, com os fundamentos que seguidamente também se enunciam [cf. PA]:
“I.4.3. Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares
Pelo relato efectuado no item “3” do capítulo III (…) do presente projecto de relatório, a retenção na fonte não efectuada ascende a € 16.800,00, relativa ao período a seguir indicado, conforme se evidencia no quadro seguinte:
Período de imposto
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Distribuição lucros/adiantamentos
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Taxa de retenção
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Retenção na fonte
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2015 12
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€ 60.000,00
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28%
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€ 16.800,00
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(…)
III.3 Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Sinqulares
ANO DE 2015
ADIANTAMENTO POR CONTA DE LUCROS
Da análise levada a cabo à conta 2789003 —B..., constatou-se um movimento a débito, em 31/12/2015, no montante de €60.000,00, por crédito da conta 111-Caixa A (Diário 4; Doc. 749; Descritivo: Factura) — Anexo Vi.
A referida conta 2789003 —B..., é titulada pelo sócio e gerente da empresa em análise, B..., pelo que o movimento contabilístico efectuado, no montante de € 60.000,00, confiqura um adiantamento por conta de lucros. Senão vejamos:
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O documento de suporte contabilístico respeitante ao lançamento na conta corrente do sócio e gerente da empresa é um "Aviso de lançamento”, de 31/12/2015, com a Descrição manual de "Empréstimo da Sociedade ao sócio B...”, no valor de € 60.000,00. — Anexo VI, fls. 03;
-
Convém aqui salientar que a concessão de crédito, enquanto atividade em Portugal, é reservada às instituições de crédito e sociedades financeiras. No entanto, podem celebrar-se contratos de mútuo por várias razões e de forma ocasional, ou seja, deverão existir razões justificadas para que tal aconteça;
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Por outro lado, deve-se ter em atenção a definição de "Mútuo" prevista no artigo 1142.º do Código Civil, como sendo um “(...) contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.". Atente-se ainda ao artigo 1143.º do referido Código, quanto à forma: "Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a € 25000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a € 2500 se o for por documento assinado pelo mutuário."
Sintetizando, não estamos perante nenhum mútuo, conforme se verifica na descrição efectuada nos pontos 2. e 3., ou seja, o documento de suporte não está de conformidade com os requisitos previstos nos artigos 1142.º e 1143.º do Código Civil, pelo que se trata de adiantamentos por conta de lucros, os quais são considerados como rendimentos de capitais, como de seguida iremos constatar.
Enquadramento leqal e sua tributacão
Nos termos da al. h) do n.º 2 do art.º 5.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante designado por CIRS), são considerados rendimentos de capitais "Os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º".
Por sua vez, o n.º 4 do art.º 6.º do mesmo diploma legal, refere que "Os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”.
Pelo n.º 1 do artigo 71.0 do CIRS, "Estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28%" enquanto a alínea a) do referido n.º 1 prevê a tributação pela referida taxa liberatória "Os rendimentos de capitais obtidos em território português, por residentes ou não residentes, pagos por ou através de entidades que aqui tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento e que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada;”.
A alínea a) do n.0 2 do artigo 101.0 do CIRS, consagra que tratando-se de rendimentos referidos no artigo 71.0, a retenção na fonte nele prevista cabe "Às entidades devedoras dos rendimentos (…)”. Por sua vez, o artigo 98.0 do diploma citado, estabelece que: "Nos casos previstos nos artigos 99.0 a 101.º a entidade devedora dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte, as entidades registadoras ou depositárias, consoante o caso, são obrigadas, no acto do pagamento, do vencimento, ainda que presumido, da sua colocação à disposição, da sua liquidação ou do apuramento do respectivo quantitativo, consoante os casos, a deduzir-lhes as importâncias correspondentes à aplicação das taxas neles previstas por conta do imposto respeitante ao ano em que esses actos ocorrem". E também conforme o n.o 3 do artigo 98.0 do CIRS "As quantias retidas nos termos dos artigos 99.0 a 101.0 devem ser entregues até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas."
Neste sentido, é o sujeito passivo obrigado a efetuar a retenção na fonte na data da colocação à disposição dos adiantamentos por conta de lucros, à taxa em vigor à data dessa operação. No caso presente, a data de referência deverá ser 31 de Dezembro de 2015, data indicada no documento de suporte contabilístico (Anexo VI, fls. 03), o qual se encontra assinado pelo sócio e gerente da empresa, ascendendo o seu valor a € 60.000,00, pelo que este montante, de conformidade o previsto no n.0 4 do artiqo 6.0 do CIRS, se presume efectuado a titulo de adiantamentos por conta de lucros.
Retencão na Fonte respeitante ao exercício de 2015
Pelo descrito ao longo deste capítulo, estava o sujeito passivo obrigado, pelo lançamento a favor do sócio e gerente, tipificado como adiantamento por conta de lucros, à retenção na fonte à taxa de 28% do valor lançado, pelo que, deveria até ao dia 20 de Janeiro de 2016, reter e entregar o IRS no montante de € 16.800,00 (60.000,00 x 28%).
Com esta atitude, o sujeito passivo infringiu entre outros os artigos 5.º, 6.º, 71.º, 98.º, 99.º, 101.0, todos do CIRS.”
e) A Requerente foi notificada, através do ofício n.º ... de 30.01.2018, remetido por correio registado (registo CTT RD ... PT) do predito Projeto de Relatório de Inspeção Tributária e para, querendo, exercer o direito de audição prévia, o que fez nos termos vertidos no documento n.º 3 anexo ao pedido de pronúncia arbitral e que aqui se dá por inteiramente reproduzido. [cf. PA]
f) A Requerente foi notificada, através do ofício n.º ... de 16.03.2018, remetido por correio registado (registo CTT RH ... PT), do Relatório de Inspeção Tributária, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, do qual resultaram as correções supra enunciadas no facto provado d), com a fundamentação que ali foi igualmente mencionada, sendo que a argumentação aduzida pela Requerente, em sede de exercício de direito de audição, mereceu a seguinte apreciação: [cf. PA e documento n.º 2 anexo ao pedido de pronúncia arbitral]
“2.3 IRS
Conforme se relata no capítulo III.3 do Relatório, constatou-se durante os atos de inspeção um movimento a débito na conta 2789003 — B..., no montante de € 60.000,00, por crédito da conta 111-Caixa A — Anexo VI deste Relatório.
Mais se refere que a conta 2789003 — B..., é titulada pelo sócio e gerente da empresa em análise, B..., pelo que o movimento contabilístico efectuado, no montante de € 60.000,00, configura um adiantamento por conta de lucros, ao abrigo do n.º 4 do art. 6.º do CIRS, encontrando-se, assim, esta tributação devidamente suportada e enquadrada na lei, conforme está amplamente justificado no capítulo III.3 deste relatório.
Efetivamente, trata-se duma presunção ilidível, tai como é elencado no ponto 74.º pela exponente, mas que não refuta de todo, tal como lhe competiria, limitando-se a afirmar, nesse mesmo ponto, “(…) a natureza de tal lançamento poderá ser justificada (…)”.
À AT não cabe fazer prova de demonstrações de vontade contrariamente ao que afirma a exponente no ponto 76.º, nem necessário se torna a existência de deliberações sociais no sentido de distribuição de lucros em assembleia geral, conforme afirmações do ponto 77.º, pois nesse contexto, o ato tributário inerente à distribuição de lucros seria direto e imediato. Consequentemente, não teria cabimento na lei a figura da presunção, prevista na norma que foi aplicada (n.º 4 do art. 6.º do CIRS).
Por outro lado, no ponto 82.º, faz alusão a um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, mas o referido acórdão apenas tem aplicação para o caso apreciado.
Neste sentido a correcção deverá manter-se.”
g) Sequentemente, a Requerente foi notificada da liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2018..., respeitante ao exercício de 2015, no valor de € 16.800,00 e da respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 1.439,73, resultando um montante total a pagar de € 18.239,73, com data limite de pagamento a 07.05.2018. [cf. documento n.º 1 anexo ao pedido de pronúncia arbitral]
h) Em 07.05.2018, a Requerente efetuou o pagamento integral e tempestivo do aludido montante de € 18.239,73. [cf. documento n.º 4 anexo ao pedido de pronúncia arbitral]
i) No ano de 2015, em data(s) concretamente não apurada(s) e por meio(s) igualmente não apurado(s), ocorreu a transferência do montante de € 60.000,00 da Requerente para o seu sócio e gerente B... .
j) Na contabilidade da Requerente estão registados, com a data de 31.12.2015, um movimento a débito na conta “2789003 –B...”, a que corresponde um movimento a crédito da “conta 111 – Caixa A”, no montante de € 60.000,00, sendo que o respetivo documento de suporte contabilístico é um “Aviso de Lançamento”, datado de 31.12.2015, com a descrição “Empréstimo da sociedade ao sócio B...”, no valor de € 60.000,00, assinado por B... (Diário 4; doc. 749; descritivo: fatura). [cf. PA e documento n.º 5 anexo ao pedido de pronúncia arbitral]
k) Na contabilidade da Requerente, por referência ao ano de 2015, não se encontra registado qualquer contrato de empréstimo da sociedade aos seus sócios, designadamente ao seu sócio e gerente B..., nem tal consta dos relatórios de gestão e documentos de prestação de contas da Requerente.
l) No decurso do ano de 2015 e até 31 de dezembro desse ano – data em que foram efetuados os registos contabilísticos supra referidos no facto provado j) –, nunca a contabilidade da Requerente refletiu a existência de qualquer empréstimo aos sócios.
m) O documento particular denominado “Contrato de Empréstimo” que constitui o documento n.º 6 anexo ao pedido de pronúncia arbitral e que aqui se dá por inteiramente reproduzido, não foi entregue, nem exibido pela Requerente à inspeção tributária durante a realização da sobredita ação inspetiva.
n) No dia 13.07.2018, foi efetuada uma transferência bancária pela empresa “C... SGPS, S. A.”, por débito da sua conta n.º..., domiciliada no “D...”, para a conta (IBAN) n.º PT50..., titulada pela Requerente, no valor de € 50.000,00, com o seguinte “Descritivo da Transferência: Empréstimo de C... SGPS, SA”. [cf. documento n.º 7 anexo ao pedido de pronúncia arbitral]
o) No dia 07.05.2018, foi efetuada uma transferência bancária pela empresa “C... SGPS, S. A.”, por débito da sua conta n.º..., domiciliada no “E...”, para a conta (IBAN) n.º PT50..., titulada pela Requerente, no valor de € 3.000,00, com os seguintes “Descritivo Conta a Debitar: empréstimo a IS” e “Descritivo Conta a Creditar: empréstimo de C... SGPS, SA”. [cf. documento n.º 7 anexo ao pedido de pronúncia arbitral]
p) Em 28 de agosto de 2018, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD]
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§2. Factos não Provados
Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultaram provados os seguintes factos:
a) Entre a Requerente e o seu sócio e gerente B... foi celebrado o “Contrato de Empréstimo” que constitui o documento n.º 6 anexo ao pedido de pronúncia arbitral e que aqui se dá por inteiramente reproduzido.
b) As transferências bancárias a que aludem os factos provados n) e o) visaram reembolsar a Requerente da quantia referida no facto provado i).
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§3. Motivação quanto à Matéria de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e na análise crítica da prova documental que consta dos autos, incluindo o processo administrativo, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
No tocante aos factos não provados, cumpre ainda dizer que os mesmos foram assim considerados em virtude da inexistência de quaisquer meios probatórios que os confirmassem. Ademais, no tocante ao aludido “Contrato de Empréstimo”, para além de o mesmo não observar os respetivos ditames legais, maxime quanto aos requisitos de forma – a que adiante aludiremos –, a sua alegada celebração é rechaçada pelo confronto com os factos provados j), k), l) e m), os quais tornam inverosímil a efetiva e real celebração de tal contrato, ou seja, que o mesmo corporize/titule um qualquer empréstimo da Requerente ao seu sócio B...; com efeito, se tal tivesse sucedido, a contabilidade da Requerente certamente que o refletiria – ao invés de ali constar um mero “Aviso de Lançamento” que, aliás, se tornaria então despiciendo – e mais certa ainda seria a sua exibição/entrega à inspeção tributária, no decurso da referenciada ação inspetiva.
Por outro lado, no concernente às aludidas transferências bancárias, pese embora a Requerente alegar que as mesmas visaram o reembolso da referenciada quantia de € 60.000,00 que foi transferida para o seu sócio B..., o certo é que, por um lado, nada consta dos autos que permita concluir no sentido da intervenção da empresa “C... SGPS, S. A.” na situação concreta em apreço e, por outro lado, os descritivos justificativos das transferências bancárias efetuadas para a Requerente aludem a empréstimos à própria Requerente (cf. factos provados n) e o)); ora, se se tratasse do alegado reembolso, o normal seria que tais descritivos, ao invés de dizerem o que dizem, dissessem isso mesmo, ou seja, que as transferências visavam efetivar tal reembolso.
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III.2. De Direito
§1. Delimitação do Objeto
Como resultou provado, no decurso do ano de 2015, foi transferido o montante de € 60.000,00 da Requerente para o seu sócio B..., em data(s) e por meio(s) concretamente não apurados (cf. facto provado i)).
A AT pretender fazer valer a presunção estatuída no artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS e, nesse sentido, propugna que a transferência daquele valor deve ser considerada um adiantamento por conta de lucros.
A Requerente, por seu turno, alega que a mencionada transferência de valor teve subjacente um empréstimo por ela efetuado ao seu referido sócio e gerente e, nessa medida, entende que não se verificam os requisitos de aplicabilidade da dita presunção legal.
Assim, a questão de mérito submetida à apreciação deste Tribunal respeita, nuclearmente, à aplicação ao caso concreto da presunção resultante do artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS, tendo em vista aquilatar se o ato tributário controvertido padece do apontado vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
A Requerente suscita, também, o vício de falta de fundamentação por, no RIT, a AT não ter provado, “como tinha o dever legal de fazer, de forma clara, inequívoca e fundamentada, que este lançamento [a que se reporta o facto provado j)] se presume feito a título de adiantamento de lucros”.
O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre os pedidos de reembolso do montante de imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios.
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§2. Da Aplicação da Presunção do Artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS
O artigo 5.º, n.º 1, do Código do IRS[1], epigrafado “Rendimentos da categoria E”, estatui que se consideram “rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.”
O n.º 2 do mesmo artigo determina que os “frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente”, entre outros, os “lucros e reservas colocados à disposição dos associados dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º” (alínea h)).
O subsequente artigo 6.º, estatuindo sobre presunções relativas a rendimentos da categoria E, estabelece o seguinte no seu n.º 4: “Os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.”
O n.º 5 do mesmo artigo 6.º determina que as “presunções estabelecidas no presente artigo podem ser ilididas com base em decisão judicial, ato administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira.”
Com relevo para a situação sub judice, importa ainda convocarmos as seguintes normas do Código do IRS:
- artigo 7.º, n.ºs 1 (“Os rendimentos referidos no artigo 5.º ficam sujeitos a tributação desde o momento em que se vencem, se presume o vencimento, são colocados à disposição do seu titular, são liquidados ou desde a data do apuramento do respetivo quantitativo, conforme os casos”) e 3, alínea a), 2) (“Para efeitos do disposto no n.º 1, atende-se: a) quanto ao n.º 2 do artigo 5.º: (…) 2) A colocação à disposição, para os rendimentos referidos nas alíneas h), i), j), l) e r), assim como dos certificados de consignação”);
- artigo 71.º, n.º 1, alínea a) (“Estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28%: a) Os rendimentos de capitais obtidos em território português, por residentes ou não residentes, pagos por ou através de entidades que aqui tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento e que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada”);
- artigo 98.º, n.º 1 (“Nos casos previstos nos artigos 99.º a 101.º e noutros estabelecidos na lei, a entidade devedora dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte, as entidades registadoras ou depositárias, consoante o caso, são obrigadas, no ato do pagamento, do vencimento, ainda que presumido, da sua colocação à disposição, da sua liquidação ou do apuramento do respetivo quantitativo, consoante os casos, a deduzir-lhes as importâncias correspondentes à aplicação das taxas neles previstas por conta do imposto respeitante ao ano em que esses atos ocorrem”);
- artigo 101.º, n.º 2, alínea a) (“Tratando-se de rendimentos referidos no artigo 71.º, a retenção na fonte nele prevista cabe: a) Às entidades devedoras dos rendimentos referidos nos números 1 e 4 e na alínea c) do n.º 12 do artigo 71.º”).
Feita esta resenha normativa, detenhamo-nos agora na análise da citada presunção estatuída no artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS.
Numa perspetiva doutrinal, temos, desde logo, José Guilherme Xavier de Basto (IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 338 a 340) que afirma o seguinte:
“A previsão de presunções deriva da própria natureza dos rendimentos de capitais, alguns deles de relativamente fácil sonegação. Assim, em certos casos, a lei presume a existência desses rendimentos, (…).
De qualquer modo, destinadas a prevenir fraudes, estas presunções, além de poderem ser ilididas, são um conjunto limitado, como é próprio de um imposto que visa a tributar o rendimento real e efectivo.
Estão restritas aos casos, muito contados, em que há risco de ocultação de rendimentos.
(…)
Finalmente, no n.º 4, presume-se que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis em forma comercial, que não resultem de mútuos, de prestação de trabalho ou de exercício de cargo social, correspondem a lucros ou adiantamentos por conta de lucros. (…) Com esta presunção, procede-se a uma qualificação supletiva de quantias, cuja causa não esteja expressa nas contas correntes em causa. (…) O que a lei, com aquela presunção, quis resolver foi a qualificação das quantias escrituradas cuja “causa” jurídica não foi expressamente declarada.”
Por seu turno, Rui Duarte Morais (Sobre o IRS, Coimbra, Almedina, 2006, p. 89) diz o seguinte:
“Visando facilitar o ónus da prova da existência do facto tributário por parte da administração, a lei estabelece, no art. 6.º, diversas presunções legais, quer quanto à existência do facto gerador de imposto (…), quer quanto à existência de rendimento (…), quer quanto ao montante do rendimento tributável (…).
Estas presunções são ilidíveis – de acordo com a regra geral constante do art. 73.º da LGT – nos termos do n.º 6 do art. 6.º.”
A propósito da mesma matéria, Paula Rosado Pereira (Manual de IRS, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 113 e 144) afirma que “o legislador fiscal considerou não ser possível abdicar da adoção de algumas presunções relativamente aos rendimentos de capitais. Entre as razões subjacentes ao recurso a tais presunções, conta-se a dificuldade sentida pela AT, face à natureza específica dos rendimentos desta categoria, em assegurar a eficiência da tributação. As presunções desempenham a função de facilitar a prova da AT relativamente à existência de certos rendimentos e à respetiva quantificação.
(…)
Para que se verifique a ilisão da presunção, é necessário que, por qualquer das formas (…) referidas [no artigo 6.º, n.º 5, do Código do IRS], se provem factos, condições ou taxas de juro distintas dos que resultariam da aplicação da presunção.”
Numa perspetiva jurisprudencial, são diversas as decisões proferidas sobre esta temática, aqui se destacando as seguintes:
(i) Tribunal Constitucional
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Acórdão n.º 452/2003, de 14.10.2003, proferido no processo n.º 273/03:
“(…) a presunção que se estabelece no n.º 4 do artigo 7.º do CIRS, na redacção anterior à Lei n.º 30-G/2000, não é uma presunção inilidível. A comprová-lo está o facto de o n.º 5 do mesmo artigo vir definir os meios pelos quais tal presunção poderá ser ilidida. E a circunstância de entre esses meios não estarem todos os “meios em Direito admissíveis” não converte a presunção numa presunção juris et de jure. Esta última é uma presunção que se estatui sem possibilidade de prova em contrário (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 1987, pp. 312-313; J. de Oliveira Ascensão, O Direito. Introdução e teoria geral, 6.ª ed., Coimbra, 1991, p. 526). Manifestamente, não é o que sucede no caso em apreço, em que a ilisão da presunção pode ser alcançada através de um amplo e diversificado conjunto de meios: decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal, reconhecimento pela Direcção-Geral dos Impostos.
De facto, este conjunto de meios probatórios à disposição do impugnante é suficientemente amplo para que se não possa falar numa restrição desproporcionada ou irrazoável de instrumentos de prova, susceptível de, na prática, converter uma presunção juris tantum numa presunção juris et de jure. Mais ainda (…), a garantia de acesso ao Direito e aos tribunais prevista no artigo 20.º da Constituição não contempla a possibilidade de utilização irrestrita de todos os meios de prova em qualquer processo judicial (no caso, num processo de impugnação da liquidação tributária), nem proíbe o legislador de restringir o uso de certos instrumentos probatórios, desde que tal restrição não se configure como desproporcionada ou irrazoável. Ora, (…) pode o impugnante dispor de uma decisão judicial (na qual o requerente pode utilizar todos os meios de prova em geral admissíveis), um acto administrativo, uma declaração do Banco de Portugal ou um reconhecimento pela Direcção-Geral dos Impostos, tudo meios probatórios idóneos para proceder à impugnação judicial de uma liquidação tributária. Finalmente, havendo a possibilidade de ilisão da presunção definida no nº 4 do artigo 7º do CIRS, não fica postergado o princípio constitucional da capacidade contributiva (…).”
(ii) Supremo Tribunal Administrativo
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Acórdão de 15.12.2004, proferido no processo n.º 01187/04:
“A decisão judicial, proferida em sede de impugnação judicial, segundo a qual o contribuinte não recebeu juros em contrato de mútuo em que foi mutuante constitui base suficiente à ilisão da presunção constante do art. 7.º, n.º 5, do C.I.R.S.”
Em sede de fundamentação de direito, pode ler-se:
“Dispõe o art. 7.º, n.º 2, do CIRS que se presume que os mútuos são remunerados.
Por sua vez o n.º 5 desta disposição legal estabelece que esta presunção pode ser ilidida com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento da Direcção Geral de Impostos.
Este preceito legal encontra paralelismo no anterior art. 14º do C. do Imposto de Capitais que, para além de estabelecer idêntica presunção, prescrevia que a mesma só podia ser ilidida “por decisão judicial proferida em acção intentada pelo contribuinte contra o Estado, em que se declare ter ficado provado que não foram recebidos juros antecipadamente, nem eram ou são devidos ou, sendo-o, têm taxa diferente, ou por declaração passada pelo Banco de Portugal em que se confirme a taxa de juro efectivamente praticada ou a sua inexistência”.
Do confronto destas disposições legais resulta, desde logo, não ser agora necessária, como era, decisão judicial proferida em acção cível intentada pelo contribuinte contra o Estado, com vista à ilisão de tal presunção.
Assim sendo nada impede que a decisão judicial a que agora alude o art. 7.º, n.º 5, do CIRS seja proferida, como no caso foi, em processo de impugnação judicial.
Por outro lado, de tal confronto resulta também que, não se prevendo, no regime anterior, qualquer limitação quanto aos meios de prova de que o interessado pudesse lançar mão para o efeito, não se vê, face ao actual quadro legal, que o processo de formação da dita decisão judicial não se possa apoiar, (…), em prova testemunhal e/ou documental.”
(iii) Tribunal Central Administrativo Sul
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Acórdão de 13.10.2009, proferido no processo n.º 03221/09:
“I) Só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prova que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no n.º 4 do art. 7.º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.
II) Concluindo-se que os lançamentos feitos em conta corrente de sócios não resultam de mútuos, de prestação de trabalhos ou do exercício de cargos sociais, têm os mesmos que ter-se, presumidamente, como feitos a título de lucros ou de adiantamento dos lucros (n.º 4, in fine, do art. 7.º do CIRS).
III) As presunções estabelecidas nesse preceito legal podem ser ilididas com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção - Geral das Contribuições e Impostos.”
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Acórdão de 11.01.2011, proferido no processo n.º 04357/10:
“III) Só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prova que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no n.º 4 do art. 7.º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.
IV) Concluindo-se que os lançamentos feitos em conta corrente de sócios não resultam de mútuos, de prestação de trabalhos ou do exercício de cargos sociais, têm os mesmos que ter-se, presumidamente, como feitos a título de lucros ou de adiantamento dos lucros (n.º 4, in fine, do art. 7.º do CIRS).
V) As presunções estabelecidas nesse preceito legal podem ser ilididas com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção - Geral das Contribuições e Impostos.”
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Acórdão de 04.06.2015, proferido no processo n.º 07246/13:
“1- Para que a presunção constante do n.º 4 do art. 7.º do CIRS (em vigor em 2000) possa funcionar é necessário que se mostre provada a base da presunção (…), sob pena de a mesma não poder operar e a causa ter de ser decidida contra a parte onerada com esse ónus da prova, ou seja, que a importância em causa tenha sido escriturada como lançamento na respectiva conta corrente do sócio e que não resultava de mútuo, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.
2- Tal prova que cabe à Administração Fiscal.”
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Acórdão de 05.02.2015, proferido no processo n.º 08216/14:
“5. O art. 5.º, n.º 2, al. h), do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de I.R.S. os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.
6. Por sua vez, o art. 7.º do C.I.R.S., define o momento da sujeição à tributação dos rendimentos de capitais, ou seja, define o momento em que o imposto se torna exigível.
7. O art. 6.º, n.º 4, do C.I.R.S., consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
8. Não se encontram reunidos os factos índice que permitem à A. Fiscal fazer o enquadramento de valores contabilísticos como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos sócios, nos termos previstos no art. 5.º, n.ºs 1 e 2, al. h), do C.I.R.S., quando não se pode valer da presunção prevista no art. 6.º, n.º 4, do C.I.R.S.”
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Acórdão de 18.02.2016, proferido no processo n.º 08760/15:
“5. O art. 5.º, n.º 2, al. h), do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de I.R.S. os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.
6. O art. 6.º, n.º 4, do C.I.R.S., consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros. Com esta presunção o legislador quis resolver a qualificação das quantias escrituradas nas contas correntes dos sócios, cuja "causa" jurídica não tenha sido expressamente declarada, assim conduzindo a que tais montantes tenham o tratamento dos lucros distribuídos. Estamos, portanto, perante presunção legal (estabelecida expressa e directamente na lei), sendo incidente sobre o facto gerador do imposto.
7. Estando em causa a pretensa ilisão de uma presunção legal relativa (iuris tantum), impendia sobre o impugnante e ora recorrente, o ónus de produzir prova do contrário (cfr. art. 350.º, n.º 2, do C.Civil), ou seja, de desenvolver actuação probatória dirigida contra o casuístico facto presumido, com o objectivo e de molde a convencer o julgador de que, não obstante a ocorrência do facto (lançamentos em contas correntes dos sócios, escrituradas em sociedades comerciais) que serve de base ao funcionamento da presunção invocada, o facto presumido não se verificou e/ou o direito presumido não existe. Acresce, tratando-se da presunção prevista no art. 6.º, n.º 4, do C.I.R.S., por força do disposto, de forma expressa, no n.º 5 do mesmo normativo, a necessidade incontornável de a mesma só poder ser ilidida pelos quatro meios de prova aí, taxativamente, previstos, decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção-Geral dos Impostos, consagrando a lei procedimento probatório específico para o efeito no art. 64.º do C.P.P.T.”
(iv) Tribunal Central Administrativo Norte:
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Acórdão de 07.07.2016, proferido no processo n.º 00446/11.9BEBRG:
“I - O artigo 5.º, n.º 2, alínea h), do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.
II - O artigo 6.º, n.º 4, do CIRS consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
III - Só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prove que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.
(…)
V - Competia à Administração Tributária fazer prova dos pressupostos do seu agir (cfr. artigo 74.º, n.º 1, da LGT), (…).”
(v) CAAD:
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Acórdão de 14.06.2013, proferido no processo n.º 130/2012-T:
“Da questão central: aplicação da presunção do art. 6.º, n.º 4, do CIRS
No que concerne à questão central – da aplicação da presunção contida no artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, bem como a de saber se a mesma foi afetada pela existência de um alegado contrato de mútuo – há que atentar, antes do mais, no teor do referido dispositivo normativo: Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a títulos de lucros ou adiantamentos dos lucros.
No caso presente, o único meio invocado pela Requerente no sentido da não aplicação da presunção foi alegar que os lançamentos em contas dos seus sócios derivavam de um contrato de mútuo (não estando, pois, em causa prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais).
Por seu turno, o n.º 5 do mesmo artigo dispõe sobre o modo como pode ser ilidida a referida presunção: com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal, reconhecimento pela Direcção-Geral dos Impostos [hoje Autoridade Tributária e Aduaneira].
Não tendo sido ilidida a presunção por qualquer das vias indicadas, resta verificar se o sujeito passivo provou a existência do alegado mútuo, sem ter sido fornecida pela própria Requerente qualquer explicação para o alegado desaparecimento de um documento tão importante como seria o original de um contrato de mútuo, tendo-se limitado a declarar, sem mais, que o mesmo se extraviou.
Com efeito, não só não foi apresentado fisicamente o contrato cuja existência a Requerente alegava – aos inspetores foi apenas enviado por correio eletrónico e tardiamente uma alegada cópia - mas também foi declarado extraviado, em audiência, não tendo o depoimento de parte, aceite nos termos do artigo 16.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, logrado convencer o Tribunal da existência do contrato.
Acrescem, no sentido da inexistência de qualquer contrato de mútuo, os factos verificados no decorrer da inspeção que Tribunal considerou provados, a relembrar: (1) inexistência de deliberação social por inexistência de qualquer ata relativa aos mútuos; (2) a ausência de menção do caracter retificativo dos lançamentos efetuados; (3) a não declaração pelo sócio gerente da Requerente e pelo seu técnico de contas, aquando da inspeção, da respetiva existência.
Aliás, há a acrescentar que da análise do texto transmitido como sendo o do contrato de mútuo, resultam diversas omissões e incongruências que inviabilizam que o mesmo se possa considerar um verdadeiro contrato de mútuo suscetível de fazer afastar a aplicação da presunção do n.º 4 do art. 6.º do CIRS. Com efeito: (1) não foi invocada a qualidade de gerente pelo signatário, tal como é exigido pelo artigo 260.º, n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais; (2) não se procedeu ao reconhecimento da assinatura; (3) não teve lugar o pagamento do imposto do selo, aquando da formalização do contrato; (4) o contrato, a ter sido celebrado, deveria tê-lo sido por escritura pública (artigo 143.º do Código Civil), forma que constitui um requisito ad substantiam e, por isso, à sua inobservância tem de aplicar-se a regra geral do artigo 364.º do mesmo Código, com a consequência de a falta importar a invalidade do contrato, conforme dispõe o artigo 219.º.
(…) Por estas razões não é possível invocar o artigo 75.º da Lei Geral Tributária no sentido da autenticidade do documento, acrescendo ainda que o mesmo não consta da documentação da sociedade, nem da escrita, nem da contabilidade.
Tudo visto, há que concluir pela inexistência de um contrato de mútuo celebrado entre a Requerente e o seu sócio gerente, o que significa que aos lançamentos feitos por aquela nas contas correntes dos seus sócios terá de aplicar-se a presunção do já identificado n.º 4 do art. 6.º do CIRS. Daí as importâncias em causa serem tributáveis em IRS, em virtude dos artigos 5.º n.º 1 e 2 alínea h) e 6.º n.º 4, e objeto de retenção na fonte, nos termos dos artigos 71.º n.º 1 alínea c) e 98.º do mesmo Código e, atento o disposto no artigo 7.º n.º 3 alínea a) s/n.º 2 do mesmo Código - que, no aspeto temporal do pressuposto objetivo, estabelece a colocação à disposição como momento relevante para a sujeição a tributação - as datas para a tributação, no caso sub judice, são as datas em que foram feitos os lançamentos dos quantitativos nas contas do sócio gerente, e com as taxas então vigentes.”
-
Acórdão de 25.06.2013, proferido no processo n.º 131/2012-T:
“A aplicação da presunção prevista no artigo 6.º-4, do CIRS
Dispõe o artigo 6.º-4, do CIRS:
Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
Presunções são as ilações que a lei ou julgador tiram de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido – art. 349.º do Código Civil (CC).
Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz – n.º 1 do art. 350.º do CC.
Compete à AT demonstrar a existência dos factos (lançamentos em quaisquer contas dos sócios) que levam à presunção de que trata de lucros ou adiantamento destes, tributáveis em sede de IRS [rendimentos da categoria E – artigos 5.º- 1 e 2/h) e 7.º- 1 e 3 – n.º 2/a), do CIRS].
E compete à impugnante demonstrar que os lançamentos resultam de mútuos, prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais para justificar, designadamente, o não cumprimento da obrigação fiscal de retenção de IRS na fonte [arts 71.º-1/c) e 98.º-3, do CIRS]
Subsunção
No caso, estão demonstrados esses lançamentos ou créditos a favor da sócia da sociedade requerente, (…).
A requerente, para justificar a não retenção na fonte, procurou demonstrar que os lançamentos e entregas à sócia mencionada, ocorreram em execução de contrato de mútuo, celebrado, em 1-2-2002, por escrito particular, entre a requerente (…) e a sócia de mesmo nome.
Este “contrato”, apenas na forma de fotocópia, foi apresentado à Inspeção Tributária depois de algumas insistências.
O original de tal documento não foi apresentado, tendo sido justificada a omissão pelo extravio desse título.
Ora tratando-se de um mútuo a respetiva prova estava sujeita a forma: ou escritura pública ou documento assinado pelo mutuário – artigo 1143.º CC.
Só o empréstimo mercantil entre comerciantes admite – o que não é o caso dos autos em que só a alegada mutuante tem esse estatuto -, qualquer tipo de prova, seja qual for o valor – artigo 396.º do Cód. Comercial.
Ou seja: ainda que fosse exibido o original do alegado contrato – e só assim poderia estar cumprido o necessário ónus (não com mera fotocópia), não poderia considerar-se provada a existência e subsistência de um tal contrato uma vez que a falta de forma legal implica a nulidade do negócio jurídico – artigo 220.º do CC.
No caso e atento os valores alegadamente mutuados – superiores a € 20.000 – só a escritura pública cumpriria essa exigência probatória.
Assim é que, não estando provado o mútuo nem qualquer outro fundamento válido para considerar ilidida a presunção prevista no artigo 6.º-4, do CIRS, o que tem forçosa e legalmente de prevalecer é a realidade expressa pela contabilidade e que demonstra que, em vários momentos de 2010 (a mais significativa reportada a 1-12-2010) e de 2011, foram efetuados lançamentos a crédito, em contas correntes dos sócios, de diversos montantes (perfazendo o montante global apurado e que foi objeto das liquidações sub juditio).
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Acórdão de 06.01.2014, proferido no processo n.º 165/2013-T:
“Entende a Requerida que o Contrato de Mútuo não respeita os requisitos formais exigidos pelo artigo 1143.º do Código Civil, razão pela qual não é válido. Assim, considera que estamos perante adiantamentos de lucros, os quais deveriam ter sido tributados em IRS.
É certo que, nos termos do disposto no artigo 1143.º do Código Civil, o mútuo de valor superior a € 25.000 só é válido se for celebrado por escritura pública e o de valor superior a € 2.500 se o for por documento assinado pelo mutuário. Decorre no artigo 294.º do Código Civil que os negócios jurídicos celebrados contra disposição de carácter imperativo, como é o caso, são nulos.
A nulidade, nos termos do disposto no artigo 286.º do Código Civil, é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal. A declaração de nulidade tem efeito retroactivo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil, devendo ser restituído tudo o que for prestado.
Efectivamente, (…), estamos perante uma matéria de direito civil, pelo que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 11.º da LGT, as normas fiscais em análise devem ser interpretadas recorrendo aos termos próprios desta área do direito. Por outro lado, a lei fiscal, ou a aplicação que dela é feita, não pode criar previsões normativas diferentes das existentes nos diplomas próprios.
Dito de outra forma: o Código Civil prevê que os contratos de mútuo que não cumpram os requisitos de forma legalmente estabelecidos são nulos, não podendo produzir quaisquer efeitos, devendo ser restituído tudo o que foi prestado (o mutuário deve restituir o valor recebido e o mutuante deve restituir os juros eventualmente recebidos). É esta a cominação legalmente prevista para a falta de cumprimento dos requisitos de forma associados ao contrato de mútuo. No fundo, a lei determina que é como se o contrato de mútuo nunca tivesse existido, desaparecendo da ordem jurídica tanto o contrato como os seus efeitos.
Esta é a única consequência do não cumprimento dos requisitos formais previstos na lei. Não resulta, todavia, da lei, que do contrato de mútuo nulo possam advir outras consequências. E, assim, não pode aplicar-se a lei fiscal no sentido de retirar do incumprimento desta formalidade consequências diferentes das legalmente previstas. Ou seja, se o contrato de mútuo é nulo por falta de forma, pode determinar-se a restituição do que foi prestado, mas não pode considerar-se que da invalidade resulta que os montantes pagos ao abrigo do contrato têm outra natureza que não a de mútuo.
Assim, tem de se concluir que, o facto de terem sido preteridas as formalidades na celebração do contrato de mútuo não pode ter como consequência que o contrato não existiu e, portanto, estamos perante uma realidade diferente – no caso, um adiantamento de lucros. E se, perante a nulidade do contrato, as partes ficam obrigadas a restituir o que receberam, poderá, no limite, entender-se que o mesmo deve suceder neste caso, devendo o sócio-gerente restituir os valores registados na conta corrente antes identificada, mas não pode considerar-se que, por falta de cumprimento das formalidades que estão associadas à celebração deste tipo de contrato, a operação substancialmente praticada (um mútuo) deve ser qualificada de outra forma.
É certo que, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 36.º da LGT, “A qualificação do negócio jurídico efetuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária.”. Por outro lado, cumpre também aludir ao número 1 do artigo 74.º da LGT, nos termos do qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque, bem como ao número 1 do artigo 75.ºdo mesmo diploma, nos termos do qual se presumem verdadeiros e de boa-fé os registos contabilísticos dos contribuintes, quando realizados nos termos da legislação fiscal e comercial. Esta presunção não se verifica quando ocorrer uma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 75.º da LGT – o que não é o caso.
Acresce que, nos termos do disposto no artigo 293.º do Código Civil, “O negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos de substância e forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade.”. Assim, no limite, poderia considerar-se estarmos perante um contrato-promessa de mútuo, o qual não teria de respeitar as exigências de forma, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 410.º do Código Civil. Assim, os pagamentos seriam realizados por conta de um contrato de mútuo definitivo, a celebrar em data a indicar.
De referir ainda que, o registo contabilístico dos montantes pagos ao sócio foi realizado numa conta 268, que é uma conta de Accionistas/Sócios – Outras Operações. Habitualmente, são registadas nesta conta as operações com os sócios que não sejam adiantamentos de lucros, resultados atribuídos ou lucros disponíveis, entre outros. O registo a débito reflecte um pagamento realizado pela sociedade, pelo que, o registo feito para efeitos contabilísticos é coincidente com o enquadramento que foi dado à operação.
Portanto, verifica-se que o registo contabilístico dos movimentos associados a esta operação, nos vários exercícios em causa, está realizado em termos semelhantes ao do contrato de mútuo. Também aqui deve ser referido o disposto no n.º 1 do artigo 75.º da LGT, ou seja, não tendo a contabilidade da Requerente sido posta em causa, deverá considerar-se que a mesma espelha a realidade dos factos – e, portanto, que foi efectivamente celebrado um contrato de mútuo entre a Requerente e o sócio-gerente.
Em suma, verifica-se que as liquidações emitidas têm como único fundamento o não cumprimento pela Requerente das formalidades associadas à celebração do contrato de mútuo. No entanto, esse fundamento é meramente formal. O n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS estabelecia uma presunção nos termos da qual “os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultarem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.”. As presunções podem ser ilididas, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 351.º do Código Civil, o que se verificou neste caso – a Requerente apresentou o Contrato de Mútuo celebrado com o sócio-gerente, tendo registado contabilisticamente a operação em conformidade, o que permite ilidir a presunção de que a operação configuraria um adiantamento por conta de lucros.
Neste contexto, o ónus da prova de que o contrato não correspondia efectivamente a um contrato de mútuo foi devolvido à Administração Tributária e Aduaneira. Sucede que, nenhuma prova foi feita a este respeito – apenas foi alegado que, em virtude de o contrato não ter sido celebrado por escritura pública, o mesmo não era válido e, portanto, deveria qualificar-se como adiantamento por conta de lucros. Assim, e porque a Administração Tributária não logrou fazer prova do facto alegado (que os montantes em causa foram entregues a título de adiantamento por conta de lucros), deve considerar-se que a operação existe na ordem jurídica nos termos em que foi definida pela Requerente. Estamos, assim, perante um contrato de mútuo, sendo os pagamentos feitos ao sócio-gerente entregas dos valores mutuados.
As disponibilizações de montantes feitas no âmbito contrato de mútuo não configuram rendimentos do sócio-gerente, não estando por isso sujeitas a tributação, nem através de retenção na fonte, nem a final.”
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Acórdão de 28.02.2018, proferido no processo n.º 395/2017-T:
“(…) a norma do artigo 6.º, n.º 4, do CIRS aplicável, consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, segundo a qual as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
No caso, resulta dos factos provados que ocorreu a referida escrituração, e que as quantias em questão não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
Daí que, sem qualquer dúvida, se verificam os pressupostos da presunção em questão, que, portanto, opera os respectivos efeitos legais, que é uma presunção legal (estabelecida expressa e directamente na lei), e não uma presunção simples, apenas natural ou judicial, que tenha por base os dados da experiência comum - e que, como se sabe, é admitida só nos casos e nos termos em que é admitida a prova testemunhal de acordo com o disposto no artigo 351.º do Código Civil, e em que não é necessário fazer a prova do contrário do facto presumido, bastando abalar a convicção resultante da presunção, valendo a regra constante do n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil, própria para as presunções legais - as quais, para serem afastadas (nos casos em que a lei o permite) têm de ser ilididas mediante prova em contrário.
Estando em causa a ilisão de uma presunção legal relativa (iuris tantum), impende então sobre a Requerente o ónus de produzir prova do contrário, ou seja, de desenvolver actuação probatória dirigida contra o facto presumido, com o objectivo e de molde a convencer o julgador de que, não obstante a ocorrência do facto que serve de base ao funcionamento da presunção invocada (lançamentos em contas correntes dos sócios, escrituradas em sociedades comerciais), o facto presumido não se verificou.
Tal prova, estando em causa a presunção prevista no artigo 6.º, n.º 4, do CIRS aplicável, por força do disposto, de forma expressa, no nº. 5 do mesmo normativo, a mesma só pode ser ilidida pelos quatro meios de prova aí, taxativamente, previstos, decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção-Geral dos Impostos.
A primeira questão que se coloca, é então a de saber se é possível essa ilisão no próprio processo de impugnação judicial e/ou arbitral, que, consabidamente, foi legalmente configurado como uma alternativa directa àquele.
Face ao decidido no Acórdão do STA de 15-12-2004, proferido no processo 01187/04, (…), não haverá dúvidas que a resposta a tal questão deverá ser afirmativa, concluindo-se que nada impede que a decisão judicial a que alude o art. 6.º, n.º 5 do CIRS aplicável seja proferida em processo de impugnação judicial ou em processo arbitral tributário, e que, não se prevendo qualquer limitação quanto aos meios de prova de que o interessado possa lançar mão para o efeito, o processo de formação da decisão judicial de tais processos se possa apoiar em prova testemunhal e/ou documental.
Posto isto haverá, então que apurar, face à matéria de facto dada como provada, se encontra ilidida ou não a presunção em causa.
Antes de tal operação, todavia, torna-se necessário definir concretamente em que se traduz a prova a fazer, para que se possa considerar ilidida a referida presunção.
(…) o facto presumido consiste em considerar que os lançamentos em contas correntes dos sócios, foram feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
Assim, e desde logo, não relevará para a infirmação da presunção em apreço a inexistência de lucros susceptíveis de distribuição, uma vez que as quantias escrituradas nos termos em questão se presumem também como adiantamento de lucros.
Atendendo a que a jurisprudência (…) tem considerado que com a presunção ora em análise o legislador quis resolver a qualificação das quantias escrituradas nas contas correntes dos sócios, cuja "causa" jurídica não tenha sido expressamente declarada, dever-se-á considerar que a Requerente não logrou produzir prova suficiente que permita concluir pela não verificação do facto presumido, (…).
Com efeito, a Requerente confessa que desde o início da sua actividade que as disponibilidades financeiras que foi gerando foram utilizadas em proveito pessoal dos seus sócios.
É certo que a Requerente alega, ainda, que também foram aquelas disponibilidades utilizadas para pagamentos a fornecedores e outros terceiros, sem documentação comprovativa.
Todavia, não produziu a Requerente qualquer prova sobre o montante dos valores que foram utilizados em proveito dos sócios, designadamente que tal valor fosse inferior ao decorrente da presunção aplicada pela AT na liquidação contra a qual se insurge.
Por outro lado o certo é que os valores que, no exercício a que se reporta o acto tributário objecto da presente acção arbitral, foram contabilizados nas contas dos sócios, resultam da própria contabilidade da Requerente, nada indiciando que, previamente à sua contabilização a favor dos sócios, tais valores não tenham efectivamente ingressado no património da Requerente.
Está-se, assim, precisamente, perante a situação descrita por Xavier de Basto, quando refere que a “previsão de presunções deriva da própria natureza dos rendimentos de capitais, alguns deles de relativamente fácil sonegação”.
Ou seja: da matéria de facto provada não resulta que, efectivamente, não tenha havido uma disposição patrimonial da Requerente a favor dos seus sócios (e, muito menos, que a mesma haja ocorrido a título de mútuo, prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais), subjacente ao lançamento contabilístico nas respectivas contas, quedando, pelo menos, uma dúvida razoável a tal respeito, dúvida essa que, por via do funcionamento das regras do ónus da prova, acima referidas na sequência da jurisprudência transcrita, tem de ser resolvida em desfavor da Requerente.
(…)
Daí que, na apreciação da prova de que o movimento contabilístico desencadeante da presunção consagrada no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS aplicável não ocorreu, não seja decisiva a circunstância, (…), de as disponibilidades nas contas bancárias (e, notoriamente, em caixa) não conterem os valores contabilizados a favor dos sócios, uma vez que tal relevará, unicamente, para demonstrar que no exercício em causa não ocorreu essa transferência de valores, não sendo todavia apta a demonstrar que em exercícios anteriores não ocorreu tal transferência, conforme, como se viu, a Requerente acaba por reconhecer, (…).
Também se julga não assumir relevância para a questão em apreço, a circunstância de o lançamento contabilístico que constitui o facto índice da presunção, ter subsequentemente (após o início do procedimento inspectivo) sido anulado contabilisticamente pela Requerente.
Com efeito, embora contabilisticamente se tenha eliminado o registo em causa, o certo é que, enquanto facto o mesmo não deixa de se ter verificado na realidade e a presunção em causa assenta, precisamente, nesse facto. (…) Assim, sendo incontroversa a verificação dos pressupostos da presunção em apreço, e incontroverso sendo que o que está em causa é apurar se a Requerente logrou ilidir aquela, a circunstância superveniente de o movimento contabilístico em que a mesma assenta ter sido substituído por outro, nada diz relativamente ao acerto quer de um, quer de outro, tanto mais que a Requerente não demonstra, sequer, nos autos o acerto substancial do registo superveniente que operou.”
Isto posto. Como resulta do artigo 349.º do Código Civil, as presunções “são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.
A este propósito, dizem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 312) que nas presunções “supõe-se a prova dum facto conhecido (base da presunção), do qual, depois, se infere o facto desconhecido.
As presunções podem ser legais, se estabelecidas pela lei, ou judiciais, simples ou de experiência, quando assentam no simples raciocínio de quem julga. Estas últimas inspiram-se nas máximas de experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana.”
A presunção estatuída no artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS é uma presunção legal – estabelecida expressa e diretamente na lei – e não uma presunção simples, apenas natural ou judicial, que tenha por base os dados da experiência comum.
Por isso, valem aqui as regras estatuídas no artigo 350.º do Código Civil, ou seja, “quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz” (n.º 1) e, nos casos em que a lei o permitir, as presunções legais podem “ser ilididas mediante prova em contrário” (n.º 2). As presunções legais que podem ser ilididas por prova em contrário são designadas por presunções juris tantum e as que não admitem prova em contrário, são designadas por presunções juris et de jure.
A presunção do artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS é uma presunção juris tantum pois, como resulta do n.º 5 do mesmo artigo, pode ser ilidida pelos meios aí previstos, mediante prova em contrário.
Nesta conformidade, é pois sobre a AT que recai o ónus de alegar e provar os factos índices donde se possa extrair a conclusão de que a dita quantia de € 60.000,00 foi colocada à disposição do sócio da Requerente, B..., a título de adiantamento por conta de lucros e que, por isso, constitui um rendimento de capitais (artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea h), do Código do IRS), sujeito a retenção na fonte (artigo 71.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS).
Com efeito, à AT cabe o ónus de provar a existência dos pressupostos legais vinculativos da sua atuação, isto é, compete-lhe provar que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que seja ela a liquidar o imposto que o contribuinte deixou de liquidar, demonstrando a existência e o conteúdo do facto tributário (cf. artigo 74.º, n.º 1, da LGT); no caso concerto, a AT tem, pois, o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a qualificar a mencionada transferência de dinheiro para o sócio da Requerente, B..., como adiantamento por conta de lucros.
Compulsado o probatório, constatamos que resultam provados, como início de prova ou factos conhecidos fundantes do facto presumido, a transferência da quantia de € 60.000,00 da Requerente para o seu sócio B... e o lançamento em conta corrente deste mesmo sócio, escriturada na sociedade (cf. factos provados i) e j)); ademais, como resulta do teor do RIT (cf. factos provados d) e f)), a AT concluiu que a verba monetária em causa foi embolsada pelo dito sócio da Requerente a título de adiantamento por conta de lucros, porque “[o] documento de suporte contabilístico respeitante ao lançamento na conta corrente do sócio e gerente da empresa é um "Aviso de lançamento”, de 31/12/2015, com a Descrição manual de "Empréstimo da Sociedade ao sócio B...”, no valor de € 60.000,00” e, portanto, “não estamos perante nenhum mútuo, (…), ou seja, o documento de suporte não está de conformidade com os requisitos previstos nos artigos 1142.º e 1143.º do Código Civil, pelo que se trata de adiantamentos por conta de lucros, os quais são considerados como rendimentos de capitais”.
À Requerente, por seu turno, competia ilidir a presunção em apreço, mediante prova em contrário a efetuar por um dos meios que expressamente estão previstos no n.º 5 do artigo 6.º do Código do IRS; a este propósito, acompanhamos o que foi vertido no citado acórdão proferido no processo n.º 395/2017-T do CAAD, no sentido de que “é possível essa ilisão no próprio processo de impugnação judicial e/ou arbitral, que, consabidamente, foi legalmente configurado como uma alternativa directa àquele. Face ao decidido no Acórdão do STA de 15-12-2004, proferido no processo 01187/04, (…), não haverá dúvidas que a resposta a tal questão deverá ser afirmativa, concluindo-se que nada impede que a decisão judicial a que alude o art. 6.º, n.º 5 do CIRS aplicável seja proferida em processo de impugnação judicial ou em processo arbitral tributário, e que, não se prevendo qualquer limitação quanto aos meios de prova de que o interessado possa lançar mão para o efeito, o processo de formação da decisão judicial de tais processos se possa apoiar em prova testemunhal e/ou documental.”
A Requerente procurou, então, demonstrar que a entrega do referido montante ao seu sócio e gerente, B..., e o respetivo lançamento em conta corrente deste, escriturada na sociedade, consubstanciou um empréstimo (não resultando, pois, nem da prestação de trabalho, nem do exercício de cargos sociais), cujo documento de suporte contabilístico é, como resultou provado, “um “Aviso de Lançamento”, datado de 31.12.2015, com a descrição “Empréstimo da sociedade ao sócio B...”, no valor de € 60.000,00, assinado por B... (Diário 4; doc. 749; descritivo: fatura)” (cf. facto provado j)).
Visando o mesmo desiderato, a Requerente juntou ao pedido de pronúncia arbitral, como documento n.º 6, um documento particular denominado “Contrato de Empréstimo”, sendo que, pelas razões acima aduzidas, não foi considerada provada a celebração do contrato que esse documento pretende titular (cf. facto não provado a)).
Como definido no artigo 1142.º do Código Civil, “mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra cosia fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”; o subsequente artigo 1143.º determina a forma exigida para a validade do contrato de mútuo, nos seguintes termos: “Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a € 25 000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a € 2 500 se o for por documento assinado pelo mutuário.”
No caso concreto, em que está em causa um alegado empréstimo de € 60.000,00 pela Requerente ao seu dito sócio, o contrato de mútuo assume pois um caráter formal, sendo que a exigência de forma contida no artigo 1143.º do Código Civil – escritura pública ou documento particular autenticado – constitui uma formalidade ad substantiam, cuja inobservância determina a nulidade do contrato (artigo 220.º do Código Civil)[2]; ademais, exigindo a lei determinada forma escrita para a validade do contrato, a sua falta não pode ser suprida senão nos termos limitados em que o n.º 1 do artigo 364.º do Código Civil o permite, ou seja, o documento “não pode ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior”. Significa isto que a falta de escritura pública ou de documento particular autenticado não pode ser sanada através da utilização de um documento particular e, muito menos, por exemplo, por prova testemunhal (artigo 393.º, n.º 1, do Código Civil), para que se possam fazer valer os efeitos do negócio, como se fosse válido.
Neste cenário e face ao probatório, impõe-se concluir que a Requerente não logrou ilidir a presunção vertida no artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS, como lhe estava legalmente imposto, uma vez que não produziu prova suficiente – “prova em contrário” – que permita concluir pela não verificação do facto presumido.
Porquanto, uma vez que o facto presumido consiste em considerar que o mencionado lançamento na conta corrente do dito sócio da Requerente, escriturada na sociedade, foi feito a título de adiantamento por conta de lucros, impende então sobre a Requerente o ónus de produzir prova em contrário, ou seja, de desenvolver uma atuação probatória dirigida contra o facto presumido, visando convencer o julgador de que, apesar da ocorrência do facto que serve de base à invocada presunção (lançamento a seu favor, em conta corrente do sócio, escriturada na sociedade), o facto presumido não se verificou.
Ora, tendo a Requerente invocado a existência de um empréstimo para justificar a disposição patrimonial a favor do seu sócio B... e atento o valor em causa (€ 60.000,00), a respetiva prova só poderia ser feita por escritura pública ou documento particular autenticado, não podendo estes documentos serem substituídos por outros meios de prova ou por outros documentos que não sejam de força probatória superior.
Assim, uma vez que o único documento a ter em consideração para comprovar o referido empréstimo é o “Aviso de Lançamento”, datado de 31.12.2015, com a descrição “Empréstimo da sociedade ao sócio B...”, no valor de € 60.000,00, assinado por B... (Diário 4; doc. 749; descritivo: fatura)”, que se encontra registado na contabilidade da Requerente (cf. facto provado j)), não se pode ter por cumprida a referenciada exigência probatória.
Consequentemente, ao referido lançamento feito na conta corrente do dito sócio da Requerente, escriturada na sociedade, terá de aplicar-se a presunção constante do artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS e, em resultado disso, considerar-se que o montante de € 60.000,00 foi colocada à disposição daquele sócio da Requerente a título de adiantamento por conta de lucros e que, por isso, constitui um rendimento de capitais (artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea h), do Código do IRS), sujeito a retenção na fonte (artigo 71.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS), nos exatos termos legais enunciados no RIT.
Nestes termos, a liquidação controvertida não enferma do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que a Requerente lhe imputa.
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§2. Do Vício de Falta de Fundamentação
A Requerente invoca, ainda, o vício de falta de fundamentação por, no RIT, a AT não ter provado, “como tinha o dever legal de fazer, de forma clara, inequívoca e fundamentada, que este lançamento [a que se reporta o facto provado j)] se presume feito a título de adiantamento de lucros”.
A fundamentação é uma exigência dos atos tributários em geral, sendo uma imposição, desde logo, constitucional (cf. artigo 268.º, n.º 3, da CRP), mas também legal (cf. artigo 77.º da LGT).
Contudo, como referem Paulo Marques e Carlos Costa (A liquidação de imposto e a sua fundamentação, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 68), ao contrário do que acontece no “texto constitucional (artigo 268.º, n.º 3, da Constituição), em que se exige a fundamentação dos actos «quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos», em sede de procedimento tributário (art. 77.º da LGT), não se entendeu restringir a exigência da fundamentação da decisão apenas aos actos desfavoráveis ao contribuinte, embora deva existir maior densidade da fundamentação nestes últimos casos.”
Como nos dão conta Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Editora Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, pp. 675-676), no âmbito tributário, “o dever de fundamentação dos actos decisórios de procedimentos tributários e dos actos tributários é concretizado no art. 77.º da LGT.
Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que lavaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.
Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.
No presente art. 77.º [da LGT] estende-se o dever de fundamentação a todas as decisões de procedimentos tributários, pelo que ela é obrigatória mesmo nas decisões favoráveis aos sujeitos passivos dos tributos.
Esta exigência compreende-se em face da pluralidade de razões que impõem a exigência de fundamentação dos actos administrativos, que vão desde a necessidade de possibilitar ao administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o acto, até à garantia da transparência e da ponderação da actuação da administração e à necessidade de assegurar a possibilidade de controle hierárquico e jurisdicional do acto.”
Ainda segundo estes autores (ibidem, p. 676), deve a fundamentação “consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”
Sendo certo que a fundamentação deve ser feita por via da sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, nada impede, todavia, que possa fazer-se por remissão e apropriação de anteriores pareceres, informações e propostas bem como para o relatório da inspeção tributária, como postula o n.º 1 do artigo 77.º da LGT, assumindo então a designação de fundamentação por remissão ou por referência (per relationem ou per remissionem), uma vez que está expressa num outro documento. Assim, “devem ter-se por fundamentadas as liquidações derivadas das correcções da inspecção quando do relatório constam as razões dessa correcção e posterior liquidação. Nesse caso, para se saber se o acto da liquidação está ou não fundamentado, não pode o intérprete alhear-se do relatório da inspecção, uma vez que este constitui o culminar de um procedimento que um conceito amplo de liquidação necessariamente comporta. (…)
No plano do procedimento inspectivo tributário, admitindo a modalidade de fundamentação «per relationem» ou «per remissionem», o artigo 63.º, n.º 1, do RCPIT prevê que os actos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório poderão fundamentar-se nas suas conclusões, através da adesão ou concordância com estas, devendo em todos os casos a entidade competente para a sua prática fundamentar a divergência face às conclusões do relatório. (…)
A importância da motivação de facto e de direito constante do procedimento de inspecção tributária, posteriormente absorvida pela decisão tributária, compreende-se tendo em vista que o acto de liquidação stricto sensu representa o culminar e um extenso e complexo procedimento administrativo assente nos actos preparatórios praticados pelos serviços de inspecção tributária que integram o procedimento de liquidação lato sensu (artigo 11.º do RCPIT).”[3]
Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstrata e/ou absoluta, ou seja, a fundamentação exigível a um ato tributário concreto, deve ser aquela que funcionalmente é necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio.
A este propósito, os nossos tribunais têm vindo a decidir de forma reiterada nos termos que, a título de exemplo e pela completude de análise, passamos a citar do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 04.12.2012 no processo n.º 06134/12:
“A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.
Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr. ac. S.T.J. 26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág. 57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág. 687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág. 139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr. por todos, ac. S.T.A-1.ª Secção, 6/2/90, A.D., nº. 351, pág. 339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação “per relationem” - cfr. art. 125.º do C.P. Administrativo).
Para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (cfr. ac. S.T.A.-2.ª Secção, 13/7/2011, rec. 656/11; ac. T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09).
Se a fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09).”
Por outro lado, relativamente à fundamentação de direito, o Supremo Tribunal Administrativo “tem decidido que, para que a mesma se considere suficiente, não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou a um quadro legal bem determinado, devendo considerar-se o acto fundamentado de direito quando ele se insira num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível – entre tantos outros, os acórdãos proferidos pela 1ª Secção do STA em 27/02/1997, em 17/05/1998, e em 28/02/2002, nos processos n.º 36.197, 32.694 e 48071, respectivamente.”[4]
Noutra ordem de considerações, importa salientar que o relatório de inspeção tributária “constitui porventura a peça fulcral do procedimento inspectivo, o culminar do trabalho efetuado pelos profissionais da inspecção tributária, identificando e sistematizando todos os factos conhecidos com relevância tributária no âmbito do aludido procedimento, não se prescindindo do necessário enquadramento jurídico-tributário. Assim, o artigo 62.º, n.º 3, do RCPIT escalpeliza os elementos que o relatório deverá conter, considerando a dimensão e a complexidade da entidade inspecionada, com destaque, no que aqui importa, para a descrição dos factos susceptíveis de fundamentar qualquer tipo de responsabilidade solidária ou subsidiária, bem como a descrição dos factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, com menção e junção dos meios de prova e fundamentação legal de suporte das correcções efectuadas.”[5]
Acresce que, como decorre do estatuído no art. 60.º, n.º 1, do RCPIT, “nas situações em que se proponham correcções fiscais potencialmente desfavoráveis ao contribuinte, os serviços deverão notificar no prazo de 10 dias a entidade inspecionada do projecto de conclusões do relatório inspectivo, dando a conhecer igualmente o teor dos actos de inspecção, assim como a respectiva fundamentação, para efeitos do exercício da audição prévia do contribuinte. O sujeito passivo inspecionado deverá ter perfeito conhecimento das correcções fiscais propostas pela inspecção tributária, para poder decidir pelo exercício ou não da aludida faculdade. Caso venha ao procedimento exercer esse direito de audição prévia reconhecido constitucionalmente, a entidade inspecionada poderá deduzir os argumentos que tiver por convenientes.”[6] Nessa situação, todos os “elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão (artigo 60.º, n.º 7, da LGT).”[7] Como observam Saldanha Sanches e João Taborda da Gama (“Audição-Participação-Fundamentação: A co-responsabilização do sujeito passivo na decisão tributária”, Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, p. 295, apud Paulo Marques e Carlos Costa, A liquidação de imposto e a sua fundamentação, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp. 77 e 78), “há uma fundamentação dialógica num duplo sentido: mediante os factos novos alegados pelo sujeito passivo, a Administração fiscal realiza um processo cognitivo que vai enriquecer a sua posição (quais são as razões do sujeito passivo?; corresponderão as razões alegadas às razões verdadeiras?; são, ou não, os interesses por si alegados dignos de tutela jurídica?); por outro lado, o registo do diálogo entre a Administração e o sujeito passivo permite uma clarificação reforçada das razões de agir da Administração, o que tem como efeito impedir que esta possa ocultar os reais fundamentos (ou a ausência de fundamentos) da sua actuação.”
Volvendo ao caso dos autos, resulta do RIT que os Serviços de Inspeção Tributária fundamentaram de facto e de direito a aplicação da presunção estatuída no artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS e a subsequente sujeição a retenção na fonte do rendimento em apreço, como resulta evidenciado pelo vertido nos factos provados d) e f).
Acresce dizer, como se salienta no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 28.04.2016 no processo n.º 08288/14, o seguinte:
“I. Importa distinguir a fundamentação formal do acto que diz respeito à exteriorização clara, congruente e perceptível das razões de facto e de direito em que assenta o acto tributário, da fundamentação substancial que diz respeito à conformidade com a lei da motivação concreta.
II. O acto tributário encontra-se suficientemente fundamentado (formalmente) quando permite a um destinatário normal compreender as razões de facto e de direito que subjazem ao acto.
III. Se não se concorda com as razões (e com a sua suficiência) subjacentes à correcção já não está em causa a fundamentação formal, mas substancial que tem a ver com o acerto (legalidade) da correcção.”
Cumpre ainda referir que o próprio pedido de pronúncia arbitral é a prova inequívoca de que a Requerente é perfeitamente conhecedora do itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela AT, conhecendo pois as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, o que lhe permitiu optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação e, nesse âmbito, rebater exaustivamente a atuação da AT.
Nestes termos, afigura-se-nos que o ato tributário controvertido deve considerar-se devidamente fundamentado quer de facto quer de direito, pelo que improcede o arguido vício de forma.
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§3. Reembolso do Montante de Imposto Pago Acrescido de Juros Indemnizatórios
Uma vez que é de manter a liquidação controvertida, fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do CPC), o conhecimento destas questões suscitadas pela Requerente.
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IV. Decisão
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
-
Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira;
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Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.
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Valor do Processo
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 18.239,73 (dezoito mil duzentos e trinta e nove euros e setenta e três cêntimos).
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Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, o montante das custas é fixado em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
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Lisboa, 25 de fevereiro de 2019.
O Árbitro,
(Ricardo Rodrigues Pereira)
[1] Será considerada a redação em vigor à data dos factos.
[2] Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (ob. cit., p. 322): “A regra é a de que os documentos escritos, autênticos, autenticados ou particulares, são exigidos como formalidades ad substantiam. Daí o princípio da nulidade consagrado no artigo 220.º. Só quando a lei se refira, pois, claramente à prova do negócio, é que é aplicável o regime do n.º 2 deste artigo.”
[3] Paulo Marques e Carlos Costa, ob. cit., pp. 146-148.
[4] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 17 de novembro de 2010, no processo n.º 01051/09.
[5] Paulo Marques e Carlos Costa, ob. cit., p. 76.