Decisão Arbitral
I. Relatório
1. A..., contribuinte fiscal n.º..., e B..., contribuinte fiscal n.º..., casados (doravante designado por “Requerentes”), ambos residentes na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, apresentaram, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de Tribunal Arbitral, de forma a ser declarada ilegal a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2018..., referente ao ano de 2017, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).
A) Constituição do Tribunal Arbitral
2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro do tribunal singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 9 de outubro de 2018.
3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 29 de outubro de 2018.
B) História processual
4. No pedido de pronúncia arbitral, os Requerente peticionam a anulação parcial, com fundamento em ilegalidade por vício de violação de lei, da liquidação de IRS n.º 2018..., datada de 2 de junho de 2018, emitida por respeito ao exercício de 2017, sendo igualmente peticionado o reembolso do montante pago, bem como o pagamento, por parte da AT, de juros indemnizatórios.
5. A AT, por sua vez, notificada do pedido de pronúncia arbitral apresentado pelos Requerentes, veio, no prazo estabelecido para a sua Resposta do artigo 17º do RJAT, comunicar que a liquidação impugnada nos presentes autos foi devidamente revogada.
6. Os Requerentes, tendo sido notificados para se pronunciarem sobre a inutilidade superveniente da lide, vêm informar que nada têm a opor à extinção da instância nos termos da alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil (“CPC”).
7. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
8. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.
II. Da inutilidade superveniente da lide
9. O artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, dispõe o seguinte: “A instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
10. A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.
11. A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide traduz-se, assim, numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei.
12. Nas palavras dos ilustres José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha[1], “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
13. Volvendo ao caso concreto, temos que a AT satisfez por inteiro e de modo voluntário as pretensões que a Requerente formulou nestes autos.
14. Nessa medida, os resultados que a Requerente visava com o presente processo arbitral foram já integralmente atingidos, pelo que a decisão arbitral que, normalmente, seria proferida, conhecendo do mérito das pretensões deduzidas, se afigura destituída de qualquer efeito útil, pelo que não se justifica a sua prolação.
15. Sem necessidade de maiores considerações, julga-se, pois, verificada a inutilidade superveniente da lide.
III. Da responsabilidade pelas custas
16. Nos termos do disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (excetuados os previstos nos números anteriores), a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.
17. Por sua vez, o n.º 4 do mesmo artigo estatui, no que aqui importa atentar, que se considera, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente.
18. No caso concreto, temos que a pretensão da Requerente foi satisfeita voluntariamente pela AT, por esta ter revogado o ato tributário impugnado.
19. Ora, a liquidação de IRS objeto do presente pedido de pronúncia arbitral foi anulada pela AT, no dia 7 de dezembro de 2018, já após a constituição do presente Tribunal Arbitral, a qual se verificou a 29 de outubro de 2018.
20. Note-se aliás que, tendo o pedido de constituição do tribunal arbitral sido aceite, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT, esta poderia “(…) no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja legalidade foi suscitada” (sublinhado nosso), conforme previsto no artigo 13.º do RJAT.
21. Com efeito, a anulação da liquidação objeto dos presentes autos ocorreu após este prazo de 30 dias, pelo que considera o presente Tribunal Arbitral que ocorre uma causa de extinção da instância imputável à AT, designadamente a inutilidade superveniente da lide, por anulação do ato impugnado.
22. Assim, no caso em apreço, tendo em consideração o supra exposto, a responsabilidade pelas custas deverá ser totalmente imputada à AT.
IV. Decisão
23. Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar supervenientemente inútil a presente lide, absolvendo a Requerida da instância, condenando-se esta nas custas do processo, no montante abaixo fixado.
V. Valor do processo
24. Fixa-se o valor do processo em Euro 8.662,29, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VI. Custas
25. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em Euro 918, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência do pedido.
Notifique-se.
Lisboa, CAAD, 28 de janeiro de 2019
O Árbitro
(Sérgio Santos Pereira)
[1] Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 555