Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 63/2012-T
Data da decisão: 2012-08-01  IMT  
Valor do pedido: € 51.907,78
Tema: Isenção de pagamento de imposto nas aquisições de imóveis destinados a revenda
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CAAD - CENTRO DE ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA

Tribunal Arbitral Tributário

 

Processo nº63/2012 – T

Acórdão

 

I - RELATÓRIO

 

… Lda., (que se designará também abreviadamente por “…”), pessoa colectiva n.º …, com sede na … COLARES, apresentou em 03.04.2012, pedido, invocando os artigos 2º, nº 1, alínea a), 10º, nº 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, pedido de pronúncia arbitral sobre o acto de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e juros compensatórios, respeitantes ao exercício de 2010, respectivamente, de € 49.879,79 e € 2.027,99, totalizando um montante de € 51.907,78 (cinquenta e um mil novecentos e sete euros e setenta e oito cêntimos).

 

Alegou no essencial e em muito sumária síntese:

 

- O procedimento de liquidação do referido imposto e respectivos juros compensatórios foi efectuado pelo Serviço de Finanças …, nos termos do artigo 2º, n.º 2, alínea b) do CIMT.

- Tem na sua génese uma acção inspectiva, com suporte na ordem de serviço nº …, relativamente ao ano de 2010, e a entidade Requerente, cujos objectivos consistiram no controlo interno da isenção de pagamento de IMT, nas aquisições de imóveis destinados a revenda, constante do artigo 7.º do CIMT, designadamente em verificar se nas situações em que essa isenção cessou, nos termos do n.º 5 do artigo 11º do CIMT, foi regularizado o respectivo IMT, conforme determina o artigo 34º do C1MT.

 

- Ora considerando que:

a) Em 28.01.2000 …, na qualidade de promitente-comprador e … (falecida em 2002), outorgaram contrato-promessa de compra e venda, relativamente a metade indivisa de um prédio rústico, que coincide com o prédio já descrito, pelo preço de € 200.000,00 da Requerente, sendo que a escritura seria outorgada pelo promitente-comprador com a utilização de procuração com poderes irrevogáveis da Requerente;

b) Em 5.02.2000, o promitente-comprador … e sua mulher outorgaram com a … um contrato de cessão da posição contratual relativamente àquele contrato;

c) O contrato de cessão da posição contratual refere que os primeiros outorgantes cederam livre de quaisquer ónus ou encargos, à segunda outorgante a sua posição de promitente-compradora no contrato de promessa pelo mesmo preço já pago e que a segunda outorgante aceitou a integralidade do contrato-promessa, que fica a fazer parte integrante do referido contrato de cessão da posição contratual;

d) Por via de celebração do contrato de cessão de posição contratual à data de 28.01.2000, a … prometeu comprar a … e esta lhe prometeu vender a metade indivisa do referido imóvel, retroagindo os seus efeitos ao contrato promessa de aquisição.

e) Em 04.07.2007, veio a celebrar-se a escritura pública de compra e venda entre a Requerente e os promitentes vendedores herdeiros de … pelo preço de € 997.595,79, já recebido por ter “ (...) sido integralmente pago, a título de sinal e princípio de pagamento à promitente vendedora que já deu a respectiva quitação, sendo € 249.398,95 no acto do contrato-promessa e o restante valor de € 748.196,85 no dia 28.04.2000, através de cheques, que já deu a respectiva quitação. (...)” (cf. escritura pública do contrato de compra e venda de 04.07.2007)

 

Em termos fiscais, a Requerente considera que o enquadramento jurídico tributário deverá ser o seguinte:

- (...) Relativamente à parte do imóvel aqui em causa, operou a traditio em Janeiro de 2000, inexiste facto tributário em 2012 que possa subsumir-se nas malhas da incidência real de IMT, donde nesse ano e nessa sede, inexiste também capacidade tributária a sujeitar a efeito impositivo.

- A haver sujeição a imposto ela teria de resultar da situação possessória iniciada em 2000 e já não a formalização jurídica da transferência de propriedade consubstanciada na escritura pública de 2007.

- É que, in casu, se a transmissão operou com o facto complexo constituído pelo contrato-promessa com tradição, os factos jurídicos posteriores, como seja a transmissão jurídica do imóvel deixa de ter a virtualidade para ser considerada transmissão, pois não pode ocorrer dupla tributação nesta sede relativamente a uma mesma transmissão de propriedade de bens.

- As ficções de transmissões previstas no parágrafo 1º, do artigo 2º do CIMSISD e n.º 2 do artigo 2º do CIMT, antecipam a sujeição a tributação das transmissões ficcionadas ali previstas, mas não podem duplicá-las.

- Assim, sendo e uma vez subsumível a ficção de transmissão no normativo que sujeita a SISA ou IMT os contratos-promessa com tradição, verifica-se a previsão legal da incidência a SISA ou a IMT, independentemente de vir ou não a ser celebrada uma escritura de compra e venda, nestas situações, deixa de ter qualquer relevância para o efeito de determinar a incidência a imposto, ou seja, deixa de ser um facto tributário em sede de SISA ou de IMT.

- Face ao exposto, estavam absolutamente verificados, à data de Janeiro/Fevereiro de 2000 os pressupostos do conceito de transmissão fiscal para efeitos de SISA, seja pela via da posse formal ou pela via da posse causal.(...).”

 

- Assim com a consideração de que o facto tributário ocorreu em 2000, a Requerente entende e defende que deve ser antes convocado o quadro normativo da SISA e já não do IMT que é o imposto que está a ser objecto de sindicância.

- A concessão pelo notário da isenção prevista no artigo 7º do CIMT enferma de erro, devendo ser desconsiderada porquanto a traditio ou a entrega da coisa ocorreu em Janeiro de 2000, momento em que deveria ter havido tributação e não em data posterior, no caso, em 04.03.2007, com a celebração da escritura pública.

- Por essa razão, a Requerente pugna pela “ inexistência do facto tributário em 2010 e por isso, da ausência de capacidade tributária a sujeitar a IMT, confirmo expresso no artigo 59 da P.I.: "... A referência a isenção que consta da escritura pública de transmissão de parte do imóvel aqui em causa, enferma também ela, de erro, já que aquela data e levando-se em boa conta toda a hermenêutica que acima deixámos, jamais o artigo 7º do IMT teria virtualidade de se aplicar aquela transmissão jurídica, na medida em que, partindo do facto tributário que é consubstanciado pela traditio e já não pela transmissão jurídica do imóvel, o normativo que tinha a possibilidade de se aplicar era o que se encontrava previsto no n.º3 do artigo 11º do CIMSISSD.", Para logo após concluir, que nem mesmo a isenção de SISA relevava para o efeito da sua aplicabilidade à transmissão em causa que já há muito havia decorrido o prazo de 3 anos a contar da celebração do contrato-promessa com tradição, outorgado em 28.01.2000.

- E conclui a Requerente nos artigos 63.° e 64.° da sua petição, nos seguintes termos, relevantes para a causa de pedir: "63. Fica assim, dilucidada a questão da inexistência de facto tributário, reportado ao ano de 2010, na medida que tendo sido celebrado CPCV (em 2000) com tradição da parte do imóvel aqui em causa, é deste facto tributário complexo que se deve partir para eventualmente considerar a aplicabilidade da isenção prevista no artigo 11º do CIMSISSD (ou do artigo 7º do CIMT) e já não a transmissão jurídica entretanto ocorrida em 4.07.2007. 64. Isto dito, é inequívoca a ausência de capacidade tributária e sujeitar a efeito impositivo (no ano de 2010), donde é manifesta a ilegalidade das liquidações que aqui se controvertem por violação da lei consubstanciada em erro nos pressupostos que conduziram à controvertida tributação, sendo manifesta, aliás, a existência de erro na qualificação jurídica da materialidade fáctica considerada para se operarem as liquidações que aqui se sindicam, o que não pode deixar de, por si só, as enfermar grosseiramente (...).”

Não tendo a Requerente manifestado vontade de designar árbitro, procedeu-se à nomeação nos termos do artigo 6º/2-a), do DL 10/2011, de 20 de Janeiro (Lei da Arbitragem Tributária, abreviadamente LAT), tendo sido designado, o árbitro, após prévia aceitação, a signatária, Dra. Maria da Graça Martins.

Mostra-se junto o respectivo processo administrativo.

Teve lugar em 30.05.2012, neste CAAD, a reunião de constituição do Tribunal Arbitral conforme previsto no artigo 11º-7, da LAT.

 

Na resposta apresentada no prazo legal, a Autoridade Tributária e Aduaneira (que se designará também abreviadamente, “AT”) através dos seus Ilustres representantes, manteve as posições já anteriormente assumidas na fase administrativa, designada e sinteticamente, necessariamente, que para efeitos da liquidação em sede de IMT e juros compensatórios posta em crise, releva a transmissão da propriedade ocorrida em 2007, através de escritura pública realizada no Cartório Privado de …, documento autêntico que concedeu a isenção de IMT, a essa transmissão, nos termos do artigo 7º do CIMT pelo valor de € 997.595, 79. De acordo com os factos descritos no Relatório de Inspecção, a aquisição do imóvel beneficiou de isenção ao abrigo do artigo 7º do CIMT, uma vez que o sujeito passivo, declarou no acto notarial, que o destino a dar ao referido imóvel, seria o da “ Revenda”. Ora, na perspectiva da AT, o n.º 5 do artigo 11 do CIMT impõe um prazo de três anos para se proceder à revenda do imóvel adquirido nestas circunstâncias, findo o qual, cessa a isenção do imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, de que o imóvel beneficiou aquando da sua aquisição. Logo, esgotados os prazos previstos no referido artigo 11º, n.º 5 do CIMT, verificou-se que o imóvel em causa e, de acordo com os elementos disponíveis à data, e não contestados, continua na posse do sujeito passivo, conforme comprovado pelo print do sistema referido no Ofício … datado de 19.09.2011 como anexo II.

Deste modo, considerou a Direcção de Finanças de Lisboa, que a Requerente deveria ter solicitado a liquidação do Imposto Municipal sobre as transmissões de Imóveis, dentro dos prazos previstos no artigo 34º do mesmo diploma. Tal não tendo sucedido até àquela data, decidiu a Autoridade Tributária com base nos aludidos factos e fundamentos, propor a liquidação oficiosa de IMT considerada em falta, e calculada de acordo com os artigos 12º, 16º, 17º e 1º do CIMT.

Em 17-05-2012, realizou-se a primeira reunião do Tribunal para os fins e efeitos previstos no artigo 18º da LAT, tendo aí sido declarado pelo Ilustre mandatário da Requerente manter tudo o que alegou no pedido de pronúncia arbitral e defendido que as excepções por si apresentadas deveriam ser consideradas a final, para se poder conhecer do mérito em primeiro lugar e requereu que as alegações finais fossem apresentadas por escrito. No uso da palavra, a Ilustre Representante da Requerida declarou nada ter a opor pelo mandatário. Ambas as partes apresentaram doutas alegações escritas em que os representantes da Requerente e Requerida mantêm, no essencial, as respectivas posições defendidas nos articulados e na fase administrativa do processo. (cf. acta da reunião do Tribunal Arbitral Colectivo de 21.06.2012)

 

Saneamento

 

Este Tribunal arbitral, constituído no âmbito do CAAD, é competente para apreciar e decidir o litígio.

As partes são legítimas, estão devidamente representadas e têm capacidade jurídica e judiciária.

Não há nulidades ou questões incidentais ou prévias invocadas ou de conhecimento oficioso.

As excepções apresentadas pela Requerente serão consideradas a final, para se conhecer do mérito em primeiro lugar.

 

Cumpre então apreciar e decidir o litígio.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

 

  1. Factos essenciais:

 

- Suportada na Ordem de Serviço n.º …, foi desencadeado o procedimento de inspecção interno com vista ao controlo da isenção do pagamento do IMT nas aquisições de imóveis destinados a revenda.

- Através do Ofício n.º … de 5.6.2011 da Direcção de Finanças de Lisboa, Serviços de Inspecção Tributária, foi a requerente notificada para nos termos e em conformidade com o artigo 60º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 60º do Regime Complementar do Procedimento (RCPIT), exercer o Direito de Audição sobre o Projecto de Coreccções do relatório que se encontrava junto.

- Tal direito não foi efectivado.

- Através da Ordem de Serviço nº …, foi a requerente notificada das correcções meramente aritméticas resultantes de imposição legal efectuadas em sede de IMT relativamente ao ano de 2010, culminando, assim o procedimento inspectivo interno, com o envio da decisão.

- Os factos apurados pela AT descritos na resposta pela AT apresentada a 14.06.2012 constam do relatório inspectivo que ficou a cargo da equipa Projecto II da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, citado processo administrativo n.º …, encontrando-se documentalmente suportados:

(…)

a) A , adquiriu em 04.07.2007, 1/2 de um imóvel que beneficiou de isenção de IMT, nos termos do artigo 7° do CIMT, sito na freguesia de – Mem Martins, concelho de Sintra, inscrito na matriz rústica sob o artigo – secção G, pelo valor de € 997.595,79, conforme escritura pública realizada no Cartório Notarial Privado de António José Tomás Catalão -Anexo I

b) Consultada a base de dados do património verificou-se que o imóvel em causa continuava em nome da proprietária que o adquiriu, ora requerente, tendo, actualmente, ainda, o valor patrimonial tributário de € 129,34.

c) Foram pedidos os seguintes esclarecimentos à ora requerente, em 9 de Março de 2011, de acordo com o princípio da colaboração ínsito no artigo 59° da LGT: se procedeu à revenda do referido imóvel, dentro do prazo previsto no n.º 5 do artigo 11° do CIMT (3 anos); ou no caso não ter revendido, dentro o prazo referido, prove ter procedido à sua regularização, conforme prevê o artigo 34° do CIMT.

d) Ao se ter concedido prazo para regularizar a situação tributária, e não tendo sido feito, os serviços propuseram a liquidação oficiosa de IMT, com base nos seguintes pressupostos: - a aquisição do imóvel beneficiou da isenção de IMT, ao abrigo do artigo 7° do CIMT, uma vez que o contribuinte declarou no acto notarial que o destino dos bens seria a revenda; - o n.º 5 do artigo 11° do CIMT impõe um prazo de 3 anos para se proceder à revenda do imóvel adquirido com aquele fim; - segundo "print" extraído do sistema informático do Património, verifica-se que o prédio rústico continua inscrito em nome da adquirente, ora requerente; ­ nestes circunstancialismos deveria o sujeito passivo ter solicitado ao serviço de finanças competente a liquidação do imposto em falta, calculado de acordo com os artigos 12°, 16°, 17° e 18° do CIMT, dando conhecimento de tais factos ao Serviço de Finanças competente para proceder à liquidação do mesmo (n.º 2 do artigo 19º do CIMT).

e) Foi, então, proposto ao SF Sintra 2, a liquidação oficiosa do IMT com base no valor constante da escritura pública (ver mapa resumo das correcções resultantes da acção inspectiva) -, ou seja, € 997.595,79.

 

Por seu turno, a Requerente invocou ainda, em sede de pedido de pronúncia arbitral, outros factos não considerados no âmbito do Relatório de Inspecção e que considera relevantes para a apreciação da questão decidenda.

 

a) Em 28.01.2000, …, na qualidade de promitente-comprador e … (falecida em 2002), outorgaram contrato-promessa de compra e venda, relativamente a metade indivisa de um prédio rústico, que coincide com o prédio já descrito, pelo preço de € 200.000,00 da Requerente, sendo que a escritura seria outorgada pelo promitente-comprador com a utilização de procuração com poderes irrevogáveis da Requerente;

b) Em 5.02.2000, o promitente-comprador … e sua mulher outorgaram com a … um contrato de cessão da posição contratual;

d) O contrato de cessão da posição contratual refere que os primeiros outorgantes cederam livre de quaisquer ónus ou encargos, à segunda outorgante a sua posição de promitente-compradora no contrato de promessa pelo mesmo preço já pago e que a segunda outorgante aceitou a integralidade do contrato-promessa, que fica a fazer parte integrante do referido contrato de cessão da posição contratual.

c) Em 04.07.2007, veio a celebrar-se a escritura pública de compra e venda entre a Requerente e os promitentes vendedores herdeiros de …, cujo teor transcrito na P.I. é o seguinte:

(...)

  1. Que os primeiros outorgantes varões celebram a presente escritura na qualidade de únicos herdeiros e legais representantes de sua mãe, , falecida em vinte e oito de Dezembro de dois mil e dois, no cumprimento da obrigação assumida por esta no contrato de promessa de compra e venda celebrado aos vinte e oito de Dezembro de dois mil e dois, em que aquela prometeu vender a e este prometeu comprar a metade indivisa do prédio rústico, objecto desta escritura de compra e venda, pelo preço de novecentos e noventa e sete mil quinhentos e noventa e cinco euros e setenta e nove cêntimos, conforme documento que apresentam e arquivo.

  2. Que o preço referido foi integralmente pago, a título de sinal e princípio de pagamento, à promitente vendedora que já deu a respectiva quitação, sendo duzentos e quarenta e nove mil trezentos e noventa e oito euros e noventa e cinco cêntimos no acto do contrato de promessa de compra e venda e o restante valor de setecentos e quarenta e oito mil cento e noventa e seis euros e oitenta e cinco cêntimos no dia vinte e oito de Abril de dois mil, através de cheques, que já deu a respectiva quitação.

  3. Que, no dia um de Fevereiro de dois mil, a mãe deles, primeiros outorgantes varões, outorgou uma procuração, no décimo Cartório Notarial de Lisboa, na qual conferiu poderes irrevogáveis ao referido para poder vender a metade indivisa do prédio rústico, pelo preço e condições que tiver por convenientes, em regime de consigo mesmo, ou com terceiros, nos termos dos artigos 1170º e 1175º do Código Civil, conforme documento que apresentam e arquivo.

  4. Que o referido comprador tem a posse efectiva do aludido prédio e de todos os direitos objecto do mencionado contrato-promessa desde 28.01.2000, data da celebração do contrato-promessa até ao presente momento, por os mesmos lhe terem sido conferidos por … .

  5. -Que em cinco de Fevereiro de dois mil, o referido promitente-comprador cedeu à sociedade LIMITADA, a sua posição contratual no referido contrato-promessa celebrado a vinte e oito de Janeiro de dois mil com que apresentam e arquivo.;. (...)

 

2. Motivação:

 

Os factos essenciais que se elencam estão documentalmente provados (cf. documentos, em especial os Docs. n.ºs. 1 a 6 da PI não impugnados e a documentação anexa à resposta da Ilustre Representante da Autoridade Tributária, acompanhado do processo administrativo contendo o Relatório de Inspecção Tributária, Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção Tributária e documentação anexa).

Os factos apresentados pela Requerente não foram postos em causa pela Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo-se aquela proposto, em todo o caso, provar todos os factos alegados que careçam de prova para além da prova documental. O que não foi requerido pela AT.

 

São duas as questões que cumpre apreciar e decidir:

1º Se em face dos factos descritos e documentalmente suportados pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório de Inspecção e demais documentação junta, bem com os factos invocados pela Requerente em sede de pedido de pronúncia arbitral, os quais também se encontram documentalmente suportados, as liquidações de IMT e respectivos juros compensatórios num total de € 51.907,78 (cinquenta e um mil novecentos e sete euros e setenta e oito cêntimos) levadas a efeito pela Direcção de Finanças de Lisboa devem ser consideradas ilegais (i) por violação de lei por errónea qualificação do facto tributário, uma vez que, como sustenta a Requerente, por um lado, em 28.01.2000 foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda com tradição do imóvel acima identificado, e que por outro, em 5.2.2000 foi igualmente celebrado um contrato de cessão de posição contratual, os quais configuram situações possessórias enquadráveis e sujeitas no n.º 2 do parágrafo 1º do artigo 2º do CIMSISD, tornando-se irrelevante para efeitos de tributação em sede de IMT, a celebração do contrato de compra e venda em 2007, e por isso, (ii) por inexistência de capacidade contributiva a sujeitar a efeito impositivo em 2010 em sede de IMT.

2º Se as excepções de prescrição de dívida, e da caducidade do direito à liquidação, suscitadas pela Requerente devem ser declaradas e julgadas procedentes.

 

 

O cerne do litígio radica assim e no essencial, em determinar se, como entende a AT, deve ser mantido o acto de liquidação de IMT referente a 2010, porque firmado em facto tributário em 2007, e que não aproveitou, em termos legais, da isenção inicialmente conferida pelo notário. Ou se pelo contrário, inexiste tal facto tributário nos termos considerados pela AT porquanto, relevam para efeitos do seu enquadramento jurídico, tanto o contrato-promessa de compra e venda celebrado em 28.1.2000 como o contrato de cessão de posição contratual realizado em 5.2.2000, os quais têm consequência em termos de sujeição da transmissão de parte do imóvel.

Naturalmente que não competirá ao tribunal elencar e rebater um por um todos os argumentos jurídicos apresentados pelas partes para fundamentar as respectivas teses. Tal constituirá, pelo contrário, ónus recíproco das partes para, lidos e ponderados todos os argumentos, o tribunal apresentar a decisão com a sua própria fundamentação de direito que, obviamente, pode, total ou parcialmente, aderir aos argumentos ou fundamentos jurídicos apresentados pelas partes.

 

  1. Quanto à primeira questão:

 

De acordo com a fundamentação expressa no Relatório de Inspecção já supra referido, e que não merece qualquer reparo nessa parte, a liquidação de IMT e respectivos juros compensatórios de 2010 postas em crise resultam, antes de mais, da consideração de que a transmissão da propriedade foi operada, para todos os efeitos, em 2007, mediante a celebração de escritura pública realizada no Cartório Privado de António …, documento autêntico, na qual foi reconhecida a isenção à aquisição do imóvel ao abrigo do artigo 7º do CIMT1, uma vez que o sujeito passivo, declarou no acto notarial, que o destino a dar ao referido imóvel, seria o da “ Revenda”.

Na escritura pública de compra e venda pode ler-se que:

(...) A presente aquisição está isenta de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, nos termos do artigo sétimo do respectivo Código em virtude de a compradora estar colectada pela actividade de “Compra e venda de bens imobiliários”, satisfazendo os requisitos previstos no referido artigo, conforme certidão fiscal que apresentaram. (...)” (Doc. 6 da P.I.)

Ora, dispõe o n.º 5 do artigo 11 do CIMT2 que o adquirente do imóvel nestas condições específicas tem um prazo de três anos para proceder à revenda do imóvel adquirido nestas circunstâncias, findo o qual, cessa a isenção do imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, de que o imóvel beneficiou aquando da sua aquisição.

Logo, esgotado que esteja o aludido prazo previsto, ao verificar que o imóvel adquirido para revenda continua na posse do sujeito passivo, e que de acordo com os elementos de que dispõe, incluindo aqueles que resultem de pedidos de esclarecimento, sem que tenha sido solicitado a respectiva liquidação do Imposto Municipal sobre as transmissões de Imóveis, dentro do prazo previsto no artigo 34º do mesmo diploma, está a Autoridade Tributária legitimada para propor a liquidação oficiosa de IMT considerada em falta e juros compensatórios, calculada de acordo com os artigos 12º, 16º, 17º e 18º do CIMT.

Este é, com efeito, o enquadramento jurídico conferido às situações de verificação da caducidade de isenção do benefício em sede de IMT concedido às aquisições de imóveis para revenda logo que se verifique que foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda. (cf. Artigo 11º, n.º 5 do CIMT).

Sucede contudo, que no pedido de pronúncia arbitral, outros factos foram invocados de Requerente, os quais não podem ser ignorados para efeitos da apreciação da questão decidenda.

Conforme já aludido supra, a Requerente vem defender que a realidade dos factos subjacentes à sujeição da transmissão de metade indivisa de um prédio rústico em questão é diferente daquela que foi descrita e tida em conta pela AT para fundamentar as liquidações ora em crise.

Na P.I., a … alega que, na verdade, em 2010 inexiste facto tributário sujeito a IMT, porquanto a haver tributação da transmissão do imóvel em causa, devê-lo-ia ter sido em 2000, em sede de SISA. Logo, não podia a AT liquidar em 2010 a transmissão de parte do imóvel que já se encontrava na posse efectiva do efectivo comprador em consequência da outorga da cessão da posição contratual em contrato – promessa de compra e venda em que se deu a tradição de tal bem imóvel.

Segundo a Requerente, e a nosso ver, bem, para efeitos de sujeição do acto translativo de parte do imóvel aqui em causa, há que atender ao facto de que a alteração da situação possessória da parte do imóvel teve início, como se comprova, com a celebração do contrato-promessa de compra e venda em 28.1.2000 entre o Sr. …, na qualidade de promitente-comprador e a Sra. D. … (falecida em 2002) em que foi acordado um pagamento parcial. Patente está o teor da escritura pública celebrada em 4.7.20073. Posteriormente, e também comprovado ficou que com a outorga da cessão da posição contratual em 05.02.2000 entre o Sr. … e a …, esta última passou a ocupar o lugar do promitente-comprador.

Significa que para se considerar que a cessão da posição contratual se reconduz a uma das várias formas de transmissão “fiscais” sujeitas a tributação, haverá necessariamente que aferir se tal realidade, ao tempo dos factos suscitados pela Requerente, cabia em alguma norma de incidência, neste caso, em sede do Código do Imposto Municipal de Sisa e Imposto sobre Sucessões e Doações (CIMSISD), porquanto os factos invocados ocorreram em 2000, ou, se pelo contrário, tal facto apenas passou a ser sujeito a tributação com a entrada em vigor do Código do IMT, conforme afirma a Ilustre Representante da Autoridade Tributária, e como consequentemente não terá relevância para a apreciação da questão decidenda.

Conforme douta decisão do Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão n.º 0499/10, de 03.11.2010, que cabe aqui destacar “(...) Com a entrada em vigor do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), o legislador assumidamente (cf. o parágrafo 3.º do respectivo preâmbulo) procedeu a um alargamento do conceito legal de “transmissão onerosa” para efeitos de incidência do imposto, nele incluindo expressamente, a par de outras realidades, as cessões de posições contratuais em contratos promessa de compra e venda de imóveis (cf. a alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIMT), bem como a celebração de contratos promessa em que se preveja a possibilidade do cedente ceder a sua posição contratual a terceiro (cf. a alínea a) do n.º 3 do artigo 2.º do CIMT).

Daqui não resulta, contudo, ao contrário do que pretende o recorrente, que as cessões de posição contratual em contratos promessa de compra e venda de imóveis não estivessem já, nalguns casos, sujeitas a imposto municipal de SISA, mantendo-se essa sujeição em sede de IMT (cf. a alínea e) do n.º 3 do artigo 2.º do CIMT).
Estavam já sujeitas a SISA, as cessões de posições contratuais em contratos promessa de compra e venda de imóveis que se consubstanciassem num “ajuste de revenda”, se e quando o contrato definitivo fosse celebrado entre o primitivo promitente vendedor e o terceiro cessionário,
 ex. vi do artigo 2.º § 1.º, 2.º e §2 do Código do Imposto Municipal de Sisa e Imposto sobre Sucessões e Doações (CIMSISD), que dispunha:

Artigo 2.º

(Incidência real)

A sisa incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis.

§ 1.º Consideram-se, para este efeito, transmissões de propriedade imobiliária:
1.º (...)

2.º As promessas de compra e venda ou de troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente-comprador ou para os promitentes permutantes, ou quando aquele ou estes estejam usufruindo os bens;

(...)
§ 2.º Nas promessas de venda entende-se também verificada a tradição se o promitente-comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for depois outorgada a escritura de venda.

Daí que, nestes casos, a entrada em vigor do CIMT não procedeu a um alargamento do conceito de transmissão para efeitos de imposto, antes manteve a norma pré-existente (no mesmo sentido, J. SILVÉRIO MATEUS/L. CORVELO DE FREITAS, Os Impostos sobre o Património. O Imposto do Selo, Lisboa, Engifisco, 2005, pp. 325 e 327/328), clarificando-a apenas através da menção expressa à “cedência de posição contratual”.

Como se disse no Acórdão deste Supremo Tribunal do passado dia 21 de Abril (rec. n.º 924/09), a cuja fundamentação aqui aderimos, e que passamos a transcrever:

« (…) O Código da Sisa alargou o âmbito de incidência do imposto a situações em que ocorra uma operação jurídica que configure um ajuste de revenda nas promessas de compra e venda, por essa operação pressupor e evidenciar, em princípio, a existência de uma tradição jurídica do bem para aquele que procede a esse tipo de negócio jurídico. Razão por que a lei presume ter existido, nesse caso, a tradição do bem para o cedente, ficcionando a partir daí a existência de transmissão (económica) do bem para efeitos de incidência de imposto de sisa. E face à inexistência de um conceito de transmissão entre as normas respeitantes à sisa, nada obsta a que o conceito abranja não só a transmissão civil como, também, a transmissão puramente económica e fiscal dos bens imobiliários.

É, pois, neste contexto, que se compreende que o aludido § 2º tenha alargado o conceito de transmissão aos casos em que “o promitente-comprador ajustar a revenda do imóvel com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for outorgada a escritura de compra e venda”, presumindo uma tradição (puramente jurídica ou fiscal) do imóvel, tornando-se desnecessário que o promitente-comprador tenha entrado na posse material do imóvel, isto é, que tenha havido tradição efectiva. Aliás, caso tivesse havido tradição material e efectiva do imóvel, a sisa seria devida nos termos referidos no § 1.º, n.º 2, e não já nos termos do § 2.º, pelo que não faz sequer sentido defender a inaplicabilidade deste § 2.º com o argumento de que não existiu tradição material do bem. (…) Como escrevem F. PINTO FERNANDES e NUNO PINTO FERNANDES No “Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre Sucessões e Doações Anotado e Comentado”, a págs. 59., no § 2º «o legislador contentou-se com a tradição jurídica dos bens. A teleologia deste preceito é sujeitar a sisa a revenda ou agenciação de bens alheios feita pelo promitente-comprador ao negociar ou ceder a sua posição contratual, entendendo-se que se dá, nestas circunstâncias, uma tradição fiscal do imóvel, embora aquele não intervenha na escritura, uma vez que a sua intervenção no acto é escamoteada. É também no momento da celebração da escritura que se verifica a transmissão contemplada neste p. 2º. É evidente que havendo tradição efectiva não há que lançar mão deste dispositivo legal, sendo a sisa devida nos termos já ali referidos. O campo de aplicação deste preceito restringe-se, pois, à situação do promitente-comprador que não entrou na posse do imóvel, ajusta a revenda com um terceiro, sendo a escritura celebrada entre este último e o promitente vendedor.».

Aliás, o Código do Imposto Municipal sobre Transacções Onerosas de Imóveis, que entrou em vigor em 1/01/2004, manteve a sujeição a imposto dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis sempre que ocorra a «cedência de posição contratual ou ajuste de revenda, por parte do promitente adquirente num contrato-promessa de aquisição e alienação, vindo o contrato definitivo a ser celebrado entre o primitivo promitente alienante e o terceiro», considerando existir, nessas situações, uma transmissão onerosa para efeitos de incidência do imposto [art.º 2.º, n.º 3, alínea e)] e alargou, ainda, a incidência do imposto às situações em que seja clausulado, no contrato promessa ou posteriormente, que o promitente adquirente pode ceder a sua

Posição contratual a terceiro e à cessão da posição contratual no exercício do direito conferido por esses contratos [art.º 2.º, n.º 3, alíneas a) e b)].

Em conclusão, o que o § 2.º do artigo 2.º estabelece é que, nos casos em que ocorra um ajuste de revenda nas promessas de compra de bens imobiliários, se tem de presumir que existiu uma tradição jurídica do bem para aquele que realizou esse ajuste, pois só com essa tradição se compreende que ele possa ter agenciado a revenda e contratualizado o negócio. E, para afastar essa presunção legal de tradição (presunção juris tantum por força do artigo 73.º da LGT, segundo o qual as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário. Sendo a situação em apreço uma daquelas que bule com a incidência tributária, há que dar à parte desfavorecida com esta presunção a possibilidade de a ilidir, mediante prova em contrário face ao disposto no n.º 2 do artigo 350.º do C.Civil.), o sujeito passivo terá de provar que, não obstante a celebração da escritura do promitente vendedor com terceiro, não existiu entre si e este qualquer ajuste de revenda, sendo indiferente, para a referida ilisão, a prova da falta de posse material e efectiva do bem, pois o preceito não abrange essas situações de tradição efectiva, que caem, antes, no âmbito de aplicação do § 1.º, n.º 2 do artigo 2.º. (…) Ora, o facto de alguém ter procedido, sem qualquer motivo perceptível, à cessão da posição contratual de promitente adquirente para um terceiro, sendo este quem outorga no contratoprometido, permite, natural e logicamente, inferir que ocorreu um ajuste de revenda do bem, pelo que, a menos que se venham a clarificar os elementos justificativos para o acto, pela evidenciação de elementos que apontem, designadamente, para uma impossibilidade de o cedente outorgar o contrato-prometido ou para causas indicativas de uma pura desistência do contrato, justifica-se que a AT conclua pela existência de «ajuste de revenda» para os efeitos previstos no artigo 2º, parágrafo 2º, do CIMSISSD. Trata-se de uma presunção natural, isto é, de uma ilação ou inferência extraída de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, como dispõe a norma do artigo 349.º do Código Civil. Isto é, a presunção de que o ajuste de revenda se pode inferir da cedência da posição contratual nas promessas de venda não é uma presunção legal (estabelecida expressa e directamente na lei), mas uma presunção simples, natural ou judicial, que tem por base os dados da experiência comum e que pode ser abalada pela evidenciação dos motivos que levaram a essa cedência, evidenciação que tem de ser feita pelo cedente, dado que só ele pode dar a conhecer esse motivos.

Deste modo, quando se constata que o promitente-comprador originário cedeu a sua posição a terceiro, que veio a celebrar a escritura de compra e venda com o promitente vendedor, pode e deve considerar-se ter havido ajuste de revenda, sendo irrelevante que não tivesse a posse efectiva do bem prometido vender. Isto sem embargo de ele poder demonstrar, logo no procedimento tributário ou posteriormente, no meio impugnatório dirigido contra o acto de liquidação, que não obstante a celebração da escritura do promitente vendedor com terceiro, não existiu qualquer ajuste de revenda, esclarecendo as razões que o levaram à cessão da posição contratual, afastando, por essa via, a existência da presunção de tradição jurídica e de transmissão para efeitos de liquidação do imposto de sisa.

Constata-se assim, da prova produzida nos autos e focando-nos no caso vertente que, sem prejuízo da outorga do contrato de compra e venda em 2007, a tradição efectiva de parte do imóvel operou com a celebração do contrato – promessa de compra e venda em 28.01.2000 entre entre o promitente-comprador Sr. … e a Sra. … promitente-vendedora. Tal vem claramente evidenciado na escritura pública de compra e venda. Posteriormente, constata-se ainda que foi outorgada a cessão de posição contratual entre a Requerente e o Sr. …, promitente-comprador. Tal contrato consubstancia um “ajuste de revenda”, já que o contrato definitivo foi celebrado entre o primitivo promitente vendedor e o terceiro cessionário em 04.07.2007, ex vi do artigo 2.º § 1.º, 2.º e §2 do Código do Imposto Municipal de Sisa e Imposto sobre Sucessões e Doações (CIMSISD).

Deste modo, ainda que tenha ficado evidenciado que a transmissão da posse do imóvel aqui em apreciação, foi inicialmente concedida ao Sr. … aquando da outorga do contrato-promessa e que é naturalmente, pessoa jurídica distinta da …, não é menos verdade que tal promitente-comprador, cedeu a sua posição a terceiro, tendo havido um “ajuste de revenda”, facto sujeito a tributação no âmbito do quadro normativo da SISA, de acordo com as já aludidas disposições previstas no CIMSISD. Nestes termos, e acompanhando o entendimento do STA expresso no mencionado acórdão do STA de 3.11.2010 ,”(...) torna-se irrelevante que não tivesse a posse efectiva do bem prometido vender. (...) “

É deste modo de considerar que a transmissão da posse de parte do imóvel se deu na esfera do promitente-comprador primitivo o Sr. na data do contrato-promessa, ou seja, em 28.04.2000, contra o pagamento parcial, e que tendo sido efectuado o restante pagamento aquando da cessão da posição contratual em 05.02.2000, a partir dessa data, se operou a transmissão para a esfera da , com os respectivos efeitos, designadamente, em termos de ser tratada como um facto tributário sujeito em sede de SISA.

Logo, haverá que reconhecer que tendo a situação ficcionada como transmissão económica, ocorrido em 2000 e as inerentes consequências fiscais, inexiste capacidade contributiva em 2010 que suporte e fundamente as liquidações postas em crise. Por conseguinte, por violar o princípio da capacidade contributiva4, não é legítima a pretensão da AT de liquidar IMT e juros compensatórios por referência a 2010. O Sempre que se dá e transcrevendo o mesmo Acórdão do TCA proferido no processo n.º Processo n.º de 22-11-2005, “ (...) o Artigo 10º da LGT estabelece que a tributação é valorativamente neutra, devendo atender apenas às circunstâncias reveladoras da capacidade contributiva do facto ou acto, irrelevando, pois, os imperativos jurídicos ou éticos como pressuposto ou medida da tributação a qual assentará no resultado económico dos negócios ou actos jurídicos ainda que estes sejam ilícitos ou contra os bons costumes. E ao consagrar a vertente da consideração económica dos factos ou actos com relevância jurídica tributária, o direito fiscal está em consonância com o direito civil no sentido de que, por exemplo, quando os negócios jurídicos são de objecto físico ou legalmente impossível à ordem pública ou contrários aos bons costumes, juscivilisticamente são nulos (cfr. artº 280º do Ccivil) mas, apesar disso, esse vício será ignorado quando é invocado pela pessoa que o praticou por forma a impedir que essa pessoa seja beneficiada; também assim no direito fiscal, em que quem actua de modo ilícito não pode fruir de protecção jurídica, devendo sofrer a tributação prevista na lei.”

 

A este propósito cabe aqui referir por ter interesse para a apreciação da questão decidenda e dos enquadramentos dos factos carreados, o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo n.º 00698/05 de 22-11-2005,” (...) É assim que para ALBERTO XAVIER in MANUAL DE DIREITO FISCAL – VOL l PÁG. 183,  “para o conceito fiscal de transmissão mais importante que a circulação jurídica entre patrimónios é o resultado económico da circulação de poderes efectivos sobre bens que sejam reveladores de capacidade contributiva”.

Para JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA ir A Invalidade dos negócios jurídicos - ciência E TÉCNICA FISCAL N.° 199/201 in CURSO DE DIREITO FISCAL, COIMBRA – 1972,  desde que o Fisco tenha diante de si um acto ou contrato susceptível de, em abstracto, operar uma transmissão não pode deixar de efectuar a liquidação. Tal susceptibilidade abstracta existe quando uma certa roupagem das estipulações – «de figuração exterior do acto» – se ajusta a um certo figurino desenhado na lei como modo formal de poder operar uma transmissão. Desde que a roupagem da realidade se ajuste à do figurino legal, o Fisco terá de efectuar a liquidação na convicção de que tal realidade se esconde pôr detrás da roupa

 PINTO FERNANDES in CÓDIGO DO IMPOSTO MUNICIPAL DE SISA E DO IMPOSTO SOBRE AS SUCESSÕES E DOAÇÕES,  expende que:

Conforme referimos no artigo 1.°, o conceito de transmissão, para efeitos de sisa é mais amplo que o que resulta da lei civil.

Em tese geral, e em face da inexistência de um conceito de transmissão entre as normas respeitantes à sisa, ao contrário do que acontece quanto ao imposto sobre as sucessões e doações no § 1.° do art. 3.°, teremos de caracterizá-la de harmonia com os princípios que afloram dos artigos 1.°, 2.°, 8.° e 152.°, em face dos quais a transmissão compreende não só a transmissão civil como também a transmissão económica, ou de facto, mesmo que despida de formalidades legais ou ferida de nulidades ou anulabilidades não reconhecidas judicialmente, salientando-se a situação material resultante da simples mudança dos possuidores dos bens.

No caso vertente, não podemos deixar de considerar que a transmissão económica ou diríamos, a “circulação dos poderes efectivos sobre os bens com impacto económico”, releva inequivocamente para efeitos fiscais, por ser reveladora da uma capacidade contributiva.

Deste modo, neste pressuposto, aceita-se que em 2000, houve transmissão de parte do imóvel, susceptível de ser sujeita a SISA por se ter verificado a tradição ou entrega do bem objecto do contrato-promessa, sendo seguida de cessão de posição contratual para a Recorrente. Pois é nesse momento, que deveria ter havido sujeição e, eventualmente, a concessão de isenção ao abrigo do disposto no artigo 11º do CIMSISD.

Não se trata, a nosso ver, de atribuir ou reconhecer quaisquer efeitos retroactivos a uma situação de facto, neste caso, à cessação de posição contratual realizada em Fevereiro de 2000. Trata-se antes de considerar que a tradição efectiva do imóvel operou aquando a celebração do aludido contrato-promessa e posteriormente, ao ter sido cedida a posição contratual do primitivo promitente-comprador para a esfera da Requerente, está ficou investida nos mesmos direitos e obrigações. Como se viu existem situações que à luz das disposições do Código do Imposto Municipal de Sisa e Imposto sobre Sucessões e Doações (vide artigo 2.º § 1.º, 2.º e §2 (CIMSISD) são qualificadas como transmissões onerosas para efeitos de incidência de imposto. O Código do IMT manteve a sujeição a imposto dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis sempre que ocorra cedência de posição contratual ou ajuste de revenda, por parte do promitente adquirente num contrato de aquisição alienação, vindo o contrato definitivo a ser celebrado entre o primitivo alienante e o terceiro.

Conclui-se que houve erro na qualificação jurídica dos factos considerados para efeitos das liquidações postas em crise nestes autos por deles se poder extrair uma situação possessória relevante para efeitos de liquidação da SIA, e consequente aplicação do disposto no artigo 2.º § 1.º, 2.º e §2 (CIMSISD). Nestas circunstâncias, a celebração do contrato definitivo em 2007, ao qual foi concedido um benefício no termos do artigo 7º do CIMT, não é susceptível de constituir em 2010 facto tributário resultante da alegada caducidade da isenção.

 

  1. Quanto à segunda questão:

 

Com o pedido de anulação da liquidação de IMT e juros compensatórios, por ilegalidade com os fundamentos supra referidos, a …, suscitou, a título principal duas excepções: a excepção de prescrição da dívida tributária e a excepção de caducidade do direito à liquidação do IMT e juros compensatórios.

Posteriormente, em sede de primeira reunião do Tribunal Arbitral Singular de 22.6.2012, o mandatário da Requerente declarou manter tudo o que alegou no pedido de pronúncia arbitral, defendeu porém que as excepções por si apresentadas deveriam ser consideradas a final, para se poder conhecer do mérito em primeiro lugar. A Ilustre Representante da Requerida disse nada ter a opor.

 

Considerando tudo o que foi acima expendido, nomeadamente quanto aos efeitos da qualificação jurídica dos factos que relevam para a decisão, não podemos deixar de retirar dos mesmos que a situação possessória complexa ocorrida em 28.1.2000 e 5.2.2000 consubstancia uma facto sujeito a tributação em sede de SISA, naquele ano, mais precisamente em 5.2.2000 e certamente, não em 2007, data da celebração do contrato de compra e venda que, conforme resulta da redacção do contrato, beneficiou da aludida isenção ao abrigo do artigo 7º do CIMT.

Em todo o caso, e face ao artigo 34º do Código do Processo Tributário para o qual remetia o artigo 180º do CIMSISD5, quadro normativo deste imposto em vigor à data dos factos relevantes para efeitos de enquadramento do regime de tributação, revogado posteriormente pelo Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de Novembro, encontrava-se esgotado e o prazo prescricional aplicável à SISA, de 8 anos, contado por conseguinte a partir da data do facto gerador de imposto, ou com a entrada em vigor da Lei Geral Tributária, ou seja, 1.1.19996.

Deste modo, declara-se procedente a excepção de prescrição com base nos pressupostos supra descritos. Nestes termos, o acto de liquidação e juros compensatórios são ilegais com fundamento na verificação da excepção da prescrição de toda a dívida de IMT e Juros compensatórios reportada ao ano de 2010.

 

Quanto à excepção de caducidade do direito à liquidação e partindo da premissa de que não podendo ignorar-se que para efeitos da qualificação jurídica dos factos que relevam para a decisão, ocorreu uma situação possessória complexa ocorrida em 28.1.2000 e 5.2.2000, a qual consubstancia um facto sujeito a tributação em sede de SISA, naquele ano.

Tendo ocorrido o facto tributário sujeito, haverá que admitir que se encontra esgotado o prazo de caducidade de 8 anos face ao disposto no artigo 92º do CIMSISD, após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de Novembro.

Deste modo, apenas admitindo que o facto tributário complexo determinava a sujeição e eventual atribuição da isenção por força do artigo 11º, n.º 3º do CIMSISD, em 28.1.2000, ou em todo o caso, em 5.2.2000, apenas com a verificação incumprimento da obrigação de revenda no prazo de três anos (cf. artigo 92º do CIMSISD7), o prazo de caducidade começaria a ser contado a partir da data em que teria ficado sem efeito a isenção isto é, 8 anos a contar das datas de 28.1.2003 ou 05.02.2003, isto é 29.1.2011 ou, em todo o caso, a partir 6.2.2011, porquanto a cessação de posição contratual firmou na esfera da Requerente a transmissão ficta de parte do imóvel visada nos presentes autos, conforme já anteriormente mencionado.

Deste modo, e também se declara procedente a excepção de caducidade do direito à liquidação com base nos pressupostos e termos supra descritos. Assim, o acto de liquidação de IMT e juros compensatórios é ilegal com fundamento na verificação da excepção da caducidade do direito à liquidação.

 

III DECISÃO

 

Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, julgando procedente o pedido de pronúncia arbitral, decide este Tribunal:

a) Anular, com fundamento em ilegalidade por violação de errónea qualificação do facto tributário em causa e da inexistência de capacidade contributiva, as liquidações de IMT e juros compensatórios referentes ao ano de 2010, conforme pedido.

b) Declarar ilegais as liquidações controvertidas de IMT e juros compensatórios de 2010, com fundamento na procedência da excepção da prescrição de toda a dívida, e da excepção de caducidade da liquidação, conforme pedido.

 

• Fixa-se à causa o valor de € 51.907,78 (cinquenta e um mil novecentos e sete euros e setenta e oito cêntimos) – arts. 97º-A, do CPPT, 12º, da LAT (DL 10/2011) e 3º-2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

• Custas nos termos da Tabela I, do RCPTA, calculadas em função do sobredito valor do pedido, a cargo da Autoridade Tributária – arts 4º-1, do RCPTA e 6º-2/a) e 22º-4, da LAT.

 

• Notifiquem-se as partes (artigo 23º, da LAT)

 

 

Lisboa e CAAD, 31 de Julho de 2012

 

O Árbitro

 

 

Maria da Graça Martins

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelo Árbitro.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga].

 

1  Artigo 7 do Código do IMT: Isenção pela aquisição de prédios para revenda

1 - São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda.

2 - A isenção prevista no número anterior não prejudica a liquidação e pagamento do imposto, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda. 
3 - Para efeitos do disposto na parte final do número anterior, considera-se que o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a actividade quando comprove o seu exercício no ano anterior mediante certidão passada pelo serviço de finanças competente, devendo constar sempre daquela certidão se, no ano anterior, foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim. 

4 - Quando o prédio tenha sido revendido sem ser novamente para revenda, no prazo de três anos, e haja sido pago imposto, este será anulado pelo chefe de finanças, a requerimento do interessado, acompanhado de documento comprovativo da transacção.

 

2Artigo 11º, n.º5 do Código do IMT: (…) 5 - A aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.

3 Que o referido comprador tem a posse efectiva do aludido prédio e de todos os direitos objecto do mencionado contrato-promessa desde 28.01.2000, data da celebração do contrato-promessa até ao presente momento, por os mesmos lhe terem sido conferidos por (cf. Doc. 6 da P.I. – Escritura pública de 04.07.2007)

4 Como pressuposto e critério da tributação no nosso sistema jurídico fiscal, o princípio da capacidade contributiva está expressamente consagrado no artº 4º nº 1 da LGT que prescreve que os impostos assentam especialmente na capacidade contributiva revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património, bem como as relativas à tributação dos rendimentos ilícitos e às cláusulas anti abuso. (cf. Ac. Processo n.º 00698/05 de 22-11-2005 Tribunal Central Administrativo Sul)

5 Artigo 180º CIMSISD: O imposto Municipal da sisa e o imposto sobre as sucessões e doações prescrevem nos termos dos artigos 48º e 49º da Lei Geral Tributária.

6 Cf. Ac. do STA de 27.6.2012 no processo n.º 01157/11, (...) O prazo de prescrição do imposto sobre sucessões e doações era, na altura, o de dez anos previsto no art.º 34.º do CPT, por força da redacção dada ao art.º 180.º do CIMSISD pelo DL 119/94, de 7 de Maio; e embora em 1 de Janeiro de 1999 tenha entrado em vigor a LGT, que encurtou o prazo geral de prescrição para oito anos (art.º 48.º), ela deixou ressalvados os prazos fixados em lei especial, como era o caso do imposto sobre sucessões e doações, em que o prazo de prescrição encontrava previsão específica no CIMISSD, ainda que este remetesse para o prazo de 10 anos previsto no art.º 34.º do CPT. Razão por que, só com o DL 472/99, de 8 de Novembro, que adaptou os vários códigos tributários à Lei Geral Tributária e cujo artigo 4.º deu nova redacção ao artigo 180.º do CIMSISD, é que o prazo de prescrição deste imposto foi reduzido para oito anos.(...)”.

7 Artigo 92º do CIMSISD: “ (...) Só poderá ser liquidado imposto municipal de sisa ou imposto sobre sucessões e doações nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto nos parágrafos seguintes e, quanto ao restante, no artigo 46º da lei geral tributária»).