Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)
I – Relatório
1. No dia 3.08.2018, a Requerente, A..., LDA, com sede na Rua ..., nº..., em Lisboa, contribuinte fiscal número ..., requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à anulação das decisões que recaíram sobre os recursos hierárquicos que interpôs do indeferimento das reclamações graciosas que apresentou relativamente às seguintes liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios:
A Requerente peticiona, também, a anulação das liquidações identificadas e ainda, alegando ter pagado o valor das mesmas, a condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios que entende serem devidos por tal pagamento.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à AT.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, foram designados como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 22 de outubro de 2018.
3. Os fundamentos apresentados pela Requerente em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:
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A Requerente encontra-se coletada em Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) pelo regime geral de tributação e desenvolve a atividade de arrendamento de bens imobiliários, tendo vendido nos exercícios de 2013 e de 2014 algumas frações autónomas.
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Foi objeto de procedimento de inspeção externa interna de âmbito parcial, em sede de IRC, relativo aos exercícios de 2013, 2014, a coberto das ordens de serviço nºs OI2016... e OI2016... e de inspeção interna ao exercício de 2015, para efeitos de controlo da dedução de prejuízos fiscais, de conformidade com a ordem de serviço nº OI2016... .
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No contexto desses procedimentos, a inspeção tributária considerou, quanto ao que é objeto deste pedido, que:
- Os gastos relativos a faturas de publicidade pagos a entidade residente em Hong-Kong não poderiam ser deduzidos ao lucro tributável, com fundamento no artigo 65º do Código do IRC na redação em vigor no ano de 2013 e no artigo 23º-A, alínea r) do mesmo Código na redação em vigor no ano de 2014;
-Tais gastos deveriam ser tributados autonomamente nos termos do artigo 88º, nºs 8 e 14, do Código do IRC;
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A desconsideração de gastos referida na alínea a) eliminou, na sua totalidade, os prejuízos fiscais que a Requerente havida reportado em 2015, circunstância que determinou a liquidação adicional efetuada quanto a este exercício.
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O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto o indeferimento dos recursos hierárquicos apresentados contra as liquidações dos exercícios de 2013, 2014 e 2015, em virtude do qual se mantiveram as liquidações de IRC referidas, efetuadas de acordo com o preconizado no Relatório inspetivo
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Em 20 abril de 2013, a Requerente celebrou um contrato com a B...., com sede em Hong Kong, (doravante designada simplesmente por “B...”), em que esta se comprometia a angariar clientes no mercado chinês para os apartamentos que a Requerente tinha à venda, obter a assinatura de reserva, fornecer-lhes os documentos relativos aos apartamentos, organizar e prestar-lhes assistência nas viagens tendo em vista a visita aos mesmos, obter a documentação necessária para a realização da promessa e da venda e prestar a assistência necessária à execução dos contratos.
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Foi junta à Reclamação Graciosa do IRC dos exercícios de 2013 e de 2014 vastíssima documentação com correspondência entre a ora Requerente e a B... que demonstra a materialidade dos serviços.
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Como se refere no acórdão do CAAD proferido no processo nº 198/2017-T, qualquer “prestação de serviços de angariação de clientes para a aquisição de imóveis afigura-se evidente, pois trata-se de uma actividade de prestação de serviços regulamentada, precisamente no que concerne a imóveis (Decreto-Lei n." 69/2011, de 15 de Junho) e, como qualquer actividade de natureza profissional, é remunerada” e por isso “o que consubstanciaria anormalidade, seria a prestação de serviços gratuitos a Requerente, suportando a B... as despesas da actividade”.
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Os factos demonstram que a Requerente conseguiu vender apartamentos a clientes chineses e tal foi possível porque contratou uma entidade especializada que se empenhou na promoção dos seus apartamentos, se encarregou de toda a logística da operação e lhe fez chegar tais clientes.
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Obviamente que, sem a intermediação da B... dificilmente acederia a tudo isto.
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Por isso, não pode neste caso concluir de forma diversa daquela que se conclui no citado Acórdão “Nestas condições o pagamento não se pode considerar exagerado, pois está justificado pela necessidade de obtenção dos serviços de angariação e não haver alternativa a preço inferior”.
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E assim sendo, forçado é concluir-se que os despachos que recaíram sobre os recursos hierárquicos que mantêm os atos de liquidação relativos aos exercícios de 2013 e 2014 enfermam de vício de violação do artigo 65.° e 23.° do CIRC, nas respetivas redações que nesses anos vigoravam.
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Violam, ainda, o artigo 88º do mesmo Código cuja aplicação depende da verificação dos pressupostos legais para a desconsideração dos gastos aqui em causa à luz daqueles artigos.
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Relativamente ao IRC de 2015, sendo a liquidação em causa consequência das correções efetuadas aos exercícios de 2013 e de 2014, a respetiva liquidação tem como pressuposto estas liquidações, pelo que está afetado pelos vícios de que estas enfermam.
4. A AT, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:
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Quanto às correções contestadas, a Requerente, após expor a sua posição quanto às mesmas vem pugnar pela dedutibilidade dos gastos e como documentos comprovativos das respetivas operações apresentou faturas da entidade “B...”, relativas a “marketing consulting”.
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Tendo em conta a descrição genérica dos serviços, bem como o facto de o fornecedor estar domiciliado em território com um regime de tributação mais favorável procedeu-se à notificação da Requerente para, nos termos do artigo 23.º-A e 65º do Código do IRC (2013 e 2014), fornecer prova de que os serviços constantes daquela fatura correspondiam a operações efetivamente realizadas e de que esses mesmos serviços não tinham um caráter anormal ou um montante exagerado.
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Em resposta à AT, a Requerente, para além do pagamento, não identificou a natureza dos serviços prestados, nomeadamente que os mesmos correspondessem a operações efetivamente realizadas, relativas a serviços de “marketing consulting”
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Eventualmente, poder-se-á vir a dar como provado que a Requerente haja sido, isso sim, destinatária de serviços de intermediação na venda, tendo em conta, não só o contrato e respetiva adenda juntos aos autos, como o descritivo da fatura cujo detalhe dos serviços é maior, a conexão que a Requerida encontrou entre cada uma das faturas e a venda de imóveis e os documentos referidos no ponto 24.º do PPA.
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Estão em causa pagamentos a entidades residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável [no caso concreto de Hong Kong, território que consta na lista da Portaria n.º 150/2004, alterada pela Portaria n.º 292/2011, aplicável nos exercícios em análise],
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A lei impõe ao sujeito passivo a obrigação de demonstração da ocorrência das operações e da razoabilidade dos pagamentos efetuados, estabelecendo uma clara inversão do ónus da prova.
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O legislador, bem sabendo das dificuldades na averiguação (disclosing) das operações tituladas por sociedades offshore, acolheu a solução da inversão do ónus da prova, sendo, assim indispensável, nos termos das normas legais em causa, que o sujeito passivo devedor forneça a prova de que tais gastos correspondem a operações reais e que não possuem um caráter anormal ou um montante exagerado.
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Esta dupla prova implica o seguinte:
- em primeiro lugar, o contribuinte tem de demonstrar que os gastos em questão correspondem a operações reais, dotadas de existência jurídica e material;
- em segundo lugar, o contribuinte tem de provar que esses gastos não possuem carácter anormal ou excessivo, para o que se lhe impõe, via de regra, referir-se a situações comparáveis no mercado, definindo o padrão normal do mercado.
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Da factualidade exposta, resulta que a Requerente não provou em sede de procedimento inspetivo (e continua a não provar) que os pagamentos efetuados correspondem a operações efetivamente realizadas de publicidade ou que, tendo acontecido a admitir-se, serviços de intermediação, estes são normais e não de valor excessivo.
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Ou seja, não provou a Requerente que lhe hajam sido prestados os serviços de publicidade e, a serem estes de intermediação, não provou o valor normal dos mesmos, nomeadamente, efetuando prova de que outros operadores cobram um valor aproximado do que lhes foi faturado pela prestação de serviços similares, e repita-se, cabe à Requerente tal prova.
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Quanto ao primeiro dos pressupostos, isto é, a demonstração pela Requerente de que os gastos em questão correspondem a operações reais, dotadas de existência jurídica e material, como bem se concluiu no RIT, a prova documental apresentada não demonstra claramente a realização dos serviços de publicidade que consta nas faturas.
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Não tendo sido junto, de resto, algum estudo ou panfleto que tenha sido elaborado, de material promocional ou conferências, seja de qualquer outro, relativamente a tais serviços de publicidade.
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Apesar de a Requerente ter sido devidamente notificada para o efeito, não logrou provar a efetividade das operações, prova essa a que estava obrigada por força do disposto no artigo 23.-ºA e 65º (conforme o ano), do Código do IRC.
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Para além da falta de prova da efetividade das operações, também a Requerente, relativamente ao caráter normal e não exagerado dos valores pagos às entidades localizadas em Hong Kong, não apresenta quaisquer provas.
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A correção promovida pelos serviços de inspeção tributária não padece de qualquer vício, devendo, assim, ser julgado o pedido arbitral improcedente.
5. Em 19 de dezembro de 2018 realizou-se a reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, tendo-se procedido na mesma à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente.
6. As partes apresentaram alegações escritas nas quais, para além de procederem à apreciação crítica da prova testemunhal produzida, reiteraram as posições já expostas em sede de petição inicial e resposta.
II – Saneamento
7. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem.
8. Cumpre solucionar as seguintes questões:
a) São ilegais as liquidações e as decisões administrativas objeto do processo?
b) Deve a AT ser condenada no pagamento à Requerente dos juros indemnizatórios peticionados?
III – Matéria de facto
9. Consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente encontra-se coletada em IRC pelo regime geral de tributação e desenvolve a atividade de arrendamento de bens imobiliários, tendo vendido nos exercícios de 2013 e de 2014 algumas frações autónomas.
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Em 20 abril de 2013 a Requerente celebrou um contrato com a B..., com sede em Hong Kong, doravante designada simplesmente por “B...”, em que esta se comprometia a angariar clientes no mercado chinês para os apartamentos que a Requerente tinha à venda, obter a assinatura de reserva, fornecer-lhes os documentos relativos aos apartamentos, organizar e prestar-lhes assistência nas viagens tendo em vista a visita aos mesmos, obter a documentação necessária para a realização da promessa e da venda e prestar a assistência necessária à execução dos contratos.
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Por tais serviços, a Requerente acordou uma remuneração de 15% (quinze por cento) sobre o valor de venda dos referidos apartamentos e ainda uma comparticipação de € 2.000,00 (dois mil euros) por pessoa para custear o transporte, com um limite, por apartamento, de € 4.000,00 (quatro mil euros).
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Este contrato foi objeto de adenda em 7 de janeiro de 2014, nos termos da qual foi alterada a remuneração da B... para 20% do preço de venda dos apartamentos e estabelecida uma remuneração adicional de 5% sobre o preço do mobiliário que fosse vendido para equipar o mesmo apartamento.
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Em 23 de agosto de 2013 a Requerente obteve um certificado de residência emitido pelas autoridades competentes de Hong Kong atestando que a B... era uma sociedade residente nesse território, para efeitos do disposto na Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Hong Kong para o ano de 2013, tendo também obtido, em 18 de fevereiro de 2014, igual certificado para o ano de 2014.
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Os serviços prestados pela B... foram objeto de faturação, cujo descritivo foi, com exceção da fatura que se juntou como documento nº 5 à Reclamação Graciosa dos exercícios de 2013 e de 2014, “marketing consulting”.
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Essas faturas fazem a seguinte descrição dos serviços:
-Identificação de investidores;
-Elaboração de dossiers para cada apartamento;
-Preparação de material promocional;
-Atividades promocionais na China (road shows, etc.,);
-Mailings para clientes identificados;
-Fornecimento de transporte aos potenciais interessados;
-Organização de visitas a Portugal e aos apartamentos;
-Apoio legal e financeiro;
-Preparação da documentação;
-Criação e manutenção de plataformas web;
-Serviço de pós-venda;
-Apoio no processo de obtenção de residência.
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Cada fatura emitida pela B... respeita à venda de um apartamento em concreto e a um concreto comprador angariado pela B..., que nela é identificado.
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Na correspondência trocada entre a Requerente e a B... são identificados os funcionários desta que desenvolveram os serviços prestados: C..., D..., E..., F... e G... .
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Os serviços mencionados nas faturas emitidas pela B... foram efetivamente realizados por esta e pagos pela Requerente.
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Aquando da celebração do contrato referido em b. a Requerente detinha, há cerca de três anos, vários imóveis para venda sem lograr transacioná-los, mercê da crise existente no mercado imobiliário, suportando os encargos bancários com os mútuos que contraira para os adquirir.
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Após a celebração do mesmo contrato, algumas empresas de mediação imobiliária a atuar em Portugal passaram a oferecer serviços semelhantes aos contratados, orientados para o mercado chinês, cobrando comissões não inferiores às praticadas pela B... .
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A Requerente apresentou, oportunamente, as declarações de rendimentos dos modelos 22 do IRC dos anos de 2013 a 2015, tendo sido consideradas nas mesmas os gastos a que se referem as faturas em causa.
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A Requerente foi objeto de procedimento de inspeção externa interna de âmbito parcial, em sede de IRC, relativo aos exercícios de 2013, 2014, a coberto das ordens de serviço nºs OI2016... E OI2016... e de inspeção interna ao exercício de 2015, para efeitos de controlo da dedução de prejuízos fiscais, de conformidade com a ordem de serviço nº OI2016... .
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Do Relatório de Inspeção Tributária referente aos exercícios de 2013 e 2014, consta, designadamente, o seguinte:
“Constata-se, pois, que relativamente aos dois exercícios é possível estabelecer uma correspondência inequívoca entre a fração vendida, o cliente chinês e o gasto com publicidade imputada à venda da fração.
A A... suportou e pagou os gastos com publicidade faturados por uma única sociedade com a designação B..., com sede em HONG KONG, cujos valores atingem em média 15,1% em 2013 (€ 640.615,001 / € 4.244.100,00) e 18,6% em 2014 (€ 597.070,002 / € 3.211.600,00), percentagens estas que se assumem como elevadas face ao valor das frações. De facto, os gastos com publicidade estão a absorver entre 15,1% e 18,6% do valor de venda das frações correspondentes, o que prejudica a rentabilidade da sociedade, que foi negativa, e que nem a margem bruta das vendas positiva conseguiu compensar, dado que foram alcançados prejuízos contabilísticos (- € 556.612,12 em 2013 e - € 69.530,88 em 2014). Note-se que a margem bruta foi de € 680.459,20 em 2013 (€ 4.244.100,00 - € 3.563.640,80) e de € 538.869,37 em 2014 (€ 3.211.600,00 - € 2.672.730,63), enquanto os gastos com publicidade (já expurgados do IVA e corrigidos dos € 140.000,00 que são retirados de 2014 e imputados a 2013) foram de € 640.615,00 e € 597.070,00, respetivamente.
Ou seja, apesar das margens brutas de comercialização serem positivas e de valor significativo, as mesmas são absorvidas pelos gastos com fornecimentos e serviços externos relativos à publicidade.
(…)
III.2 – Publicidade e propaganda
III.2.1 – Colocação do problema – requisitos na obtenção de autorização de residência
Na sequência da aprovação da Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto, que produziu alterações à Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, o governo português aprovou em 2012 legislação que alterou o regime jurídico da entrada, permanência e saída de estrangeiros do território nacional, permitindo a cidadãos estrangeiros não membros da União Europeia, através de atividades de investimento, obter uma autorização especial de residência, denominado “VISTO GOLD” ou “GOLDEN VISA”, que permite a investidores estrangeiros circular pelos países do espaço “Shengen”.
Esta autorização de residência é atribuída aos cidadãos que a requeiram, desde que preencham determinados requisitos, sobretudo os relacionados com os investimentos, aquisição de imóveis e / ou geração de emprego, a seguir identificados:
- Aquisição de imóveis de valor igual ou superior a € 500.000,00, podendo o investimento corresponder a um ou vários imóveis;
- Transferência de capitais num montante igual ou superior a € 1.000.000,00;
- Investimento que conduza à criação de, pelo menos, 10 postos de trabalho.
(…)
Neste contexto, verificou-se que a A... vendeu no decurso de 2013 e 2014 diversas frações a cidadãos chineses, por valor superior a € 500.000,00 cada uma, factos que revelam claramente o objetivo destes cidadãos de se inserirem na previsão legal que regulamenta a entrada, permanência e saída de estrangeiros do território nacional, com o objetivo de obter a autorização de residência para livre circulação no espaço “Shengen”.
Não obstante os gastos com publicidade e “marketing” se encontrarem refletidos na contabilidade da A..., questão diferente é a da aferição da dedutibilidade fiscal dos mesmos, atendendo a que assumem valores relativamente elevados, e que foram pagos a uma entidade não residente no território nacional. Será, pois, necessário averiguar se à luz dos normativos fiscais assiste à A... a faculdade de os poder deduzir para efeitos da determinação do resultado fiscal. (…)
Estipula o artigo 65.º do Código do IRC o seguinte, aplicável em 2013:
“Artigo 65.º
Pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado
1 — Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.
2 — Considera-se que uma pessoa singular ou colectiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60% do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.
3 — Para efeitos do disposto no número anterior, os sujeitos passivos devem possuir e, quando solicitado pela Direcção-Geral dos Impostos, fornecer os elementos comprovativos do imposto pago pela entidade não residente e dos cálculos efectuados para o apuramento do imposto que seria devido se a entidade fosse residente em território português, nos casos em que o território de residência da mesma não conste da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
4 — A prova a que se refere o n.º 1 deve ter lugar após notificação do sujeito passivo, efectuada com a antecedência mínima de 30 dias.
5 - O disposto nos números anteriores é ainda aplicável às importâncias pagas ou devidas indirectamente, a qualquer título, às mesmas pessoas singulares ou colectivas, quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento do destino de tais importâncias, presumindo-se esse conhecimento quando existam relações especiais nos termos do n.º 4 do artigo 63.º entre:
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O sujeito passivo e as pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável; ou
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O sujeito passivo e o mandatário, fiduciário ou interposta pessoa que procede ao pagamento às pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea anterior.”
Por seu turno, o artigo 23.º - A aditado ao Código do IRC pela Lei n.º 2/2014 de 16 de janeiro, que republicou este Código, e aplicável em 2014, determina:
“Artigo 23.º-A Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais
1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
…
r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.
…
7 - O disposto na alínea r) do n.º 1 aplica-se igualmente às importâncias indiretamente pagas ou devidas, a qualquer título, às pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento do seu destino, presumindo-se esse conhecimento quando existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º, entre o sujeito passivo e as referidas pessoas singulares ou coletivas, ou entre o sujeito passivo e o mandatário, fiduciário ou interposta pessoa que procede ao pagamento às pessoas singulares ou coletivas.
8 - A Autoridade Tributária e Aduaneira notifica o sujeito passivo para produção da prova referida na alínea r) do n.º 1, devendo, para o efeito, ser fixado um prazo não inferior a 30 dias.
…
Estas normas visam claramente combater uma espécie de operações evasivas ou fraudulentas, por meio de pagamentos a favor de entidades não residentes e estabelecidas em jurisdições de fiscalidade privilegiada, de modo a transferir rendimentos gerados e localizados em Portugal para locais com regimes fiscais mais favoráveis, com tributação reduzida ou inexistente, e tradicionalmente avessos à colaboração no sentido da prestação de informações para efeitos fiscais. A estatuição das mesmas determina de imediato o princípio geral de não dedutibilidade dos gastos suportados com este tipo de pagamentos consagrando, no entanto, uma cláusula de salvaguarda, que se opera mediante a inversão do ónus da prova, direcionando-o para o sujeito passivo, a quem caberá cumprir cumulativamente com duas condições, caso em que se o fizer, os gastos serão admissíveis para efeitos da determinação do resultado fiscal:
- Os gastos corresponderem a operações reais;
- Não terem um carácter anormal ou um montante exagerado.
Trata-se duma dupla prova que incumbirá ao sujeito passivo produzir o qual, em primeiro lugar, tem de demonstrar que os gastos se materializaram em atos efetivos, não bastando a mera existência formal tais como contratos, faturas e transferências bancárias e, em segundo lugar, que esses gastos não são anormais ou excessivos, o que se poderá operar mediante a confrontação com situações comparáveis de mercado num contexto de plena concorrência.
De referir que a jurisprudência poderá entender que a segunda condição engloba dois requisitos, que operam de forma cumulativa, pelo que o ónus do contribuinte se dirige a três e não apenas a dois:
- Que os gastos em causa correspondem a operações efetivamente realizadas – tem a ver com a substância;
- Que as referidas operações não revestem caráter anormal – tem a ver com a natureza;
- Que as mesmas não têm um montante exagerado – tem a ver com o “quantum”.
(…)
Na falta destas demonstrações verifica-se a não dedutibilidade dos gastos em apreço e a consequente reintegração dos respetivos montantes no resultado fiscal.
(…)
III.2.3 – Aferição da obediência aos requisitos de dedutibilidade
Segundo a A..., de acordo com as características do mercado chinês, a intermediação na venda consistiu em serviços prestados numa ótica de publicidade e “marketing”, e como tal foram relevados contabilisticamente, e não de comissões, como seria mais habitual no mercado português.
Será, pois, necessário averiguar da eventual obediência aos requisitos que impedem a desconsideração como gastos do exercício, da publicidade em que a sociedade contabiliza como tendo incorrido, cujo montante, excluindo o IVA8, foi de € 640.615,00 em 2013 e € 597.070,00 em 2014
Neste contexto, e em obediência à formalidade do n.º 4 do artigo 65.º (para 2013) e n.º 8 do artigo 23.º - A (para 2014) do Código do IRC, foi a sociedade notificada em 07 de junho de 2016 para apresentar em 12 de julho de 2016 documentos de prova efetiva sobre o cumprimento dos requisitos exigidos quanto à materialidade das operações e inexistência do seu caráter anormal e montante exagerado, bem como os documentos de prova referidos no nº 2 do artigo 98.º do Código do IRC (para 2013 e 2014) que comprovem a dispensa de retenção na fonte (vd. Anexo 7 c/ 7 pgs.).
Decorrido o prazo concedido nas notificações, foi respondido o seguinte para os dois exercícios (vd. Anexo 8 c/ 3 pgs.):
“Atendendo à necessidade de atrair investimento estrangeiro para Portugal, o Governo criou, em Agosto de 2012, um regime para a concessão e renovação dos denominados “vistos dourados” (golden visa) a cidadãos de países não pertencentes à União Europeia dispostos a investir em Portugal. O Regime Especial de Autorização de Residência para Atividade de Investimento em Portugal foi muito positivo para a nossa empresa uma vez que lhe permitiu o acesso a outros mercados nomeadamente o mercado chinês para efetuar as suas vendas dado que o mercado português se encontrava em forte contração.
Com esta envolvente foi assim possível à empresa estimular as vendas, tendo para tal desencadeado ações de marketing junto desses mercados que se vieram mais tarde a concretizar em vendas cujas escrituras anexamos. Estas ações foram desenvolvidas através da empresa B... . Esta situação teve como impacto a redução da nossa margem de comercialização por via do aumento dos custos de marketing, publicidade e respetiva prestação de serviços aos clientes.
As despesas de publicidade e prestação de serviços debitadas pela firma B... referentes ao ano de 2013 ascenderam a € 500.615,00, e encontram-se documentadas com contrato, faturas e respetivos documentos de liquidação já entregues ao v/ inspetor tributário, assim como o RFI.”
Para 2014 a resposta é a mesma, com a particularidade de referir que as despesas ascendem a € 657.150,00, embora na realidade somem € 737.070,00, conforme faturas identificadas nos quadros do subcapítulo II.3.8.3-iii)-B.
Em complemento a estas respostas constam os seguintes documentos:
- escrituras de venda das frações (as quais constam da contabilidade);
- contrato de prestação de serviços designado por “Framework Agreement” com a empresa B... (vd. Anexo 9 c/ 5 pgs.):
III.2.3.1 - Quanto à existência de regime fiscalmente mais favorável
À partida há que determinar se a jurisdição de fiscalidade privilegiada se integra na previsão normativa do n.º 2 do artigo 65.º aplicável em 2013, e alínea r) do n.º 1 do artigo 23-A, vigente em 2014, ambos do Código do IRC. Ora, no caso concreto de HONG KONG, trata-se da jurisdição constante do n.º 31 da Portaria n.º 292/2011, aplicável nos exercícios em análise de 2013 e 2014, pelo que para a situação em apreço e para os dois exercícios, releva em comum o único pressuposto da inserção na lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças. Ou seja, constatando-se que estão a ser pagas importâncias a uma entidade, no caso a pessoa coletiva B..., residente fora do território português e situada numa jurisdição constante da citada portaria, ocorre a condição que determina a verificação do pressuposto para a subsunção no conceito de regime fiscal claramente mais favorável.
III.2.3.2 - Quanto à exigência da realização efetiva das operações
Cabe ao contribuinte demonstrar que as operações envolvendo pagamentos a não residentes submetidos a um regime fiscal mais favorável foram efetivamente realizadas. Esta inversão do ónus da prova materializa-se na demonstração da efetividade da realização da operação a qual, se não for suprida, implica que que os encargos daqui resultantes não são dedutíveis.
Ora, da análise documental constatou-se que a A... possui em arquivo as escrituras e o “Framework Agreement” anexos às respostas e ainda:
- Faturas emitidas pelo dito prestador de serviços;
- Meios de pagamento das faturas através de transferências bancárias do H..., em que o beneficiário dos pagamentos coincide com o emitente das faturas.
No entanto, embora este conjunto documental dote a operação do preenchimento de requisitos formais, carece de ser comprovada substancialmente, lacuna que não foi preenchida pelos seguintes motivos:
- Não foi evidenciado que tenha sido praticada qualquer ação, campanha publicitária ou equivalente, concreta e efetiva, pela citada empresa prestadora de serviços visando a venda de frações;
- Que a ter havido, a mesma foi apropriada e direcionada ao objetivo, isto é, na eventualidade de ter sido realizada destinou-se a tentar vender frações ou antes qualquer outro produto?
- Produto este que até poderá não ser comercializado pela empresa;
- A prova de que o serviço foi na realidade prestado mediante a apresentação, designadamente, de estudos de prospeção de mercados, vantagens no investimento, campanhas de marketing, porquanto não foram apresentadas evidências dos mesmos em papel, gravações, vídeo, suporte informático, digital ou qualquer outro suporte;
- E ainda que fossem mostradas essas evidências físicas dos trabalhos efetuados, seria ainda necessário demonstrar a adequação de cada um deles aos requisitos do artigo 23.º do Código do IRC;
- E que, para além do contrato, não foi evidenciada troca de qualquer correspondência ou contactos com o alegado prestador de serviços, conexos com os serviços que alegadamente intermediou.
Não basta, pois, a existência de contrato, faturas ou transferências bancárias; é necessário a evidência de todo um conjunto de realização de ações, atuações ou campanhas concretas de publicidade, ou seja, de elementos justificativos complementares à documentação fiscalmente relevante, sem os quais fundadas dúvidas ficam acerca da efetiva realização das operações que as faturas pretendem titular.
Em suma, não existe qualquer comprovação da realização material da publicidade por parte da empresa sediada em HONG KONG. Na resposta à notificação apena foi descrita uma breve justificação da estratégia comercial seguida pela empresa, que à AT não compete avaliar ou aferir, pois se trata duma decisão do estrito foro da gestão empresarial, mas que não fornece qualquer elemento concreto sobre a publicidade alegadamente realizada pela empresa de HONG KONG.
Aliás, as próprias faturas da referida empresa são falhas na descrição por apenas referirem laconicamente “Marketing Consulting” sem qualquer discriminação ou alusão aos atos concretos de marketing alegadamente praticados.
Ora, não descurando que nos termos da legislação já citada, assiste à A... demonstrar a evidência material que sustente ter sido efetuada publicidade, a mesma não o logrou fazer, pelo que não se encontra preenchido este requisito de dedutibilidade.
III.2.3.3 – Quanto ao caráter anormal
Embora o Código do IRC não defina ou delimite o que é o caráter anormal dum gasto ou, ao contrário, pela positiva, o caráter normal, este poderá ser entendido como o conjunto de características intrínsecas que definem a natureza dum bem, serviço ou ato, habitualmente praticado e utilizado na atividade empresarial e que, sendo necessário, possui atributos de consentaneidade para com o objetivo de se alcançar eficazmente os objetivos estatutários.
Em abstrato, a publicidade poderá contribuir indubitavelmente, para aquele objetivo, e assim assumir-se como um gasto normal; contudo, se a A... não evidenciou que a citada empresa prestadora de serviços praticou qualquer ato concreto visando promover a venda de frações, coloca-se a questão, legítima, de saber se o que surge faturado como publicidade é na realidade um gasto com essa natureza.
Isto é, se não logrou provar a substância, não é possível aferir se o que vem qualificado como publicidade ou “Marketing Consulting” não será antes qualquer outro tipo de gasto, embora apelidado como tal para que em sede de IRC possa ser fiscalmente deduzido. Isto é, se falhou a prova da materialidade económica, deixa em aberto a suspeição, inerente à presunção legal das normas dos artigos 65.º e 23.º-A do Código do IRC, de se tratar dum gasto que podendo ser desconhecido, não terá antes uma natureza estranha, incaracterística e desprovida de racionalidade económica, face aos objetivos estatutários, caso em que já não será normal, mas antes desajustado dos hábitos empresariais.
Donde se conclui que, não tendo a A... produzido qualquer prova material que permita aferir da natureza intrínseca do gasto, ou da sua consentaneidade para com a atividade negocial, não é possível aferir do seu caráter normal. Também aqui não cumpriu com o ónus que a lei lhe impõe.
III.2.3.4 – Quanto ao montante exagerado
Para aferição desta característica, isto é de que os pagamentos são adequados ao real valor dos serviços prestados, afigura-se que a relação custo-benefício será apropriada, considerando-se cumprida a condição desde que os rendimentos compensem os respetivos gastos, isto é que os rendimentos futuros são de tal monta que justificaram o respetivo encargo, ressalvando os casos em que a tentativa de penetração noutros mercados não foi bem sucedida e o serviço inerente ao gasto foi efetivamente realizado.
Concretamente, e conforme já anteriormente referido, as vendas foram diretamente efetuadas pela A... aos clientes chineses, sem intermediários, embora suportando e pagando gastos com publicidade faturados por uma única sociedade com a designação B..., com sede em HONG KONG, cujos valores atingem em média 15,1% em 2013 (€ 640.615,00 / € 4.244.100,00) e 18,6% em 2014 (€ 597.070,00 / € 3.211.600,00), percentagens estas que se assumem como elevadas face ao valor das frações. De facto, os gastos com publicidade estão a absorver entre 15,1% e 18,6% do valor de venda das frações correspondentes, o que prejudica a rentabilidade da sociedade, que foi negativa, e que nem a margem bruta das vendas positiva conseguiu compensar, dado que foram alcançados prejuízos contabilísticos (- € 556.612,12 em 2013 e - € 69.530,88 em 2014). Note-se que a margem bruta foi de € 680.459,20 em 2013 (€ 4.244.100,00 - € 3.563.640,80) e de € 538.869,37 em 2014 (€ 3.211.600,00 - € 2.672.730,63), enquanto os gastos com publicidade (já expurgados do IVA e corrigidos dos € 140.000,00 que são retirados de 2014 e imputados a 2013) foram de € 640.615,00 e € 597.070,00, respetivamente.
(…)
Ou seja, apesar das margens brutas de comercialização serem positivas e de valor significativo, são absorvidas pelos gastos com fornecimentos e serviços externos relativos ao “marketing” pago ao publicitário localizado em HONG KONG.
Ora, nas situações envolvendo intervenção humana com estudos, projetos, ou publicidade no caso em apreço, o sujeito passivo deveria possuir em arquivo elementos que permitissem ajuizar da adequação do montante à finalidade e possibilitar a aferição do eventual exagero, designadamente:
- identificação dos recursos humanos envolvidos, horas aplicadas e taxas horárias por consultor;
- evidência de reuniões, “surveys”;
- deslocações;
- se quem executou tem experiência profissional;
- se foram pedidos orçamentos no mercado nacional ou internacional para efeitos comparativos e, em caso afirmativo, porque razão foi preferido o de uma entidade residente numa jurisdição de fiscalidade privilegiada em detrimento doutras com outras localizações.
Seria ainda factor de grande relevância o conhecimento e identificação dos detentores do capital da entidade “off-shore” para se aquilatar se são independentes em relação à empresa em questão, enquanto elementos relevantes para elidir a presunção de inveracidade do gasto, até prova em contrário, a qual compete à A... produzir.
Haveria igualmente que permitir aferir se o montante dos serviços cobrados é apropriado, tendo em conta o mercado e o risco da operação, por comparação com as que seriam aplicadas por outras entidades num contexto equivalente, em obediência e cumprimento do princípio “at arm´s length”, o que também não sucedeu, pois não foram apresentados quaisquer elementos pertinentes dirigidos a este objetivo.
O legislador fiscal justifica a exigência do cumprimento deste requisito, cumulativamente com os outros, com a dúvida se não se estará em presença de operações simuladas, sem existência real, desprovidas de realidade económica e desproporcionadas, destinadas a propiciar a evasão fiscal, por recurso à estratégia de intercalar “spin-offs” de drenagem de rendimentos a montante, de modo a alcançar um duplo objetivo de absorção da margem bruta e eventuais lucros e transferir rendimentos para uma jurisdição onde a tributação é menor.
Efetivamente, não se pode descurar a possibilidade de os montantes faturados pela empresa de HONG KONG se encontrarem empolados face ao que uma intervenção para efeitos de publicidade justificaria para a comercialização do produto em questão (frações). Como se viu, representam 15,1% do valor das vendas em 2013 e 18,6% em 2014, e absorvem por completo a margem bruta das vendas, provocando um prejuízo final na atividade operacional.
E para o efeito basta uma comparação com a correspondente situação no mercado doméstico. Neste, um intermediário atua como comissionista, sendo vulgarmente designado por agente imobiliário, cuja intervenção implica a angariação do cliente, promoção do produto em “websites”, colocação de placas no imóvel, anúncios em jornais, distribuição de panfletos, montagem de “outdoors”, podendo ainda prestar apoio jurídico, designadamente na elaboração de contratos-promessa de compra e venda e inclusivamente promover todas as diligências legais junto de entidades oficiais como câmaras municipais e notários, visando preparar o imóvel para o ato de venda.
Como é do conhecimento público, esta atuação implica o pagamento à empresa imobiliária duma comissão que habitualmente é de 5% do valor de venda do imóvel, podendo nuns casos ser inferior e chegar a 3%, ou ser superior e alcançar os 6%.
Trata-se, como se descreveu, duma intervenção profissional que em si mesma já implica a efetivação de publicidade pelo que, comparando a respetiva taxa com a praticada pela empresa de HONG KONG, facilmente se conclui pelo montante exagerado cobrado por esta última.
Ainda que se tenha presente que a publicidade, a ter sido praticada, ocorreu num contexto geográfico diferente, onde poderá ser praticada outra remuneração, não deixará de se ter em conta, com base no senso comum e a partir de um juízo empírico, sem necessidade de recurso a conhecimentos técnicos, que a taxa paga pela A... se afigura exagerada, atendendo ao impacto negativo na rentabilidade da empresa, e colocando em causa o equilíbrio que deve presidir à relação custo-benefício.
Também aqui se conclui que, não tendo a A... produzido qualquer prova de que não existe exagero no montante da publicidade, se considera como não cumprido este requisito.
(…)
III.2.3.6 – Quanto aos elementos apresentados
Decorrente da notificação para apresentar provas do cumprimento das condições de dedutibilidade, a A... quedou-se por uma justificação da razão que a levou a encontrar no mercado chinês uma solução alternativa para compensar a retração do mercado imobiliário doméstico, “tendo para tal desencadeado ações de marketing junto desses mercados que se vieram mais tarde a concretizar em vendas”.
Refere ainda que essas ações foram desenvolvidas por uma empresa sediada em HONG KONG e que esta intervenção implicou a “redução da … margem de comercialização por via do aumento dos custos de marketing, publicidade e respetiva prestação de serviços aos clientes”.
Ora, e não descurando a importância que a iniciativa legislativa de criação do regime para a concessão de autorização especial de residência, mediante investimento em Portugal, teve na dinamização do mercado imobiliário, e que assiste ao empresário a prerrogativa de pesquisar novos mercados com vista ao desenvolvimento da sua atividade, não foi cumprido o ónus que a lei fiscal exige para aceitar como dedutíveis pagamentos a não residentes, quando se localizam em jurisdições de baixa tributação, repartido cumulativamente pelos seguintes requisitos:
- Da produção de prova da efetiva realização de publicidade;
- Da produção de prova da normalidade do pagamento;
- Da produção de prova de que o montante não é exagerado.
Pelo que se conclui que, não tendo a A... cumprido com o ónus da prova consagrado nos preceitos dos artigos 65.º e 23.º - A do Código do IRC, os gastos relativos aos pagamentos em causa são fiscalmente desconsiderados nos exercícios de 2013 e 2014.
(…)
III.2.7 - Tributação Autónoma
Uma vez que o sujeito passivo não procedeu à comprovação atrás mencionada, e as despesas em causa não foram aceites fiscalmente como gasto do exercício, ficam sujeitas a tributação autónoma à taxa de 35%, conforme o disposto no n.º 1 e n.º 8 do artigo 88.º do Código do IRC, tributação esta onerada em 10 pontos percentuais nos termos do n.º 14 do mesmo artigo, caso seja apresentado prejuízo fiscal, o que sucedeu em 2013. Pelo que se tem:
Exercício de 2013:
(€ 500. 615,00 + € 140.000,00) x (0,35 + 0,10) = € 640.615 x 0,45 = € 288.276,75
Exercício de 2014:
€ 597.070,00 x 0,35 = € 208.974,50 (…)”
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A Requerente apresentou, no prazo que lhe foi concedido para exercer o direito de audição sobre o Projeto de Relatório da Inspeção Tributária, declarações modelo 22 de IRC de substituição dos anos de 2013 e 2014, em conformidade com o projeto de relatório do procedimento inspetivo, que deram origem às liquidações objeto do presente processo, referentes a estes períodos tributários.
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A desconsideração dos gastos em conformidade com as conclusões do procedimento inspetivo eliminou, na sua totalidade, os prejuízos fiscais que a Requerente havida reportado para 2015, circunstância que determinou a liquidação adicional efetuada quanto a este exercício.
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A Requerente apresentou em 22.08.2016 declarações de IRC de substituição dos anos de 2013 e 2014, que vertiam as correções propostas no Projeto de Relatório da Inspeção Tributária.
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A Requerente, apresentou reclamação graciosa das liquidações de IRC de 2013 e 2014 que lhe foram notificadas em 19 de dezembro de 2016, tendo esta pretensão anulatória sido indeferida por despacho de 30 de maio de 2017, do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, notificado em 5 de junho do mesmo ano.
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Desta decisão interpôs a Requerente, em 3 de julho de 2017, recurso hierárquico dessa decisão que foi, também, indeferido, por despacho do Diretor do Serviço Central da Direção de Serviços de IRC, de 16 de maio 2018, notificado em 25 do mesmo mês.
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Relativamente à liquidação de IRC do exercício de 2015, que, reflete o efeito da eliminação dos prejuízos fiscais dos anos anteriores, apresentou, em 7 de fevereiro de 2017 reclamação graciosa que veio também a ser indeferida, por despacho de 24 de outubro de 2017, do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, notificado em 27 do mesmo mês.
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Em face dessa decisão, interpôs, em 22 de novembro de 2017, recurso hierárquico que veio a ser indeferido por despacho do Diretor do Serviço Central da Direção de Serviços de IRC, de 28 de junho de 2018, notificado em 3 de julho do mesmo ano.
10. Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados.
11. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se na prova documental e testemunhal produzida, apreciada à luz das regras da experiência, sendo que a mesma foi inteiramente concordante no sentido do decidido.
Quanto aos depoimentos prestados por I... e J... em reunião arbitral destinada à inquirição de testemunhas, os mesmos revelaram conhecimento do meio em que atua a Requerente, das circunstâncias temporais e dos factos concretos aqui em causa, e foram no sentido de confirmar os alegados pela Requerente. As testemunhas foram convictas nos seus depoimentos, não revelando motivo de reparo quanto à sinceridade e veracidade dos mesmos, acrescendo que os mesmos são coerentes com o normal acontecer e com os documentos constantes do processo.
Quanto à prova documental, foram relevantes para a convicção o tribunal os seguintes documentos constantes do processo, que não foram objeto de impugnação pela Requerida:
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Documentos 6 a 10 juntos à Reclamação Graciosa do IRC dos exercícios de 2013 e de 2014, referentes a trabalhos relacionados com a preparação da documentação necessária a celebração dos contratos.
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Documentos 7 e 25 juntos à Reclamação Graciosa dos exercícios de 2013 e de 2014 referentes a serviços prestados pela B... no domínio do apoio legal e financeiro.
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Documentos 7, 9, 19, e 26 juntos à Reclamação Graciosa dos exercícios de 2013 e de 2014 referentes a serviços de pós-venda.
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Documento 8 junto à Reclamação Graciosa dos exercícios de 2013 e de 2014 referente a trabalhos de identificação de clientes realizado pela B... .
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Documento 20 junto à Reclamação Graciosa dos exercícios de 2013 e de 2014 referente a trabalho de organização de visitas a Portugal por parte de clientes chineses levado a cabo pela B... .
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Documentos 11, 12, 13, 14 e 16 juntos à Reclamação Graciosa dos exercícios de 2013 e de 2014 referentes ao envolvimento da B... no processo de fecho de negociações
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Documento 17 junto à Reclamação Graciosa dos exercícios de 2013 e de 2014 referente à promoção dos apartamentos.
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Documento 18 junto à Reclamação Graciosa dos exercícios de 2013 e de 2014, referente à elaboração de dossiers por apartamento.
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Documentos 28, 29, 30 e 31anexos à Reclamação Graciosa dos exercícios de 2013 e de 2014, referentes a pedidos de pagamento das comissões devidas pela aqui Requerente à B... pelos serviços prestados.
IV- O Direito aplicável
12. Dedutibilidade dos gastos
A questão central a decidir, tal como colocada pela Requerente, está em admitir ou não a dedução ao lucro tributável de 2013 e 2014 das despesas faturadas pela sociedade B..., com sede em Hong Kong.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a dedutibilidade dos gastos da Requerente relativos a pagamentos à referida sociedade com sede em Hong Kong, com fundamento nos artigos 65.º do CIRC, na redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (vigente em 2013) e 23.º-A, n.º 1, al. r) do mesmo Código, na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro (vigente em 2014). As citadas normas legais, à data dos factos, estatuíam o seguinte:
Artigo 65.º
Pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado
1 – Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.
2 – Considera-se que uma pessoa singular ou colectiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60 % do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.
3 – Para efeitos do disposto no número anterior, os sujeitos passivos devem possuir e, quando solicitado pela Direcção-Geral dos Impostos, fornecer os elementos comprovativos do imposto pago pela entidade não residente e dos cálculos efectuados para o apuramento do imposto que seria devido se a entidade fosse residente em território português, nos casos em que o território de residência da mesma não conste da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
4 – A prova a que se refere o n.º 1 deve ter lugar após notificação do sujeito passivo, efectuada com a antecedência mínima de 30 dias.
(...).
Artigo 23.º-A
Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais
1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
(...)
r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.
O artigo 23º- A, n.º 1, al. r) do CIRC em 2014 sofreu uma renumeração e reorganização sistemática, mudando do artigo 65º, que é revogado, para o artigo 23º-A que rege os encargos não dedutíveis.
A regra anti-abuso específica[1] prevista primeiro no artigo 65º e depois no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r) do CIRC, criada com o intuito de combater a fraude e a evasão fiscal, prevê que os pagamentos efetuados a entidades residentes fora de Portugal e sediadas num paraíso fiscal não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, ainda que contabilizados como gastos no período de tributação
O nº. 2 do artigo 65º do CIRC consagra índices ou pressupostos que à Administração Fiscal cumpre demonstrar querendo acionar a norma (cfr. artigo 74, nº. 1, da Lei Geral Tributária, LGT): quando o território de residência da pessoa singular ou coletiva constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60% do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.
Para que haja segurança na aferição de quais são os países ou territórios, a Portaria n.º 292/2011, de 8 de novembro contém a chamada “lista negra” portuguesa. Com a prova da inserção do território de Hong Kong na citada portaria, fica a Requerida dispensada de provar que a sociedade aí sediada não foi tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou que o montante de imposto pago foi igual ou inferior a 60% do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português dada a alternatividade dos elementos.
Quanto a esta questão o artigo 23º-A aplicável aos exercícios de 2014 não trouxe qualquer alteração. Não são dedutíveis as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável. Basta à Requerida demonstrar que foram feitos pagamentos a residentes fora do território Português e que esse território está incluído na portaria dos regimes de tributação claramente mais favorável. Estando o território incluído nesta portaria não tem a Requerida que demonstrar que esse território está submetido a um regime fiscal mais favorável.
O território de Hong Kong estava e continua incluído na «lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis», que constava da Portaria n.º 292/2011, de 8 de novembro, que alterou a Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro.
Revertendo ao caso dos autos, fez a Fazenda Pública prova dos pressupostos para acionar a norma sob exegese, visto que o pagamento em causa foi efetuado pela Requerente a uma entidade com sede em país com um regime de tributação privilegiado conforme a Portaria n.º 1272/2001, de 9/11 (em concreto, o território de Hong Kong consta sob o nº.31 da lista de países constantes da mencionada portaria), diploma este que veio estabelecer quais os países ou territórios que devem ser qualificados como “paraísos fiscais” ou sujeitos a regimes de tributação privilegiados, como se pode colher do seu preâmbulo.
Trata-se da “lista negra” aprovada pela Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, em cuja parte preambular se diz que «Tendo em conta as dificuldades em definir “paraíso fiscal” ou “regime fiscal claramente mais favorável”, o legislador nacional, na esteira das orientações seguidas por outros ordenamentos jurídico-fiscais, optou, nuns casos, por razões de segurança jurídica, pelo sistema de enumeração casuística e, noutros, por um sistema misto, estando, no entanto, ciente de que tais soluções obrigam a revisões periódicas dos países, territórios ou regiões que figuram na lista».
No caso de Hong Kong, este território consta expressamente da portaria devendo por isso ser considerado um território com um regime de tributação mais favorável.
No decorrer do procedimento inspetivo tributário, a Requerente apresentou vários documentos para prova das operações realizadas pela B... .
No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que as quantias dos pagamentos à referida sociedade não são dedutíveis, pelas seguintes razões, em suma:
-Não foi evidenciado que tenha sido praticada qualquer ação, campanha publicitária ou equivalente, concreta e efetiva, pela citada empresa prestadora de serviços visando a venda de frações;
-Que a ter havido, a mesma foi apropriada e direcionada ao objetivo, isto é, na eventualidade de ter sido realizada destinou-se a tentar vender frações ou antes qualquer outro produto?
-Produto este que até poderá não ser comercializado pela empresa;
-A prova de que o serviço foi na realidade prestado mediante a apresentação, designadamente, de estudos de prospeção de mercados, vantagens no investimento, campanhas de marketing, porquanto não foram apresentadas evidências dos mesmos em papel, gravações, vídeo, suporte informático, digital ou qualquer outro suporte;
-E ainda que fossem mostradas essas evidências físicas dos trabalhos efetuados, seria ainda necessário demonstrar a adequação de cada um deles aos requisitos do artigo 23.º do Código do IRC;
-E que, para além do contrato, não foi evidência da troca de qualquer correspondência ou contactos com o alegado prestador de serviços, conexos com os serviços que alegadamente intermediou.
Nos termos do artigo 65º (aplicável para o exercício de 2013) e 23º do CIRC (aplicável para o exercício de 2014) a regra da não dedutibilidade destes gastos poderá, porém, ser afastada no caso de o contribuinte provar, por qualquer modo, que tais encargos correspondem a:
·Operações efetivamente realizadas; e
·Operações que não tenham um caráter anormal ou um montante exagerado.
Ocorre assim uma inversão do ónus da prova que passa a onerar o sujeito passivo. Conforme consta do AC. do Tribunal Central Administrativo do Sul de 04,11.2003, proc. n.º 7464/02: “Em suma, o legislador desconfiou das operações realizadas com estas entidades, em que são contabilizados custos, e presumiu que estes não têm as contrapartidas invocadas, ressalvando em todo o caso, a possibilidade da efectiva demonstração pela contribuinte dessas contrapartidas, que melhor que ninguém saberá, concretamente, quais foram.”
Citando SALDANHA SANCHES “a lei, quando inverte o ónus da prova em relação a pagamentos feitos a zonas de baixa fiscalidade que destroem a conexão natural entre custo dedutível de A e proveito sujeito a imposto de B, está a retirar àquele custo a presunção de veracidade, até prova em contrário, que acompanha qualquer custo devidamente documentado, devendo por isso mostrar-se que o serviço existiu e que o montante do pagamento não é exagerado”.[2]
Mais se deverá referir que a lei não exige qualquer formalismo nestas provas, assim vigorando quanto às mesmas o sistema da prova livre e podendo socorrer-se o sujeito passivo de todos os meios de prova permitidos pela lei (artigos 352 e seg. do Código Civil, 115º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29º, n.º 1, al. a) do RJAT).
13. Prova da realização das operações
Quanto à prova do primeiro requisito, resultou da prova produzida que foi realizada pela B... uma atividade global de angariação de cidadãos chineses para compra de imóveis da Requerente, nos anos de 2013 e 2014.
Essa atividade de angariação incluiu identificação de compradores, elaboração de dossiers para cada apartamento, preparação de material promocional, organização de visitas a Portugal (alojamento, transporte e tradutor) e aos apartamentos, apoio legal com vista à aquisição dos imóveis, preparação da documentação, serviços de pós venda (ligação de eletricidade, gás e água para os imóveis adquiridos e acompanhamento da respetiva decoração).
Os serviços da B... incluíam também o apoio à obtenção do visto de residência, contratando para o efeito advogados.
Na diversa correspondência trocada entre a Requerente e a B... são identificados os funcionários desta que desenvolveram os serviços prestados: C..., D..., E... e G....
Por cada fatura emitida pela B... há uma ligação direta com a venda de um apartamento em concreto. A fatura identifica o comprador angariado pela B... .
Não se justificam dúvidas sobre a realização desta atividade, não só porque foi junta documentação comercial e correspondência trocada entre a Requerente e a B... relativa a essas atividades, mas também porque foi nesse sentido a prova produzida em audiência, por quem teve em Portugal contacto direto com essas atividades.
Aliás, o facto, que não é controvertido, de a Requerente ter vendido grande quantidade de imóveis a cidadãos chineses é uma prova indireta, mas convincente, de que houve uma eficiente atividade de angariação, pois sem esta não se vislumbra como poderiam ter conhecimento de que a Requerente dispunha de imóveis para venda. Por outro lado, o facto de que a remuneração da B... só era paga precisamente se tivesse como resultado a concretização das vendas, assegura que não houve pagamentos que não tivessem subjacente atividade de angariação.
Por isso, não se justifica que não se considere provado que os gastos suportados pela Requerente com pagamentos à B... correspondem a operações efetivamente realizadas.
Assim, é de considerar provado que os pagamentos correspondem a operações efetivamente realizadas.
14. Prova da não anormalidade e não exagero
Em relação à prova do segundo requisito, teremos de verificar se o pagamento do serviço de mediação imobiliária é normal e não é exagerado.
É indispensável que ambos os requisitos (normalidade e não exagero) estejam preenchidos, de modo a que as empresas possam efetivamente deduzir os pagamentos efetuados a entidades sediadas em paraísos fiscais.
No que diz respeito à “normalidade”, o pagamento de uma remuneração pelos serviços de angariação de clientes para a venda de imóveis é normal, estando regulada pela Lei n.º 15/2013 de 08.02. O citado diploma no seu artigo 19º regula a remuneração do prestador destes serviços. Deste modo, não podemos deixar de concluir que o pagamento deste serviço é normal.
Quanto ao requisito do não exagero teremos de analisar o montante das comissões. O carácter exagerado, ou não, das comissões deve ser aferido, pelo senso comum, isto é, por um juízo empírico sem recurso a conhecimentos técnicos.
Neste caso entendemos ser de analisar se o contrato é equilibrado. Para o efeito temos de atender em primeiro lugar às circunstâncias concretas da requerente aquando da celebração do contrato com a B... . Neste prisma afigura-se-nos relevante ter em conta que a Requerente não vendia os seus imóveis novos há três anos. A crise no sector imobiliário iniciada em 2009 é um facto público e notório que afetou todo o sector imobiliário e implicou uma redução drástica da atividade imobiliária.
Uma outra circunstância de facto relevante concreta da Requerente diz respeito ao seu endividamento bancário. Uma vez que a Requerente não conseguia vender os seus ativos (imóveis), não conseguia liquidar as dívidas bancárias.
Este era o contexto da Requerente aquando da celebração do contrato com a B... e que não é despiciendo para a análise dos termos contratuais.
Quanto aos termos do contrato em si, o equilíbrio do contrato é demonstrado através da demonstração da importância real das suas vantagens e dos encargos como justa remuneração dos serviços prestados, comparativamente aos custos de serviços iguais ou semelhantes praticados no mercado. Não é adequado comparar as percentagens cobradas pela B... (15,1% em 2013 e 18,6% em 2014) com as comissões habitualmente pagas na medição imobiliária (5%) porque a B... prestou serviços que não estão incluídos nos normais serviços de mediação como por exemplo a divulgação na China, o pagamento de viagens da china para Portugal, o alojamento, a alimentação, os transportes em Portugal, os intérpretes e os serviços jurídicos para a obtenção de vistos. O termo de comparação efetuado pela Requerida é manifestamente desajustado no caso em concreto.
De acordo com a prova testemunhal, pelo mesmo tipo de serviços, pelo menos uma reconhecida sociedade de mediação imobiliária, amplamente implementada em território nacional, cobrava cerca de 20%.
Face ao exposto, tendo em conta as circunstâncias da Requerente e os valores normalmente cobrados por serviços idênticos, os pagamentos efetuados à B... não se podem considerar exagerados, pois está justificado pela necessidade de obtenção dos serviços de angariação e não haver alternativa a preço inferior.
A razoabilidade dos pagamentos efetuados à B... é ainda reforçada pelo facto de a Requerente não ser afetada pelos pagamentos que lhe fazia, pois apenas lhe pagava quando concretizasse a venda dos imóveis.
Pelo exposto, conclui-se que a Requerente provou que os pagamentos efetuados à B... não foram anormais nem exagerados.
Assim, conclui-se que o ato de liquidação relativo ao exercício de 2013 enferma de vício de violação do artigo 65.º, n.º 1, do CIRC e o ato de liquidação relativo ao exercício de 2014 enferma de vício de violação do artigo 23.º, n.º 1, alínea r), do CIRC nas respetivas redações que nesses anos vigoravam.
A apreciação dos demais vícios imputados às liquidações de IRC de 2013 e 2014 fica prejudicada pela solução atrás alcançada.
Quanto à liquidação de IRC de 2015, verifica-se um nexo de prejudicialidade ou dependência face às liquidações de IRC de 2013 e 2014. As correções efetuadas pela AT nos exercícios de 2013 e 2014 impediram a dedução dos prejuízos no exercício de 2015, ao abrigo do artigo 52º, n.º 1 do CIRC (vigente em 2015).
Tal como concluímos atrás, as correções efetuadas pela AT são ilegais. Destarte, a liquidação de IRC de 2015, no que diz respeito à não dedução de prejuízos dos exercícios de 2013 e 2014 viola o disposto no artigo 52º, n.º 1 do CIRC.
15. Juros indemnizatórios
Nos termos do n.º 1 do artigoº 43º da LGT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artigo 43, nº. 1, da LGT, são os seguintes:
a) Que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;
b) Que o erro seja imputável aos serviços;
c) Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
d) Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
As liquidações de IRC dos exercícios de 2013, 2014 e 2015 não foram feitas pela AT, pelo que esse erro não lhe pode ser assacado, pelo mesmo desde a data da sua entrega. Trata-se de três autoliquidações, não sendo o erro imputável aos serviços[3].
Contudo, é inquestionável que após a apresentação das reclamações graciosas (19/12/2016- exercícios de 2013 e 2014; 07/02/2107- exercício de 2015) a AT possuía todos os elementos de facto e de direito para repor a legalidade da tributação. A AT indeferiu expressamente as reclamações graciosas (30/05/2017 – exercícios de 2013 e 2014; 24/10/2017 – exercício de 2015).
À AT cabe repor a legalidade (artigo 55º da LGT), não lhe podendo ser indiferente a manutenção de um ato ilegal. Mais, a AT tem o dever de rever os atos tributários caso detete uma situação de cobrança ilegal de tributos (artigos 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e 55.º da LGT), dentro dos limites temporais do artigo 78º da LGT.
Indeferidas as reclamações graciosas, o erro passa a ser imputável à AT. Neste sentido Cfr. Ac. do TCAS de 16.01.2014, proc. n.º 05306/12: 3)Havendo excesso na delimitação da base tributável, a partir do momento em que a AF, estando na posse de todos os elementos necessários, podia ter corrigido o erro, e ainda assim não procedeu, ou seja, desde a data do esgotamento do dever de decidir a reclamação graciosa, o erro determinante da cobrança ilegal do imposto em apreço é imputável aos serviços.
No mesmo sentido o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa assevera o seguinte: “ (…) o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos.” In CPPT Anotado, Vol. I, Áreas Editora, 2011, Pág. 537
Destarte procede, pois, o pedido de juros indemnizatórios, que deverão ser contados, à taxa apurada de harmonia com o disposto no artigo 43.º, n.º 4, da LGT, desde 30/05/2017 para os exercícios de 2013 e 2014 e desde 24/10/2017 para o exercício de 2015, até à restituição do imposto pago em excesso.
V - Decisão
Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral sobre a ilegalidade das liquidações de IRC n.º 2016 ... (exercício de 2013), 2016 ... (exercício de 2014) e 2016 ... (exercício de 2015), e em consequência anular as liquidações;
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Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde 30/05/2017 para os exercícios de 2013 (liquidação n.º 2016...) e 2014 (liquidação n.º 2016...) e desde 24/10/2017 para o exercício de 2015 (liquidação n.º 2016 ...), até ao momento da restituição das quantias indevidamente liquidadas e pagas.
Fixa-se o valor do processo em € 764.055,43 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 11.016,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 22 de fevereiro de 2019
Os Árbitros
(José Baeta de Queiroz)
(André Festas da Silva)
(Marcolino Pisão Pedreiro)
[1] Sobre a natureza anti abusiva específica do antigo artigo 59º do CIRC Cfr. A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos Para a Sua Compreensão, Gustavo Courinha, Almedina, 2004, pág.92 e 93 e A cláusula geral antiabuso e o seu procedimento de aplicação, Patrícia Meneses Leitão, Vida Económica, 2012, pág. 61
[2] In Os Limites do planeamento fiscal: substância e forma no Direito Fiscal Português, Comunitário e Internacional, Coimbra Editora, 2006, pág. 202
[3] Neste sentido Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Responsabilidade da Administração Tributária por actos Ilegais, Áreas Editora, 2010, págs. 49 e 50