Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 376/2018-T
Data da decisão: 2019-01-30  IRC  
Valor do pedido: € 3.858.877,40
Tema: IRC – Gastos dedutíveis – Indispensabilidade.
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Pedro Miguel Bastos Rosado e Dra. Cristina Aragão Seia (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 17-10-2018, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

A... S.A., titular do número de identificação fiscal ..., com sede no ... - ..., ...-..., ..., doravante abreviadamente designada por "Requerente", veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

A Requerente pede a anulação de correções à matéria tributável no valor total de € 3.858.877,40 (€ 1.681.121,40 referente ao ano de 2009 e € 2.177.756,00 referente ao ano de 2010) e das liquidações n.ºs 2018... e 2018... relativas aos exercícios de 2009 e 2010, da liquidação de juros moratórios n.º 2018 ... e acertos de contas n.º 2018 ..., de 09-07-2018, relativa ao período de tributação de 2009 e n.º 2018 ..., de 10-07-2018, relativa ao período de tributação de 2010.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 08-08-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, os Árbitros que inicialmente foram designados pelo Conselho Deontológico comunicaram a aceitação do encargo, no prazo aplicável.

Em 26-09-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 17-10-2018.

A Administração Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Em 10-01-2019, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações simultâneas.

As Partes apresentaram alegações.

            O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

 

  1. A Requerente foi constituída em 2007 e está inserida no parque industrial da B..., sendo esta e o Grupo C... os seus principais clientes;
  2. O capital da Requerente era detido, à data dos factos, a 100%, pela sociedade  D... S.L. (doravante designada por D... Ibérica).
  3. A actividade principal da Requerente consiste na montagem de módulos, na produção, distribuição e comercialização de peças ou componentes para a indústria automóvel;
  4. A operação da Requerente é condicionada pela actividade desenvolvida pela B..., bem como da sua forma de operar;
  5. Durante os anos de 2009 e 2010 a Requerente produzia maioritariamente para-choques e módulos “FrontEnd” com vista a aplicar nas viaturas produzidas na B..., estando, todavia, a pintura dos mesmos sob a responsabilidade da sociedade E..., S.A (doravante designada por E...);
  6. A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou à Requerente uma inspecção, de âmbito parcial, aos períodos de tributação de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013, ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2015..., OI2015..., OI2015..., OI2015..., OI2015... e OI2017...;
  7. A Requerente exerceu o direito de audição, neste sentido termos que constam do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  8. Nessa inspecção foi elaborado o Relatório que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III.1. CORREÇÕES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III.1.1. EXERCÍCIO 2008

iii.1.1.1. CUSTOS FISCALMEMTE NÃO ACEITES -SHARE OF ADDITIONAL COSTS

No exercício de 2008, o sujeito passivo reconheceu a débito da conta SAP 400100 {POC 711) - "vendas nacionais" o montante de € 2.108.408,00 e da conta SAP 607020 (POC 621) - "Trabalhos exteriores e montagens" o montante de €2.040.963,83, no montante total de €4.059.371,83, cujos documentos de suporte15 correspondem a faturas emitidas pela sociedade "E..., SA." NIF ... (prestadora dos serviços de pintura à A...), com o descritivo 'share of additional costs", conforme quadro infra:

 

Tal como já anteriormente referido no capítulo II, em 2008 a E... era uma sociedade detida em 50% do seu capital pela F... S.L (detentora da totalidade do capital da A...), relação que foi desvinculada em 2009 com a alienação da participação por parte da F... S.L..

Nos anos em análise, a E... foi a fornecedora dos serviços de pintura à A..., tendo ainda em 2008 e parte de 2009, fornecido e debitado à A... diversos serviços denominados "Share services" relacionados com a partilha de custos com eletricidade, comunicações e administrativos, uma vez que a A... não dispunha de capacidade própria (tal como consta do ponto 11.6.11). e que não se podem confundir com os "share of additional costs", identificados no quadro anterior, e que traduzido para português significa "Partilha de custos adicionais".

Considerando então a atividade desenvolvida pela E... (prestação de serviços de pintura em peças a serem incorporadas no produto fornecido pela A... à B...) e desconhecendo-se a natureza dos custos que a mesma debitava à A... nas faturas acima identificadas, foi o sujeito passivo inquirido acerca da natureza dos mesmos.

O representante do sujeito passivo nos termos do art.º 52º do RCP1TA, veio informar que os montantes dos custos debitados pela E... à A... se encontravam relacionados com o facto de a B... Alemã ter celebrado um contrato com a A... Ibérica (empresa mãe da A..., sedeada em Espanha), que visou atribuir uma compensação financeira pela prestação de serviços de pintura do modelo ..., à empresa E..., porque esta empresa apresentava prejuízos avultados.

Como a B... não podia atribuir essa compensação diretamente à E..., por não existir qualquer relacionamento comercial entre ambas, aquela seria paga à A..., e transferida por esta para a E... .

Para concretização deste pagamento, a E... emitia faturas à A... (numa base mensal), sendo o valor a debitar pela E... à A..., calculado com base na diferença entre:

• o preço de venda de uma determinada peça a incorporar no modelo ..., faturada pela A... à B... a (faturas emitidas pela B... em regime de autofaturação) e

• o preço de compra da mesma peça, adquirida pela A... à D... Ibérica (sociedade mãe, sedeada em Espanha), devendo os cálculos constar de documento anexo às faturas.

De acordo com essas instruções, a peça era comprada pela A... pelo preço unitário de € 1,6888 e o preço de venda unitário faturado à B... era de € 96,4555.

Por sua vez, a E... debitava a mesma peça pelo preço de € 94,85 à A..., e, a diferença destinar-se-ia a cobrir o custo de aquisição da peça.

Desta forma, a A... não apurava qualquer lucro ou prejuízo com a operação, pois esta visava apenas transferir meios financeiros para a E... .

Conforme consta das faturas emitidas pela E..., no documento anexo às mesmas, designado por "Valores acréscimo do preço de pintura – liquidado pela AE (designação abreviada da B...)", encontra-se identificado o mês, o número de viaturas, o montante mensal auto-faturado pela B... e o valor a debitar à A... .

Face à insuficiência dos elementos apresentados, procedeu-se, em 27/11/2017, à notificação da A... 17, na pessoa do mandatário identificado no ponto II, para a apresentação até dia 4/12/2017 de: (tendo este prazo sido prorrogado até dia 13/12/2017, a pedido do sujeito passivo)

• cópia do contrato celebrado entre a B... Alemã e a D... Ibérica, que prevê a atribuição dum bónus, sob a forma de compensação financeira a pagar à A... pelos serviços de pintura dos para-choques vendidos à B...;

• cópia do contrato celebrado entre a A... ou a D... Ibérica, e a E..., que estabelece a partilha dos custos na prestação de serviços de pintura (denominados share costs) faturados mensalmente, par esta última, à A...;

• cópia das notas de crédito emitidas pela B... à A..., relativas aos bónus atribuídos à A... .

Em 13/12/2017, o sujeito passivo apresentou os seguintes esclarecimentos por escrito, que passamos a transcrever:

 (...) B.(...) 2-

(...) no caso de atribuição de compensações financeiras por parte da B... à A... relativamente as prestações de serviços de pintura, a A... repercutia parte dessas compensações à E... como compensação pelos serviços de pintura subcontratados à mesma.

(...)

Não existe contrato escrito entre a A... (ou D... Ibérica) e a E... sobre a atribuição destas compensações financeiras, uma vez que as mesmas resultavam das negociações globais entre as duas principais entidades envolvidas (B... & A...) e da repercussão por parte da A... à E... de parte dessas compensações recebidas da B... .

(...)

4 - Junto enviamos exemplo demonstrativo de todo o movimento documental e financeiro da operação: Autofatura da B... pelos serviços de pintura adquiridos à A... + Pagamento pela B... à A... desses mesmos serviços de pintura. (...)

Estes documentos comprovam e suportam o pagamento dos serviços por parte da B... à A... Portugal pelos serviços de pintura (...)."

Em aditamento a esta resposta, o sujeito passivo entregou novos esclarecimentos, em carta de 09/01/2018, informando:

"Como já havia sido referido, desde o início da operação da A... que a mesma se encontrava a receber uma compensação por parte da B... a qual visava compensar perdas realizadas pela atividade de pintura da E..., entidade à qual a A... subcontratava os serviços de pintura das peças fornecidas à B... .

Aquando do início da operação os preços acordados com a B... em relação ao fornecimento e pintura revelaram-se insuficientes para suportar os custos de operação da E... pelo que as condições comerciais foram revistas, e traduziram-se num aumento de valor da referida peça. Estas compensações eram recebidas da B... pela A..., e posteriormente passadas para a E....

Assim, o mecanismo operado pela B... para pagar esta compensação foi o de aumentar o valor unitário da peça ..., a qual passou de um preço unitário de 1.75€(...), para o preço unitário de 94,85€.

Importa salientar que embora no decorrer de 2008 o código da peça tenha sido alterado para..., a peça em si é a mesma.

(...) os três primeiros caracteres "1QO" dizem respeito ao modelo de carro em que a peça vai ser aplicada, neste caso, o ... . (...)

Junto enviamos fatura (...) do fornecedor (F... Ibéria) a que a A... adquiria a peça em questão, onde se comprova que o preço de aquisição da A... é de 1,69€, pelo que se comprova que não seria razoável que o preço subsequente de venda para a B... fosse de 94,85€. Só assim é porque o preço visava compensar os custos incorridos pela E... com a pintura da peça."

Adicionalmente a estes esclarecimentos foram solicitadas cópias das faturas das prestações de serviços da E... à A... de junho de 2009, cópias da ficha do produto..., constante das autofaturas da B..., e em relação ao qual terão sido pagas à A... as quantias posteriormente transferidas para a E... (de acordo com o referido pelo sujeito passivo), e faturas de aquisição da referida peça ao fornecedor da A... .

Posteriormente, o sujeito passivo veio apresentar um documento emitido pela G..., datado de 19,12,07, com efeitos a 29.01.08, relativamente ao fornecedor F... Portugal S.A., no qual consta que se encontrava estabelecido inicialmente um preço de compra (unid:100), para a peça..., de € 160,44 alterado para € 9.485,00.

O documento redigido em alemão e traduzido verbalmente pelo sujeito passivo em reunião posterior menciona "execução de apoio financeiro para a E... sobre esta peça".

O documento não se encontra assinado, e em rodapé, é identificado como "form M 4s- 06.02 PDF- G...".

Da leitura atenta da documentação apresentada pelo sujeito passivo, incluindo a conta de terceiros da E..., ressalta o seguinte:

Relativamente às prestações de serviços realizadas pela E... à A...:

  • A A... declarou no anexo P da IES de 2008 ter adquirido à E... € 7.789.884,00 com IVA incluído;
  • A E... faturou em 2008 peia prestação de serviços de pintura à A..., € 2.456.443.09 (€2.958.749,99 c/ IVA incluído);
  • A E... faturou em 2003 à A... a título de Share Services (aluguer instalações, máquinas, pessoal, energia entre outros) € 235.940.21 sem IVA;
  • A E... faturou em 2008 à A... a título de "Share of additional costs" o montante de € 4.059.371:83 sem IVA;
  • A E... nunca faturou à A... os "Share of additional costs" como uma prestação de serviços pela pintura de componentes automóveis, não tendo nunca identificado quaisquer prestações de serviços nessas faturas.
  • A faturação dos " share of additional costs" é superior em 65% à faturação da prestação de serviços de pintura;

 

Relativamente aos preços atribuídos à peça identificada:

  • O código 1QO identifica o modelo...;
  • «A peça (...) referida nas autofaturas da B... não consta das faturas de prestação de serviços emitidas pela E..., tendo a A... admitido que esta peça embora pertença ao modelo ... não é sujeita ao processo de pintura;
  • O preço unitário dos "Share of additional costs' constante das faturas emitidas pela E... à A..., foi de € 94,85;
  • O preço unitário da peça ... faturado pela A... à B... foi de € 96.4555;
  • O preço de aquisição da peça pela A... à D... Ibérica foi de € 1,6888 em 2008 e € 1,6252 em 2009;
  • A diferença entre o preço de venda da peça à B... pela A... e o preço debitado pela E... à A... é de €1,6055 (96,4555 - 94,85), preço este inferior ao preço de compra em €0,0833, ressaltando daqui que de acordo com as afirmações do sujeito passivo, a A... obteria um prejuízo com a venda da peça, (Em 2008, a título de exemplo, o prejuízo seria de € 3,604,39).

 

  • Da comparação entre os valores faturados à B... e os valores debitados pela E...:
  • O número de viaturas expresso nos extratos de conta da B... é muito próximo das quantidades identificadas nas faturas de "share of additional costs" emitidas pela E... à A..., e encontram-se relacionados com o número de viaturas ...produzidas pela B...;
  • O valor faturado pela A... à B... (em regime de autofacturação) da referida peça, no ano de 2008 foi de €4.155.032,84;
  • O valor faturado pela E... em 2008 à A... a título de 'Share of additional costs" foi de € 4.059.371,83;
  • No entanto, o documento emitido pela G..., a mencionar a "execução de apoio financeiro para a E... sobre esta peça"(peça...), apesar de referir a E..., não refere no entanto que esse montante deve ser entregue à  E... pela quantia unitária de €94,85,

 

Face aos esclarecimentos e documentos apresentados pelo sujeito passivo, de forma a justificar os custos suportados com as faturas emitidas pela E..., a título de "share of additional costs", a AT profere as seguintes considerações:

1. Veio o sujeito passivo invocar tratar-se de uma mera compensação financeira atribuída pela B... à E..., perante a qual a A... apenas serviu de veículo face à inexistência de relações comerciais diretas entre essas duas entidades. A ser real, tal acontecimento não deveria nunca afetar as contas de resultados da A..., tratando-se então de urna liberalidade e tratada contabilística e fiscalmente como tal, nas correspondentes contas de terceiros ou de balanço, sem qualquer influência no apuramento do resultado líquido do exercício, e, consequentemente do seu resultado fiscal.

2. Para justificar os factos invocados, o sujeito passivo apresentou um "contrato" de alteração do preço de uma peça que a A... comprava à detentora do seu capital social (F... Ibérica SL), incorporava no produto que vende à B..., sem que a mesma seja sujeita ao processo de pintura subcontratado à E..., e vendia à B..., justificando que a alteração do preço dessa mesma peça "visava compensar perdas realizadas pela atividade de pintura da E...".

Afirma ainda o sujeito passivo que "Aquando do início da operação os preços acordados com a B... a em relação ao fornecimento e pintura revelaram-se insuficientes para suportar os custos de operação da E..., pelo que as condições comerciais foram revistas, e traduziram-se num aumento de valor da referida peça." Sendo assim, tratando-se de uma renegociação dos preços anteriormente acordados relativos à pintura, o normal seria alterar os preços das peças sujeitas a pintura e não alterar o preço de uma peça que não é sujeita a tal processo. Pelo que, as justificações do sujeito passivo não se mostram coerentes a este nível.

3. Resulta ainda, dos dados e preços apresentados pelo sujeito passivo relativamente à peça em questão, que a ser coimo diz, a A... incorreu em prejuízos com a operação descrita, tal como anteriormente quantificado, situação que não abona a seu favor.

4. Da análise das faturas emitidas pela E... e documentos de suporte apresentados pelo sujeito passivo, verifica-se que o valor de "share additional costs" se baseia na atribuição de um preço unitário de € 94,85 relativamente a quantidades de uma peça que não foi vendida pela E... ao sujeito passivo nem sobre a qual foi prestado qualquer serviço de pintura por parte da E... .

Face ao todo exposto, conclui-se que apesar das justificações e documentos apresentados pelo sujeito passivo, não foi possível à AT, atribuir e identificar uma relação direta e causal entre o preço atribuído à peça ... vendida pela A... à B... e os gastos faturados pela E... à A... a título de "share of additional costs", não sendo possível concluir da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos sujeitos a imposto.

Nesse sentido, o montante de €4.059.371,83 registado pelo sujeito passivo como custo do exercício deverá ser acrescido ao resultado fiscal de 2008, nos termos do princípio subjacente ao artigo 23º do CIRC, de acordo com o qual, (em vigor à data)

"Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora".

 

(...)

 

III.1.2. EXERCÍCIO 2009

III.1.2.1. CUSTOS FISCALMENTE NÃO ACEITES - SHARE OF ADDITIONAL COSTS

Em 2009, o sujeito passivo reconheceu na conta SAP 607020 (POC 621) - "Trabalhos exteriores e montagens" o montante de € 1.681,121,40, cujos documentos de suporte correspondem a faturas emitidas pela sociedade "E..., SA." NIF ... (prestadora dos serviços de pintura à A...), com o descritivo "share of additional costs", conforme quadro seguinte.

Os custos suportados pelo sujeito passivo a título de "share of additional costs" têm a mesma natureza dos suportados em 2008, e cuja análise foi efetuada no ponto III.1.1.1 deste relatório, pelo que mantendo-se os mesmos pressupostos, não se encontrando justificada a sua indispensabilidade, o montante de € 1.681.121,40 registado pelo sujeito passivo como custo do exercício deverá ser acrescido ao resultado fiscal declarado em 2009, nos termos do princípio subjacente ao artigo 23º do CIRC.

 

III.1.3. PERÍODO DE 2010

III.1.3.1. GASTOS FISCALMENTE NÃO ACEITES -SHARE OF ADDITIONAL COSTS

No período de 2010, o sujeito passivo reconheceu na conta na conta SAP 607020 (SNC 621) - "Trabalhos exteriores e montagens" o montante de €2.177.756,00, cujos documentos de suporte correspondem a faturas emitidas pela sociedade "E..., SA." NIF ... (prestadora dos serviços de pintura à A...), com O descritivo "share of additional costs", conforme quadro seguinte:

Os gastos suportados pelo sujeito passivo a título de "share of additional costs" em 2010 têm a mesma natureza dos suportados em 2008 e 2009, e cuja análise foi efetuada no ponto III.1.1.1 deste relatório, pelo que mantendo-se os mesmos pressupostos, não se encontrando justificada a sua indispensabilidade o montante de €2.177.756,00 registado pelo sujeito passivo como gasto do período deverá ser acrescido ao resultado fiscal declarado em 2010, nos termos do principio subjacente ao artigo 23º do C IRC.

 

  1. Na sequência da inspecção, a Requerente foi notificada das liquidações de IRC n.ºs 2018... e 2018... relativas aos exercícios de 2009 e 2010, da liquidação de juros moratórios n.º 2018... e acertos de contas n.º 2018..., de 09-07-2018, relativa ao período de tributação de 2009 e n.º 2018..., de 10-07-2018, relativa ao período de tributação de 2010 (documentos 1, 2 e 3, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  2. Nos períodos abrangidos pela inspecção tributária, a actividade da Requerente compreendia a produção de peças, montagem e entrega de vários componentes para integrar na produção de veículos da B...;
  3. Os modelos para os quais a Requerente se encontrava a fornecer componentes eram, essencialmente, o ..., o ... e o ...:
  4. Várias das peças utilizadas para a montagem dos componentes eram sujeitas a um procedimento de pintura, cujo serviço era subcontratado à entidade E...;
  5. Para a B..., a Requerente era considerada como fornecedor de nível 1 («Tear one››) e a E... era considerada como fornecedor de nível 2 («Tear two»);
  6. Por questões organizacionais e estruturais da B..., esta estabelece relações comerciais diretas apenas com fornecedores de nível 1;
  7. No âmbito dessa organização estrutural da B..., todas as operações relacionadas com serviços de pintura e com a E... necessariamente passavam previamente pela esfera da Requerente;
  8. A E... foi criada através de uma joint-venture entre a D... Ibérica e a sociedade H... S.A., sendo detida por ambas as entidades até meados de 2009;
  9. A razão para a criação da E... surgiu por necessidades específicas de pintura por parte da B... (essencialmente pelo início da produção do modelo ...), tendo esta joint-venture sido criada com o objetivo de dividir o esforço financeiro necessário para o investimento numa nova linha de pintura;
  10. Os preços previamente negociados entre a B... e a D... Ibérica para a produção e pintura dos componentes foram baseados em determinados volumes estimados de produção, volumes esses que nunca foram atingidos pela B...;
  11. A crise financeira que ocorreu nos anos de 2008 a 2010 afectou fortemente a indústria automóvel mundial, com a redução acentuada dos volumes estimados de produção, os custos fixos incorridos por parte da E... nos serviços de pintura começaram a ser incomportáveis, tendo a atividade da mesma gerado prejuízos ao longo de vários anos consecutivos;
  12. Durante o ano de 2007 os acionistas da E..., D... Ibérica [tendo o Grupo F... feito representar-se pela F... GmbH] e a H..., S.A., comunicaram estas dificuldades financeiras ao Grupo C..., solicitando uma revisão do preço acordado para os serviços de pintura (Documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  13. Em 28-09-2007, o Grupo C... acordou em efectuar um ajustamento ao preço do serviço de pintura no valor de € 94,85 por cada carro do modelo ... produzido (Documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  14. O referido ajustamento de preço efectuado pela B... consta igualmente de acta do Conselho de Administração da E..., datada de 21-11-2007, em que se refere
  1. existiu um aumento de preço das peças fornecidas à B... para € 94,85;
  2. a H... e F... (antiga denominação da Requerente, conforme se vê pela certidão permanente junta como documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) irão transferir o montante de € 450.000,00 após receberem comunicação da B... (Documento n.º 9).
  1. Após o acordo sobre o ajustamento ao preço do serviço de pintura, a B... passou a pagar mais € 94,85 à Requerente por cada carro modelo ... produzido.
  2. Tal aumento de preço efectuado na forma de comunicação (e não de assinatura de um “Acordo Promessa”) teve em vista apenas a não vinculação a uma obrigação legal, pretendendo a B... garantir a possibilidade de revogar esta situação a todo o tempo, o que no âmbito de um contrato seria mais difícil;
  3. Uma vez que o valor referido era um ajustamento ao preço do serviço de pintura, a E... faturava mensalmente este montante à Requerente, tendo por base o relatório mensal emitido pela B... sobre o número total de carros modelo ... produzidos;
  4. Os montantes que eram facturados pela E... à Requerente eram facturados pela Requerente à B... (através de autofacturação efectuada por esta), atenta a relação comercial estabelecida entre a Requerente e esta última e que obriga a que a Requerente seja intermediária nestas operações, dado que a B... como já referido apenas factura a fornecedores de Nível 1;
  5. Uma vez que a B... passou a pagar mais € 94,85 à Requerente por cada carro modelo ... produzido e que tal aumento era fixado no modelo ..., a Requerente selecionou uma peça do referido automóvel para explicar à AT como foi realizada a facturação, quer por parte da B..., quer por parte da E...;
  6. A peça em causa tinha a designação..., sendo escolhida por ser uma peça que existe em todos os veículos e apenas existe uma em cada veículo;
  7. A razão pela qual foi selecionada a peça referida para realizar o ajustamento ao montante pago a título de serviços prestados pela E... prende-se com o facto de o Grupo C... ter estipulado que este ajustamento seria feito com base em cada carro de modelo ... produzido;
  8. Por força das tintas usadas no procedimento de pintura terem preços distintos [em que naturalmente, as cores mais utilizadas têm preços mais baixo por motivos de volume de compras], existem diferentes preços para os componentes fornecidos pela Requerente, dependendo da cor de cada um;
  9. Foi, assim, necessário identificar uma peça, independentemente da mesma ser sujeita ao processo de pintura, que fosse única em cada carro de modelo ... produzido e cujo preço não variasse de carro para carro, funcionando assim como elemento de contagem, sendo que foi a B... que escolheu a peça e que decidiu como se iria processar este aumento no preço dos serviços prestados pela E...;
  10. A escolha da peça surgiu por razões de simplicidade, pois cada carro ... que incluiu aquela peça, incluiu também o serviço de pintura por parte da E...;
  11. Nos anos de 2009 e 2010 foram emitidas as facturas indicadas nos documentos n.ºs 10 a 17 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, que foram registadas como proveitos na contabilidade da Requerente;
  12.  Os «share additional costs» debitados pela E... à Requerente constam dos quadros que seguem: (documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

 

  1. Em 08-08-2018, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo.

As testemunhas inquiridas confirmaram os factos referidos pela Requerente na inspecção tributária que se referiram no Relatório, quanto à natureza e justificação dos «share additional costs».

Todas as testemunhas aparentaram depor com isenção e mostraram todas ter conhecimento dos factos dos autos, por terem ligações profissionais à Requerente e à B... .

 

3. Matéria de direito

 

Foi realizada uma inspecção tributária à Requerente, em que, além do mais, foram efectuadas correcções à matéria tributável dos exercícios de 2009 e 2010, relativamente a gastos registados pela Requerente como “Share of additional costs”, nos montantes, respectivamente, de € 1.681.121,40 e de € 2.177.756,00.

As correcções referidas basearam-se no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que não foi possível «atribuir e identificar uma relação direta e causal entre o preço atribuído à peça ... vendida pela A... à B... e os gastos faturados pela E... à A... a título de "share of additional costs", não sendo possível concluir da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos sujeitos a imposto».

Com este pressuposto, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que aquelas despesas facturadas como "share of additional costs» não satisfazem o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, na redacção vigente em 2009 ( [1] ) estabelecia que «consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» e na redacção vigente em 2010 ( [2] ) estabelecia que «consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».

A prova produzida corroborou a factualidade descrita pela Requerente de que, apesar da denominação de "share of additional costs», se estava perante um aumento de custos da pintura de veículos decidido pela B... a pagar por cada veículo (no valor de € 94,85), aumento esse justificado pelo facto de o número de veículos produzidos ter ficado muito aquém das previsões em que se baseou o acordo inicial, devido à diminuição do volume de vendas que foi consequência da crise económica.

A prova produzida esclareceu que foi apenas por razões de ordem prática, para facilitar a determinação do montante a pagar em função do número de veículos, que foi escolhida pela B... uma determinada peça, única em cada veículo, igual em todos e existente em todos os veículos, com uma única referência identificadora, para incluir o aumento de custo da pintura por veículo que a B... aceitou pagar, em face dos prejuízos que a E... estava a suportar por a quantidade de veículos produzidos ser inferior à prevista inicialmente. Essa peça em que era reflectido o aumento do custo da pintura por veículo acordado pela B... nem era pintada, pois para cada peça pintada havia cerca de 20 cores, com referências identificadoras distintas.

Assim, a Requerente suportava esse aumento € 94,85 do custo da pintura, pagando-o à subcontratada E..., e, por sua vez, esse aumento de custo era incluído nas facturas das vendas da Requerente à B... .

Na análise da situação no âmbito da Requerente, é forçoso concluir que os gastos referidos eram indispensáveis para a obtenção dos proveitos ou rendimentos, pois era precisamente por efectuar os pagamentos à E... que a Requerente podia, depois, ver incluído esse aumento de custos na faturação das vendas da Requerente à B... .

Mesmo que se considerasse que aquelas quantias facturadas como "share of additional costs" se reconduziam a um financiamento efectuado pela B... à E..., seria no âmbito daquela empresa que se poderia colocar a questão da indispensabilidade dos pagamentos que acordou.

Mas, na esfera jurídica da Requerente, que se limitava a pagar à E... esse aumento de custo da pintura por veículo (a título de "share of additional costs" ) e a receber da B... precisamente o que pagara, é manifesto que suportar este custo era para a Requerente indispensável para a obtenção dos proveitos ou rendimentos que constituíam os pagamentos que lhe eram efectuados pela B..., pois esta só pagava esse aumento de custo porque anteriormente a Requerente o pagara à E... .

Assim, tem de se concluir que a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira, ao entender que os pagamentos efectuados pela Requerente a título de "share of additional costs" não eram indispensáveis «para a obtenção dos proveitos sujeitos a imposto», assenta num erro sobre os pressupostos de facto, que justifica a anulação das correcções efectuadas e das liquidações que as aplicaram, de harmonia com o preceituado no artigo 135.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 1991, vigente em 2009/2010, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

A liquidação de juros de mora e os acertos de contas têm por pressupostos as correcções e liquidações referidas, pelo que enfermam do mesmo vício, justificando-se também a sua anulação.

 

 

4. Questões de conhecimento prejudicado

 

Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento no erro referido, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente aos actos impugnados [artigos 130.º e 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

 

 

5. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular as correcções à matéria tributável da Requerente nos valores de € 1.681.121,40, referente ao ano de 2009, e de € 2.177.756,00, referente ao ano de 2010, e as liquidações que as aplicaram, com os n.ºs 2018... e 2018... relativas aos exercícios de 2009 e 2010, respectivamente, bem como a liquidação de juros moratórios n.º 2018... e os acertos de contas n.º 2018..., de 09-07-2018, relativos ao período de tributação de 2009, e n.º 2018..., de 10-07-2018, relativo ao período de tributação de 2010.

 

 

6. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 3.858 877,40.

 

7. Custas

            Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 48.960,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

           

Lisboa, 30-01-2019

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Pedro Miguel Bastos Rosado)
 

 

(Cristina Aragão Seia)

 



[1] Resultante da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Janeiro.

[2] Resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.