Decisão Arbitral
A Árbitro Dra. Filipa Barros (árbitro singular), designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 16 de Outubro de 2018, acorda no seguinte:
I. RELATÓRIO
A sociedade A..., LDA., pessoa coletiva n.º..., com sede social em ..., n.º...-... ..., (doravante Requerente), vem, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante referido por “RJAT”[1], requerer a constituição de Tribunal Arbitral para pronúncia sobre a ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários referentes às liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.ºs 2018..., 2018..., 2018... respeitantes aos períodos de Janeiro, Fevereiro, Abril, Maio e Junho de 2014, no valor global de €24.301,70, e de juros compensatórios referentes aos períodos de Abril e Maio de 2014, no valor global de €1.989,38.
Para fundamentar o seu pedido, a Requerente começa por reiterar a legitimidade no exercício do direito à dedução do imposto por si suportado no âmbito da compra de madeiras a um dos seus fornecedores, a empresa B... Soc. Unipessoal, Lda. (doravante B..., Lda.), por se encontrarem reunidos todos os pressupostos legais para o efeito.
Defende assim, que as facturas emitidas pela B... Lda. à Requerente, titulam verdadeiras operações económicas, que deram lugar à posterior entrega de madeira junto dos clientes da Requerente, factos aliás comprovados pelos Serviços de Inspeção Tributária (doravante SIT), no respetivo relatório de inspeção (doravante RIT).
A Requerente explica que segundo a prática do sector, os pequenos fornecedores de madeira preferem realizar os seus fornecimentos por intermédio de fornecedores maiores (como é o caso da Requerente) de modo a poderem beneficiar reflexamente dos bónus de quantidades atribuídos pelos grandes clientes, no caso empresas produtoras de celulose, dando assim, entrada das suas mercadorias (madeiras) diretamente no parque das produtoras de celulose, ainda que em nome da Requerente.
Por seu turno, com base na comprovação documental junto da Requerente de que determinada quantidade de madeira foi entregue no parque da empresa de celulose, por via de documento emitido pelo parque e entregue ao fornecedor, a Requerente procede ao pagamento daquele fornecimento de madeira realizado em seu nome, tendo tal ocorrido no caso das facturas emitidas pela empresa B... Lda. à ora Requerente.
Donde resulta que fornecedores de dimensão inferior à Requerente, como a B... Lda., apesar de não venderem madeira diretamente às empresas de celulose, entregam-na nas respetivas instalações, em nome dos compradores de maior envergadura, por indicação destes, beneficiando de prazos de pagamento mais curtos e de bónus de quantidade atribuídos pelos produtores de celulose, os quais são posteriormente repartidos pela Requerente com os seus fornecedores.
Assim, a Requerente entende estar devidamente comprovado através de registos do sistema bancário que pagou toda a madeira facturada pelo seu fornecedor B... Lda., embora os documentos de entrega da madeira fornecida pela B... Lda. no parque tenham sido emitidos em nome da Requerente (não em nome do fornecedor efetivo) como é prática no sector e pelos motivos supra explicitados.
Em suma, os fornecimentos de madeira aqui colocados em crise tiveram lugar, foram realizados pela B... Lda. diretamente aos clientes da Requerente, em nome desta, que por sua vez facturou aos seus clientes, juntamente com outros fornecimentos, tendo recebido o respetivo preço, razão pela qual a AT não fez qualquer correção para menos em sede de IRC.
A Requerente conclui referindo que não se encontram reunidos os pressupostos da simulação constantes do n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA, e que a as conclusões alcançadas pela AT, são assentes em meras suspeitas, não fundamentadas da falta de veracidade das operações de entrega de madeira à Requerente pelo fornecedor B... Lda., ónus da prova que impendia sobre AT, e não sobre a Requerente, nos termos do artigo 74.º da LGT.
No dia 6 de Agosto de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.
A Requerente não procedeu à nomeação de Árbitro.
Assim, nos termos e para os efeitos do disposto do nº 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foi designado árbitro do Tribunal Arbitral Singular a signatária, que comunicou, ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4.º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.
Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído a 16 de Outubro de 2018, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Para tanto, invoca a existência de fortes indícios de que as facturas identificadas no RIT emitidas pela empresa B... Lda., relativas a fornecimentos de madeira, realizados à Requerente, sejam falsas por falsa identidade dos sujeitos transmitentes dos bens/prestadores dos serviços.
A AT considera ter reunido indícios bastantes de que os emitentes das facturas não teriam correspondência com o verdadeiro transmitente dos bens/prestador dos serviços, cabendo à Requerente demonstrar a veracidade das operações objetivamente consideradas.
Por conseguinte, segundo a AT encontram-se reunidos no RIT elementos suficientes que permitem por em causa a veracidade das transações tituladas pelas facturas emitidas em nome da B... Lda. para a Requerente, estribando-se, essencialmente nos seguintes elementos:
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Ausência de contrato escrito com o fornecedor B... Lda. sendo os contactos comerciais estabelecidos com “C...”, provavelmente cidadão brasileiro;
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As facturas da B... Lda. foram emitidas sem respeitar uma sequência cronológica e no campo relativo à descrição dos bens e serviços transmitidos é feita unicamente referencia a “eucalipto com ou sem casca”;
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As facturas apresentam um descritivo insuficiente, não mencionando o lugar, a data, hora da carga e descarga nem a viatura que efetuou o transporte;
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As Guias de Entrada em Parque (doravante GEP) apresentadas pela D... Lda. são referentes a entradas de madeira na fábrica do seu cliente E..., sendo em todas indicado como único fornecedor de madeira a D... Lda. e jamais sendo feita referência a qualquer outro fornecedor ou sujeito passivo;
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Assim, as GEP disponibilizadas aos SIT pela Requerente não comprovam as operações tituladas pelas facturas emitidas em nome da B... Lda.;
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De igual forma, nos documentos de transporte e nas guias de remessa apresentados são identificados como fornecedores de madeira a empresa D... Lda., não tendo sido exibidos documentos com referências feitas a qualquer outro fornecedor;
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Da análise dos elementos financeiros verificou-se que os cheques bancários emitidos pela D... Lda., metade foram emitidos até ao mês de Março com o valor acumulado de €47.370,08, em nome de C... e não em nome da B... Lda, tendo assim a Requerente emitido cheques não só em nome do emitente das facturas, mas também em nome do seu sócio gerente.
Assim, a AT defende que deverá ser dado como assente para efeitos de probatório a factualidade descrita no RIT junto aos autos, e que desconsiderada a presunção de veracidade das faturas, por existirem (manifestos no seu entendimento) indícios de que os sujeitos passivos emitentes das facturas não transmitiram aqueles bens/prestaram aqueles serviços, cabia à Requerente demonstrar que as operações eram verdadeiras, demonstração que diz a AT, não logrou fazer, nem em sede de procedimento, nem em sede dos presentes autos arbitrais.
Conclui pela manutenção dos atos tributários de liquidação impugnados, devendo, em conformidade, o Tribunal absolvê-la do pedido.
No dia 3 de Janeiro de 2019, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual teve lugar, além do mais, a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, os Senhores F..., G... e H... (cf. Ata da Reunião do Tribunal Arbitral Singular).
Foram apresentadas alegações escritas pela Requerente, tendo a Requerida optado por não exercer essa faculdade.
Nas alegações apresentadas a Requerente reiterou no essencial a posição defendida nos respetivos articulados.
II. SANEAMENTO DO PROCESSO
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º n.º 1, alínea a), 5.º e 6º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
III. FUNDAMENTAÇÃO
1. Factos dados como provados
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos no âmbito do processo administrativo, o pedido de pronúncia arbitral, na prova testemunhal e na resposta apresentada pela AT, nos termos seguidamente indicados.
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A Requerente é uma empresa que se dedica ao “Comércio por grosso de madeira bruto e produtos derivados”, estando inscrita no regime normal mensal de IVA (cfr. RIT junto pela Requerida aos autos e que se dá como integralmente reproduzido);
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No exercício de 2014 as atividades comerciais da Requerente consistiram na venda de madeira e a título acessório nas prestações de serviços de transporte de mercadorias, carga e descarga de madeira (cfr. RIT junto pela Requerida aos autos e que se dá como integralmente reproduzido);
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A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção externa realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., a qual deu origem às liquidações adicionais de IVA impugnadas nos autos (cfr. RIT junto pela Requerida aos autos que se dá como integralmente reproduzido);
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Na sequência dessa ação de inspeção a AT procedeu à liquidação do IVA correspondente ao período de Janeiro a Junho de 2014, no valor global de € 24.301,70 e de juros compensatórios no montante global de €9.327,69, relativos aos períodos de Abril e Maio desse ano (cfr. documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral).
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A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações adicionais de IVA e dos respetivos juros compensatórios (cfr. docs. n.ºs 2 a 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral);
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A madeira transmitida teve duas origens distintas, uma parte (mais residual) foi comprada diretamente pela Requerente a produtores, geralmente árvores em pé e, a restante, foi adquirida a outros sujeitos passivos, pequenos fornecedores de madeira (cfr. RIT a fls. 10, junto aos autos e que se dá por integralmente reproduzido, bem como depoimento da testemunha H...);
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Quando a madeira foi adquirida a outros sujeitos passivos, todas as operações (aquisição, corte e transporte de mercadorias) eram da responsabilidade do fornecedor (cfr. RIT a fls. 10, junto aos autos, que se dá por integralmente reproduzido, e depoimento das testemunhas F... e H...);
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Os fornecedores da Requerente entregavam diretamente a madeira nas instalações dos clientes da Requerente (I... S.A. e E...). Nestes casos, regra geral, o transporte era realizado por conta do fornecedor da Requerente (cfr. RIT a fls. 10 junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido);
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As entregas de madeira efetuadas pela D... Lda. nas instalações dos seus clientes eram documentadas com guias de transporte /...pré-impressas em seu nome que lhe eram previamente entregues pelos seus clientes. Estes documentos eram preenchidos na data da entrega da madeira (cfr. RIT a fls. 10 junto pela Requerida nos autos, que se dá como integralmente reproduzido e depoimento da testemunha H...);
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Além disso, quando a madeira dava entrada nas instalações dos seus clientes, era gerada uma guia de entrada em parque (GEP) com a data da entrega, identificação da viatura de transporte e o peso líquido da mercadoria (cfr. RIT a fls. 10 junto pela Requerida aos autos, que se dá como integralmente reproduzido e depoimento das testemunhas F... e H...);
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As GEP serviam de documento comprovativo da entrega da madeira nas instalações do cliente da Requerente e eram emitidas em nome da D... Lda. não fazendo referência a qualquer outro fornecedor, sendo este o procedimento normal (cfr. RIT a fls. 10 e 13 junto pela Requerida aos autos, que se dá como integralmente reproduzido e depoimento das testemunhas F... e H...);
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Questionado pelo Tribunal Arbitral sobre aspetos relativos à relação comercial existente com a Requerente, no âmbito da venda de madeiras, o Senhor F... referiu, com relevância para os autos, o seguinte:
“Sou comerciante de madeira, trabalho há mais de 15 anos com a A..., vendo madeira posta nas fábricas, não entrego a madeira diretamente à A... (...) esta empresa tem capacidade financeira e nós somos pequeninos na questão monetária, a A... tem um contrato com as fábricas em que recebe um preço mais um bónus de quantidade, então eu coloco a madeira em nome da A... e recebo um bocadinho desse bónus (...) e recebo todas as semanas enquanto as fábricas só pagam ao mês.”
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Questionado pelo Tribunal quanto aos fornecimentos de madeira realizados pela B... Lda. à Requerente, esclarece a testemunha H..., com relevância para os autos, o seguinte:
“Este fornecedor era um entre muitos outros fornecedores, eu entregava-lhe as guias relativas ao meu contrato de fornecimento na fábrica, e este fornecedor coloca a madeira no meu contrato, em nome da A..., na fábrica era facultado um talão de descarga da madeira (...) ele juntava vários talões de descarga e vinha ao escritório de 15 em 15 dias receber.
Ele fazia as entregas na E... (em Espanha), trazia os talões e com base nos talões era feita a faturação e pagamento destes fornecimentos. (...)
Nas guias estava a proveniência da madeira, a pessoa que transportava a madeira e a quantidade.(...)
Nestes casos, para a fábrica a empresa fornecedora não é a B... Lda., é a A... (...) Das guias também consta a empresa transportadora, para que o transportador tivesse autorização de entrar nas instalações da fábrica; (...)
A B... Lda., deixou de trabalhar para nós em 2015, porque comecei a trabalhar com a J... e já não tinha preço. (...)
Na madeira que entrou cá nos parques em Portugal há guias da empresa B... Lda., mas 98% dos fornecimentos desta empresa eram para Espanha, e nesse caso não é minha responsabilidade controlar as guias de transporte, aqui havia o talão da fábrica com o nome do transportador, e a guia da E..., em nome da A..., mas se resto, nestes fornecimentos, eu tenho não controlo sob o documento de transporte para a polícia.”
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Questionado pelo Tribunal quanto ao tipo de contrato existente com os fornecedores de madeira, esclarece a testemunha H..., com relevância para os autos, o seguinte:
“Com os fornecedores de madeira não existe contrato escrito, só com os clientes. (...);
Há um acordo, que é o seguinte: Qual é o preço da madeira posta em fábrica, e se houver um fornecedor que pague mais 50 cêntimos que nós eles colocam a madeira nesse fornecedor, é muito simples.(...)
Os meus contactos foram sempre com o C... e nunca com o K..., só fiquei a saber deste nome através do inspetor das finanças do processo, mas nunca me vendeu madeira.(...) ”.
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A ação inspetiva em causa nos autos surge na sequência de comunicações efetuadas pela Direção de Finanças de ... após identificação da Requerente como cliente da empresa B... Lda., relativamente à qual a Requerida identificou como se tratando de emitente de facturas falsas (cfr. RIT a fls. 10 junto pela Requerida aos autos, que se dá por integralmente reproduzido);
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A empresa B... Lda., foi constituída em 01 de janeiro de 2013 tendo iniciado a sua atividade, em sede de IVA em, 30 de janeiro de 2013 pelo CAE 046731 - "comércio por grosso madeira bruto e produtos derivados" e cessou em 31 de dezembro de 2014 (cfr. RIT a fls. 11 junto pela Requerida aos autos, que se dá por integralmente reproduzido);
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O valor constante das facturas emitidas em nome da empresa fornecedora B... Lda., é coincidente com o valor declarado pela Requerente no seu anexo de fornecedores — anexo P (cfr. RIT a fls. 11 junto pela Requerida aos autos, que se dá por integralmente reproduzido);
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Em todas as facturas do fornecedor em causa foi liquidado à Requerente IVA à taxa de 23% (cfr. RIT junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido);
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Os documentos comprovativos da entrada de madeira nas instalações dos clientes da Requerente não fazem referência a qualquer outro fornecedor que não a própria Requerente (cfr. RIT junto pela Requerida aos autos e que se dá como integralmente reproduzido);
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A AT promoveu as correções, em sede de IVA, em causa nos autos com o fundamento de que as operações tituladas nas facturas emitidas pela B... LDA. consubstanciam "operações simuladas" quanto aos intervenientes, pelo que nos termos do n.º3 do artigo 19.º do Código IVA, corrigiu as deduções de imposto efetuadas pela Requerente com base nas facturas emitidas pelo referido fornecedor (cfr. RIT a fls. 35 e 36 junto pela Requerida aos autos e que se dá como integralmente reproduzido);
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Em resposta a um pedido de informações solicitado pela AT no decurso da ação de inspeção, a Requerente prestou os seguintes esclarecimentos com relação à B... Lda.:
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Inexistência de contratos escritos com este ou com qualquer outro dos seus fornecedores de madeira;
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Os contactos comerciais no que se refere à empresa B... Lda. foram feitos por "Normalmente C... (provavelmente cidadão brasileiro)”;
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As facturas eram emitidas em nome da B... Lda., e os cheques para pagamento eram entregues “Normalmente C... e “1 ou 2 vezes outro senhor, cujo nome sem certezas seria L...”, (cfr. RIT a fls 10 e 11 junto pela Requerida aos autos que se dá como integralmente reproduzido).
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Os documentos de transporte apresentados pela Requerente são reduzidos face ao valor total das aquisições de madeira, tendo sido igualmente detectadas pela AT algumas divergências relacionadas com as quantidades transmitidas, data de emissão das guias de transporte e as constantes no mapa resumo das facturas. (cfr. RIT, designadamente a fls. 18 a 23, junto pela Requerida aos autos e que se dá como integralmente reproduzido);
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Em todas as GEP emitidas pelos clientes da Requerente é referido como único fornecedor de bens a própria Requerente (cfr. RIT junto pela Requerida aos autos e que se dá como integralmente reproduzido);
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A Requerente efetuava o pagamento aos seus fornecedores preferencialmente através de cheques bancários de contas de empresa, situação que se verificou até ao final de 2014 (cfr. RIT junto pela Requerida aos autos e que se dá como integralmente reproduzido);
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A partir de 2015, altura em que o Banco começou a cobrar cerca de €60,00 por cheque, a Requerente passou a realizar todos os pagamentos através de transferência bancária, no entanto, nesta fase, a B... Lda. já não trabalhava com a Requerente (cfr. depoimento da testemunha H...);
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Uma vez que nas GEP e nos mapas resumo das facturas consta a matrícula das viaturas que efetuaram o transporte de mercadorias, a partir dos elementos provenientes do sistema informático da AT foi possível verificar e identificar o nome dos proprietários das viaturas que efetuaram o transporte das mercadorias fornecidas pela empresa B... Lda. à Requerente, sendo estas, empresas de transporte de mercadorias (cfr. RIT a fls. 23 e 24 junto pela Requerida aos autos e que se dá como integralmente reproduzido);
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As empresas de transportes em causa, através de vários depoimentos recolhidos pela Requerida junto dos seus responsáveis, identificaram nalguns casos o fornecedor das mercadorias B... Lda. como sendo seu cliente e noutros casos empresas terceiras a quem foram facturados esses serviços de transporte de madeiras, por pedidos que receberam no sentido de que tais serviços fossem facturados a diversas empresas. (cfr. RIT junto pela Requerida aos autos e que se dá como integralmente reproduzido);
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Na recolha de informação pela Requerida junto das empresas transportadoras apurou-se que os serviços de transporte foram contratados por um tal de Senhor K..., e a faturação destes serviços em muitos casos tê-lo-á sido para empresas relacionadas com este Senhor (cfr. RIT junto pela Requerida aos autos e que se dá como integralmente reproduzido);
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A empresa Transportes M... Lda., terá efetuado a maior parte do transporte das madeiras fornecidas à Requerente pela B... Lda. (cfr. RIT junto pela Requerida aos autos e que se dá como integralmente reproduzido e depoimento da testemunha H...);
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As correções fiscais em causa nos autos resultam da conclusão por parte da Requerida de que um conjunto de facturas emitidas pela empresa B... Lda., “refletem negócio simulado quanto ao fornecedor das mercadorias”, (cfr. RIT junto pela Requerida aos autos e que se dá como integralmente reproduzido).
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Em sede de IRC a Requerida expressamente reconhece que as operações tituladas pelas facturas cujo IVA dedutível se nega nos presentes autos titulam operações “económicas efectivamente ocorridas, sendo que se comprovou que a D... Lda. procedeu à entrega de madeira aos seus clientes que posteriormente faturou” não tendo sido efectuada qualquer correção em sede de IRC (cfr. RIT junto pela Requerida aos autos e que se dá como integralmente reproduzido);
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A venda da madeira aos clientes da Requerente foi por esta facturada (cfr. RIT a fls. 32 junto pela Requerida aos autos que se dá como integralmente reproduzido).
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As operações tituladas pelas facturas emitidas pela B... Lda. foram registadas ao preço das restantes aquisições de madeira (cfr. RIT junto pela Requerida aos autos, que se dá como integralmente reproduzido);
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Foi pedida autorização para aceder às contas bancárias dos administradores da Requerente, o que veio a ocorrer (cfr. RIT junto pela Requerida nos autos, que se dá como integralmente reproduzido);
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A 3 de Agosto de 2018, a Requerente deduziu o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo, (cfr. requerimento electrónico ao CAAD).
2. Factos não provados
Não existem outros factos com relevo para a decisão de mérito dos autos que não se tenham provado.
3. Motivação
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7 do CPPT, a prova documental e testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Os pontos 6 a 12 e 14 dos factos dados como provados, são referentes ao contexto em que se desenvolvem os negócios de compra e venda de madeira da Requerente, e a importância que assumem os fornecedores de menor dimensão como intermediários na angariação de mercadoria que será subsequentemente vendida, em nome da primeira, junto das fábricas de celulose com quem mantém contratos de fornecimento em grande escala. Estes factos clarificam ainda que o princípio subjacente aos contratos celebrados entre a Requerente e as empresas de celulose é de que os ganhos aumentam em função da quantidade de produto fornecido. Por sua vez, tal princípio é replicado junto dos fornecedores da Requerente, que são em grande número, a quem são atribuídos prémios em função das quantidades a esta fornecidas.
Os referidos factos encontram-se em coerência com a prova documental disponível e com a informação constante do RIT emitido pela AT, conforme resulta do processo administrativo junto aos autos.
Os pontos 9 a 11 e 19 e 23 da matéria de facto dizem respeito à documentação que suporta a entrega de madeiras faturadas à Requerente pelos seus fornecedores nas fábricas com quem a Requerente mantém um contrato de fornecimento. A este respeito, considera-se suficientemente clarificado pela conjugação da documentação reunida pelos SIT com a prova testemunhal produzida, que o fornecedor B... Lda., tal como qualquer outro fornecedor de madeira da Requerente, não consta das GEP, uma vez que, os fornecimentos são efectuados em nome da Requerente, sendo de notar que, no período de tributação em causa – ano de 2014 – a documentação em posse da Requerente para demonstrar a efetividade dos fornecimentos de madeira é idêntica em relação a todos os fornecedores, só variando em função do tipo de contrato mantido com o respetivo cliente (E...).
Apesar da ausência de documentos de transporte das madeiras facturadas pela B... Lda. à Requerente, os pontos 29 e 31 a 33, permitem confirmar a entrega das referidas mercadorias na fábrica, em nome da Requerente, através da subcontratação pela B... Lda. de empresas de transporte para o efeito. Sendo este facto indiciador da falta de estrutura da empresa B... Lda., não se considera decisivo para a demonstração de que a Requerente deveria ter conhecimento da ausência de correspondência entre a entidade emitente das facturas (B... Lda.) e o fornecedor das mercadorias transacionadas, pois, por um lado, a figura do outsourcing é genericamente utilizada no domínio empresarial, e por outro, perante a Requerente, a responsabilidade pelo transporte das mercadorias sempre incumbiria ao fornecedor, sendo irrelevante se tal transporte era realizado por meios próprios ou mediante o recurso a empresas de transporte.
Os pontos 24 e 25 revelam que no período de tributação em referência os meios de pagamento utilizados pela Requerente ao fornecedor B... Lda. não divergem dos meios utilizados junto de qualquer outro fornecedor, tendo-se ademais feito prova do pagamento integral de todos os fornecimentos realizados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova documenta ou testemunhal e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
4. Matéria de Direito
4.1. Da questão decidenda
A questão de fundo a decidir nos presentes autos passa por aferir se o IVA das facturas emitidas à Requerente pelo fornecedor B... Lda. no período de tributação referente a 2014, deverá ou não ser passível de dedução, tendo em consideração a alegação da AT da existência de indícios de que os sujeitos passivos emitentes das facturas não transmitiram aqueles bens/prestaram aqueles serviços, correspondendo assim a facturas falsas.
Ora, sendo o IVA um imposto de matriz comunitária, impõe-se tecer algumas considerações prévias relativamente à natureza e amplitude do direito à dedução, considerando nesta análise as regras que regem este imposto de acordo com o Direito da União Europeia, com a respetiva transposição a nível interno e com a interpretação administrativa e judicial que sobre as mesmas tem vindo a ser levada a cabo, especialmente pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).
A este respeito importará analisar a questão da dedutibilidade do IVA, tendo em conta a interpretação do disposto nos artigos 168.º da Diretiva IVA (DIVA) e os artigos 19.º n.º 3 do Código do IVA, concedendo especial atenção ao entendimento do TJUE sobre a dedução do IVA que resulte de operação simulada.
4.3. Do Direito à dedução em situações de fraude
A) Da Jurisprudência do TJUE
Conforme temos vindo a entender em sede de anteriores decisões arbitrais proferidas no CAAD[2], o direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado, exercendo-se imediatamente em relação à totalidade do IVA que incidiu sobre as operações a montante.[3]
Nesta acepção do princípio da neutralidade, o regime instituído pela DIVA permite aos sujeitos passivos deduzir o IVA que tenha onerado as aquisições de bens e serviços destinados à atividade tributada. Note-se, que o TJUE refere-se ao princípio da neutralidade do IVA ainda numa outra acepção, de acordo com a qual o sistema do IVA não deve interferir com as decisões económicas, nem com a formação dos preços ao longo do circuito económico.
Por conseguinte, o mecanismo do direito à dedução permite ao sujeito passivo expurgar do seu encargo o IVA suportado a montante retirando o efeito cumulativo e a tributação em cascata que caracterizavam sistemas anteriores de tributação do consumo.
Assim, o direito à dedução assenta no designado método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtrativo indireto ou ainda método das faturas.
Tal como previsto na DIVA, o Código do IVA determina, como regra geral, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos.
Entrando no domínio do caso em apreço, importa notar que o TJUE vem reiterando que a luta contra a fraude, a evasão fiscal e os eventuais abusos constitui um objetivo reconhecido e incentivado pela DIVA, não podendo os sujeitos passivos, fraudulenta ou abusivamente, aproveitar-se das normas do direito da União.[4]
Cabe, assim, às autoridades nacionais e aos tribunais dos Estados membros recusar o direito à dedução, se se demonstrar, face a elementos objectivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente.[5]
Por conseguinte, pode recusar-se o direito à dedução que tenha sido exercido de forma fraudulenta ou quando o sujeito passivo sabia ou devia saber que participava numa fraude ao IVA (ainda que a operação em causa preencha os critérios objetivos em que se baseiam os conceitos de transmissões de bens efetuadas por um sujeito passivo agindo enquanto tal).
No mesmo sentido, ao confirmar que o direito à dedução, uma vez surgido, subsiste mesmo quando o sujeito passivo não tenha podido, por razões alheias à sua vontade, utilizar os bens ou serviços que deram origem à dedução no âmbito de operações tributáveis, o TJUE ressalva que tal só ocorrerá “na falta de circunstâncias fraudulentas ou abusivas”.[6]
Por outro lado, resulta da jurisprudência do TJUE não ser compatível com o regime do direito à dedução, a recusa desse direito a um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA.[7]
As disposições previstas no artigo 19.º n.ºs 3 e 4, do Código do IVA visam precisamente consagrar o impedimento do direito à dedução que resulte de operações fraudulentas.
Desde logo, tendo presente que só confere direito à dedução o IVA que tenha onerado aquisições de bens e serviços destinados ao exercício da atividade tributada realizada pelo sujeito passivo, necessariamente não confere direito à dedução imposto que não se reporte a efetivas transmissões de bens ou prestações de serviços, pelo que o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA explicita que “não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente”. Este preceito legal, em face da sua formulação, aplica-se quer em situações de simulação absoluta em que constituem paradigma, no âmbito do IVA, as designadas “facturas falsas”, quer em situações de simulação relativa (quando existe a vontade de dissimular um outro negócio), que pode ser subjetiva, como parece indicar o RIT, quando o negócio dissimulado é realizado com um sujeito passivo diferente do emitente da factura.
Esta concepção de que o direito à dedução pressupõe que o IVA tenha onerado efetivas prestações de serviços ou transmissões de bens é amplamente reconhecida pela jurisprudência nacional ao afirmar que “O direito de dedução do IVA pago a montante apenas poderá existir, segundo a própria natureza das coisas, relativamente a imposto efectivamente suportado em operações económicas efectivamente acontecidas. De contrário, estaríamos perante um simples arquétipo intelectual ou virtual e não perante um tributo que visa atingir de forma geral o consumo real de bens e serviços nos diversos estádios do circuito económico. A inadmissibilidade da dedução do imposto relativo a operação simulada ou em que seja simulado o preço, afirmada positivamente no n.º 3 do art.º 19º do CIVA, corresponde, deste modo, a uma conclusão forçosa ou decorrente da própria natureza do imposto, cuja explicitação formal apenas se justifica por questões de clareza”[8].
Finalmente, de notar, que foi já entendimento do TJUE que a natureza simulada da operação poderá não impedir o exercício do direito à dedução do IVA, quando tal não acarrete o risco de perda da receita fiscal.[9]
B) Da Jurisprudência dos Tribunais Nacionais
No âmbito dos negócios simulados, também a jurisprudência dos Tribunais nacionais superiores tem vindo a debruçar-se abundantemente tendo em vista analisar a sua relação com o direito à dedução do IVA.
Ora, in casu estamos perante uma situação em que a AT qualifica de simulação quanto aos intervenientes e de facturas falsas, recorrendo ao mecanismo previsto no n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA, pelo que é sob esta perspectiva de análise que incidirão as decisões jurisprudenciais subsequentes.
A título de exemplo, veja-se o aresto proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte,[10]onde se lê:
“Neste particular, é sabido que, como tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal Central Administrativo Norte, quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção - cfr. entre outros, Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.
De notar que a administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.º da Lei Geral Tributária.
Neste domínio, em princípio, se os indícios denunciam que com forte probabilidade os emitentes das facturas não tinham capacidade empresarial para vender a mercadoria mencionada nas facturas, tanto bastaria para se criar um juízo sério de que aquelas transacções não existiram, ou seja, que aqueles emitentes não venderam à recorrente aqueles materiais, logo, a recorrente não os comprou, traduzindo assim a factura uma simulação de transacção entre o emitente e o utilizador da factura.
E assim dir-se-ia que bastaria à administração tributária, para cumprir o seu ónus, carrear factos relativos aos emitentes das facturas indiciadores da sua incapacidade para transaccionarem as mercadorias. E ficaria desonerada de averiguar qualquer facto na esfera do utilizador das facturas indiciador da sua participação ou conhecimento ou dever de conhecer da falsificação. Poderia limitar-se, como aconteceu no caso dos autos, a constatar na contabilidade do sujeito passivo a existência de facturas daqueles emitentes para, sem mais, considerar indevidamente deduzido o IVA, passando a competir ao sujeito passivo o ónus de demonstrar a veracidade das transacções.
Em suma, a ser assim entendido, a administração tributária, conhecedora que determinado sujeito passivo se dedicava à emissão de facturas falsas, poderia sem mais, desconsiderar os custos de qualquer outro sujeito passivo inspeccionado que tivesse contabilizado facturas daquele emitente.
Assim sendo, os indicadores de facto de que o emitente da fatura não tem capacidade para prestar o serviço não bastam, por si só, para obstar à dedutibilidade do imposto mencionado nessa fatura, se não houver razões para pôr em causa a realização desse serviço por terceiro.
Pode, à partida, parecer estranho que o legislador se tenha abstraído da relação subjacente titulada na fatura que, para ser subjetivamente verdadeira, teria que existir entre aqueles dois sujeitos (o emitente da fatura e o utilizador da fatura). Mas há uma razão para tal: é que o legislador também abstrai da relação subjacente para exigir o imposto do emitente.
Com efeito, e nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do mesmo código, o imposto também pode ser exigido ao emitente da fatura que ali o mencione indevidamente. Cada fatura onde seja mencionando imposto constitui um «cheque sobre o Tesouro» (cit. José Guilherme Xavier de Basto, in «A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional», Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 164, Centro de Estudos Fiscais 1991, pág. 140). E isto acontece precisamente porque o destinatário da fatura também não deixa, por esse facto, de ter o direito a utilizá-la, no exercício do seu direito à dedução.
Assim, não sendo a existência da relação subjacente entre aqueles dois sujeitos um requisito de dedutibilidade do imposto, esta só pode ser afastada por uma norma de exclusão.
O Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado contém várias normas que excluem especialmente o direito à dedução, mas só nos interessa analisar aqui uma delas: o n.º 3 do seu artigo 19.º. Porque foi com base nessa norma que a administração tributária procedeu às correções impugnadas.
E segundo esta norma, não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente.
No entanto, o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado também não nos diz o que se deve entender por operação simulada para os efeitos desse Código, pelo que terá que ser interpretada com o sentido que o termo tem no direito civil - artigo 11.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária.
Ora, a simulação é a divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos sujeitos do negócio jurídico, por acordo entre o declarante e o declaratário e com o intuito de enganar terceiros – artigo 240.º do Código Civil. Pode ser absoluta (quando não existe vontade de realizar negócio nenhum) ou relativa (quando existe a vontade de dissimular um outro negócio). E, neste último caso, pode ser subjetiva (quando o negócio dissimulado é realizado com outro sujeito) ou objetiva (quando o negócio dissimulado tem natureza ou conteúdo diverso, como sucede com a simulação de valor).
Analisemos mais detalhadamente a simulação subjetiva (que é a que para o caso releva). Para que haja simulação é necessário que exista um acordo entre os sujeitos os sujeitos reais da operação e o interposto (interposição fictícia). Se o acordo existe apenas entre o interposto e um dos sujeitos reais da operação, atuando aquele em nome próprio, mas no interesse e por conta desse sujeito (interposição real), não se nos apresenta uma simulação, mas antes um mandato sem representação (cfr. artigos 1180.º e seguintes do Código Civil – neste sentido, Carlos Alberto da Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição atualizada, pág. 476).
A comissão mercantil, regulada nos artigos 266.º e seguintes do Código Comercial, é uma modalidade de mandato sem representação, com a particularidade de ter por objeto, não a prática de atos jurídicos, mas a prática de atos do comércio. Também neste caso existe uma interposição real e lícita de sujeitos (e que se contrapõe, por isso, a interposição fictícia ou simulada - Pires de Lima e Antunes Varela, in «Código Civil Anotado», volume II, pág. 747). Ou seja, o negócio é realmente celebrado entre o mandatário ou comissário e o destinatário dos serviços. Mas aquele fica com a obrigação de transferir para o mandante a titularidade dos direitos que tenha adquirido em execução do mandato.
Assinale-se que o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado acolheu expressamente a figura jurídica da comissão mercantil, como decorre dos seus artigos 3.º, n.º 3, alínea c) (no caso de interposição na transferência de bens) e 4.º, n.º 4 (no caso da prestação de serviços). O que significa que, também para os efeitos deste imposto, a prestação de serviços por conta de outrem não é uma interposição fictícia ou simulada.
Assim sendo, a interposição de um sujeito entre o emitente da fatura e o seu utilizador só será uma operação simulada para efeitos do disposto no artigo 19.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e, por conseguinte, só excluirá o direito à dedução se existir acordo entre eles com o intuito de enganar terceiros, nomeadamente o fisco.
Pelo que a existência de acordo entre o verdadeiro prestador do serviço e o seu utilizador, no sentido de simular a celebração do negócio entre um deles apenas e terceiro com o intuito de enganar terceiros (e o fisco em particular) é elemento essencial da simulação subjetiva.
Passemos a outra questão, que é a de saber se compete à administração tributária provar o acordo simulatório. É o problema da repartição do ónus probatório entre a administração tributária e o sujeito passivo na aferição da legalidade do exercício à dedução.
Sobre esta matéria, dispõe com interesse o artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Assim, e tomando como modelo o procedimento de liquidação da iniciativa da administração tributária, esta terá o ónus de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos-pressupostos da existência, qualificação e quantificação do facto tributário). E o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.
Todavia, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2003-05-07 (Processo n.º 01026/02, disponível a redação integral in www.dgsi.pt, seguindo o entendimento do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2002-04-17, processo n.º 026635, também ali disponível), firmou jurisprudência no sentido de que recai sobre o contribuinte a prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado.
A razão de ser deste entendimento é a seguinte: ao contrário do que sucede em regra, em que a administração tributária afirma a ocorrência do facto de que deriva o direito à tributação, neste caso é o sujeito passivo que afirma o facto tributário de que deriva o direito à dedução e a administração tributária que põe em causa a sua ocorrência.
Deve salientar-se, porém, que esta regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu (no caso, que não ocorreu entre os sujeitos mencionados na fatura. Ou seja (para utilizar as palavras do mesmo aresto), depois da administração tributária ter emitido «um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei». (sublinhado nosso).
O que, de resto, resultava já do artigo 82.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (na redação então em vigor) segundo o qual a ratificação das declarações do sujeito passivo ocorreria quando a administração tributária fundadamente considerasse que nelas figurara um imposto superior ou uma dedução superior aos devidos.
E que nem poderia ser de outra forma, porque o exercício do direito à dedução tem por base a declaração a que então aludia o artigo 28.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código. Declaração essa que, nos termos do artigo 75.º da Lei Geral Tributária, se presume verdadeira quando seja apresentada nos termos previstos na lei e os dados dela constantes se encontram inscritos na sua contabilidade ou escrita, por sua vez organizadas de acordo com a legislação comercial ou fiscal. E quando alguém tem a seu favor uma presunção legal não tem que provar o facto a que ela conduz – artigo n.º 350.º, n.º 1, do Código Civil.
Pelo que, quando o direito à dedução tenha por base declaração do sujeito passivo apresentada nos termos da lei, a administração tributária que pretenda infirmar a ocorrência do facto em que se suporta essa dedução invocando a simulação de sujeitos, não tem que demonstrar que o acordo simulatório existiu (o que seria muito difícil demonstrar, na generalidade dos casos), mas tem que reunir indicadores objetivos de que tal acordo deveria ter existido. …”.
A partir daqui, e considerando a situação particular em apreciação nos autos, tem de entender-se que para haver simulação seria necessário que a administração fiscal tivesse reunido elementos que relacionassem a utilizadora das facturas com o esquema de fraude, ou seja, que tivesse reunido indícios de que a utilizadora das facturas participou ou que sabia ou devia saber que a emitente das facturas não era o verdadeiro fornecedor da mercadoria em apreço, na medida em que pode acontecer que a utilizadora de facturas falsas não saiba nem tenha possibilidades de saber da falsidade. (sublinhado nosso).
Com efeito, basta que um operador, obtendo as necessárias quantidades de mercadorias, munindo-se de um livro de facturas e abrindo uma conta bancária em nome do titular da factura, se desloque às instalações de um outro revendedor, ofereça as mercadorias, acorde um preço e desconte o cheque usado como meio de pagamento.
A aceitar-se que o ónus da Fazenda Pública se basta com a recolha de indícios de falsidade relativamente aos emitentes das facturas levaria a que os utilizadores das facturas falsas, que não sabem que são falsas, não pudessem deduzir custos que efectivamente suportaram, sem que tivessem participado em qualquer esquema fraudulento.
Dir-se-á que, sempre tais utilizadores inocentes poderiam fazer prova da veracidade das transacções - na aplicação do quadro probatório acima fixado: à administração tributária cabe o ónus de demonstrar indícios da falsidade; cumprido tal ónus passa a caber ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das transacções.
Mas facilmente se percebe que tal prova, nestas circunstâncias, de fraude a montante, que desconhece, será impossível para o utilizador das facturas provar o que quer que seja para além do que resulta da sua contabilidade, e que, não se deve esquecer, goza de presunção de veracidade. Se houve fraude e o utilizador das facturas desconhece não pode provar que as mercadorias foram adquiridos aos emitentes das facturas, porque não foram; nem pode provar que os adquiriu a outrem, porque para este utilizador de facturas a mercadoria foi comprada ao emitente, desconhecendo o real vendedor.
O que pode fazer o utilizador das facturas nestas circunstâncias é tão-só esclarecer como é que as negociações se desenvolveram e com quem se desenvolveram. (sublinhado nosso).
(…)
Deste modo, havendo indícios de que a emitente das facturas não forneceu a mercadoria mencionada nas facturas, impunha-se que a administração fiscal indagasse da participação da ora Recorrida no esquema simulatório.
Ora, a administração tributária não diz que a recorrente sabia ou devia saber que estava a comprar a pessoa diferente da que figura na factura e o utilizador da factura não está obrigado a saber a situação empresarial ou fiscal do emitente da factura que lhe entrega a mercadoria.
Aceitar-se que um utilizador de facturas veja os custos desconsiderados sem que de alguma forma a administração tributária o ligue ao esquema fraudulento, seria violador do princípio da justiça. E poria em causa a confiança nas relações comerciais.
Este entendimento vai de encontro ao do Tribunal de Justiça que no Acórdão de 31 de Janeiro de 2013, processo C-642/11 - que tratava de uma questão de dedutibilidade de IVA, reportando-se aos casos em que as irregularidades se verificam na esfera dos emitentes, pronunciou-se assim:
«47 Assim, cabe às autoridades e aos tribunais nacionais recusar o direito a dedução, se se demonstrar, face a elementos objectivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (v., neste sentido, acórdão de 6 de Julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e C-440/04, Colet., p.I-6161; e acórdãos, já referidos, Mahagében e David, n.º 42, e Bonik, n.º 37).
48 Contudo, também segundo jurisprudência bem assente, não é compatível com o regime do direito a dedução prevista pela Diretiva 2006/112 sancionar, com a recusa desse direito, um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA (v., especialmente, acórdão de 12 de Janeiro de 2006, Optigen e o., C-354/03, C-355/03 e C-484/03, Colet., p. I-483, n.ºs 52 e 55; e acórdãos, já referidos, Kittel e Recolta Recycling, n.ºs 45, 46, e 60, Mahagében e Dávid, n.º 47, e Bonik, n.º 41).
49 Além disso, o Tribunal de Justiça declarou, nos n.ºs 61 a 65 do acórdão Mahagében e David, já referido, que a Administração Fiscal não pode exigir de maneira geral que o sujeito passivo que pretenda exercer o direito a dedução do IVA, por um lado, verifique que o emitente da fatura referente aos bens e aos serviços em função dos quais o exercício deste direito é pedido dispõe da qualidade de sujeito passivo, possui os bens em causa e está em condições de os entregar e cumpre as suas obrigações de declaração e de pagamento do IVA, a fim de se certificar de que não há irregularidades ou fraude ao nível dos operadores a montante, ou, por outro, possua documentos a este respeito.
50 Daqui decorre que o tribunal nacional que deva decidir se, num determinado caso, existe operação tributável, tendo a Administração Fiscal alegado no processo que a existência de irregularidades cometidas pelo emitente da fatura ou por um dos seus fornecedores, como omissões contabilísticas, deve zelar por a apreciação da prova não conduza a esvaziar de sentido a jurisprudência recordada no n.º 48 do presente acórdão, obrigando de forma indireta o destinatário da fatura a proceder a verificações junto do seu contratante que, em principio, não lhe incumbem.»
E a final declarou:
«(…)
2- Os princípios da neutralidade fiscal, da proporcionalidade e da confiança legitima devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que seja o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante seja recusado ao destinatário de uma factura, por inexistência de uma operação tributável efectiva, quando, no aviso retificativo de tributação enviado ao emitente da fatura, o imposto sobre o valor acrescentado declarado pelo emitente não tiver sido corrigido. Contudo, se, por causa de fraudes ou irregularidades cometidas pelo emitente ou a montante da operação invocada como base do direito a dedução, se considerar que essa operação não foi efectivamente realizada, deve provar-se, perante elementos objectivos e sem exigir ao destinatário da fatura verificações que lhe não incumbem, que o mesmo destinatário sabia ou tinha obrigação de saber que a operação estava implicada numa fraude ao imposto sobre o valor acrescentado, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.» (sublinhado nosso).
(…)
No caso, repete-se, estando demonstrado que a ora Recorrida adquiriu a mercadoria em causa, teria a administração tributária que recolher indícios bastantes de que a recorrida sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender não era a pessoa que figurava nas facturas.
E não tendo tal acontecido, concluímos que a administração tributária não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar as liquidações impugnadas, as quais estão, assim, feridas de ilegalidade, impondo-se assim acompanhar a decisão recorrida quando determinou a anulação das liquidações impugnadas.”.
Importa referir que este Tribunal Arbitral adere sem reservas à análise de Direito formulada pelo TCA-Norte, no aresto de que supra se transcreveram as partes mais relevantes.
5. Aplicação ao caso concreto
Segundo a AT encontramo-nos perante uma simulação relativa aos intervenientes na operação, ou seja, o sujeito passivo emitente da fatura não corresponde ao sujeito passivo fornecedor da mercadoria ou prestador dos serviços em causa e a Requerente, por seu turno, deveria ter conhecimento da existência de uma fraude praticada por este fornecedor.
Segundo este raciocínio, as facturas emitidas pelas empresas B... Lda. à Requerente não titulam transações comerciais relevantes para efeitos de permitir a dedutibilidade do IVA incorrido pela Requerente nas respetivas aquisições, tratando-se assim de operações simuladas, nos termos do número 3 do artigo 19.º do Código do IVA.
Comecemos por nos referir ao ónus da prova no âmbito das correções em análise. Como tem sido realçado reiterada e uniformemente pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, de que no ponto anterior fizemos referência exaustiva, quando a AT desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova previstas no artigo 74.º da LGT, competindo a esta fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, que existem indícios sérios de que a operação constante das facturas não correspondem à realidade, passando então a incidir sobre o sujeito passivo do imposto o ónus probatório da veracidade da transação.
É neste plano que nos encontramos.
Vejamos, então, não perdendo de vista o enquadramento jurídico gizado relativamente ao ónus da prova e considerando os factos apurados em sede inspetiva, com vista a dar resposta à questão de saber se resulta dos factos considerados provados que a AT fez prova da verificação de indícios que lhe permitiam concluir que as facturas relativamente às quais o IVA nelas inserido foi desconsiderado não tiveram subjacentes quaisquer operações económicas realizadas entre a B... Lda. e a Requerente.
Dos factos dados como provados resulta o seguinte:
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Quando a madeira foi adquirida a outros sujeitos passivos, todas as operações (aquisição, corte e transporte de mercadorias) eram de responsabilidade do fornecedor;
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Eram os fornecedores da Requerente que entregavam diretamente a madeira nas instalações dos clientes da Requerente (I... S.A. e E...). Nestes casos, regra geral, o transporte era realizado por conta do fornecedor da Requerente, embora perante os clientes finais da Requerente, era esta quem lhe fornecia a madeira e quem facturava. Por conseguinte, a Requerente perante a fábrica era o único fornecedor de mercadoria, sendo todas as descargas realizadas em seu nome;
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Sempre que as empresas fornecedoras de madeira assim o entendessem podiam subcontratar a terceiros o transporte de madeiras para a fábrica, em vez de o fazerem por meios de transporte próprio, sendo tal decisão irrelevante para a Requerente, considerando que o transporte é da responsabilidade do fornecedor;
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Foi requerida autorização para aceder às contas bancárias dos administradores da Requerente o que veio a ocorrer, nada tendo resultado daí, designadamente que estes tivessem recebido fluxos de dinheiro referente aos pagamentos que faziam à empresa fornecedora em causa, alegadamente autora da simulação, pois sobre isso a AT nada refere no RIT presumindo-se, assim, que nada encontrou;
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À data dos factos, a Requerente efetuava o pagamento aos seus fornecedores preferencialmente através de cheques bancários de contas de empresa, meios que circulavam no circuito financeiro e que foram analisados pela AT;
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Os pagamentos aos fornecedores da Requerente eram realizados com base na apresentação, nas suas instalações, das GEP e nos talões emitidos pela fábrica entregues ao fornecedor no momento da descarga, donde consta, designadamente, o nome do transportador, a quantidade do fornecimento, a data, e o nome da Requerente;
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Em todas as GEP emitidas pelos clientes da Requerente é referido como único fornecedor de bens a própria Requerente, pois, conforme referido, os fornecedores, como era o caso da B... Lda., assumiam um papel de intermediários na angariação das mercadorias para cumprimento dos contratos celebrados com as fábricas;
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A Requerente não tem por prática celebrar contrato escrito com nenhum dos seus fornecedores de madeira havendo, no entanto, um acordo verbal em que se discute o preço por quilo de madeira colocada em fábrica. Ora, a ausência de contrato escrito, ainda que se trate de uma venda de mercadoria, não constitui um indício de falsidade das operações subjacentes, pois tal não se afigura obrigatório. Se é certo que a predominância de uma certa informalidade poderá não revelar-se o mais prudente no âmbito de uma relação comercial, tão pouco nos parece configurar um indício suficientemente fundado para colocar em causa existência de uma relação contratual entre as partes;
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A venda da madeira aos clientes da Requerente foi por esta facturada;
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Ademais, em sede de IRC, a AT expressamente reconhece que as operações tituladas pelas facturas cujo IVA dedutível se nega nos presentes autos titulam operações “económicas efectivamente ocorridas, sendo que se comprovou que a B... Lda. procedeu à entrega de madeira aos seus clientes” não tendo efetuado qualquer correção em sede de IRC. Ora, se a AT nega o direito à dedução do IVA com o argumento de que a operação é simulada não se entende como aceita a dedutibilidade integral dos mesmos custos em sede de IRC, no que revela uma falta de coerência que este Tribunal qualifica de insanável.
Por conseguinte, em face da factualidade dada como provada em momento algum a AT vem negar expressamente que a ora Requerente tenha adquirido a madeira em causa, ou demonstrado com base em indícios objectivos, que a Requerente sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender a mercadoria não era a entidade que figurava nas facturas. De facto, a esmagadora maioria da prova carreada para o processo administrativo tributário refere-se a factos praticados por entidades terceiras – os fornecedores – que alegadamente terão burlado o Estado em sede de vários impostos por falta absoluta do cumprimento das suas obrigações tributárias, mas em momento algum ligando estes à Requerente, ainda que indiretamente, provando que esta teria de saber que estes eram falsos, o que, reitera-se, no juízo deste Tribunal, não se logrou fazer.
Acresce que as conclusões alcançadas no RIT relativas à falta de correspondência entre o emitente das facturas e o verdadeiro transmitente dos bens, estribam-se essencialmente na constatação de que a B... Lda. não era mencionada nos documentos de transporte que acompanhavam as mercadorias fornecidas à Requerente.
Ora, no caso em apreço é pacífico e ficou devidamente demonstrado que a responsabilidade pelo transporte das mercadorias até à fábrica corre por conta do fornecedor, podendo este transporte ser realizado diretamente ou com recurso a empresas transportadoras.
Para além disso, de notar que os bens nunca são entregues diretamente à Requerente pelo respetivo fornecedor, sendo antes colocados na fábrica, o que significa que a Requerente não tem forma de controlar a identidade efetiva de quem procede ao fornecimento da mercadoria.
Acresce, que os documentos relevantes para efeitos do controlo do fornecimento realizado à Requerente (a saber GEP e talões da fábrica), não coincidem, nem têm de coincidir, com os documentos oficiais requeridos pelas Autoridades Aduaneiras e Fiscais para efeitos do controlo do transporte de mercadorias (documentos de transporte).
Assim, objectivamente, não foram careados para os autos pela AT elementos suficientes que demonstrem que a B... Lda. tenha atuado de forma diferente de qualquer outro fornecedor da Requerente, sendo o único facto distintivo a falta de entrega de IVA ao Estado e a ausência de cumprimento das respectivas obrigações fiscais, o que convenhamos, não revela, por si só, indício de qualquer tipo de conluio entre a Requerente e a B... Lda.
Ora, é jurisprudência assente dos Tribunais superiores que à Requerente não cabe averiguar da situação empresarial ou fiscal dos emitentes das facturas que lhe vendiam a mercadoria. In casu, estando demonstrado que a Requerente adquiriu a mercadoria e a vendeu aos seus clientes teria a AT que recolher indícios bastantes de que a Requerente sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender não era a entidade que figurava nas facturas.
Por conseguinte, dir-se-á que face aos moldes em que o negócio da Requerente se encontra estruturado, afigura-se-nos que os indícios recolhidos pela AT carecem de pertinência para levantar dúvidas quanto à efetividade das operações e quanto à falsidade dos intervenientes.
Por seu turno, a falta de cumprimento por parte da Requerente ou dos seus fornecedores do regime jurídico estabelecido no DL. n.º 147/2003 de 11 de julho, tem como consequência a instauração do(s) correspondente(s) processo(s) contra-ordenacionais, tal como previsto neste diploma, de resto, e não a perda integral do direito à dedução do IVA suportado.
Em suma, a conclusão que a AT retirou dos indícios constantes do RIT quanto aos emitentes das facturas em causa nos autos não lhe permite, sem mais, extrair a conclusão de que as operações em que a Requerente esteve envolvida eram simuladas, ou que esta tinha condições de saber que os intervenientes anteriores a si na cadeia de fornecimentos faziam parte de um esquema fraudulento e que, nesse pressuposto, os fornecimentos efetuados à Requerente não conferem direito à dedução do correspondente IVA.
Porquanto, entende este Tribunal, que os elementos supra aludidos ponderados à luz da experiência, fundamentados no âmbito de um quadro de grande probabilidade, e considerando a prova produzida em larga medida pelos próprios SIT, permitem-nos concluir que atos tributários em questão no presente processo devem ser anulados, por vício de violação de lei.
6. Juros indemnizatórios
A Requerente peticionou ainda a condenação da Requerida em juros indemnizatórios, vencidos e vincendos até à data da devolução das quantias de imposto indevidamente liquidadas, por considerarem, no caso concreto, que ocorreu liquidação de IVA superior ao devido por erro imputável aos serviços.
Nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária e artigo 61.º do CPPT “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Entende-se por erro imputável à administração, o erro que não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto e de direito que, não sejam da responsabilidade do contribuinte. Assim, “o direito a juros indemnizatórios abrange apenas uma das causas de responsabilidade da Administração tributária, agindo como tal: a originada pelo pagamento indevido de tributos, que lhe for imputável (...) o direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte provem, em regra geral, de um dever de indemnização da Administração tributária resultante da forçada improdutividade das importâncias desembolsadas pelo contribuinte.”(cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, p. 204 e 205).
No caso em apreço, foi demonstrado que a Requerente procedeu ao pagamento do imposto e dos correspondentes juros compensatórios, por força das liquidações objeto do presente processo.
Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efetuados, e calculados com base no respetivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).
Acresce que, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação impugnados, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos artigos. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.
Assim, deverá a Requerida dar execução ao presente acórdão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir à Requerente e calcular os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artigos. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).
Os juros indemnizatórios são devidos desde as datas dos pagamentos efetuados até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).
Conclui-se, assim, pela procedência da pretensão da Requerente quanto ao pagamento de juros indemnizatórios.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado pela Requerente e, em consequência:
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Anular os atos de liquidação de IVA objeto do presente processo, no valor global de € 24.301,70;
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Anular os atos de liquidação de juros compensatórios no valor global de € 9.327,69
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Em consequência, ordenar o reembolso dos montantes indevidamente liquidados;
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Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios;
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Condenar a Requerida nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se ao processo o valor atribuído pela Requerente e não contestado de € 28.638,72 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.530,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 2019
A Árbitro
(Filipa Barros)
[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.
[2] Vide, a título de exemplo, CAAD processo n.º 767/2016 – T, processo n.º 307/2017-T, entre outros.
[3] Vide, entre outros, Acórdão de 22 de Dezembro de 2010, Dankowski, C-438/09, n.ºs 22 e 23.
[4] Entre outros, acórdão de 21 de Fevereiro de 2006, Halifax C-255/02, n.ºs 68 e 71; de 27 de Outubro de 2011, Tanoarch, C-504/10, n.ºs 50; de 21 de Junho de 2012, Mahagében e Dávid, C-80/11 e C-142/11, n.º 41; e de 6 de Dezembro de 2012, Bonik, C-285/11, n.ºs 35 e 36.
[5] Cfr. acórdãos de 6 de Junho de 2006 Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e 440/04 n.º 55; e acórdãos já referenciados Mahagében e Dávid, n.º 42; Bonik, n.º 37 .
[6] Acórdão de 8 de Junho de 2000, Schloβstraβe, C-396/98, n.º 42.
[7] Cfr., entre outros, acórdãos de 12 de Janeiro de 2006, Optigen C-354/03, C-355/03 e C-484/03, n.ºs 52 e 55; e, já referidos, Kittel e Recolta Recycling, n.ºs 45, 46 e 60, Mahagében e David, n.º 47, e Bonik, n.º 41.
[8] Vide acórdão do STA, proc. n.º 026635, de 17-04-2002.
[9] Acórdão de 27 de Setembro de 2007, Albert Collée, C- 146/05, n.º 37.
[10] Acórdão do TCA-Norte, proc. n.º 00030/05.6BEPNF, 14-07-2014