Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 348/2018-T
Data da decisão: 2019-02-12  IMT  
Valor do pedido: € 70.332,28
Tema: IMT – Redução Superveniente de Preço – Art. 12.º, n.º1 do CIMT.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros, Dra. Alexandra Coelho Martins (na qualidade de árbitro-presidente), Dr. Rui Ferreira Rodrigues (na qualidade de árbitro vogal) e Dr. Alexandre Andrade (na qualidade de árbitro vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado por “CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 27 de Setembro de 2018, decidem o seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., Lda. (adiante designada apenas por “Requerente”), com o NIPC..., com sede na Av. ..., n.º..., ..., em Lisboa, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).

 

A Requerente pretende que seja apreciada a (i)legalidade da decisão indeferimento do Recurso Hierárquico n.º  ...2015..., de 4 de Maio de 2018, que correu termos na Direcção de Serviços de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”), proferida, ao abrigo de subdelegação de competências, pelo Director de Serviços do IMT, que recaiu sobre o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa autuada sob o n.º ...2014..., deduzida contra a liquidação de IMT, no âmbito do processo n.º ...2012... do Serviço de Finanças ... ..., no valor de € 84.796,65, adicionada de juros compensatórios de € 4.804,31, conforme documento de cobrança n.º... . Esta liquidação incidiu sobre o preço declarado na escritura, outorgada em 1 de Fevereiro de 2008, relativa à transmissão do prédio rústico inscrito na matriz cadastral sob o artigo..., secção E, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º... .

 

A Requerente peticiona a declaração de nulidade ou a anulação parcial dos actos acima identificados e, bem assim, da coima correspondente, no valor de € 17.035,63, e a condenação da AT à devolução parcial dos valores pagos na importância de € 70.332,28, acrescida de juros indemnizatórios, calculados de acordo com o disposto no artigo 61.º, n.º 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

Para fundar as pretensões deduzidas, a Requerente alega que o preço declarado na escritura relativo à aquisição do imóvel não corresponde à verdade, nem ao seu valor patrimonial tributário (“VPT”), tendo sido substancialmente reduzido para um preço total pago que se fixou em € 525.000,00.

 

Argui a Requerente que a escritura pública inicial de aquisição do imóvel, outorgada em 1 de Fevereiro de 2008, foi rectificada por escritura datada de 30 de Setembro de 2014. Assim, em seu entender, a AT devia ter revisto a liquidação de IMT, recalculando o imposto sobre o valor reduzido, em conformidade com os artigos 12.º do Código do IMT, 36.º da LGT e com o princípio da boa-fé. Invoca o artigo 100.º do CPPT, pelo que, em caso de dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, o acto aqui impugnado deve ser anulado.

 

Como acima se referiu, a Requerente conclui pelo pedido de nulidade ou, se assim não se entender, de anulação dos actos tributários de primeiro e de segundo grau supra mencionados. Juntou documentos e solicitou prova por declarações de parte.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 20 de Julho de 2018 e posteriormente notificado à Requerida.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º, n.º 1, al. a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo previsto no artigo 4.º, n.º 2 do Código Deontológico do CAAD.

 

Em 7 de Setembro de 2018, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 27 de Setembro de 2018.

 

Em 28 de Setembro de 2018, foi a Requerida notificada para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo (“PA” ) e solicitar, querendo, a produção de prova adicional.

 

A Requerida apresentou resposta e juntou o PA em 31 de Outubro de 2018. Sustenta a improcedência do pedido arbitral, para o que invoca, por excepção, a impropriedade do meio processual utilizado, no que se refere à matéria da coima. Por impugnação, a Requerida argui a falta de comprovação dos factos alegados acerca do valor pago, verificando-se discrepâncias diversas na versão da Requerente e nos documentos, pois consta da escritura inicial ter sido pago o valor de € 758.172,96, no PA a Requerente refere que foi paga a importância € 300.000,00 e, finalmente, no Pedido de Pronúncia Arbitral (“ppa”), € 325.000,00.

 

Refere a Requerida na sua Resposta que a Requerente não apontou qualquer ilegalidade ao despacho recorrido [de indeferimento do Recurso Hierárquico], mas apenas ao acto de liquidação de IMT. Quanto a este, todas as vicissitudes que a Requerente descreve ocorreram após a data do facto tributário e, por essa razão, não podem obstar à liquidação. Não ocorreu qualquer facto que possa justificar a rectificação ou a anulação da liquidação de IMT, não podendo a relação jurídica tributária consolidada ser alterada supervenientemente por vontade das partes, pelo que os actos que constituem o objecto desta acção são válidos. No que se refere ao pedido de juros indemnizatórios, não existe qualquer erro imputável aos serviços, pelo que não estão reunidos os respectivos pressupostos constitutivos. 

 

A Requerente, notificada para o efeito, exerceu o contraditório relativamente à excepção suscitada, pronunciando-se no sentido da sua improcedência.

 

Por despacho, datado de 7 de Novembro de 2018, este Tribunal Arbitral decidiu dispensar a produção de prova por declarações de parte, à face da constatação de que os factos relevantes apenas são passíveis de prova documental, e dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por desnecessária.

 

O Tribunal Arbitral fixou como prazo para prolação da Decisão Arbitral a data limite prevista no artigo 21.º do RJAT.

 

As Partes apresentaram alegações, nas quais mantêm, na essência, as posições expressas nos articulados iniciais.

 

2. Questões Prévias e Saneamento

 

            O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo, de acordo com o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT, com excepção da pretensão deduzida em relação à coima aplicada, nos termos que, de seguida, se explicitam.

 

2.1. Impropriedade do Meio Processual e Incompetência da Jurisdição Arbitral - Coima

 

Resulta do ppa que a Requerente peticiona a anulação parcial da coima aplicada nos termos do artigo 52.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (“RGIT”), no montante de € 17.035,63, que a Requerida contesta com base na impropriedade do meio processual utilizado, em virtude de a espécie processual prevista para reagir contra a aplicação de coimas ser o recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, conforme preceituado no artigo 80.º do RGIT.

 

Efectivamente, o presente meio processual – acção arbitral – não é idóneo para atacar o acto recorrido, consubstanciado na decisão de aplicação de uma coima. Porém, não está apenas em causa o erro na forma de processo que poderia, em determinadas condições, ser sanado e convolado na forma de processo adequada, ao abrigo do artigo 98.º, n.º 4 do CPPT. No caso dos Tribunais Arbitrais, a respectiva jurisdição está circunscrita às pretensões enunciadas no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, que não contempla matéria sancionatória, designadamente a apreciação de decisões de aplicação de coimas, conforme se pode constatar da leitura da norma que, de seguida, se transcreve:

 

1 – A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria coletável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.

 

Assim, considerando que o acto administrativo de aplicação de coimas não se subsume a nenhuma das alíneas supra, encontrando guarida no RGIT ou, subsidiariamente, por força do disposto na alínea b) do artigo 3.º, no Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, verifica-se a excepção de  incompetência absoluta (e de falta de jurisdição) deste Tribunal Arbitral que, por essa razão, está impedido de conhecer da pretensão anulatória relativa à decisão que aplicou a coima (artigos 16.º do CPPT e 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), nos termos da remissão operada pelo artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, sem prejuízo da manutenção da instância quanto às demais pretensões deduzidas.

 

            Nestes termos, procede a excepção de incompetência absoluta (em razão da matéria) do Tribunal Arbitral na parte relativa à decisão de aplicação coima.

 

2.2. Tempestividade

 

            Um dos fundamentos da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico, que constitui objeto desta acção, é o de ter decorrido o prazo de reação do contribuinte, pelo que o acto tributário de liquidação de IMT, reportado a 2012, já não seria passível de reclamação, revisão ou impugnação e ter-se-ia, por tal facto, consolidado. Não ocorrendo uma situação de erro na declaração negocial, que a existir teria que ser patente e ostensivo, não se trataria de uma rectificação do preço, mas de uma alteração (redução) posterior do preço, decorrente de uma transacção homologada no processo de insolvência da herança relativa aos vendedores.

 

            Importa notar que este argumento da extemporaneidade de reacção graciosa implicaria, em caso de vencimento, a intempestividade do processo arbitral, pois tendo decorrido mais de 90 dias sobre o acto tributário de liquidação, a via contenciosa dependeria da admissibilidade da impugnação administrativa deduzida, de acordo com os artigos 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e 102.º, n.º 1 do CPPT.

 

            Porém, conforme invocado pela Requerente, a posição da AT não tem em conta a verificação de um facto superveniente, a celebração da escritura de rectificação (redução) do preço, em 30 de Setembro de 2014[1]. Esta escritura constitui o fundamento do pedido de revisão da liquidação de IMT, pelo que o prazo deve contar-se a partir desse facto posterior ao acto de liquidação, conforme resulta do disposto no artigo 70.º, n.º 4 do CPPT, que dispõe que “[e]m caso de documento ou sentença superveniente, bem como de qualquer outro facto que não tivesse sido possível invocar no prazo previsto no n.º 1, este conta-se a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto.”

 

            Considerando que a Reclamação Graciosa foi deduzida dentro do prazo de 120 dias previsto no artigo 70.º, n.º 1 do CPPT, a contar da data da escritura de rectificação, não se constata a alegada intempestividade do meio de reacção administrativa.

 

            Por outro lado, o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, a contar da notificação da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico, que ocorreu em 14 de Maio de 2018, reportando-se a propositura da acção a 20 de Julho de 2018.

 

2.3. Outros Pressupostos Processuais

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, ambos do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades.

           

3. Matéria de Facto

 

  1. Factos Provados

 

Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os seguintes factos:

 

A.  A..., Lda., aqui Requerente, é uma sociedade comercial que tem por objecto a indústria de construção civil e obras públicas, urbanizações, execução de projectos técnicos, exploração e administração de prédios rústicos e urbanos que venha a construir, a adquirir ou tomar de arrendamento, ações ou quotas de capital de sociedades comerciais, de empreendimentos turísticos próprios ou alheios, podendo ainda revender os prédios que adquirir e vender os que construir – cf. certidão permanente junta com o ppa.

 

B. A Requerente adquiriu, por Escritura Pública de Compra e Venda, outorgada em 1 de Fevereiro de 2008, a B... e a C..., o prédio rústico com a área de 27.850 m2, sito em ..., na Freguesia de ..., Concelho de ..., inscrito na matriz cadastral sob o artigo ..., Secção E e descrito na ... Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... – cf. cópia da escritura pública junta com o ppa e constante do PA e cópia da caderneta predial.

 

C. Nesta escritura foi declarado o preço de venda de € 1.695.913,00 (um milhão seiscentos e noventa e cinco mil novecentos e treze euros) e que a Requerente já tinha recebido a quantia de € 758.172,96 (setecentos e cinquenta e oito mil cento e setenta e dois euros e noventa e seis cêntimos), ficando o valor remanescente, de € 937.740,04 (novecentos e trinta e sete mil setecentos e quarenta euros e quatro cêntimos), na posse da Requerente até à decisão final da acção judicial respeitante ao arresto registado na ... Conservatória do Registo Predial de ... pela inscrição F, AP 57, de 11 de Janeiro de 2006 – cf. cópia da escritura pública junta com o ppa e constante do PA.

 

D. Da mesma escritura consta a referência a uma certidão do Serviço de Finanças de Lisboa ... comprovativa de que a Requerente exerceu habitualmente no ano anterior a actividade de compra de prédios para revenda, tendo sido declarado que o imóvel adquirido se destinava a revenda, pelo que a sua aquisição foi realizada com isenção de IMT, nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do Código deste imposto. A aquisição do prédio foi registada a favor da Requerente na Conservatória do Registo Predial, com a ap. 1, de 7 de Julho de 2008 – cf. cópia das escrituras públicas de compra e venda e de rectificação juntas com o ppa e constantes do PA.

 

E. O vendedor do prédio rústico acima identificado, B..., faleceu em Julho de 2008, tendo a Requerente sido citada para o Processo de Inventário n.º .../08...T..., que correu termos no Tribunal Judicial do ..., na sequência do que apresentou reclamação contra a relação de bens apresentada pelo Cabeça-de-Casal da herança deixada por B..., uma vez que o crédito relacionado contra a Requerente, no valor de € 1.395.912,84, era, no entendimento desta, de valor superior ao real – cf. fundamentação da decisão de Recurso Hierárquico constante do PA.

 

F. No referido Processo de Inventário, a Requerente peticionou a redução do negócio jurídico, i.e., a redução do preço de compra do prédio rústico, em função da área do terreno que efetivamente podia ser aproveitada para loteamento e construção habitacional – cf. fundamentação da decisão de Recurso Hierárquico constante do PA.

 

G. Em 8 de Novembro de 2011, a Requerente intentou ainda uma acção declarativa contra os Herdeiros da Herança Indivisa deixada por óbito de B... e C..., a qual correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial do ..., sob o n.º .../11...T..., tendo sido apensada aos autos de insolvência da referida Herança, com o n.º .../11...T..., e peticionou novamente a redução do preço de compra do prédio rústico com idênticos fundamentos – cf. fundamentação da decisão de Recurso Hierárquico constante do PA.

 

H. No processo de insolvência da Herança (n.º .../11...T...), a Requerente defendeu que o preço do negócio referente à compra do prédio rústico supra identificado tinha de ser reajustado ao seu real valor de mercado, realizando-se, a pedido do administrador de insolvência e do Tribunal, uma avaliação que definiu o valor deste imóvel, com referência a Março de 2012, nos seguintes termos:

Conclusão de Valores

De acordo com os pressupostos e condicionantes a descrever seguidamente e conforme quadros de avaliação apresentados em anexo, o Valor de Mercado do Imóvel, à data de Março de 2012, é em nossa opinião razoavelmente representado pelos seguintes montantes:

VALOR DE MERCADO DO IMÓVEL

DE ACORDO COM O PDM EM VIGOR

TAL COMO SE ENCONTRA, LIVRE E DISPONÍVEL

 

998.000 EUROS

(Novecentos e Noventa e Oito Mil Euros)

            Foi ainda analisado o desenvolvimento urbanístico de um cenário considerando o potencial construtivo de acordo com os parâmetros urbanísticos definidos no PDM em revisão tendo o valor determinado nestas circunstâncias sido de 1.334.000 Euros.”

– cf. documento de autoria da D..., Lda. junto com o ppa.

 

I. Em 2012, a Requerente foi objeto de acção inspectiva interna, determinada pela Ordem de Serviço n.º OI2012..., com o objetivo de controlo “da isenção do pagamento do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), nas aquisições de imóveis destinados a revenda”, nos termos do artigo 7.º do Código deste imposto – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) constante do PA.

 

J. No decurso desta acção inspectiva, a AT solicitou esclarecimentos à Requerente, ao abrigo do princípio da colaboração, tendo esta respondido nos moldes infra transcritos:

“2. Considerando os arrestos e recursos incidentes sobre o imóvel em causa, foi acordado entre as partes um parcelamento do preço condicionado à conversão dos registos e à obtenção da aprovação do projecto de loteamento pela Câmara Municipal de ... (condição essencial à concretização do negócio jurídico), parcelamento esse que se traduziu no seguinte:

i. Até à data da celebração da escritura de compra e venda o pagamento da quantia de € 300.000,00 (trezentos mil euros);

ii. No dia da escritura um cheque caução no valor de € 458.172,80 (quatrocentos e cinquenta e oito mil cento e setenta e dois euros e oitenta cêntimos) que ficaria com o Senhor E... na qualidade de fiel depositário, conforme declaração que se anexa e se dá por integralmente reproduzida – o qual só seria apresentado a pagamento após a aprovação do projecto de loteamento por parte da Câmara Municipal de .... Pressuposto que não se concretizou até à presente data. 

iii. O remanescente no valor de € 937.740,20 (novecentos e trinta e sete mil setecentos e quarenta euros e vinte cêntimos) que ficaria na posse da Requerente até à decisão final da acção judicial que corre os seus termos pelo Tribunal Judicial de ..., processo n.º .../06... C…-A da primeira vara de competência mista.

3. No acto da escritura em 1 de Fevereiro de 2008 somente se encontrava liquidada a quantia de € 300.000,00 (trezentos mil euros), não se tendo verificado até esta data nenhum dos pressupostos que levariam a compradora a liquidar os restantes montantes.

4. Acresce ainda que se veio a verificar serem falsas as expetativas criadas para a realização do negócio, por não corresponderem à verdade (o terreno não poder ser loteado na totalidade e a Câmara Municipal não aprovar os Projectos nos moldes que foram “vendidos” à Requerente) a A... veio à acção de Insolvência das “Heranças indivisas abertas por óbito de B... e C...”, que corre os seus termos pelo ... Juízo do Tribunal Judicial do ..., com o número .../11...T..., requerer a redução do preço estabelecido no contrato de compra e venda, o qual deverá ser fixado em € 830.997,37 (oitocentos e trinta mil novecentos e noventa e sete euros e trinta e sete cêntimos).

5. Como tal o valor global da venda para efeitos de liquidação de IMT solicita-se que seja calculado sobre o valor global de € 830.997,37 (oitocentos e trinta mil novecentos e noventa e sete euros e trinta e sete cêntimos) e não sobre o valor inicialmente previsto para a venda de € 1.695.913,00 (um milhão, seiscentos e noventa e cinco mil novecentos e treze euros).” – cf. resposta da Requerente, datada de 14 de Maio de 2012, sob o assunto: “Pedido de esclarecimento sobre a aquisição de imóveis com isenção de IMT” constante do PA.

 

K. Ainda no âmbito da acção inspetiva, a Requerente apresentou junto do Serviço de Finanças um pedido de liquidação de IMT referente à aquisição do imóvel em causa, tendo sido notificada, através do oficio n.º..., de 24 de Julho de 2012, da liquidação do IMT no valor de € 84.796,65, a que “acrescem juros compensatórios, nos termos do nº 1 do artigo 33º do CIMT, contados dia a dia” e que foram fixados em € 4.804,31, perfazendo o total de € 89.599,96, conforme documento de cobrança com referência para pagamento n.º..., e data limite de pagamento de 30 de Agosto de 2012 – cf. cópia do ofício e do documento de cobrança constantes do PA.

 

L. Segundo o Relatório de Inspeção, “[o] sujeito passivo acima identificado adquiriu o(s) imóvel(eis) constante(s) do quadro seguinte, o(s) qual(ais) beneficiou(aram) de isenção de IMT, nos termos do artigo 7º do Código [...]:

T

Art(s)

F/S

Freguesia

Concelho

Valor Aquisição

Dt Escritura

Cartório

R

...

E

...

...

1.695.913,00 €

1-Fev-08

F...

De acordo com a base de dados do “Património – Modelo 11”, o sujeito passivo não consta como outorgante em nenhuma escritura após 1-Fev.-2018, pelo que que afigura que não procedeu à revenda do imóvel em causa [...].

Ao abrigo do princípio da colaboração previsto no artigo 59.º da Lei Geral Tributária (LGT), o sujeito passivo foi notificado através do ofício n.º..., datado de 19-Abr-2012 […] no sentido de apresentar as seguintes justificações, a qual motivam a situação de não cumprimento, relativamente à liquidação de IMT: […]

  1. – Ter procedido à revenda do(s) referido(s) imóvel(eis) no prazo previsto no n.º 4 do artigo 7º e do n.º 5 do artigo 11º do CIMT, ou;
  2. – No caso de não ter revendido os Imóveis dentro do prazo anteriormente referido, situação em que cessa a isenção anteriormente concedida, prove ter procedido à sua regularização, conforme prevê o artigo 34º do referido Código.

[…]

Em resposta à notificação, o sujeito passivo […] remeteu a estes Serviços os elementos que comprovam ter procedido à regularização voluntária do IMT, dentro do prazo que lhe foi concedido” – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) constante do PA.

 

M. O Chefe de Equipa emitiu parecer, datado de 3 de Outubro de 2012, no sentido do arquivamento do processo de inspeção, considerando que o sujeito passivo efectuou o pedido de liquidação do imposto devido. Sobre este parecer recaiu decisão concordante do Chefe de Divisão em substituição, em 13 de Novembro de 2012 – conforme cópia do RIT constante do PA.

 

            N. Em 3 de Setembro de 2012, foi levantado o auto de notícia n.º .../2012 à Requerente e, em consequência, instaurado um processo de contra-ordenação, na sequência do qual se veio a determinar o pagamento, de uma coima correspondente a 20% do valor do imposto em causa, nos termos do Regime Geral das Infrações Tributárias (“RGIT”), fixada no montante de € 17.035,63 – cf. auto de notícia e documentos constantes do PA.

 

            O. Em 5 de Março de 2014, teve lugar uma Assembleia de Credores no processo n.º .../11...T..., do ... Juízo do Tribunal Judicial do ..., de insolvência da Herança do transmitente do prédio rústico, na qual foi votado favoravelmente e aprovado o projecto de transacção apresentado pela Requerente, nos seguintes termos:

 “1 – A transmissão definitiva, livre de ónus ou encargos, da propriedade dos imóveis sitos no Concelho de ..., descritos no número seguinte para a Credora A..., Lda., contra o pagamento por parte da Credora A..., Lda. à Insolvência do montante de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta euros), a titulo:

- Do preço acordado em falta do prédio rústico no valor de € 200.000,00 (duzentos mil euros), inscrito na matriz cadastral sob o artigo..., Secção E e descrito na ... Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ... [...].

  1. [...].

Relativamente ao imóvel com a descrição predial n.º ..., da escritura de rectificação constará que se encontra pago na sua totalidade e que nada mais é devido pela Credora relativamente a este imóvel.

- cf. Acta da Assembleia Geral de Credores constante da cópia da certidão do Tribunal Judicial do ... junta com o ppa e constante do PA.

 

            P. Em 30 de Setembro de 2014, foi outorgada Escritura Pública de Rectificação e Alteração de Compra e Venda, na qual foi declarado:

            “Que no dia um de Fevereiro de dois mil e oito, no Cartório Notarial em ..., a cargo da Notária Dra. F..., por escritura lavrada a folhas vinte e sete do livro número setenta e três, entre a representada do segundo outorgante  [aqui Requerente] e B..., por si e na qualidade de procurador de sua mulher C..., foi celebrado um contrato de compra e venda do prédio rústico sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., daquela freguesia, inscrito na matriz sob parte do artigo ..., Secção E.

[...]

Que os vendedores entretanto faleceram e a respectiva herança foi objeto do processo de insolvência n.º .../11...T..., que corre os seus termos pelo ... Juízo do Tribunal Judicial do ....

Que no âmbito do referido processo foi objeto de transacção a alteração ao preço convencionado.

Que vêm rectificar a referida escritura, porquanto na mesma foi declarado que os vendedores já tinham recebido a quantia de setecentos e cinquenta e oito mil cento e setenta e dois euros e noventa e seis cêntimos, quando na realidade foi pago tão somente o valor de trezentos e vinte e cinco mil euros.

Que vêm igualmente alterar/ reduzir o respectivo preço, anteriormente acordado de um milhão e seiscentos e noventa e cinco mil novecentos e treze euros), de acordo com a transacção referida para quinhentos e vinte e cinco mil euros.

Que nesta data é pago o remanescente do preço no montante de duzentos mil euros, do qual o primeiro outorgante dá plena quitação, nada mais sendo exigível da sociedade compradora.” 

– cf. cópia da escritura pública junta com o ppa e constante do PA.

 

Q. Em 13 de Outubro de 2014, não se conformando com a liquidação de IMT acima identificada, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa, tendo sido notificada, pelo Ofício n.º..., datado de 12 de Novembro de 2014, da respectiva proposta de decisão de indeferimento, na qual se refere:

V – PROPOSTA DE DECISÃO

19. Por todo o exposto e considerando que a liquidação foi efetuada de acordo com o CIMT, nomeadamente com base no valor de € 1.695.913,00 que consta da escritura de compra e venda celebrada entre a reclamante e os vendedores e devidamente notificada; que a requerente não reclamou nem impugnou a liquidação, o imposto tornou-se definitivo, sendo certo, líquido e exigível, propõe-se o indeferimento da Reclamação por falta de base legal.”

– cf. procedimento de reclamação graciosa constante do PA.

 

R. A Reclamação Graciosa foi indeferida, após  exercício do direito de audição, por despacho do Chefe de Finanças, datado de 9 de Dezembro de 2014, com base nos fundamentos que se transcrevem:

Do decidido no referido processo de insolvência não resulta a rectificação da liquidação de IMT.

Muito embora tenha sido decidido rectificar a escritura de compra e venda lavrada em 01/02/2008 conforme o acordado pela assembleia de credores (homologado pelo Tribunal Judicial do ...) não é esta rectificação que implica a anulação do IMT. Na verdade, formada a vontade dos outorgantes (tendo já falecido os primeiros outorgantes muito antes da rectificação) devidamente confirmada perante o oficial encarregue de lavrar a Escritura Pública correspondente à transacção, pelo preço acordado, não basta a posterior rectificação desta para colocar em causa a liquidação do imposto. O mesmo não aconteceria no caso de resolução do contrato.

Com efeito, limitou-se este Serviço a proceder de acordo com o nº 1 do art.º 12º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) – “O IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.

A liquidação foi efectuada de acordo a lei aplicável e os valores declarados não se vislumbrando qualquer justificação legal para a sua correcção/anulação.

Não se verifica por isso qualquer erro ou ilegalidade que coloque em causa a liquidação reclamada e justifique a sua revisão, o que não aconteceria se se desse a resolução do contrato o que permitiria a anulação proporcional do imposto nos termos previstos pelo art.º 45º do CIMT.

Desta forma, não tendo sido invocados quaisquer outros factos relevantes, mantem-se o sentido da proposta inicial de indeferimento porquanto não se verificar qualquer erro ou ilegalidade na liquidação de IMT.” – cf. cópia do despacho de indeferimento e respectiva fundamentação constantes do PA.

 

S. Por discordar da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, a Requerente apresentou Recurso Hierárquico, o qual também foi indeferido, por despacho datado de 4 de Maio de 2018 e notificado em 14 de Maio do mesmo ano, da Directora de Serviços, por subdelegação de competências, com fundamento na informação n.º..., da Direçcão de Serviços do IMT e demais impostos sobre o património, da qual se extraem os seguintes excertos relevantes:

V – Análise

Considerando todo o enquadramento fáctico supra descrito, e tendo em atenção o normativismo aplicável, cumpre-nos analisar o pedido de revogação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IMT apresentada.

Para o efeito, importa desde já referir que, tendo em consideração o pedido formulado na petição, a reclamação graciosa tem como objectivo aferir da legalidade da liquidação de imposto e o recurso hierárquico subsequente aferir da legalidade e do mérito daquela decisão em primeira instância. Nessa medida, os pedidos que não contendem com esta questão, estão por isso, fora do presente objecto de análise, nomeadamente, aqueles que respeitam a questões relacionados com o processo de execução fiscal ou pagamento em prestações.

Delimitado o pedido à decisão da reclamação graciosa que apreciou a legalidade da liquidação, é sobre esse que recai a presente apreciação.

E, com efeito, a liquidação aqui em causa resulta da caducidade da isenção de IMT dos prédios destinados a revenda. O art.º 7.º do CIMT prevê a isenção de imposto pela aquisição de prédios destinados à revenda, nas condições ali previstas que não relevam imediatamente na presente situação, e estabelecendo um prazo máximo de três anos para que ocorra essa revenda.

Decorrente desse prazo máximo de três anos definido pelo legislador do IMT, o n.º 5 do art.º 11.º, relativo à caducidade das isenções, determina que esta deixa de se verificar «logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.»

Por sua vez, o art.º 34.º do mesmo diploma determina no seu n.º 1 que «No caso de ficar sem efeito a isenção ou redução de taxas, nos termos do artigo 11.º, devem os sujeitos passivos solicitar no prazo de 30 dias, a respectiva liquidação.»

Caso assim não se verifique, cabe aos serviços liquidar o imposto oficiosamente, acrescido de juros compensatórios, tal como previsto no art.º 33.º que expressa que «Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação do imposto devido, a este acrescerão juros compensatórios nos termos do art.º 35.º da Lei Geral Tributária.»

No caso aqui em concreto, a verificação da caducidade da isenção decorreu de procedimento de inspecção interna (Ordem de serviço n.º OI2012...), concluindo-se porém, durante as diligências, que o sujeito passivo remeteu aos serviços, elementos que comprovam ter procedido à regularização voluntária do IMT dentro do prazo que lhe foi concedido.  

[…]

Ora, considerando os termos em que a liquidação foi efectuada, verificamos que para a mesma foi aplicada a regra geral constante do art.º 12.º, n.º 1 do CIMT, pelo facto de se ter verificado a caducidade da isenção. Fundamento esse que consta da decisão de indeferimento proferida em sede de reclamação graciosa.

Nomeadamente, porquanto na sua apreciação, entenderam os serviços que, «lida a escritura de compra e venda celebrada em 2008, não consta que o preço declarado de € 1.695.913,00 estivesse dependente de qualquer premissa, nomeadamente da aprovação do projecto de loteamento e consequente, capacidade de construção.»

Porém, a decisão proferida foi de indeferimento na medida em que, tal como consta do projecto de decisão notificado à aqui recorrente para efeitos de audição prévia, «a liquidação foi efectuada de acordo com o CIMT, nomeadamente com base no valor de € 1.695.913,00 que consta da escritura de compra e venda celebrada entre a reclamante e os vendedores e devidamente notificada; que a requerente não reclamou nem impugnou a liquidação, o imposto tornou-se definitivo, sendo certo, líquido e exigível, propõe-se o indeferimento da reclamação por falta de base legal.»

Face aos argumentos produzidos pela recorrente em sede de audição prévia, foram ainda os mesmos apreciados, pelo que, não obstante a falta de base legal, ainda assim dos factos produzidos no processo de insolvência não resultam fundamentos para a rectificação ou anulação de liquidação de IMT, nomeadamente na medida em que não basta a posterior rectificação da vontade declarada quanto ao preço do negócio para colocar em causa a liquidação de IMT, o que não aconteceria no caso de resolução do contrato.

Ora,

Na análise do presente recurso hierárquico não podemos estar mais de acordo, perante a decisão proferida em sede de reclamação graciosa. Senão vejamos.

Com a liquidação de IMT e a sua correspondente notificação, começam a correr os prazos para efeitos de reacção ao acto tributário, nomeadamente, prazo de reclamação graciosa, revisão oficiosa ou impugnação judicial.

Não sendo exercidos e sendo estes, prazos perentórios, o acto tributário torna-se definitivo na ordem jurídico tributária daquela concreta relação jurídica.

Vale, portanto, por dizer que, apenas em caso de documento ou sentença superveniente, que não tivesse sido podido invocar, por facto não imputável ao sujeito passivo, conforme dispõe o n.º 4 do art.º 70.º do CPPT, pode abrir-se prazo para reclamação graciosa.

No caso em concreto, afigura-se que a «rectificação» da escritura não consubstancia, na prática, um facto superveniente susceptível de abrir prazo para reclamar graciosamente contra aquela liquidação.

Isto porque, na verdade, não estamos perante uma rectificação que preencha o conteúdo da norma prevista no art.º 249.º do Código Civil (CC), ou seja, não permite considerar preenchidos os pressuposto da rectificação da declaração negocial, uma vez que não se reconduz à emenda de «simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração, ou através das circunstâncias em que a declaração é feita».

É pois necessário que estejamos perante uma situação de erro, o qual terá de ser patente e ostensivo. Nas palavras de Vaz Serra «quando o erro na declaração negocial não for patente e ostensivo, não é razoável sujeitar a contraparte da declaração ou inclusivamente terceiros a quem essa declaração possa ser oposta, à mera rectificação do erro de que não se possa ter apercebido.» (cf. Revista de Legislação e Jurisprudência, nº 112).

Deste modo, ainda que formalizada a pretendida rectificação do título translativo, tal procedimento poderá revestir-se de plena eficácia inter-partes, mas não será oponível à AT, a qual, de acordo com o preceituado no n.º 4, do artigo 36.º da LGT, não se encontra adstrita à qualificação efectuada pelas partes.

Porque na verdade, o que se trata é de uma alteração posterior ao valor do contrato, decorrente de uma transacção homologada no âmbito do processo de insolvência da herança relativa aos vendedores.

Tal facto, determina assim que, desde logo, e como se entendeu em sede de reclamação graciosa, não se encontra a recorrente em prazo para reagir contra a liquidação de imposto, tanto por efeito dos prazos gerais, como também não se afigura possível aproveitar do prazo previsto no art.º 70.º n.º 4 do CPPT.

Não obstante, e sem prejuízo do exposto, sempre se dirá que ainda que estivesse em tempo de reclamação graciosa, e como tal, analisando a matéria de fundo, ainda assim não assistiria razão à aqui recorrente, nomeadamente, e como se disse, porquanto a redução do preço acordada no âmbito do também já referido processo de insolvência, não configura uma rectificação da escritura, susceptível de produzir efeitos tributários.

VI – Proposta de decisão

Face ao exposto, propõe-se o indeferimento do presente pedido, mantendo-se a decisão de indeferimento da reclamação graciosa.”

– cf. cópia do despacho de indeferimento e respectiva fundamentação constantes do PA.

 

T. Não se conformando com a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico referente à liquidação de IMT emitida em 2012, a Requerente apresentou no sistema informático do CAAD, em 20 de Julho de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Colectivo que deu origem ao presente processo.

 

3.2.      Motivação

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados por este Tribunal em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e na posição assumida por cada uma das partes nos articulados.

 

3.3.    Factos não Provados

 

          A Requerente não logrou demonstrar os factos alegados nos artigos 5.º, 6.º, 14.º, 20.º e 43.º do ppa, designadamente que o contrato foi celebrado sob condição, pelo que o remanescente do preço só seria devido depois do projecto de loteamento do prédio ser aprovado pela Câmara. Com efeito, para além de na escritura de compra e venda inicial, celebrada em 2008, não constar qualquer termo ou condição para a compra e venda, foi aí declarado pela Requerente o pagamento de um valor muito superior (de € 758,172,96), sendo que nos esclarecimentos prestados à AT em Maio de 2012, no decurso da acção inspectiva, informou, por escrito, que esse valor tinha sido de € 300.000,00 (alínea J) da matéria de facto) e, mais tarde, em 2014, acabou por rectificar a escritura por um valor diferente, de € 325.000,00. Não é possível concluir qual das três versões ocorreu. Por outro lado, não existem elementos que indiciem erro manifesto sobre o objecto do contrato de compra e venda do imóvel.

 

          De igual modo, não foi demonstrado que o valor comercial, real e de mercado do imóvel correspondesse a € 525.000,00. Com efeito, em Maio de 2012, a Requerente esclareceu à AT, por escrito, que o valor de mercado do mesmo (sobre o qual devia ter sido liquidado o IMT) era de € 830.997,37, tendo juntado ao processo uma avaliação do mesmo realizada por uma empresa de consultoria imobiliária que indica como valor de mercado € 998.000,00, bem distinto do valor de € 600.000,00 que, no artigo 11.º do ppa, a Requerente afirma ter resultado dessa avaliação.

 

          Quanto à alegação de que a escritura havia sido rectificada, demonstrou-se que o foi apenas quanto à quantia que foi declarada como recebida (inicialmente de € 758,172,96 e depois de € 325.000,00), mas não quanto ao valor / preço de aquisição do prédio rústico. Quanto a essa matéria, a escritura de 30 de Setembro de 2014 é clara: enquadra-a como uma alteração/redução (posterior) de preço (que se baseou num acordo de credores no processo de insolvência da Herança do vendedor) e não como uma rectificação ou correcção retrospectiva de um erro.

 

          Por fim, não foi demonstrado o pagamento da totalidade das importâncias liquidadas de IMT e juros compensatórios, apenas que foi acordado o seu pagamento em prestações. 

 

4. Fundamentação Jurídica

 

4.1.    Da Alegada Nulidade dos Actos Tributários de 1.º e de 2.º Grau

 

A Requerente requer, a título principal, a declaração de nulidade dos actos de indeferimento do pedido de revisão da liquidação de IMT e do próprio acto liquidação. O regime dos actos nulos consta dos artigos 133.º e 134.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), em vigor à data da liquidação do imposto, e é aplicável por remissão do artigo 2.º, alínea d) do CPPT. A cominação de nulidade está reservada para infracções de particular gravidade, sendo sujeita a um princípio de numerus clausus, conforme dispõe o n.º 1 do citado artigo 133.º. São nulos “os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade”, enumerando-se no seu n.º 2 alguns exemplos ilustrativos. Na situação sob apreciação não se verifica a falta de qualquer elemento essencial, nem a lei prevê para os vícios invocados pela Requerente o desvalor da nulidade. Deste modo, conclui-se que as questões a apreciar se enquadram no regime-regra, de anulabilidade, previsto no artigo 135.º do CPA, pelo que improcede a arguição da nulidade.

 

Interessa notar que o entendimento perfilhado se mantém no quadro do novo CPA, aprovado pelo Decreto-lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, em vigor desde Abril de 2015, que contém regras similares nos artigos 161.º, 162.º (regime da nulidade) e 163.º (regime da anulabilidade).

 

4.2.    Da Alegada Rectificação do Valor da Escritura de Transmissão do Imóvel

 

Resulta do petitório que a Requerente pretende a anulação, parcial, das liquidações de IMT e dos respectivos juros compensatórios efetuadas nos termos dos artigos 19.º, n.º 2, 34.º e 33.º, todos do Código do IMT, referentes à aquisição, pela Requerente, em 1 de Fevereiro de 2008, do prédio rústico inscrito na matriz da Freguesia de ..., Concelho de ..., sob o artigo ..., secção E, e descrito na respectiva Conservatória sob o n.º..., uma vez que esta aquisição beneficiou inicialmente de isenção de IMT, ao abrigo do artigo 7.º, n.º 1 do referido Código, por o prédio se destinar a revenda, caducando, contudo, por o mesmo não ter sido revendido dentro do prazo de três anos, ou seja, até 1 de Fevereiro de 2011, como determina o artigo 11.º, n.º 5 do Código deste imposto.

 

Mais diz a Requerente, a Reclamação Graciosa e Recurso Hierárquico indeferidos e aqui impugnados têm por fundamento a rectificação expressa da escritura pública de 1 de Fevereiro de 2008 e do respectivo preço, de € 1.695.913,00 para € 525.000,00, que se deveu ao desfecho do processo judicial do Tribunal Judicial do ..., com o n.º .../11...T...-U, referente à insolvência da Herança dos vendedores, por sentença de 5 de Março de 2014.

 

A questão controvertida consiste em saber se, à face do disposto no artigo 12.º, n.º 1 do Código do IMT, a alegada redução do preço ocorrida em 2014 deve implicar a concomitante diminuição da base de incidência deste imposto e a consequente revisão da liquidação de IMT que teve lugar em 2012, relativa ao prédio rústico identificado na alínea B do probatório, por caducidade da isenção de compra para revenda.

 

Concretamente, está em análise saber se o valor de incidência do IMT é, como preconiza a Requerida, o constante da Escritura Pública de Compra e Venda, datada de 1 de Fevereiro de 2008, no montante de € 1.695.913,00, outorgada pelos vendedores e pela Requerente, na qualidade de compradora, ou o constante da Escritura de Rectificação e Alteração de Compra e Venda, na sequência do acordo aprovado em assembleia de credores, a 5 de Março de 2014, no âmbito do processo de insolvência n.º .../11...T..., que correu termos no Tribunal Judicial do ..., no montante de € 525.000,00, como defende a Requerente.

 

A este respeito dispõe o artigo 5.º do Código do IMT que “[a] incidência do IMT regula-se pela legislação em vigor ao tempo em que se constituir a obrigação tributária” (n.º 1) e que a obrigação tributária se constitui no momento em que ocorrer a transmissão (n.º 2). Como se aplica na situação vertente a isenção do artigo 7.º, n.º 1 deste Código, por ter sido declarada a intenção de revenda no momento da outorga da escritura de aquisição, o facto tributário reporta-se à caducidade da isenção, i.e., segundo o artigo 11.º, n.º 1 do Código do IMT, “logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda”, determinando o artigo 36.º, n.º 1 da LGT que a relação jurídica tributária se constitui com o facto tributário, não podendo os seus elementos essenciais ser alterados por vontade das partes, de acordo com o n.º 2 deste preceito. Determina ainda o artigo 18.º, n.º 2 do compêndio do IMT que se ocorrer a caducidade da isenção, como se verifica na situação sub iudice, a taxa e o valor a considerar na liquidação serão os vigentes à data da liquidação.

 

Mais, nos termos do artigo 12.º, n.º 1 do citado Código, “o IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis[2], consoante o que for maior”.

 

No caso em apreciação, interessa destacar um conjunto de factos essenciais.

 

Na Escritura Pública de compra e venda, outorgada em 1 de Fevereiro de 2008, na qual foi transmitida a propriedade do prédio rústico sito na freguesia de..., Concelho de ..., melhor identificado na alínea B da matéria de facto, foi declarado um preço de venda de € 1.695.913,00, a ser pago de uma certa forma.

 

Para efeitos de IMT, a base de incidência deve ser calculada sobre o valor do contrato, i.e., sobre o preço acordado pela transmissão (se superior ao VPT, como sucede nesta situação), não sendo atribuída relevância tributária ao modo como esse preço é pago, seja de uma só vez, ou faseadamente.

 

Por outro lado, o negócio jurídico em causa não ficou subordinado a qualquer condição ou termo, suspensivo ou resolutivo. Acresce que, tratando-se de um negócio formal (a compra e venda de um bem imóvel), essa condição ou termo teriam de revestir a forma escrita.

 

O que resulta evidenciado nos autos é uma versão dos factos distinta da que a Requerente pretende fazer valer. Desde logo, nos esclarecimentos escritos prestados à Requerida, em 14 de Maio de 2012, no âmbito da acção inspectiva, a Requerente afirma que pagou o valor de € 300.000,00, apesar de, mais tarde, em 30 de Setembro de 2014, ter rectificado a escritura para € 325.000,00 (sendo que inicialmente tinha declarado o recebimento de € 758.172,96). Adicionalmente, na presente acção arbitral, defende que o valor de mercado do imóvel é de € 525.000,00, tendo, porém, procedido à junção de uma avaliação realizada por uma empresa especializada que o avalia em € 998.000,00 e transmitido à AT, nos esclarecimentos prestados em 14 de Maio de 2012, que o preço estabelecido no contrato de compra e venda do prédio rústico devia ser fixado em € 830.997,37 (oitocentos e trinta mil novecentos e noventa e sete euros e trinta e sete cêntimos), solicitando a liquidação de IMT sobre esse valor, e não, como agora, de € 525.000,00. Esclarecimentos estes que, saliente-se, não estão suportados.

 

Em síntese, a Requerente alega um conjunto de argumentos, invocando designadamente que o negócio foi celebrado sob condição e que enferma de erro no objecto, sem, contudo, satisfazer o ónus de demonstração que lhe incumbia.

 

Interessa ter em conta que a redução do valor da transmissão do prédio que a Requerente invoca (€ 525.000,00), resulta de um acordo aprovado em assembleia de credores no processo de insolvência dos vendedores do prédio. Este acordo serviu de base à Escritura Pública de Rectificação e Alteração de Compra e Venda, outorgada em 30 de Setembro de 2014, que refere expressamente duas situações distintas:

  1. Em primeiro lugar, a rectificação da Escritura de 1 de Fevereiro de 2008, na medida em que na mesma foi declarado que os vendedores já tinham recebido a quantia de € 758.172,96, quando havia sido pago um valor menor, de € 325.000,00;
  2. Em segundo lugar, a alteração/redução do preço anteriormente acordado de € 1.695.913,00, por transacção judicial.

Resulta patente que o preço de transmissão do prédio rústico em discussão nestes autos (alínea ii)), constante da Escritura Pública de compra e Venda celebrada em 1 de Fevereiro de 2008, não foi rectificado. A rectificação da Escritura Pública respeitou apenas, como dela consta expressamente, à parte relativa à declaração do valor pago no momento da sua celebração.

 

No mais, não se tratou de uma rectificação, mas sim de uma verdadeira alteração/ redução do preço, posterior à celebração do negócio, por via de transacção judicial, com efeitos ex nunc. Afigura-se que o facto de ter sido homologada judicialmente não altera o facto de se tratar de um acordo entre as partes relativo a matéria que se enquadra em direitos disponíveis. 

 

Desta forma, não se tratou da correção, com efeitos retroactivos de um preço que ab initio estivesse errado – note-se que tal foi alegado, mas não resultou provada a condição invocada pela Requerente de que o preço seria alterado se não se verificasse determinada capacidade construtiva -, mas sim, de uma alteração do preço por acordo das partes em momento posterior.

 

Com esta configuração, o valor tributável sobre o qual incidiu o IMT em 2008, foi correctamente determinado, correspondendo ao preço validamente acordado entre as partes na transacção, ao abrigo dos artigos 12.º, n.ºs 1 e 5 e 18.º, n.º 2 do Código deste imposto. Uma redução ulterior de preço, desprovida de efeitos retroactivos, decorridos mais de dois anos após a liquidação do IMT, não tem a virtualidade de produzir efeitos sobre aquela liquidação, por a lei não o prever.

 

Salienta-se que o contrato de compra e venda, titulado pela Escritura Pública de 1 de Fevereiro de 2008, é perfeito na sua validade e eficácia, quer quanto ao objeto (artigo 874.º do Código Civil), quer quanto à forma (artigo 875.º do mesmo Código), constando do mesmo o preço, no montante de € 1.695.913,00 e a obrigação do seu pagamento, constituindo esta obrigação um dos efeitos essenciais do contrato, assim como os demais previstos no artigo 879.º do Código Civil.

 

Interessa também notar que o efetivo pagamento do preço não é condição de eficácia do contrato, uma vez que a constituição ou a transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato (conforme estipula o artigo 408.º, n.º 1 do Código Civil). Isso mesmo resulta do facto de a aquisição do prédio a favor da compradora e ora Requerente se encontrar registada com a ap. 1 de 7 de Julho de 2008, não obstante o preço não ter sido pago na totalidade (de acordo com a Escritura).

 

Acresce referir que, como acima salientado, o contrato de compra e venda, titulado pela Escritura Pública de Compra e Venda, datada de 1 de Fevereiro de 2008, não se encontra subordinado a qualquer condição suspensiva nem resolutiva, pelo que, nos termos do artigo 406.º, n.º 1 do Código Civil, deve ser pontualmente cumprido (pacta sunt servanda), não obstante poder ser modificado ou extinto por mútuo consentimento dos contraentes ou por alteração das circunstâncias, de acordo com o artigo 437.º do Código Civil (cláusula rebus sic stantibus).

 

O acordo de redução do preço para € 525.000,00, aprovado pela assembleia de credores em 5 de Março de 2014, no âmbito do processo de insolvência das Heranças Indivisas Abertas por óbito de B... e C..., ou seja dos vendedores do prédio, que correu termos pelo ... Juízo do Tribunal Judicial do ... com o n.º .../11...T..., não deriva da existência de erro ou vícios da vontade dos contraentes quanto ao preço fixado em 2008, por exemplo de erro na declaração ou dolo, previstos nos artigos 247.º e 253.º do Código Civil, respectivamente, merecedora de rectificação do contrato de compra e venda, nem está dotado de efeitos retroactivos, sendo inoponível à AT como base da liquidação do IMT, dado que a hipótese legal do artigo 12.º, n.º 1 do Código do IMT se refere ao valor constante do contrato (o preço indicado na Escritura de Compra e Venda, datada de 1 de Fevereiro de 2008) e não ao que resulta de acordos posteriores ao contrato, e a taxa e o valor a considerar na liquidação serão os vigentes à data da liquidação (artigo 18.º, n.º 2 do Código do IMT).

 

Ou seja, a redução do preço não se dá em função de uma condição do próprio negócio tributado em sede de IMT, cuja restituição a Requerente peticiona, mas sim de um acto novo e autónomo – o acordo aprovado pela assembleia de credores -, que o tem por objeto, mas que, inclusive, tem uma causa que é lhe externa e superveniente.

 

Neste contexto, acompanha-se a Decisão Arbitral do processo n.º 32/2013-T, de 9 de Agosto de 2013, de que destaca o seguinte excerto ilustrativo: Conforme ensinava Carlos Alberto da Mota Pinto, a propósito do negócio jurídico mas em termos perfeitamente transponíveis para o acto tributário, invalidade de um acto “provém de uma falta ou irregularidade dos elementos internos (essenciais, formativos)”, sendo que “a ausência de produção dos efeitos ... resulta de vícios ou deficiências ... contemporâneas da sua formação(“Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª Edição Atualizada, Coimbra Editora, p. 605”. Ou seja, e em suma, a validade do acto há-de ser aferida em relação às circunstâncias existentes no momento da sua perfeição. Circunstâncias supervenientes poderão, se a lei assim o determinar, modifica-lo, extingui-lo, ou suspender ou restringir a respectiva eficácia, mas não dar causa à invalidade de um acto que validamente se formou”.

 

Refira-se ainda que, caso a resolução do contrato constasse eventualmente do referido acordo, o que civilisticamente teria efeitos retroativos nos termos do artigo 434.º do Código Civil, tal não teria a virtualidade de provocar a anulação do IMT devido pela transmissão onerosa constante do contrato de 1 de Fevereiro de 2008, como estaria sujeito a IMT o reingresso do imóvel no património dos vendedores (disciplina que resulta do artigo 2.º, n.º 5, alínea a) do Código do IMT), a não ser que tal resolução constasse de processo judicial extinto por julgamento e não por qualquer outra das causas de extinção previstas no artigo 277.º do Código do Processo Civil, como a transacção, por exemplo (conforme José Maria Fernandes Pires, in “Lições de Impostos sobre o Património e do Selo”, 2016, 3.º Edição, Almedina, pp. 272/273). E mesmo assim a anulação do imposto seria equivalente ao produto da sua oitava parte pelo número de anos completos que faltassem para oito (cf. artigo 45.º do Código do IMT.)

 

Deste modo, considera-se que, tendo incidindo o IMT sobre o valor constante do contrato de compra e venda, titulado pela Escritura de Compra e Venda, datado de 1 de Fevereiro de 2008, no montante de € 1.695.913,00, foi corretamente aplicada a lei, mais concretamente o estipulado no artigo 12.º, n.º 1 do CIMT, pelo que falece razão à Requerente e improcede o vício substantivo de violação da lei por erro nos pressupostos de facto ou de direito.

 

Mantém-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação de IMT e de juros compensatórios, neste último caso por preenchimento das condições previstas no artigo 35.º da LGT, e bem assim as decisões de indeferimento dos procedimentos de segundo grau que sobre o mesmo recaíram e que o confirmam.

 

4.3.    Do Vício de Falta de Fundamentação da Reclamação Graciosa

 

            A Requerente argui o vício formal de falta de fundamentação, por considerar que projecto de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa não se pronunciou sobre “a sentença do Tribunal, respectiva escritura pública e rectificação do preço do imóvel”.

 

            Sem prejuízo das eventuais imperfeições do mencionado projecto de decisão, afigura-se que estas não foram de molde a comprometer o exercício do direito de audição, que, aliás, foi efectivamente concretizado. Na verdade, em sede de audição prévia, a Requerente teve a oportunidade de assinalar as razões da sua discordância e de apontar as omissões que considerou relevantes, pelo que percepcionou o sentido e alcance da decisão de indeferimento projectada.

 

            Por outro lado, a fundamentação definitiva da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa contempla de forma explícita os pontos indicados pela Requerente na sequência do direito de audição (cf. alíneas Q e R do probatório), pelo que essa decisão não viola o dever de fundamentação que, em matéria tributária, consta do artigo 77.º da LGT, pelo que improcede a alegação deste vício, com a consequente manutenção do acto.  

 

4.4.    Juros Indemnizatórios

 

O direito a juros indemnizatórios alicerça-se no artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida. Dispõe esta norma que “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

O acto de liquidação de IMT e de juros compensatórios objeto desta acção não enferma dos vícios suscitados pela Requerente, pelo que não se pode concluir pela existência de pagamentos indevidos, nem se constata o necessário pressuposto relativo ao “erro imputável aos serviços”.

 

            Nestes termos, não estão reunidas as condições ou requisitos legais constitutivos do direito a juros indemnizatórios, não se tendo verificado erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, conforme preceituado no artigo 43.º, n.º 1 da LGT, pelo que também improcede neste segmento o pedido da Requerente.

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras (cf. artigo 608.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT). 

 

5.  Decisão

 

Atento o exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar:

 

  1. Procedente a excepção de incompetência absoluta em razão da matéria com referência à coima aplicada à Requerente e consequente absolvição da instância da AT nessa parte;
  2. Improcedente o pedido de anulação parcial das decisões de indeferimento da Reclamação Graciosa e de Recurso Hierárquico e, bem assim, do acto de liquidação de IMT e de juros compensatórios sobre o qual aquelas recaíram;
  3. Improcedente o pedido de condenação da AT à restituição das importâncias pagas pela Requerente (de IMT e de juros compensatórios) e ao pagamento de juros indemnizatórios,

 

Tudo com as legais consequências.

 

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            Fixa-se ao processo o valor de € 70.332,28 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

            Custas no montante de € 2.448,00, a cargo da Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

* * *

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2019

 

 

 

Os Árbitros,

 

 

Alexandra Coelho Martins,

 

 

 

Rui Ferreira Rodrigues,

 

 

Alexandre Andrade,

 

 



[1] A Requerente invoca no ppa a data da escritura de “5-6-2012”, interpretando-se esta referência como um lapso, pois não só não existe qualquer escritura no processo com essa data, como se assim fosse estaria certamente fora de prazo a Reclamação Graciosa que foi apresentada em Outubro de 2014.

[2] Destaque nosso.