Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 112/2014-T
Data da decisão: 2014-10-05  IUC  
Valor do pedido: € 2.061,78
Tema: Incidência subjectiva – Presunção
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DECISÃO ARBITRAL

 

Requerente: A… –, S.A.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O Juiz-árbitro Francisco de Carvalho Furtado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), para formar o Tribunal Arbitral constituído em 15 de Abril de 2014, decide o seguinte:

 

A)Relatório

 

1.Em 12 de Fevereiro de 2014, A… –, S.A., contribuinte n.º …, doravante identificada por Requerente, apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por RJAT), em conjugação com a alínea a), do artigo 99.º e alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

2.No referido pedido de pronúncia arbitral a Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto Único de Circulação dos anos de 2009, 2010, 2011 e de 2012 identificados no Requerimento Inicial.

 

3.O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante identificada como Requerida).

 

4.A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Singular, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos. O Tribunal foi constituído, nos termos do disposto no artigo 11.º, do RJAT, em 15 de Abril de 2014.

 

5.Em 21 de Maio de 2014, a Requerida apresentou a sua Resposta.

 

6.Através de requerimentos apresentados em 6 de Junho de 2014 (pela Requerente) e em, 5 de Junho de 2014 (pela Requerida), ambos na sequência do despacho arbitral de 4 de Junho de 2014, as partes declararam prescindir da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e, bem assim, da apresentação de alegações.

 

7. Em 5 de Setembro p.p. foi proferido despacho em que se concede o prazo de dez dias para a Requerente indicar e demonstrar a data em que foi notificada dos actos de liquidação oficiosa e, bem assim, para as Partes se pronunciarem sobre a excepção de caducidade do direito de agir.

 

8. Em resposta ao referido Despacho a Requerida veio manifestar a sua adesão ao teor do mesmo pugnando pela procedência da excepção de caducidade do direito de agir.

 

9. A Requerente, não obstante notificada, nada disse.

 

A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

a)      A Requerente é uma instituição financeira que celebra com os seus Clientes contratos de Aluguer de Longa Duração e contratos de Locação Financeira de veículos automóveis;

b)      No final dos contratos a Requerente transmite a propriedade dos veículos para os seus Clientes;

c)      A Requerente foi notificada de actos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) relativamente a cada um dos veículos identificados nos actos de liquidação cuja declaração de ilegalidade e anulação pretende;

d)     No ano a que respeita cada uma das liquidações de IUC a Requerente já não era proprietária dos veículos em causa;

e)      O facto gerador deste Imposto é constituído pela propriedade do veículo – cfr. artigo 6.º, n.º 1, do Código do IUC;

f)       Para efeitos fiscais o registo automóvel constitui uma mera presunção susceptível de elisão por prova em contrário;

g)      O artigo 3.º, do Código do IUC constitui uma mera presunção que, atento o disposto no artigo 73.º, da Lei Geral Tributária, admite sempre prova em contrário;

h)      A Requerente faz prova de que não era, na data a que se reporta cada um dos actos de liquidação cuja anulação se pretende, proprietária dos veículos automóveis;

i)        Conclui, assim, pela ilegalidade das liquidações peticionando a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação.

 

Na sua Resposta, a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

a)      A interpretação e aplicação que a Requerente pretende fazer valer não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC;

b)      O legislador, estabeleceu no artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC quem são os sujeitos passivos deste imposto não utilizando o vocábulo “presumem-se”, mas “considerando-se”;

c)      Assim, será imperativo concluir que o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente sobre quem incide subjectivamente o imposto;

d)     Considerar que o legislador consagrou uma presunção seria inequivocamente efectuar uma interpretação contra legem;

e)      Não se trata de uma presunção, mas de uma opção de política legislativa;

f)       De igual modo, é preciso atender ao facto de o artigo 6.º, n.º 1, do CIUC determinar que o facto gerador do imposto é a propriedade tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional;

g)      Da articulação entre a incidência subjectiva e o facto gerador resulta que só as situações jurídicas objecto de registo geram o nascimento da obrigação de imposto;

h)      Existe uma relação directa entre o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto e a emissão do certificado de matrícula;

i)        A Administração tributária liquida o imposto com base nos elementos constantes do Registo Automóvel, que contém todos os elementos necessários à determinação do sujeito passivo sem necessidade de acesso a contratos de natureza particular que conferem tais direitos;

j)        Tendo em consideração a actual configuração do sistema jurídico não se terá que promover a liquidação com base em elementos que não constem de registos e documentos públicos;

k)      A não actualização do registo, nos termos do disposto no artigo 42.º, do Regulamento do Registo de Automóveis é imputável na esfera do sujeito passivo de IUC e não na do estado, enquanto sujeito activo;

l)        A ratio do regime aponta no sentido de ter sido a intenção do legislador criar um Imposto Único de Circulação assente na tributação do proprietário do veículo tal como constante do registo automóvel;

m)    Com efeito, o CIUC procedeu a uma reforma do regime da tributação dos veículos em Portugal passando a ser sujeito passivo do imposto o proprietário constante do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública;

n)      Tal ratio resulta dos debates parlamentares em torno da aprovação do Decreto-Lei n.º 20/2008, de 31 de Janeiro;

o)      A interpretação do artigo 3.º, do CIUC que a Requerente quer fazer valer é ofensiva do basilar princípio da confiança e segurança jurídica que deve enformar qualquer relação jurídica;

p)      De igual modo, tal interpretação da Requerente, também se mostra ofensiva do princípio da eficiência do sistema tributário na medida em que se traduz num entorpecimento e encarecimento das competências atribuídas à Requerida;

q)      Por fim, a interpretação da Requerente viola o princípio da proporcionalidade na medida em que o desconsidera totalmente no confronto com o princípio da capacidade contributiva, quando na realidade a Requerente dispõe dos mecanismos legais necessários e adequados à salvaguarda daquela sua capacidade, sem que, contudo, o tenha exercitado em devido tempo;

r)       A Requerente não faz prova do que alega pois as facturas (por si só) não constituem documento idóneo para comprovar a venda dos veículos;

s)       A Requerente não deu cumprimento ao previsto no artigo 19.º, do CIUC;

t)       Em face do aludido incumprimento terá que improceder a pretendia elisão do artigo 3.º, do CIUC;

u)      Não se encontram verificados os pressupostos para que a Requerida seja condenada no pagamento de juros indemnizatórios;

v)      Ainda que o Tribunal Arbitral decida pela ilegalidade das liquidações em apreço, as custas arbitrais deverão ser suportadas pela Requerente.

 

B)Matéria de facto

 

B.1 – Factos provados

 

Consideram-se como provados os seguintes factos com relevância para a decisão, com base na prova documental junta aos autos:

 

a)      A Requerente foi, em 14 de Outubro de 2013, notificada dos seguintes actos de liquidação de IUC: 2011 …; 2011 …; 2012 …; 2011 …; 2012 …; 2012 …; 2010 …; 2012 …; 2011 …; 2012 …; 2011 …; 2009 …; 2011 …; 2010 …; 2011 …; 2010 …; 2010 …; 2010 …; 2011 …; 2012 …; 2011 …; 2012 …; 2009 …; 2010 …; 2011 …; 2012 …; 2012 …; 2010 …; 2011 …; 2012 …; 2010 …; 2010 …; 2011 …; 2012 …; 2011 …; 2012 …; 2011 …; 2012 …; 2009 …; 2009 …; e 2011 … (cfr. documentos 2 a 42 junto ao requerimento inicial);

 

 

C)Saneador

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

Contudo, existe, como apontado no despacho de 5 de Setembro de 2014, uma questão prévia, de conhecimento oficioso, a que cumpre dar resposta por poder obstar ao conhecimento do mérito do pedido.

 

Como resulta da matéria de facto dada como provada, a Requerente tomou conhecimento dos actos de liquidação cuja declaração de ilegalidade pretende, no dia 14 de Outubro de 2013. Como se deixou observado a Requerente, não obstante notificada para esclarecer o Tribunal sobre a data em que foi notificada e tomou conhecimento dos referidos actos de liquidação, nada disse.

Deste modo, considerando aplicável o prazo para pagamento voluntário de 30 dias previsto no artigo 85.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, verifica-se que a data-limite para pagamento voluntário de cada um dos actos de liquidação em apreço seria o dia 13 de Novembro de 2013. Nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias contados da data-limite para pagamento voluntário do tributo. Aplicando a referida disposição legal ao caso concreto, verifica-se que o pedido de pronúncia arbitral teria que ser apresentado até ao dia 11 de Fevereiro de 2014. Resulta dos autos que o pedido de constituição do Tribunal Arbitral apenas foi apresentado no dia 12 de Fevereiro de 2014. Em face do exposto é imperioso que se conclua pela caducidade do direito de agir, que é, por se tratar de pressuposto processual negativo que consubstancia uma excepção peremptória, de conhecimento oficioso pelo Tribunal (cfr. artigo 333.º, do Código Civil).

Destarte procedendo a excepção, peremptória, de caducidade do direito de agir, fica prejudicado o conhecimento do mérito do pedido, devendo a Requerida ser absolvida da instância arbitral.

 

Decisão

 

Em face do exposto, decide este Tribunal Arbitral absolver a Requerida e condenar a Requerente no pagamento das custas.

 

Fixa-se o valor da acção em € 2.061,78 (dois mil e sessenta e um euros e setenta e oito cêntimos), nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

Fixa-se o valor da Taxa de Arbitragem em € 612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente e pela Requerida conforme supra exposto, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, 22.º, n.º 4, do RJAT e 4.º, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 5 de Outubro de 2014

 

O Árbitro

 

Francisco de Carvalho Furtado