Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 294/2018-T
Data da decisão: 2019-01-16  IVA  
Valor do pedido: € 1.624.709,25
Tema: IVA – Direito à dedução do IVA relativo à importação, transporte e desalfandegamento de bens que não são propriedade do prestador de serviços.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maças (árbitro-presidente), Dr. Isaque Marcos Ramos e Dra. Filipa Barros, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 28 de Agosto de 2018, acordam no seguinte:

 

 

I – RELATÓRIO

 

A..., LDA. (adiante designada por Requerente), pessoa coletiva n.º..., com sede em..., ...-..., ..., ..., veio, ao abrigo dos artigos 2.º n.º 1, alínea a) e 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei  n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade dos atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativos aos períodos mensais de Janeiro a Dezembro de 2014 identificados sob os n.ºs 2017 ..., 2017 ..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017... .

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, (adiante designada por AT).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 19-06-2018.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 06-08-2018, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 28-08-2018.

Devidamente notificada, a AT apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido, defendendo-se por impugnação.

Por se entender que os factos relevantes para a decisão têm suporte documental bastante e a matéria de facto não ser controvertida, foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

Foi fixado o dia 28 de Fevereiro de 2019 para a prolação da decisão final.

 

A Requerente apresentou alegações escritas, pronunciando-se sobre a prova constante dos autos, reiterando e desenvolvendo as suas posições jurídicas.

A Requerida optou por não exercer essa faculdade.

 

Assim, pretende a Requerente que seja declarada a ilegalidade das liquidações adicionais de IVA supra identificadas, respeitantes aos períodos mensais de imposto de Janeiro a Dezembro de 2014, no montante global de € 1.624.709,25 com a sua consequente anulação, bem como a condenação da Requerida na indemnização das despesas que a Requerente suportou e vier a suportar com a garantia bancária prestada no montante de € 2.055.444,24, alegando, em síntese, o seguinte:

 

  1. Como nota prévia, a Requerente refere que a questão objecto do presente pedido já foi submetida por diversas vezes à arbitragem no âmbito do CAAD, pelo mesmo contribuinte, discutindo-se o mesmo caso concreto, apenas variando os períodos de tributação;
  2. A Requerente nota que o Relatório de Inspeção que subjaz às liquidações anteriores reproduz ipsis vebis o quadro factual e a fundamentação encontrada para as liquidações ora impugnadas, sendo tal consideração importante, uma vez que, até ao momento, todos os Acórdãos Arbitrais produzidos com respeito a esta mesma questão[1] decidiram, por unanimidade, pela anulação das liquidações adicionais e pelo consequente deferimento dos pedidos de reembolso de IVA solicitados pela Requerente;
  3. A título de enquadramento da questão, a Requerente começa por explicar que tem por objeto social a prestação de serviços de produção de produtos plásticos, comercializados por outras empresas do grupo multinacional em que se insere – Grupo A... - atividade que exerce em Portugal há cerca de duas décadas;
  4. A Requerente é uma empresa autónoma com gestão própria, sendo responsável pela condução e gestão diária da sua atividade, e detém poder de decisão no que respeita ao seu quadro de pessoal, política salarial, plano de produção e aquisição de equipamentos; 
  5. A Requerente foi destinatária das liquidações adicionais de IVA acima identificadas relativas ao exercício de 2014, tendo estas resultado de correções efectuadas pela AT no âmbito de ações propostas pelos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de ..., no decurso do ano de 2017, que determinaram a negação do direito à dedução do IVA;
  6. Desde que iniciou a sua atividade, a Requerente adotou o mesmo procedimento regra em matéria de IVA – e que manteve no exercício em questão – deduzindo o imposto suportado em importações de bens realizadas no âmbito da execução do Acordo de Serviços de Fabrico (doc. n.º 5 junto à Reclamação Graciosa, Anexo II, no PA) celebrado com a sociedade B..., S.A. (adiante designada por B...), sociedade do grupo sediada na Suíça, o que, por vezes, deu origem a situações de crédito de IVA e respetivos pedidos de reembolso;
  7. A Requerente deduziu igualmente, como sempre fizera, o IVA suportado com o transporte e despacho dos bens importados que utiliza no fabrico de produtos finais, em que consiste a sua principal atividade. Com efeito, tais serviços são facturados à B... e sujeitos a IVA, nos termos legais;
  8. Não obstante adotar um mesmo procedimento de forma reiterada ao longo de 20 anos de atividade em Portugal, na sequência de pedidos de reembolso de IVA efectuados pela Requerente, referentes ao exercício de 2014, totalizando €1.624.709,25, a Requerente viu suprimido liminarmente o direito à dedução daquele imposto, sem que tenha sido apresentada a mínima justificação ou apoio no Código do IVA, e ao contrário do que sempre foi entendimento da própria AT;
  9. O Projeto de Correções apresenta assim três grupos de correções ao IVA que teria sido – na tese da AT – deduzido indevidamente: importação, transporte e desalfandegamento dos bens, nos valores respetivamente de € 1.533.936,15, € 76.941,53,54 e € 13.831,57;   
  10. A Requerente recorda que os bens em causa são essenciais à fabricação de determinados produtos A... e que, sem eles, não seria possível levar a cabo as tarefas de fabricação necessárias ao cumprimento do disposto no acordo celebrado com a B...;
  11. Porquanto, de forma incompreensível, a Requerente viu-se confrontada com a oposição da AT ao procedimento por si seguido desde sempre, no que respeita à liquidação e dedução de IVA, alegando a AT, de acordo com as conclusões dos projetos de correcção, que em razão da propriedade dos bens, a Requerente tê-los-ia afectado a outros fins que não os da sua atividade. Por conseguinte, a negação do direito à dedução teve por base critérios argumentativos de natureza puramente formal e extralegal, assentes numa questão de “propriedade de bens” omitindo, porém, a razão de ciência que justificou a supressão daquele direito;
  12. Contrariando tal tese, veja-se não só o artigo 20.º do Código do IVA (CIVA), que não faz qualquer referência, expressa ou implícita, à propriedade enquanto requisito do exercício do direito à dedução, mas também o entendimento da Direção de Serviços do IVA (DSIVA) já chamada a pronunciar-se sobre a mesma questão e nas exatas circunstâncias do caso em análise (Informação n.º 2000), a Diretiva IVA, nomeadamente, o seu artigo 168.º e a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), reiterada e constante nesta matéria, v.g. acórdão de 29 de Março de 2012, proferido no processo n.º C-414/10;
  13. Reportando-se à situação concreta da importação, a Requerente sublinha que o Código do IVA, assim como a Diretiva IVA que o enforma, não exigem para que o imposto seja relacionado com uma atividade dedutível, que haja uma qualquer “aquisição” – muito menos no caso da importação de bens – que é um facto tributário em si mesmo – independentemente de qualquer transação subjacente, ou não, à operação de importação;
  14. Se dúvidas houver sobre a compatibilidade do artigo 20.º do CIVA, na interpretação da AT, com a Diretiva do IVA, tal deve ser objecto de reenvio prejudicial para o TJUE, nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE);
  15. A posição da AT, no que se refere à (não) dedutibilidade do IVA suportado pela Requerente, traduz-se não só numa apropriação ilegítima de montantes que não lhe compete liquidar ou reter a qualquer título legal, bem como transforma o imposto num verdadeiro custo da atividade por si desenvolvida, causando um prejuízo injustificado à Requerente e pondo em causa a neutralidade do IVA;
  16. Tal conduta da AT contraria o funcionamento do imposto visado pelo legislador, tal como resulta da base comunitária do imposto e de toda a jurisprudência firmada pelo TJUE, em matéria de direito à dedução do IVA, consagrando a regra da dedução do IVA suportado a montante, para fins empresariais, como regra fundamental de funcionamento do imposto (devendo ser absolutamente excepcionais as situações em que a mesma regra pode ser afastada), e viola o princípio da proporcionalidade (artigos 2.º e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa - CRP);
  17. Acresce que a AT não apresentou nos projetos de correção ou no Relatório Final, de forma clara e congruente, os motivos e a fundamentação legal que sustentam a posição adoptada, em violação dos artigos 268.º, n.º 3 da CRP e 77.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), prejudicando dessa forma o direito de defesa da Requerente;
  18. De facto, a AT não cumpriu o dever de justificar por que razão foi desconsiderada a dedução do IVA no caso em análise, ao invés estabeleceu uma presunção infundada e ilegal – ausência da propriedade jurídica sobre os bens importados, transportados e desalfandegados pela Requerente -  para justificar uma pretensa não dedutibilidade do IVA em causa, sem explicar quais são, em concreto, as razões de facto e de direito para assim decidir, permitindo à Requerente conhecer tais razões e atacá-las, segundo a mais elementar das garantias de defesa, legal e constitucionalmente protegidas;
  19. Além do mais, não obstante a Requerente ter sido regularmente notificada para exercer o seu direito de audição, os argumentos e pedidos da Requerente foram totalmente ignorados, não merecendo qualquer resposta por parte da AT, por conseguinte, a Requerente não foi realmente ouvida nomeadamente no que respeita à base legal para as liquidações em crise, em violação clara do preceituado no artigo 60.º da LGT;
  20. No caso em apreço, a AT veio invocar o critério de “propriedade” em circunstâncias idênticas àquelas em que considerou tal critério irrelevante (caso subjacente à Informação n.º 2000 acima referida), tratando, dessa forma, situações idênticas de forma diferente, em clara violação do princípio da igualdade – artigo 13.º da CRP – ao qual as autoridades administrativas estão expressamente vinculadas (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT);
  21. Ora, segundo a Requerente, encontram-se reunidos todos os requisitos formais e materiais que legitimam o direito à dedução do IVA, sendo certo que, tanto na importação de bens, como no transporte e nos serviços de desalfandegamento, o imposto suportado está na verdade diretamente relacionado com a atividade sujeita a IVA desenvolvida pela Requerente, a saber: o fabrico de produtos finais da marca A..., em que utiliza, como simples componentes, os bens importados em causa nos autos;
  22. A Requerente concluiu, pedindo a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação, e consequentemente a sua anulação, porquanto padecem de vício de forma e de violação de lei, bem como a condenação da AT, nos termos do artigo 53.º da LGT, ao pagamento, a título de indemnização, das despesas que suportou e vier suportar com a garantia prestada para sustar os processos de execução fiscal instaurados com base nas liquidações contestadas.

 

Por seu turno, a Requerida veio em resposta, por impugnação alegar, em síntese:

 

  1. Toda a atividade da Requerente, quer de produção de produtos da marca A..., quer de armazenagem dos mesmos e das matérias-primas necessárias ao processo de fabrico, é efectuada ao abrigo de um acordo designado “Acordo de Serviços de Fabrico”, celebrado com a B..., sociedade com sede na Suíça;
  2. A Requerente presta ainda serviços de armazenagem à C... Lda., e à D... S.A.;   
  3. A Requerente deduziu um montante de imposto devido na importação de bens que não são sua propriedade e que não são inputs da sua atividade já que é uma mera prestadora de serviços (de moldagem e montagem das matérias primas e componentes de produção) à B...;
  4. Com efeito, de acordo com confissão expressa da Requerente o seu principal cliente é a B... representando a respetiva faturação mais de 90% do seu volume de negócios;
  5. Ademais todas as matérias primas e componentes que incorporam o produto acabado, e o próprio produto acabado, são propriedade da B..., correndo os riscos inerentes a tais matérias-primas, componentes e produto acabado exclusivamente por sua conta; 
  6. A B... está registada em Portugal para efeitos de IVA, comercializando os referidos produtos quer no mercado interno, quer no mercado externo, na qualidade de sujeito passivo do imposto português; 
  7. Assim, como todos os bens importados são propriedade da B..., e nunca são contabilizados pelo seu montante líquido pela Requerente, a remuneração das referidas prestações de serviços não integra o valor dos bens importados;
  8. Não pode existir uma dedução de imposto suportado a montante que não esteja conexa com uma operação tributável a jusante;
  9. A importação dos bens a que se reporta o imposto em causa nos presentes autos é conexa com a venda do produto final efetuada pela B... quer no mercado interno, quer no mercado intracomunitário, e não com as operações praticadas pela Requerente;
  10. Embora nada se exija na Diretiva IVA em relação ao requisito da propriedade dos bens, o imposto que está associado à aquisição dos referidos bens, seja no mercado externo ou no mercado interno, tem de estar associado ao montante (valor tributável) das referidas aquisições, o que não é o caso;  
  11. O mecanismo das deduções do IVA está previsto nos artigos 19.º a 26.º do CIVA e faz parte da essência do próprio imposto, referindo o artigo 19.º que, para o apuramento do imposto devido (autoliquidação), os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis num determinado período, o imposto que lhes foi facturado na aquisição de bens e serviços por outros sujeitos passivos, mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados sob a forma legal, no mesmo período, situação que deverá ser reflectida na declaração periódica a que se refere a alínea c), do n.º 1 do artigo 29.º do CIVA;
  12. No caso em apreço, a Requerente está subordinada às regras reguladoras do direito à dedução previstas no CIVA;
  13. Devendo, assim, improceder, por falta de fundamento, o pedido arbitral.

 

II.     SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A / 2011, de 22 de Março). O processo não enferma de nulidades.

Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III. DECISÃO

 

1. Matéria de facto

 

  1. Factos dados como provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente dedica-se à prestação de serviços de produção de produtos plásticos, comercializados por outras empresas do grupo multinacional em que se insere, exercendo a sua atividade em Portugal há cerca de duas décadas;
  2. A Requerente desenvolve a sua atividade económica em cinco áreas centrais: a título principal, a prestação de serviços de produção de produtos plásticos, comercializados por outras empresas do grupo multinacional em que se insere – Grupo A...; a título residual, a prestação de serviços de armazenagem, a venda de desperdícios, a venda de embalagens e a compra em nome próprio, mas por conta de outras empresas do grupo, de serviços de transporte de bens;
  3. Em concreto, a Requerente desenvolve a sua atividade ao abrigo de um Acordo de Serviços de Fabrico (“Tolling Agreement” – conforme doc. n.º 5 junto à reclamação graciosa), celebrado com a B... sociedade do grupo sediada na Suíça, em Dezembro de 1997;
  4. Resulta desse Acordo de Serviços de Fabrico, que a Requerente se compromete a fabricar os produtos em conformidade e sob as instruções e especificações fornecidas pela B..., estando vinculada a respeitar os padrões de qualidade da marca, através do uso do know-how, desenhos, normas e outras imposições emitidas pela B..., (conforme artigo 2.º do Acordo de “Tolling Agreement”);
  5. Todas as matérias-primas e componentes que incorporam o produto final, todos os produtos em curso e produtos finais são propriedade da B... (conforme n.º 1 da Cláusula 4.ª do “Tolling Agreement”);
  6. O valor acordado para a prestação de serviços de fabrico pela Requerente corresponde aos custos e despesas incorridos, acrescidos de uma tarifa equivalente a 15% do seu valor (conforme cláusula 6.ª do “Tolling Agreement”);
  7. O processo de produção dos produtos plásticos inicia-se com a aquisição de matérias-primas e componentes, pela B..., em nome próprio, sendo posteriormente importados pela Requerente, em Portugal, que os incorpora nos produtos finais que fabrica para a B..., para que esta possa, em última instância, proceder à sua alienação sob a marca A...;
  8. No que se refere a este aspecto da cadeia de produção, a Requerente apresenta-se na alfândega portuguesa na qualidade de “importer of record”, atuando por conta da B..., em virtude de a última não dispor de qualquer estrutura de meios humanos e técnicos que lhe permitam efetuar as importações em Portugal;
  9. Para esse efeito, ou seja, para proceder ao desalfandegamento das matérias-primas e componentes referidos, a Requerente contratou, no caso em concreto, em nome próprio, a sociedade E... Lda. (“E...”) como Despachante Oficial, sendo os custos com a prestação deste serviço refacturados à B...;
  10. A Requerente presta serviços de armazenagem de produtos em território português à D... S.A. (doravante “D...”) e à B..., que incluem o armazenamento de produtos produzidos, quer pela Requerente e por outras empresas do Grupo A..., quer por empresas que dele não fazem parte;
  11. De igual modo, é ao abrigo de um Acordo para Serviço de Armazenagem – “Warehousing Services Agreement” – (documento n.º 6 junto à Reclamação Graciosa, Anexo II. 1.ª parte), celebrado entre a Requerente e a B..., em 1997, que a Requerente presta serviços de armazenagem, manuseamento, carregamento em camiões e emissão de guias de remessa à B..., a respeito das matérias-primas, componentes e produtos finais que são propriedade da B...;
  12. Todos os bens utilizados e fabricados ao longo da cadeia produtiva, incluindo as matérias-primas, os componentes, os produtos finais e outros bens necessários para a produção, são armazenados nas instalações da Requerente, quer em ..., quer em armazém arrendado em ...— encontrando-se os bens da B... fisicamente separados dos restantes;
  13. O valor do serviço de armazenagem abrange todos os custos e despesas relacionados com os serviços de armazenagem prestados ao abrigo do Acordo para Serviços de Armazenagem, ao qual acresce uma margem de lucro de 10% sobre os mesmos (cfr. cláusula 6.ª do “Warehousing Services Agreement”);
  14. Em estrita conexão com os serviços de armazenagem prestados, a Requerente procede, por vezes, à contratação de serviços de transporte em nome próprio, mas por conta de outras entidades do grupo, procedendo posteriormente à sua refaturação à B...;
  15. No caso concreto, o transporte dos bens, desde a sua origem até ao local de descarga em ..., é da responsabilidade do respetivo fornecedor, podendo a Requerente contratar ela própria o transporte em situações excecionais, sendo o encargo refacturado à B...;
  16. A Requerente encontra-se enquadrada no regime de periodicidade mensal e é um sujeito passivo de IVA integral, na medida em que pratica exclusivamente operações com direito à dedução do IVA;
  17. Os serviços faturados à B... no âmbito do Acordo de Serviços de Fabrico correspondem a mais de 90% das operações realizadas pela Requerente;
  18. Na sequência dos pedidos de reembolso de IVA efetuados pela Requerente referentes aos períodos de Julho e Outubro de 2015, a AT conduziu inspeção a tais períodos de tributação, sustentados pelas Ordens de Serviços n.º 012015..., de 10 de Setembro de 2015, e n.º 012015..., de 11 de Dezembro de 2015;
  19. Seguidamente, a AT abriu novas Ordens de Serviços, recuando no tempo até ao prazo de caducidade do direito à liquidação, começando pelo ano 2012, prosseguindo pelo ano 2013 e pelo ano 2014, aqui em causa;
  20. A ação inspetiva ao ano 2014, aqui em causa, baseou-se no mesmo Ofício da AT, de que a Requerente foi notificada - i.e. o Ofício n.º ... de 10-11-2015 – e respetivas respostas e esclarecimentos fornecidos pela Requerente em 30-11-2015 aos Serviços de Inspeção Tributária;
  21. O Relatório de Inspeção Tributária emitido pela Direção de Finanças de ..., junto com o processo administrativo, o qual se dá por integralmente reproduzido, é baseado nos relatórios das ações inspectivas desencadeadas com respeito aos períodos de IVA de Julho e Outubro de 2015, variando apenas nos valores (cfr. doc. n.º 7 – Relatório de Inspeção relativo a IVA de Julho de 2015 – doc. n.º 8 – Relatório de Inspeção relativo a IVA de Outubro de 2015 – e doc. n.º 11 – Relatório de Inspeção relativo ao IVA do ano 2015, excluindo os períodos de Julho e Outubro – juntos à Reclamação Graciosa, Anexo II);   
  22. O Projeto de Correções respeitante a 2014 elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... conclui em relação ao IVA suportado pela Requerente na importação dos bens, nos seguintes termos: “Em face do exposto, concluímos que os bens importados descritos no quadro I a XII, relativamente aos quais a F... deduziu o IVA respeitam a bens que não são sua propriedade e por isso não são utilizados para a realização das operações tributáveis [sic.] relacionadas com as operações de transmissões de bens e/as prestações de serviços da entidade portuguesa (F...)” (...)“Deste modo, foi deduzido, indevidamente, o IVA inscrito nos documentos de importação de bens propriedade da B..., durante o ano de 2014, no valor de € 1.533.936,15.” (cfr. Anexo II, Reclamação Graciosa, do Projeto de correções junto como doc. n.º 11); 
  23. Em relação aos serviços de transporte adquiridos pela Requerente no mesmo âmbito de atividade, o Projeto de Correções conclui o seguinte: “Em face do exposto, concluímos que SP deduziu o IVA indevidamente relativo aos transportes de bens importados que são propriedade da B..., os quais estão descritos no ponto anterior. Nesta conformidade não se destinam à realização das transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a Imposto e dele não isentas, nos termos da alínea a) n.º 1 do art.º 20.º do Código do IVA.” (...) “Em suma, relativamente às prestações de serviços supra descritas [transporte] foi deduzido indevidamente IVA no valor total de € 76.941,53” (cfr. Projeto de correções cit., pág. 49);
  24. Em relação aos serviços de despachante, o Projeto de Correções conclui da seguinte forma: “No que respeita às prestações de serviços supra descritas [despachante] foi deduzido indevidamente IVA no valor total de € 13.831,57” (cfr. Projeto de correções cit., pág. 57);
  25. Notificada dos projetos de correção relativos ao ano de 2014, a Requerente não exerceu formalmente o respetivo Direito de Audição, pois havia sistematicamente manifestando a sua discordância com a AT em relação a quatro inspeções anteriores distintas (cfr. exercício do Direito de Audição anexo ao Relatório Final de Inspeção junto como doc. n.º 12 à Reclamação Graciosa — Anexo II);
  26. A Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspeção no qual se mantiveram todas as correções indicadas, concluindo-se pela não dedutibilidade de IVA nos valores de € 1.533.936,15 com referência ao IVA suportado com a importação de bens ao abrigo do Acordo de Serviços de Fabrico, € 76.941,53 atinentes ao IVA suportado com o seu transporte e € 13.831,57 respeitantes ao IVA suportado com as prestações de serviços do despachante (cfr. Anexo II, 3.º Parte, Reclamação Graciosa, Relatório Final de Inspeção ao ano 2014, ali junto como doc. n.º 12);
  27. A Requerente foi notificada das liquidações adicionais de IVA relativas aos períodos mensais de Janeiro a Dezembro do ano 2014, identificadas sob os números 2017..., 2017..., 2017..., 2017 ..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017 ..., 2017... 2017..., 2017..., acompanhadas das demonstrações de acerto de contas;
  28. A Requerente não procedeu a qualquer pagamento do IVA liquidado pela AT com respeito aos períodos em causa no ano de 2014 (€ 125.137,76, € 120.640,95, € 36.699,59, € 129.387,25, € 220.385,64, € 138.408,53, € 159.208,16, € 105.155,22, € 120.992,89, € 273.838,43, € 91.687,55, € 103.167,28), perfazendo o valor total de € 1.624.709,25.
  29. Findo o prazo de pagamento fixado, foram instaurados à Requerente 10 processos de execução fiscal sob os n.ºs ...2017..., ...2017..., ...2017..., ...2017..., ...2017..., ...2017..., ...2017..., ...2017..., ...2017... e ...2017..., destinados à cobrança coerciva das quantias liquidadas;
  30. Em 26-07-2017, a Requerente prestou uma garantia bancária que lhe foi exigida, no valor de € 2.055.444,24 para suspender as execuções fiscais referidas (cfr. doc. n.º 14 em anexo à Reclamação Graciosa, cujo teor se dá como reproduzido);
  31. Em 31-08-2017, com referência às referidas liquidações adicionais de IVA, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa dos autos;
  32. Em 25-03-2018 a Requerente foi notificada do indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada;     
  33. No dia 18-06-2018 deu entrada o pedido de constituição de Tribunal Arbitral.

 

 

1.2. Factos dados como não provados

 

De entre os alegados, relevantes para a decisão, nenhum ficou por provar.

 

1.3. Fundamentação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário – CPPT– e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil – CPC –, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alªs. a) e e) do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o processo administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 26-06-2014, proferido no processo 07141/13 (Catarina Almeida e Sousa), “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Em especial, os factos dados como provados supra identificados nas alíneas c) a z) tiveram em conta o disposto nos articulados das partes bem como nos documentos juntos pela Requerente, e ainda o Relatório de Inspeção Tributária. A restante factualidade resulta da documentação constante do PA, considerando-se que os factos elencados não têm natureza controvertida, circunscrevendo-se a matéria principal em discussão a uma questão de direito essencial: aferir da ilegalidade ou não dos atos tributários ora sindicados por alegada desconsideração do direito à dedução do IVA suportado no ano de 2014 com as operações de importação, despacho e transporte de bens utilizados pela Requerente para a sua atividade de fabrico de produtos para comercialização sob a marca “A...”.

 

2. Matéria de direito

2.1. Do vício de violação de lei invocado pela Requerente

 

Não obstante a Requerente impute aos actos tributários em apreço diversos vícios, começará este Tribunal Arbitral, ao abrigo do artigo 124.º do CPPT, por apreciar o vício de violação de lei suscitado e, em particular, o de violação dos artigos 20.º do Código do IVA e 168.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (cfr. §.202.º a §.222.º do Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral).

 

Assim, decorre da matéria factual assente que está em causa nos presentes autos a resposta a uma única questão, e que se resume a saber se é legalmente admissível a um sujeito passivo de IVA exercer o direito à dedução do imposto suportado no âmbito de operações relativas a bens propriedade de terceiros.

De referir que esta questão foi já colocada, em termos idênticos, nos processos arbitrais n.ºs 410/2016-T (José Baeta de Queirós), 548/2017-T (Jorge Lopes de Sousa) e 286/2018-T (José Poças Falcão) e decidida em termos que se consideram adequados, quer quanto ao sentido, quer quanto à fundamentação pelo que se seguirá, de perto, a referida Jurisprudência. 

Assim, e com relevância para os presentes autos, dispõe o n.º 1 do artigo 19.º do Código do IVA:

“1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:

a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;

b) O imposto devido pela importação de bens;

(…)”.

Por outro lado, nos termos do artigo 20.º do mesmo compêndio legal:

“1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

  1. Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

(…)”.

 

Já a Directiva IVA determina, no respectivo artigo 168.º:

“Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)

 O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

 

 

(…)

 

 

e)

O IVA devido ou pago em relação a bens importados para esse Estado–Membro.”

Como vem, repetidamente, afirmando o Tribunal de Justiça da União Europeia, o direito à dedução do imposto constitui um dos elementos essenciais do funcionamento do sistema comum do IVA não podendo, em princípio ser limitado. Invoque-se a este propósito, e a título meramente exemplificativo, o Acórdão daquele Tribunal, datado de 15/09/2016 e proferido no âmbito do processo C‑516/14 (Barlis 06 — Investimentos Imobiliários e Turísticos SA)[2] - e que resultou, precisamente, de um processo de reenvio prejudicial suscitado pelo CAAD. Escreveu-se do referido Aresto, com abundantes referências Jurisprudenciais:

«37. Cumpre recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito dos sujeitos passivos a deduzir do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago sobre os bens adquiridos e os serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União (acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Maks Pen, C‑18/13, EU:C:2014:69, n.° 23 e jurisprudência aí referida).

38. O Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que o direito a dedução do IVA previsto nos artigos 167.° e seguintes da Diretiva 2006/112 faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Esse direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efetuadas a montante (v., neste sentido, acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Maks Pen, C‑18/13, EU:C:2014:69, n.° 24 e jurisprudência aí referida).

39. O regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (acórdão de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C‑277/14, EU:C:2015:719, n.° 27 e jurisprudência aí referida)” – o negrito é nosso.

Na Doutrina, e referindo o direito à dedução como a “trave-mestra do sistema do imposto sobre o valor acrescentado” já que é ele que permite ao sujeito passivo expurgar do seu encargo o IVA suportado a montante, não o reflectindo assim como custo operacional da sua actividade, eliminando o efeito cumulativo ou de cascata e propiciando a neutralidade económica do imposto veja-se, por exemplo, Xavier de Basto, A tributação do consumo e a sua coordenação internacional, CCTF n.º 164, Lisboa, 1991, pág. 41 e Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º 1, Almedina, 5.ª edição, Julho 2011, págs. 17 a 29. Na Jurisprudência do CAAD, e referindo-se ao direito à dedução como um “elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica – a neutralidade”, por exemplo, a Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo n.º 148/2012-T (Benjamim Silva Rodrigues).

Contudo, o exercício do direito à dedução suportado nas operações de aquisição de bens e serviços a sujeitos passivos não é um direito livre ou incondicionado dependendo, antes, da verificação de determinados requisitos de natureza formal, temporal, subjectiva e objectiva – cfr. na Jurisprudência nacional, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 03/07/2013 e proferido no âmbito do processo 01148/11 (Pedro Delgado) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 06/04/2017 e proferido no âmbito do processo 07097/13 (Ana Pinhol).

No caso em apreço está em causa, unicamente, o preenchimento dos requisitos objectivos e, por isso, é sobre estes que nos deteremos em maior detalhe.

Assim, no quadro legislativo nacional, e como decorre do n.º 1 dos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA, no apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos apenas poderão deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram, o imposto que tenha incidido sobre os bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados por esse mesmo sujeito passivo para a realização das operações referidas no artigo 20.º do mesmo Código.

Sobre esta matéria, e como decorre do Acórdão do TJUE datado de 6 de Setembro de 2012 e proferido no âmbito do processo C-496/11, §.36.º a §. 41.º (Portugal Telecom SGPS) o direito à dedução depende, desde logo, da existência de uma relação directa e imediata dos bens e serviços adquiridos com o conjunto da actividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo, no sentido de que, na ausência dessa relação, aquele direito é liminarmente recusado, independentemente de averiguações suplementares.

Numa segunda linha, é preciso que exista também uma relação específica entre o bem ou o serviço adquirido e aquelas operações que, enquadradas na actividade global do mesmo sujeito passivo, podem classificar-se estritamente como operações tributáveis.

De facto, o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução – cfr., neste sentido, por exemplo, o Acórdão do TJUE datado de 26 de Maio de 2005 e proferido no âmbito do processo C-465/03, §. 34 e §.35 (Kretztechnik AG), o Acórdão datado de 08 de Junho de 2000 e processo C-98/98, §.29 e §.30 (Midland Bank plc) e o Acórdão datado de 22 de Fevereiro de 2001 e proferido no âmbito do processo 408/98), §.25, e 26.º (Abbey National plc) – sobre esta matéria, na doutrina nacional, por exemplo, Clotilde Celorico Palma, Introdução (…), Ob. Cit., pág. 159 e Valente Torrão, Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado Anotado, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 126).

Decorre, a contrario, do exposto, que a aquisição de um bem ou de um serviço para fins particulares, não relacionados com o exercício de uma atividade económica, ou a importação de um bem para os mesmos fins privados, não permite a dedução do IVA suportado na operação respetiva, ainda que esse bem seja posteriormente utilizado no exercício de uma atividade económica ou empresarial.

Ora, no caso em apreciação, não foram suscitadas quaisquer dúvidas quanto ao facto do imposto suportado pela Requerente o ter sido no âmbito de uma operação de importação que se enquadra na sua actividade económica (tributável) na acepção da alínea c) do n.º 2 do artigo 4.º do Código do IVA.

Também não vêm invocados quaisquer factos que possam indiciar o exercício de actividades ilícitas ou de fraude ou elisão fiscal.

Tal resulta, aliás, cristalino do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa onde a AT reconhece expressamente que a Requerente “faz entrar [os bens] no território nacional para depois produzir os produtos”.

O que, na verdade, a AT coloca em causa é apenas a verificação da “relação directa e imediata” destas operações com o conjunto da actividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo. De facto, no despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa refere-se expressamente:

“Ora, a questão essencial no caso em análise, prende-se com o facto primordial de que a reclamante não é a adquirente dos bens (da matéria prima), bens esses que apenas faz entrar no território nacional para depois produzir os produtos (…) mas por conta e ordem da empresa não residente, esta sim a real adquirente dessa mesma matéria prima.

Para que o IVA seja dedutível, as operações efectuadas a montante devem ter uma relação directa e imediata com as operações a jusante com direito a dedução.

Assim, o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução.

No caso em apreço e tal como se encontra profusamente explanado no relatório de inspecção, os inputs nunca geram outputs na esfera da entidade portuguesa e ora reclamante” – o negrito é nosso.

Já nas Conclusões do Relatório de Inspecção pode ler-se (pág. 40):

“Em face do exposto, concluímos que os bens importados descritos no quadro I a XII, relativamente aos quais a F... deduziu IVA respeitam a bens que não são sua propriedade e por isso não são utilizados para a realização das operações tributáveis relacionadas com as operações de transmissões de bens e/os prestação de serviços da entidade portuguesa – negrito nosso.

Decorre, pois, da fundamentação dos actos tributários em crise que, para a AT, o facto da Requerente importar os bens por conta de uma entidade terceira – bens que se limita a transformar no âmbito de um contrato de empreitada e que, por isso, não chegam nunca a entrar na sua esfera patrimonial – inviabiliza o direito à dedução, pela Requerente, do imposto por si suportado. Para a AT, tal facto impede que se verifique, in casu, uma relação directa e imediata entre o bem e o serviço adquirido e as operações tributáveis da Requerente.

Diga-se, desde já, que não assiste razão à Autoridade Tributária.

Como resulta da matéria factual assente, o imposto em causa nos presentes autos resulta da aquisição de bens (matéria-prima) que, no âmbito de um contrato de empreitada, vão ser transformados dando origem a operações tributáveis - com a natureza de prestação de serviços nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 4.º do IVA - e que consistem, precisamente, na entrega dos bens produzidos/montados ao dono da obra. Estas operações serão tributáveis ou isentas (isenção completa) consoante se destinem a ser consumidas/utilizadas no território da União Europeia ou à exportação.

Em termos materiais, a operação em apreço não é mais do que a execução de um contrato de empreitada com materiais fornecidos pelo dono da obra (operação assimilada a prestação de serviços pela alínea c) do n.º 2 do artigo 4.º do Código do IVA). A única particularidade reside no facto da entrega desses materiais pelo dono da obra não ser efectuada em território nacional, mas sim remetida a partir de um país terceiro, dando origem a uma importação que constitui um facto gerador de imposto nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º, da Diretiva IVA e do artigo 1.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA.

Acresce que o sujeito passivo dessa operação de importação é, in casu, a Requerente, conclusão que se retira da conjugação da legislação aduaneira e dos normativos aplicáveis ao IVA:

  1. A alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA determina que são sujeitos passivos de IV “as pessoas singulares ou colectivas que, segundo a legislação aduaneira, realizem importações de bens”;
  2. A alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IVA (em termos semelhantes ao segundo parágrafo do n.º 1 do artigo 71.º da Directiva IVA) estabelece que, nas importações, o imposto é devido e torna-se exigível “no momento determinado pelas disposições aplicáveis aos direitos aduaneiros, sejam ou não devidos estes direitos ou outras imposições comunitárias estabelecidas no âmbito de uma política comum”;
  3. Nos termos do n.º 12 do artigo 4.º, do Código Aduaneiro Comunitário (CAC) e do artigo 5.º, n.º 19, do Código Aduaneiro da União (CAU), a pessoa responsável pelo pagamento dos direitos aduaneiros é designada como “devedor”. Em concreto, a pessoa do devedor coincide com a pessoa que apresenta a declaração aduaneira;
  4. Quando uma pessoa apresenta uma declaração aduaneira em nome próprio, mas por conta de outra pessoa (“representação indireta”, conforme artigos 5.º, n.º 2, do CAC e 18.º, n.º 1, do CAU), a pessoa que preenche a declaração aduaneira é o declarante (cfr. artigo 4.º, n.º 18, do CAC e artigo 5.º, n.º 15, do CAU) e é também considerada como devedora do imposto (cfr. artigos 201.º do CAC e 77.º, n.º 3, do CAU);

Porém, sublinhe-se, tal especificidade em nada afecta o direito à dedução do imposto valendo a regra geral vertida na alínea b) do n.º 1 do artigo 19.º, do Código do IVA, nos termos do qual os sujeitos passivos têm direito a deduzir o imposto devido ou pago pela importação de bens.

Este mesmo entendimento encontra-se substancialmente fundamentado no Parecer dos Professores Xavier de Basto e Odete Oliveira junto aos autos onde se refere (págs. 14 e segs.): 

“Na situação em análise, a especificidade é apenas a de que a entrega dos materiais pelo dono da obra ao confecionador (empreiteiro) não ocorre diretamente no território nacional, antes a este chegando depois de atravessar as fronteiras territoriais de Portugal e também da União Aduaneira. E isto apresenta consequências várias, que devemos analisar para bem concluir.

Primeiro, a de ocorrer uma importação, que o CIVA define como operação tributável face à aplicação do princípio do destino no comércio internacional a que o imposto obedece, e cuja definição é feita pela legislação fiscal nacional em conjugação com o Código Aduaneiro (um Regulamento comunitário).

A segunda consequência é a de que a entidade considerada como importador – sujeito passivo na importação – é a definida pela legislação aduaneira por remissão feita na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, que considera como o importador a pessoa que figure como destinatário no documento de importação, na medida em que o artigo 4.º, n.º 18 do Código Aduaneiro Comunitário (CAC) considera como “declarante” a pessoa que faz a declaração aduaneira em seu nome ou a pessoa em nome de quem a declaração é feita, e o artigo 201.º, n.º 3, 1.º parágrafo do CAC diz que o devedor é o declarante.

Relembre-se a propósito que embora a Diretiva IVA considere que o IVA da importação pode ser pago por um sujeito passivo ou por um mero devedor (artigo 21.º n.º 2 da Sexta Diretiva), o legislador português não adotou a mesma solução, antes considerando sempre o importador como sujeito passivo, umas vezes apenas com a natureza de “devedor” do imposto para aplicação do princípio do destino (alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA), já que nas restantes, esse importador, se sujeito passivo, está já abrangido pela alínea a) do mesmo número e artigo. Note-se, aliás, que, segundo jurisprudência constante do TJUE, “o IVA na importação e os direitos aduaneiros apresentam traços essenciais comparáveis na medida em que façam nascer o facto da importação na UE e a consecutiva introdução dos bens no circuito económico dos Estados Membros. Paralelismo que é confirmado pelo facto de que o artigo 71.º, parágrafo 1, segunda alínea, da Diretiva IVA autoriza os EM a ligar o facto gerador e a exigibilidade do IVA na importação ao facto gerador e à exigibilidade dos direitos aduaneiros” [É a doutrina do Acórdão C-273/12, de 11 de Julho de 2013, n.º 41, e remissão nele feita para os Acórdãos C-343/89, de 6 de Novembro de 1990, n.º 18 e C-230/08, de 29 de Abril de 2010, n.ºs 90 e 91: “a este propósito, há que recordar que o IVA na importação e os direitos aduaneiros apresentam características essenciais comparáveis, cujo facto gerador é a importação na União e a subsequente entrada das mercadorias no circuito económico dos Estados Membros. Este paralelismo é, por outro lado, confirmado pelo facto de o artigo 71.º, n.º 1, segundo parágrafo, da diretiva IVA autorizar os Estados‑Membros a ligar o facto gerador e a exigibilidade do IVA na importação aos direitos aduaneiros (v., designadamente, acórdãos de 6 de dezembro de 1990, Witzemann, C‑343/89, Colet., p. I‑4477, n.º 18, e de 29 de abril de 2010, Dansk Transport og Logistik, C‑230/08, Colet., p. I‑3799, nºs 90 e 91)”.    

Deverá então concluir-se que os EM não têm qualquer margem de manobra no que respeita à exigência do IVA da importação conformemente à legislação aduaneira, de acordo com o artigo 204.º do Regulamento n.º 2913/92 (…).”

Acresce que, no caso em apreço, a “ligação direta e imediata” dos bens e serviços adquiridos pela Requerente com as operações tributadas por si praticas (ou isentas com direito a dedução) é evidente.

A este respeito importa referir que o TJUE já  esclareceu que aquela relação direta e imediata não é exigível relativamente a cada output individualmente considerado, admitindo que tal conexão se verifique relativamente à atividade do sujeito passivo globalmente considerada – cfr. por exemplo, os Acórdãos proferidos em 29 de Outubro de 2009, no âmbito do processo C-29/08, §.60.º (SKF) e 8 de Junho de 2000 e proferido no processo C-98/98, §.23.º (Midland Bank) – na doutrina nacional, sobre esta matéria, por exemplo, Xavier de Basto e Maria Odete Oliveira, “Desfazendo mal-entendidos em matéria de direito à dedução de Imposto sobre o Valor Acrescentado: As recentes alterações do artigo 23.° do Código do IVA”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, 2008, pág. 38.

Assim, na ausência de um nexo operação a operação, o direito à dedução subsiste se se verificar uma ligação, direta e imediata, com o conjunto da atividade económica desenvolvida, na medida em que esta confira esse direito, ou seja, desde que exista aquela relação entre as aquisições a montante e as atividades tributáveis do sujeito passivo - neste sentido, os Acórdãos do TJUE  proferidos em 27 de Setembro de 2001, no processo C-16/00, §.33.º (Cibo); em 18 de Julho de 2013, no processo C-26/12, §.22.º (PPG Holdings); e em 22 de Outubro de 2015, no processo C-126/14, §.37.º (Sveda).

Ainda com relevância para o caso em apreço, é a decisão proferida pelo TJUE em Acórdão datado de 21 de Fevereiro de 2013, no processo C-104/12 (Wolfram Becker).

Escreveu-se aí:

“22. Por último, resulta da jurisprudência que, no quadro da aplicação do critério da relação direta que incumbe às Administrações Fiscais e aos órgãos jurisdicionais nacionais, compete a estes ter em conta todas as circunstâncias em que se desenrolaram as operações em causa (v., neste sentido, acórdão Midland Bank, já referido, n.° 25) e ter em conta apenas as operações que têm relação objetiva com a atividade tributável do sujeito passivo.

23. Com efeito, a obrigação de apenas ter em conta o conteúdo objetivo da operação em questão é a mais conforme com o objetivo prosseguido pelo sistema comum do IVA, que visa garantir a segurança jurídica e facilitar os atos inerentes à aplicação do referido IVA (v., neste sentido, acórdãos BLP Group, já referido, n.° 24; de 9 de outubro de 2001, Cantor Fitzgerald International, C‑108/99, Colet., p. I‑7257, n.° 33; e de 29 de outubro de 2009, SKF, C‑29/08, Colet., p. I‑10413, n.° 47).

24. O Tribunal de Justiça, por outro lado, declarou que é igualmente tendo em conta o seu conteúdo objetivo que deve ser estabelecida a existência de uma relação direta e imediata entre os bens ou as prestações de serviços utilizados e uma operação tributável realizada a jusante ou, excecionalmente, uma operação tributável realizada a montante (v., neste sentido, acórdão Midland Bank, já referido, n.° 32, e, por analogia, no que respeita aos elementos a ter em consideração para demonstrar a intenção declarada por um sujeito passivo de afetar um determinado bem a uma operação sujeita a IVA, acórdão de 14 de fevereiro de 1985, Rompelman, 268/83, Recueil, p. 655, n.° 24).

32. A este respeito, acresce que a circunstância de o direito civil nacional obrigar uma empresa como a que está em causa no processo principal a suportar os encargos ligados à defesa dos interesses dos seus órgãos em processo penal é desprovida de pertinência para a interpretação e a aplicação das disposições relativas ao sistema comum do IVA. Com efeito, tendo em conta o regime objetivo do IVA criado por esse sistema, só a relação objetiva entre as prestações fornecidas e a atividade económica tributável do sujeito passivo é determinante (v., neste sentido, acórdão de 22 de dezembro de 2010, RBS Deutschland Holdings, C‑277/09, Colet., p. I‑13805, n.° 54), sob pena de pôr gravemente em causa a aplicação uniforme do direito da União nesta matéria.

(…)

33. Consequentemente, (…) a existência de uma relação direta e imediata entre uma dada operação e o conjunto da atividade do sujeito passivo com o objetivo de determinar se os bens ou os serviços foram utilizados por este «para os fins das próprias operações tributáveis», na aceção do artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Diretiva, depende do conteúdo objetivo do bem ou do serviço adquirido por esse sujeito passivo.”

Subsumindo a referida Jurisprudência ao caso em apreço resulta evidente que os bens foram importados por força da atividade da Requerente. Sem aqueles bens, a Requerente não poderia cumprir o contrato de empreitada a que se vinculou. Por outro lado, se a Requerente não exercesse a sua atividade tributável não teria qualquer interesse nem vantagem na importação dos bens. A importação não foi efetuada fora do contexto da atividade da Requerente, pelo contrário, só pode ser contextualizada face às necessidades das atividades tributáveis da Requerente.

Face ao exposto, entendem-se verificadas as condições exigidas para que a Requerente possa concretizar o direito à dedução do imposto que suportou e pagou nas importações dos materiais que utiliza nas operações de fabrico dos bens que posteriormente factura.

Do mesmo modo, também tem direito à dedução do IVA que lhe foi faturado, nos termos legais, pela aquisição de serviços de transporte dos materiais importados e do respectivo desalfandegamento.

O facto de os materiais que deram origem à dedução não serem propriedade da Requerente não tem qualquer relevância para efeitos do exercício do direito à dedução. Tal condição não é sequer referida ou sugerida nas legislações nacional e comunitária nem tão pouco na jurisprudência do Tribunal de Justiça, pelo que não merece análise adicional.

Em consequência do exposto, as liquidações impugnadas, assentes no entendimento de que a Requerente deduziu IVA indevidamente, carecem de base legal, devendo, por isso, ser anuladas.

2.2. Questões prejudicadas

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com base no vício de violação de lei, que assegura efectiva e estável tutela dos direitos do Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados.

Na verdade, como está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no citado artigo 124.º do CPPT, julgado procedente um vício que obste à renovação do acto impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados.

2.3.  Indemnização por garantia indevida

            A Requerente prestou garantia para suspender execuções fiscais instauradas para cobrança coerciva das liquidações impugnadas e formula um pedido de indemnização pelas despesas que “suportou e vier suportar com a garantia, nos termos do artigo 53.º da LGT.

Nos termos do artigo 171.º do CPPT, “a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a “legalidade da dívida exequenda”, pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, nos termos do qual:

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

No caso em apreço, e como não oferece dúvidas, os erros subjacentes às liquidações de IVA e juros compensatórios são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois as correcções foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

É, por isso, manifesto, o direito da Requerente a indemnização pela garantia prestada.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante exacto da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão, de harmonia com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

3. Decisão

            Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular as liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado n.ºs 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., e 2017 ...;
  3. Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão pela garantia prestada para suspender as execuções fiscais instauradas para cobrança coerciva das quantias liquidadas.

 4. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €.1.624.709,25.

 5. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €.21.420,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Notifique. 

Lisboa, 16 de janeiro de 2019

Os Árbitros

 

Fernanda Maçãs (presidente)

 

 

 

 

Isaque Marcos Ramos (vogal)

                                                                      

 

 

Filipa Barros (vogal)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT.

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

 

 



[1] Cfr. Acórdão Arbitral proc. n.º 410/2016 –T quanto ao IVA de Julho e Outubro de 2015, Acórdão Arbitral proc. n.º 548/2017–T quanto ao IVA de 2012 e Acórdão Arbitral proc. n.º 15/2018 –T quanto ao IVA de 2013.

[2] Todos os Acórdãos do TJUE invocados na presente decisão arbitral podem ser consultados em https://curia.europa.eu.