Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 228/2018-T
Data da decisão: 2018-10-30  IVA  
Valor do pedido: € 11.474,04
Tema: IVA – Alteração do método de cálculo dedutível, erro de direito.
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

A árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral constituído em 16-07-2018, decide nos termos e com os fundamentos que se seguem:

 

1. Relatório

 

No dia 03-05-2018, o Município A..., com sede na Rua ..., ...-... ..., NIPC ..., apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 10-05-2018.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária e notificou as partes dessa designação em 25-06-2018.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 16-07-2018, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

 

2. Saneamento

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

 

As Partes estão devidamente representadas, são legítimas e gozam de personalidade e capacidade judiciárias (tudo nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

3. Posições das Partes

 

No pedido de pronúncia arbitral, assim como, posteriormente, nas alegações, o Município A... apresentou os argumentos que se elencam de seguida.

 

É uma pessoa coletiva de direito público, enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal trimestral.

 

Algumas das atividades que realiza estão excluídas da sujeição a IVA nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 2.º do Código do IVA, mas, além dessas, o Município realiza também um conjunto de operações, quer transmissões de bens, quer prestações de serviços, que estão sujeitas a IVA nos termos gerais do imposto. É, portanto, um sujeito passivo misto.

 

No decurso do ano de 2013, deduziu o imposto incorrido na aquisição de recursos diretamente relacionados com a distribuição de água aos munícipes (atividade totalmente tributada em sede de IVA), tendo aplicado o método da afetação real.

 

Posteriormente, no âmbito de uma revisão interna de procedimentos ao ano de 2013, entendeu ter limitado indevidamente o seu direito à dedução do IVA incorrido na aquisição de “recursos comuns”, tendo assumido como custo montantes de imposto que seriam, em seu entender, recuperáveis. De acordo com os seus cálculos, estariam em causa € 11.474,04.

 

Em 2016, a Requerente efetuou, então, a dedução do montante de IVA incorrido com a aquisição de recursos comuns, tendo submetido uma declaração de substituição, em 18 de janeiro de 2016, com referência ao quarto trimestre de 2013, na qual apurou um crédito de IVA no valor de € 11.474,04.

 

Embora a AT não se tenha oposto ao fundamento de fundo, relativo à dedutibilidade do IVA, entendeu que o direito à dedução foi, neste caso, exercido de forma extemporânea, uma vez que se trata de uma alteração do método de apuramento do IVA dedutível que teria que ter sido feita até à última declaração do ano a que diz respeito.

 

Reage a Requerente dizendo que, no caso, não se está perante uma regularização de imposto decorrente do cálculo da percentagem de dedução definitiva, nem da correção de imposto inicialmente deduzido, mas sim de uma dedução originária adicional de IVA que não tinha sido feita no momento do registo das faturas que a suportam.

 

Mais refere que os sujeitos passivos podem fazer a dedução de imposto em qualquer período posterior ao da receção (e respetiva contabilização) das faturas, tendo, naturalmente, que o fazer dentro do prazo previsto no artigo 98.º do CIVA e no prazo de 4 anos contados desde o nascimento do direito à dedução.

 

O Requerente conclui peticionando o pagamento de juros indemnizatórios por não ter recebido, em tempo, o crédito a que, de acordo com a sua argumentação, teria direito.

 

 Na Resposta apresentada, e, posteriormente, nas contra-alegações, defende a AT que a dedução pretendida pelo Requerente deveria ter sido consumada mensal ou trimestralmente com base num pro rata provisório, a regularizar na declaração periódica de Dezembro de cada ano. É, assim, seu entendimento, que a alteração do método de dedução do imposto e a aplicação retractiva de um método de dedução não encontram qualquer suporte legal, sendo que a escolha pelo método de dedução só pode ser efetuada no momento em que se constitui o direito à dedução nas condições previstas no nº 1 do art. 20º, nº 1 do art. 22º e no art. 23º do CIVA.

 

Quanto ao n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, entende a Requerida que, apesar de o mesmo estabelecer que, sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução pode ser exercido até ao limite de quatro anos, o sujeito passivo de IVA não tem liberdade para determinar o momento de exercício desse direito, limitando-se aquela norma a fixar, apenas, um limite máximo de carácter geral, a partir do qual aquele direito não pode já ser exercido. A entender-se de outro modo, sustenta, isso significaria que as normas que prevêem prazos especiais não teriam qualquer sentido útil, já que sempre lhes sobreporia a norma que estabelece o prazo geral de quatro anos, em manifesta violação do disposto no n.º 3 do art. 7.º do Código Civil.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. O Município A... é uma pessoa coletiva de direito público, enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral.

 

  1. No âmbito das suas atribuições, o Requerente realiza operações que estão fora do campo de aplicação do imposto, por decorrerem dos seus poderes de autoridade, operações tributáveis no âmbito do imposto, e ainda operações isentas de imposto.

 

  1. O Requerente declarou, ao longo do ano de 2013, a realização de operações que conferem direito a dedução e de operações que não conferem esse direito.

 

  1. Na declaração relativa ao 4.º trimestre de 2013, apurou o imposto dedutível através do método da afetação real de todos os bens e serviços, tal como previsto na al. a) do n.º 1 e no n.º 2 do art.º 23.º do CIVA.

 

  1. O Município foi objeto do procedimento inspetivo titulado pela OI2014..., do qual resultaram correções, em sede de IVA, no valor total de € 8.305,74.

 

  1. Foram detetadas irregularidades fiscais em sede de IVA com os fundamentos descritos nos capítulos III e V do respetivo Relatório de Inspeção Tributária (RIT), que se extraem na parte que releva ao caso em apreço:

 «III.6 AFETAÇÃO REAL DE BENS E SERVIÇOS

A jusante do fornecimento de água, o SP deduziu essencialmente imposto relacionado com a aquisição de uma prestação de serviços “…. de leitura e cobrança de água, saneamento e resíduos sólidos e urbanos…” a uma entidade externa (“B... Unipessoal Lda.”) o imposto assim deduzido foi no montante global de €3.753,60. (…) EM RESUMO, Em contrapartida da aquisição da prestação de serviços ao SP B... L.da, o Município A... obteve receitas com enquadramentos diferentes em sede de IVA, uma sujeita a IVA (fornecimento de água), outra sujeita e isenta de imposto (remoção de lixo) e uma outra decorrente dos poderes de autoridade (saneamento). Não obstante este facto, o SP deduziu a totalidade do IVA suportado nesta aquisição de serviços.

III.6.1 ENQUADRAMENTO CONTABILÍSTICO E FISCAL (…) III.6.2 CORREÇÃO FISCAL

O Município A... deduziu a totalidade do IVA suportado com a aquisição de serviços à B... Lda. Questionado para indicar o critério utilizado, o SP indicou que utilizou o sistema de afetação real previsto no n.º 2 do artigo 23º do CIVA e que considerou uma percentagem de dedução do imposto suportado de 100,00%. Uma vez que os inputs adquiridos/consumidos estão afetos em simultâneo a atividades sujeitas a IVA, a isentas ou não decorrentes de uma atividade económica, a determinação do montante de imposto dedutível deve ser efetuado de acordo com as regras do artigo 23º do CIVA. Uma vez, que o grau de afetação ou utilização dos bens não foi (conforme demonstrado nos pontos que antecede) utilizado na sua totalidade nas atividades sujeitas a IVA e dele não isenta, propõe-se nos termos previstos no n.º 2 do artigo 23º do CIVA a sua alteração de acordo com os fundamentos descritos nos pontos seguintes.

MÉTODO PROPOSTO PARA DETERMINAÇÃO DO IVA DEDUTÍVEL

Como critério de determinação do IVA dedutível, propõe-se seja efetuada a sua repartição em função dos montantes de faturação efetuada aos munícipes, conforme os cálculos a seguir exibidos.

Do exposto no mapa anterior, apura-se um total de IVA suportado relacionados com atividades sujeitas e não isentas de IVA no valor de €1.477,79. O restante imposto suportado (€2.275,81 = 1.189,14 € +1.086,67 €), respeita a operações isentas de imposto ou decorrentes dos poderes de autoridade. Do critério de afetação real dos bens e serviços de utilização mista, descrito nos pontos que antecedem, resulta uma regularização a favor do Estado no valor de €2.275,81 no quatro trimestre de 2013 (201312T).

IX DIREITO DE AUDIÇÃO IX.2.1 AFETAÇÃO REAL DE BENS E SERVIÇOS

O Município A... propõe que o IVA suportado na aquisição de serviços à empresa “B... Lda.” seja distribuído de acordo com as percentagens de gastos globais suportado por serviço pelo município A... .

De acordo com os elementos obtidos, verificou-se que o prestador de serviços apenas apura o valor de água consumida, sendo administrativamente determinado o montante das prestações de serviços de saneamento e de resíduos sólidos em função de variáveis pré-definidas no regulamento de tarifas e taxas do município. Atento a este facto, deve-se aceitar o critério proposto pelo SP. Neste sentido, propõe-se a alteração do valor da correção proposta no ponto “III.6 AFETAÇÃO REAL DE BENS E SERVIÇOS” para o valor de €750,72.(…)»

 

  1. Da análise do direito de audição apresentado pelo Município A... resultou uma redução do montante de imposto proposto nos pontos III.6 “AFETAÇÃO REAL DE BENS E SERVIÇOS” e V.3 ”IVA EM FALTA ESTIMADO”.

 

  1. Para correção das irregularidades detetadas, o SP apresentou declarações de substituição nas quais acresceu o valor total de € 8.305,74 de imposto a favor do Estado.

 

  1. Em 18.01.2016 o Requerente entregou, para o último período de 2013, uma declaração periódica (DP) de substituição, na qual apurava um crédito de IVA de € 11.474,04, a qual foi convolada em reclamação graciosa.

 

  1. A Direção de Finanças de ... indeferiu a reclamação graciosa, tendo essa decisão sido notificada ao Município em 04.02.2018.

 

  1. Factos não provados

 

Não existem factos relevantes para a decisão da causa que não tenham sido dados como provados.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, no processo administrativo e em factos enunciados pelas Partes nas respetivas peças processuais relativamente aos quais não existe controvérsia.

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que for alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT).

 

Os factos são selecionados de acordo com a respetiva pertinência jurídica, a qual é determinada em função das várias soluções possíveis para a causa (cf. o anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, atual 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

 

Tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima enunciados.

 

3. Matéria de direito

 

No caso apresentado a este tribunal pela Requerente é suscitada a questão de saber se um sujeito passivo pode, dentro do prazo de 4 anos previsto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, (i) alterar o método utilizado para apurar o IVA dedutível em exercícios passados e (ii), verificando-se que, dessa forma, é apurado algum crédito de imposto a seu favor, se tem direito a pedi-lo à AT.

 

O artigo 19.º do Código do IVA estabelece que, para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos, grosso modo, deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis num determinado período, o imposto que lhes tiver sido faturado na aquisição de bens e serviços por outros sujeitos passivos, o qual deverá estar mencionado em faturas ou documentes equivalentes passados em forma legal, no mesmo período, situação que deverá ser refletida na declaração periódica a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IVA.

 

Em regra, a dedução do imposto deve ser efetuada, de acordo com o previsto no artigo 22.º do CIVA, na “declaração do período em que se tiver verificado a receção das faturas. Contudo, poderá ser exercido o direito à dedução em momentos posteriores”, estabelecendo o artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, um limite máximo de quatro anos para o exercício do direito à dedução (prazo geral, só aplicável quando não esteja previsto um prazo especial como é o caso do previsto no respetivo artigo 78.º, n.º 6, do CIVA). A este propósito importa ainda realçar que, no contexto deste imposto, o exercício do direito à dedução é fundamental para assegurar a neutralidade do IVA, só devendo ser restringido em situações excecionais. O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tem vindo a salientar que o direito à dedução é exercido, em princípio, durante o mesmo período em que se constituiu, ou seja, no momento em que o imposto se torna exigível. Contudo, nos termos do disposto nos respetivos artigos 180.° e 182.° da Diretiva IVA, o sujeito passivo pode ser autorizado a proceder à dedução do IVA, mesmo que não tenha exercido o seu direito durante o período em que esse direito se constituiu, sem prejuízo de determinadas condições e regras fixadas pelas regulamentações nacionais (v., neste sentido, o Acórdão de 8 de Maio de 2008, Proc. C-95/07, Caso Ecotrade, Colect., p. I 03457, n.os 42 e 43). Por outro lado, e apesar da importância do direito à dedução, o próprio TJUE admite que o mesmo tem um limite temporal, não podendo, por motivos de segurança jurídica, ser exercido sine die.

 

Em suma, embora os Estados membros tenham a faculdade de adotar, ao abrigo do disposto no artigo 273.° da Diretiva IVA, medidas para assegurar a cobrança do imposto e para evitar a fraude, estas não devem ir além do que é necessário para atingir tais objetivos, não devendo pôr em causa a neutralidade do IVA (veja-se, nomeadamente, o Acórdão de 21 de Outubro de 2010, Caso Nidera, Proc. C-385/09, Colet., p. I-10385, n.° 49).

 

O artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA previa, à data dos factos relevantes, o seguinte:

Artigo 98.º
 Revisão oficiosa e prazo do exercício do direito à dedução

1 - Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária.

2 - Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente.

3 - Não se procede à anulação de qualquer liquidação quando o seu valor seja inferior ao limite previsto no n.º 4 do artigo 94.º

 

O n.º 1 estabelece uma obrigatoriedade de revisão oficiosa do imposto liquidado quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido.

 

O n.º 2 estabelece, por seu turno, e sem prejuízo de disposições especiais (designadamente as constantes do artigo 78.º do CIVA), que o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até que tenham decorridos 4 anos sobre o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto.

 

Quanto às disposições especiais constantes do artigo 78.º do CIVA:

N.º 2 - Se, depois de efetuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efetuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.

N.º 3 - Nos casos de faturas inexatas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º, a retificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efetuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a fatura a retificar, e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efetuada no prazo de dois anos.

N.º 4 - O adquirente do bem ou destinatário do serviço que seja um sujeito passivo do imposto, se tiver efetuado já o registo de uma operação relativamente à qual o seu fornecedor ou prestador de serviço procedeu a anulação, redução do seu valor tributável ou retificação para menos do valor faturado, corrige, até ao fim do período de imposto seguinte ao da receção do documento retificativo, a dedução efetuada.

N.º 6 - A correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efetuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.

 

As situações em que existe a faculdade (e, eventualmente, a obrigatoriedade) de regularização do IVA liquidado e deduzido podem ser agrupadas da seguinte forma (cf. Alexandra Martins e Pedro Moreira, “Regularizações de IVA - A Alteração Superveniente dos Elementos da Operação, o Erro Material ou de Cálculo e o Erro de Enquadramento ou de Direito”, in AA. VV., Coordenação de Sérgio Vasques, Cadernos IVA 2014, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 61-62):

 

“i) A alteração superveniente das condições objetivas e subjetivas que presidiram à realização das operações, traduzida na anulação da operação ou na redução do seu valor tributável;

ii) A inexatidão da fatura ou o erro material ou de cálculo na transcrição dos seus elementos para a contabilidade ou declarações periódicas de IVA dos sujeitos passivos;

iii) O erro de enquadramento da operação, espelhado na fatura ou na contabilidade dos sujeitos passivos.”

 

Quanto a prazos, temos que, na situação prevista em i), o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efetuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável; na situação prevista em ii), à correção do erro material ou de cálculo corresponderá o prazo de dois anos previsto no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA; na situação prevista em iii) à correção do erro de direito corresponderá o prazo de quatro anos previsto no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA, por inexistência de norma especial que o abranja.

Não se enquadrando o caso presente na alínea i), vejamos as alíneas ii) e iii).

Relativamente aos erros materiais ou de cálculo a que se refere a alínea ii) supra, importa começar por referir que a AT, através do Ofício-Circulado n.º 30082, de 17 de novembro de 2005, da Direção de Serviços do IVA, procedeu à definição conjunta do que entende por erros materiais ou de cálculo, considerando que são «aqueles que resultam de erros internos da empresa e não têm qualquer interferência na esfera de terceiros. Normalmente consistem em erros na transcrição das faturas para os registos ou dos registos para a declaração periódica, não compreendendo» as seguintes situações: «alteração do método de dedução do imposto nos sujeitos passivos mistos; apuramento de pro rata e regularizações de IVA sobre imóveis e outros bens do ativo imobilizado ou relativas à afetação de imóveis a fins distintos daqueles a que se destinam.»

Da nossa parte entendemos ser um erro material aquele que ocorre no preenchimento do montante de IVA dedutível numa declaração, quer tenha origem nessa operação, quer resulte de um erro de um documento de suporte ou mesmo da contabilidade. Por outro lado, estar-se-á perante um erro de cálculo quando as operações aritméticas necessárias para se determinar o montante do IVA dedutível tiverem sido mal efectuadas, quer na própria declaração, quer em algum dos documentos em que ela se baseou, quer ainda na própria contabilidade.

No mesmo sentido, Afonso Arnaldo e Tiago Albuquerque Dias (“Afinal qual o prazo para deduzir IVA? Regras de Caducidade e (In)segurança Jurídica”, in AA. VV., Coordenação de Sérgio Vasques, Cadernos IVA 2014, Coimbra, Almedina, 2014, p. 44) afirmam que “os erros a que se refere o número 6 do artigo 78.º do Código do IVA se reconduzem às situações em que o sujeito passivo se equivoca na materialização do ato de dedução ou liquidação, nomeadamente, por lapso na transcrição de valores ou por razões aritméticas, i.e., em ambas as situações erros menores e evidentes.

Assim, estarão abrangidos por estes conceitos de erro (tipicamente) as situações em que o sujeito passivo se engana a efetuar uma operação aritmética, nomeadamente, quando pretende apurar o imposto dedutível contido numa factura (com IVA incluído) de serviços de um fornecedor (erro de cálculo), ou, ainda que efectuando correctamente o cálculo, comete lapso na inscrição do montante do imposto a deduzir na declaração periódica (erro material).”

E quanto ao “erro de enquadramento” ou “erro de direito”? No entendimento dos autores supra citados, este tipo de erro de direito verificar-se-ia nas “situações em que, não obstante a correta representação da realidade factual, o sujeito passivo se equivoca na determinação da norma aplicável”. Seja porque se enganou na representação da situação fáctica, seja porque aplicou erradamente o direito à realidade fáctica subjacente, o sujeito passivo acaba por liquidar ou deduzir imposto de forma incorreta, ou a mais ou a menos.

Nestes casos de erro de enquadramento ou erro de direito, se resultar uma regularização de imposto a favor dos sujeitos passivos, estes podem promovê-la no prazo geral e supletivo de quatro anos previsto no artigo 98.º do CIVA.

No caso sub judice, o que sucede é que, em virtude de “uma revisão interna de procedimentos”, a Requerente concluiu que tinha estado a aplicar erradamente o método de apuramento do IVA dedutível na medida em que haveria IVA recuperável no âmbito da sua atividade, designadamente no que toca aos recursos comuns a atividades tributáveis e não tributáveis, que não estava a ser deduzido e que poderia sê-lo. Trata-se, portanto, de erro de enquadramento ou de direito, pois o que sucede é uma aplicação errada do direito à realidade fáctica subjacente. O erro reside justamente na qualificação como não dedutível de imposto que, a posteriori, o Requerente se terá vindo a aperceber que, afinal, o seria.

Ora, nestes casos, a correção da situação sempre teria de ocorrer por referência à declaração periódica em que o imposto a deduzir foi suportado, se e nas condições em que legalmente a alteração desta possa legalmente ocorrer. Não é aplicável o regime do referido artigo 78.º, n.º 6, nem existe qualquer regime especial para o exercício do direito à dedução, pelo que será aplicável o regime geral supletivo vigente e previsto no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, que permite à Requerente fazer precisamente o que fez, corrigindo o erro de direito na autoliquidação.

Em consequência, o ato de indeferimento da reclamação graciosa (a declaração de substituição foi convolada nesse processo) padece de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado na errada interpretação do artigo 98.º, n.º 2 do CIVA, conjugado com os artigos 22.º, n.º 2, 23.º, n.º 6, e 78.º, n.º 6, também eles do Código do IVA, o que implica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação na parte em que recusou o reconhecimento do crédito de imposto no valor de € 11.474,04, apurado pelo Reclamante na declaração periódica de substituição relativa ao 4.º trimestre de 2013.

Dos juros indemnizatórios

A Requerente peticiona ainda o pagamento de juros indemnizatórios.

Nos termos do disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, permite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estabelecer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Nos termos do artigo 43.º da LGT, na parte aqui aplicável, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

No caso concreto, a Requerente apresentou uma declaração de substituição em que indicou um crédito em seu favor em virtude de alterações no IVA dedutível, tendo essa declaração sido convolada em reclamação graciosa e tendo esta sido indeferida pela AT, por entender que o sujeito passivo já não estaria em prazo para invocar o crédito de IVA.

 

No caso concreto, verifica-se a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa, por erro nos pressupostos de direito, na parte em que não considerou o crédito de imposto no valor de € 11.474,04 a favor do Reclamante. O erro é imputável à AT, por ter procedido à incorreta interpretação do artigo 98.º, n.º 2, conjugado com os artigos 22.º, n.º 2, 23.º, n.º 6, e 78.º, n.º 6, todos do Código do IVA, pelo que o Requerente tem direito, em conformidade com o disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, aos juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

5. Decisão                      

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral nos termos que se seguem:

  1. Julgar procedente, por erro sobre os pressupostos de direito, o pedido de declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa ...2017..., com a sua consequente anulação, na parte em que recusou o reconhecimento do crédito de imposto no valor de € 11.474,04, apurado pelo Reclamante na declaração periódica de substituição relativa ao 4.º trimestre de 2013, assim como, no mesmo segmento, da liquidação adicional de IVA n.º...;
  2. Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos legais;
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

6. Valor do processo

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 11.474,04 (onze mil, quatrocentos e setenta e quatro euros e quatro cêntimos).

 

7. Custas

Nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, o montante das custas é fixado em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 30 de outubro de 2018

A Árbitro

 

(Raquel Franco)