Decisão Arbitral
Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Álvaro Caneira e Francisco Carvalho Furtado (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD,
na sequência da Decisão Sumária n.º 833/2018 proferida no Tribunal Constitucional, em recurso de anterior decisão proferida por este Tribunal Arbitral nos presentes autos em 12 de Abril de 2016, procedem à pronúncia de nova Decisão Arbitral, nos termos seguintes:
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Relatório
1. A Requerente A..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na ..., n.º..., ...-... ..., notificada dos actos de liquidação de Imposto do Selo n.ºs 2015... e 2015... relativos ao ano de 2014 e praticados ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS), aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, no montante global de € 68.466,01, vem apresentar, ao abrigo da alínea a), do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral com vista à anulação daqueles actos.
2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
3. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste na anulação daqueles actos.
3.1. A Requerente peticiona a declaração de ilegalidade e a consequente anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo, praticados por referência ao ano de 2014.
4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
4.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.
4.2. Em 28 de Setembro de 2015, as partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.
4.2. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 13 de Outubro de 2015.
4.3. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
5. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:
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A verba 28 da TGIS, na redacção em vigor após 31 de Dezembro de 2013, sujeitava a Imposto do Selo os prédios habitacionais ou terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do Código do IMI;
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A referida verba viola os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva;
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O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva implica a existência de conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto;
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No caso em apreço, o Requerente é proprietário de dois terrenos para construção com o Valor Patrimonial Tributário global de € 6.646.611, o que representa a sua capacidade contributiva e é sujeito ao imposto previsto na verba 28.1 da TGIS;
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Se o Requerente fosse proprietário de 10 terrenos, cada um com o Valor Patrimonial Tributário de € 900.000, teria uma capacidade contributiva superior (€ 9.000.000), mas não seria sujeita ao imposto previsto na verba 28.1 da TGIS;
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Contribuintes com capacidades contributivas distintas são tributados de forma distinta, sendo aquele que revela menor capacidade onerado de forma mais gravosa;
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A ratio subjacente à verba 28.1 da TGIS é a de tributação dos patrimónios mais elevados;
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Assim sendo, não há justificação para que apenas os prédios habitacionais sejam sujeitos a imposto;
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Por este motivo é, também, violada a proeminência valorativa do direito à habitação, previsto no artigo 65.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP);
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A exclusão de tributação dos imoveis afectos a serviços, comércio ou indústria com o argumento de que se tratam de instrumentos produtivos das empresas viola o princípio da igualdade dado que, no caso de empresas os terrenos para construção com afectação habitacional também são instrumentos produtivos;
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Uma empresa que tem como instrumentos produtivos edifícios destinados ao comércio, serviços ou indústria ou tem terrenos para construção com edificação, prevista ou autorizada, para aqueles fins, não será sujeita a qualquer imposto;
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Já uma empresa que detenha factores de produção de idêntica natureza – terrenos para construção -, mas com edificação, prevista ou autorizada, para habitação será tributada;
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Termina pedindo a declaração de ilegalidade, por violação da CRP dos actos de liquidação de Imposto do Selo.
6. A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante identificada como Requerida) apresentou resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação, alegando, em síntese, o seguinte:
Por excepção:
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A Requerente pretende a desaplicação da verba 28 da TGIS com fundamento na sua inconstitucionalidade e não por qualquer ilegalidade ocorrida na sua aplicação aos factos concertos;
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A Requerida está, na sua actuação, vinculada à CRP e à Lei não se podendo recusar a aplicar normas com fundamento na sua inconstitucionalidade ou ilegalidade – cfr. artigos 266.º, n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e 55.º da Lei Geral Tributária (LGT);
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De igual modo o Tribunal Arbitral carece de competência para a apreciação da conformidade da verba 28.1 da TGIS com a CRP, sendo o Tribunal Constitucional o foro competente para esse efeito – cfr. artigos 280.º, n.º 2, alíneas a) e d) e 281.º, alíneas a) e b) e n.º 3, da CRP e 6.º e 66.º, da Lei do Tribunal Constitucional;
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Está vedado ao Tribunal Arbitral proceder à declaração de ilegalidade / inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS por se tratar de matéria excluída da sua jurisdição – cfr. artigos 2.º do RJAT em articulação com o n.º 2 da Portaria de Vinculação ao CAAD, 4.º, n.º 2, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), ex vi artigo 29.º do RJAT;
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Conclui pela incompetência material do Tribunal e pelo pedido de absolvição da instância – cfr. artigos 278.º, do Código de Processo Civil (CPC), 2.º do RJAT, 2.º da Portaria de Vinculação ao CAAD e 4.º, n.º 2, alínea a) do ETAF ex vi artigo 29.º do RJAT.
Por impugnação:
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É entendimento da Requerida que os prédios em causa nos presentes autos têm natureza jurídica de prédio com afectação habitacional;
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Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, em sede de IS, há que recorrer ao disposto no Código do IMI, designadamente, ao disposto nos artigos 2.º e 6.º daquele Código;
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A noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis;
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O conceito de prédios com afectação habitacional compreende, quer os prédios edificados, quer os terrenos para construção;
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A afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção;
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O legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado antes pela noção de “afectação habitacional”;
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A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro de 2013, alterou a redacção da Verba 28.1 da TGIS passando a incluir expressamente os terrenos para construção como elemento objectivo de incidência da norma;
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O princípio da igualdade previsto nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da CRP tem como corolário o princípio da capacidade contributiva;
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Este princípio obriga a que se trate como igual o que for igual e como diferente o que for essencialmente diferente, impedindo as discriminações arbitrárias e irrazoáveis;
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Não existe no caso em análise violação do princípio da igualdade na dimensão da proibição de diferenciação em situações iguais dado que não estamos perante solução que viole a proibição do arbítrio;
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A verba 28 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel;
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O legislador definiu um pressuposto económico válido, como manifestação da capacidade contributiva do qual não resultam diferenças injustificadas de tratamento entre contribuintes;
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De igual modo, não existe violação dos princípios da proporcionalidade, da legalidade, da confiança e da capacidade contributiva;
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Trata-se antes – a verba 28.1 da TGIS -, de medida de igualdade que se destina a reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantido uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento;
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Nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1 da LGT a capacidade contributiva também se exprime através da titularidade de património;
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Património esse que representa o pressuposto económico que legitima a tributação da titularidade de prédios e de terrenos urbanos de afectação habitacional, estando respeitado o critério da adequação;
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A tributação prevista na Verba 28.1 da TGIS é individualizada, sobre cada propriedade, sendo alheia a ponderação ou avaliação da globalidade do património imobiliário de cada contribuinte;
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A titularidade de imóvel com as características definidas na norma de incidência evidencia uma especial capacidade contributiva;
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A incidência desta tributação apenas sobre os terrenos para construção com afectação habitacional não incluindo os prédios destinados a comércio, serviços ou indústria justifica-se por se tratarem de realidades distintas que merecem tratamento fiscal distinto;
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A desigualdade verificada não é excessiva sendo proporcional às razões que justificam o tratamento diferenciado;
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A proporcionalidade não implica progressividade de taxas sendo que o artigo 104.º, n.º 3 da CRP, não veda a existência de taxas ad valorem;
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Não existe, pois, também, violação do princípio da igualdade ínsito no artigo 13.º da CRP;
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A verba 28.1 da TGIS é uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todas as situações em que se verifiquem os pressupostos, de facto e de direito;
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Representa uma opção legítima, legal e constitucional do legislador;
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Termina pedindo a absolvição da instância.
7. Em resposta às excepções suscitadas pela AT, veio a Requerente, quanto à matéria da excepção, alegar que:
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Não está em causa a fiscalização abstracta da constitucionalidade mas a análise da legalidade de actos de liquidação;
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A apreciação dos actos materialmente legislativos só é possível por via da sua aplicação a casos concretos submetidos a julgamento judicial;
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O artigo 25.º do RJAT prevê, verificados os respectivos pressupostos, a possibilidade de recurso da decisão Arbitral para o Tribunal Constitucional o que só se justifica se o primeiro tiver competência para deixar de aplicar normas legais com fundamento na sua desconformidade com a Constituição.
8. Não tendo sido requerida a produção de prova constituenda, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e, bem assim, designado o dia 13 de Abril de 2016 como data limite para a prolação da decisão arbitral.
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As Partes prescindiram de apresentar alegações escritas.
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Questões a decidir
9. Nos presentes autos as questões a decidir são:
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Conhecer da excepção de incompetência do tribunal arbitral;
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Determinar se a verba 28.1 da TGIS, na redacção em vigor à data dos factos, é conforme com os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e do direito à habitação.
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Saneamento
10. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
11.O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído. Com efeito, em primeiro lugar, a Requerida suscitou a incompetência do Tribunal para apreciar as questões suscitadas pela Requerente. Sobre esta matéria, a Requerida entende que apenas o Tribunal Constitucional tem competência para promover a fiscalização abstracta da conformidade de normas com os princípios constitucionais (cfr. artigo 281.º, alínea a) da CRP).
Não parece, contudo, que assista razão à Requerida. Desde logo, porque nos presentes autos não está em causa um pedido de fiscalização abstracta de normas, mas antes o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação, de actos de liquidação de imposto, com fundamento na desconformidade das normas de incidência que lhes subjazem com princípios constitucionais.
Do artigo 204.º, da CRP emana o princípio geral de que os Tribunais (qualquer que ele seja) não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na constituição ou os seus princípios. Por outro lado, inexiste no sistema jurídico processual Português um princípio de reenvio obrigatório das questões que se prendem com a apreciação da conformidade de normas com a constituição para o Tribunal Constitucional. Em bom rigor, nem sequer existe, como regra geral, a obrigatoriedade de recurso para o Tribunal Constitucional de Sentenças que deixem de aplicar normas com fundamento na sua não conformidade com a Constituição ou com os seus princípios. Parece, pois, evidente que o presente Tribunal tem competência para apreciar a questão suscitada pela Requerente. Tanto assim é que a Lei processual, e no que ao presente caso importa assume especial relevância o disposto nos artigos 280.º da CRP e 25.º do RJAT, que prevêem a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, das decisões arbitrais que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Por fim, tendo a Requerente conformado o seu pedido à declaração de ilegalidade e consequente anulação de actos de liquidação de Imposto do Selo é manifesto que, à luz do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o meio processual utilizado é idóneo.
Soçobra, por isso, a argumentação invocada pela AT relativamente à incompetência do Tribunal Arbitral, e de impropriedade do meio, pelo que se julga improcedente a verificação da excepção em apreço.
12. O processo não enferma de nulidades.
13. Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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Mérito
IV.1. Matéria de facto
14. Factos provados:
14.1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
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A Requerente é proprietária de um prédio urbano inscrito da matriz predial urbana, na freguesia de ..., distrito do ... e concelho de ..., sob o artigo matricial ... (documento junto ao Requerimento apresentado em 5 de Abril de 2016);
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O prédio em causa tem o valor patrimonial tributário de € 3.582.876,03, encontra-se inscrito na matriz como um “terreno para construção” tendo-lhe sido atribuído o coeficiente de localização correspondente a habitação (documento junto ao Requerimento apresentado em 5 de Abril de 2016);
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A Requerente é proprietária de um prédio urbano inscrito da matriz predial urbana, na freguesia de ..., distrito do ... e concelho de ..., sob o artigo matricial ... (documento junto ao Requerimento apresentado em 5 de Abril de 2016);
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O prédio em causa tem o valor patrimonial tributário de € 3.263.725,14, encontra-se inscrito na matriz como um “terreno para construção” tendo-lhe sido atribuído o coeficiente de localização correspondente a habitação (documento junto ao Requerimento apresentado em 5 de Abril de 2016);
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A Requerida, por referência ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ... praticou o acto de liquidação de Imposto do Selo n.º 2015..., com fundamento na verba 28.1 da TGIS, e de que resulta a colecta de € 35.828,76 (documento junto ao Requerimento apresentado em 5 de Abril de 2016);
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A Requerida, por referência ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ... praticou o acto de liquidação de Imposto do Selo n.º e 2015..., com fundamento na verba 28.1 da TGIS (documento junto ao Requerimento apresentado em 5 de Abril de 2016);
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Em 28 de Julho de 2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
14.2. Fundamentação da matéria de facto
A factualidade provada teve por base os documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, e as afirmações efectuadas pelas Partes nas respectivas peças processuais não havendo controvérsia sobre eles.
15. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
IV.2. Matéria de Direito
16. A questão central a decidir prende-se com a questão de saber se a norma contida na verba 28 e 28.1 da TGIS é, ou não, conforme aos princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e do direito à habitação.
Vejamos.
17. A Requerente invoca que os actos de liquidação em causa são ilegais na justa medida em que a verba 28.1 da TGIS viola o disposto no artigo 13.º, da CRP. Esta disposição legal consagra o princípio da igualdade e o seu corolário fiscal, o princípio da capacidade contributiva. Em face da causa de pedir que consta do Requerimento Inicial apresentado pela Requerente importa, desde logo, analisar o regime que decorre da Lei ordinária.
A) Análise do regime legal e sua evolução
18. Do artigo 1.º, n.º 1, do Código do IS, na redacção introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, resulta que “o imposto do selo incide sobre todos os actos, contractos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”. A verba 28 foi aditada à TGIS pela mesma Lei em simultâneo com uma alteração ao artigo 1.º, n.º 1, do Código do IS.
A indicada alteração ao artigo 1.º, n.º 1, do Código do IS consistiu na inclusão de uma referência genérica a “situações jurídicas” como potencial objecto de incidência deste imposto, definindo-se nas verbas 28, 28.1 e 28.2 da TGIS as primeiras situações jurídicas sobre que o imposto passou a incidir.
19. A redacção inicial destas verbas da TGIS era a seguinte:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1 %;
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5 %.”
20. A ratio subjacente à inovação legal concretizada com a introdução da Verba 28 na TGIS consta da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, em que se refere o seguinte:
“A prossecução do interesse público, em face da situação económico-financeira do País, exige um esforço de consolidação que requererá, além de um permanente activismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.
Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa.
Nestes termos, será agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, passando as respectivas taxas de 25% para 26,5% em sede de IRS. As taxas de tributação aplicáveis aos rendimentos obtidos de, ou transferidos para, os paraísos fiscais são também agravadas para 35%.
Por outro lado, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.
Finalmente, este diploma introduz uma medida de reforço de combate a fraude e a evasão fiscais, através do reforço do regime aplicável às manifestações de fortuna dos sujeitos passivos (IRS) e às transferências de e para paraísos fiscais. Em primeiro lugar, reforça-se a operacionalização da liquidação do IRS com base em manifestações de fortuna, reduzindo-se o diferencial de 50% para 30% entre as manifestações de fortuna e os rendimentos declarados em sede de IRS. Por outro lado, as transferências de e para paraísos fiscais efectuadas entre contas do sujeito passivo, não declaradas nos termos da lei, passam a ser consideradas uma manifestação de fortuna e, nessa medida, sujeitas a tributação em sede de IRS por métodos indirectos”.
21. A conformidade da primeira redacção da verba 28.1, em face do princípio constitucional da igualdade, foi afirmada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 590/2015, de 11 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 542/14, em que se refere que “não se encontra na norma de incidência em apreço medida fiscal arbitrária, porque desprovida de fundamento racional. Como se viu, a alteração legislativa teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao do da generalidade dos prédios urbanos com afectação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é susceptível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade”» e que «o valor patrimonial tributário de que depende a incidência do imposto é atingido apenas pelos prédios urbanos de vocação habitacional de mais alto significado económico, exteriorizando níveis de riqueza correspondentes aos padrões mais elevados da sociedade portuguesa”.
22. Importa, também, referir que a doutrina e a jurisprudência foram unanimes em declarar que a primeira redacção da verba 28.1, não incidia sobre realidades qualificáveis como terrenos para construção. De igual modo, a jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal Administrativo (v.g. Acórdão de Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09 de Setembro de 2105, proferido no Processo n.º 047/15), esclareceu que, no que respeita aos prédios edificados, o valor relevante para efeitos de aplicação desta verba da TGIS é o de cada uma das fracções com utilização independente e não, no caso de prédios em propriedade total, o valor patrimonial tributário agregado. Esta jurisprudência resulta do facto de o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (Código do IMI) determinar que, independentemente do regime em que se concretize a inscrição e registo do prédio (propriedade horizontal versus propriedade total) a inscrição e avaliação toma em consideração cada parte do prédio susceptível de utilização independente (cfr. artigo 12.º, do Código do IMI). Esta interpretação é a que permite compatibilizar este normativo com a exigência de fundamento económico racional e, logo, não arbitrário, efectuada pelo Tribunal Constitucional na apreciação que faz da conformidade desta norma com os princípios constitucionais relevantes, designadamente o da igualdade e o seu corolário, o princípio da capacidade contributiva. Ou seja, apenas as partes de prédio susceptíveis de utilização independente e com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros), é que são susceptíveis de revelar a capacidade contributiva que se pretende atingir com a verba 28 da TGIS.
23. Parece, pois, curial que se conclua, na esteira do declarado pelo legislador na respectiva exposição de motivos, que a primitiva redacção da verba 28.1 da TGIS visou tributar os direitos sobre habitações de luxo, por ela revelar a capacidade contributiva necessária e adequada para esse efeito.
24. Posteriormente, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, veio ampliar o âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS, passando a verba 28 a ter a seguinte redacção:
“28. – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1 %
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5 %”
25. Ou seja, em sintonia com a interpretação que a Autoridade Tributária e Aduaneira fazia da redacção originária da verba 28 da TGIS, ampliou-se a incidência da mesma de forma a que abarque os direitos de propriedade, usufruto ou direito de superfície sobre terrenos “para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”.
26. Deste modo, na nova redacção, a verba 28 da TGIS incide sobre os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros), calculado também de acordo com as regras que constam do Código do IMI.
B) Análise dos princípios constitucionais da igualdade e o seu corolário, o princípio da capacidade contributiva
27. A análise da conformidade da verba 28 da TGIS com os princípios constitucionais da igualdade e ao seu corolário, o princípio da capacidade contributiva, deve ser analisada à luz do que se deixou referido. Importará, neste sentido, analisar o disposto nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da CRP. O artigo 13.º da CRP estabelece o princípio da igualdade. Decorre da referida disposição constitucional, que “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”, e que: “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.
28. Este princípio é interpretado de forma constante como um limite ao arbítrio e á discricionariedade. Como abundantemente referido, quer na doutrina, quer na jurisprudência, o princípio da igualdade manifesta-se em três dimensões (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed, Vol. I, Coimbra, 2007, p. 339): “a) proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; b) proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre cidadãos baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias (...); c) obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural (...)”.
29. Este princípio é interpretado e definido não como uma proibição ao tratamento diferenciado mas como uma proibição de arbitrariedade e de ausência de racional económico nas diferenças estabelecidas. Como vem, também, sido referido pela doutrina e pela jurisprudência, inclusive do CAAD, no âmbito do direito tributário o princípio da igualdade tem como corolário as ideias de capacidade contributiva e de uniformidade da tributação (tributar o igual de forma igual e o distinto de forma distinta, na medida da diferença). Neste sentido é relevante o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2013, de 9 de Abril de 2013 que, referindo-se a anterior jurisprudência, afirma: “o princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária. Isto porque se o princípio da igualdade tributária pressupõe o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais, a capacidade contributiva é o tertium comparationis – leia-se, o critério – que há de servir de base à comparação. Neste sentido, o princípio da capacidade contributiva opera tanto como condição ou pressuposto quanto como critério ou parâmetro da tributação (...). Opera como pressuposto ou condição visto que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; vale como critério ou parâmetro porque determina que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua “capacidade de gastar” (ability to pay). Ou seja, contribuintes com a mesma capacidade de gastar devem pagar os mesmos impostos (igualdade horizontal), e contribuintes com diferente capacidade de gastar devem pagar impostos diferentes (igualdade vertical)”.
30. O Tribunal Constitucional tem abordado o princípio da igualdade no sentido de este dever ser interpretado em conjunto com outros princípios constitucionais e, bem assim, de não poder eliminar a liberdade do poder legislativo de conformar a incidência de tributação (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 187/2013, de 5 de Abril de 2013 e n.º 590/2015, de 18 de Dezembro de 2015). Conclui-se, pois, dos citados Arestos que, na medida em que as diferenças de tratamento que emanam da Lei encontrem justificação razoável, não merecerão censura. É, pois, a esta luz e assumindo estes critérios objectivos que se deverá analisar a conformidade da verba 28.1 da TGIS com o princípio constitucional da igualdade e com o seu corolário princípio da capacidade contributiva.
31. Para a análise e decisão que aqui se procuram alcançar também se revela determinante a interpretação do artigo 104.º, n.º 3 da CRP. De acordo com este normativo “a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos”. Ou seja, o respeito pelo princípio da igualdade anteriormente enunciado, e do seu corolário de tributação de acordo com a capacidade contributiva, implica que as normas tributárias sejam aplicáveis genericamente e assentem em pressupostos económicos válidos que permitam concluir que são motivadas e justificadas por critérios de proporcionalidade e na capacidade contributiva de cada contribuinte. Capacidade contributiva esta que se manifestará através de critérios económicos justificáveis e racionais que deverão ser inerentes à tributação.
32. Sobre este aspecto importa referir que o facto de o artigo 104.º, n.º 3, da CRP fazer referência à necessidade de a tributação sobre o património contribuir para a igualdade entre os cidadãos não implica um conteúdo jurídico especial do princípio da igualdade. Sobre este aspecto é relevante a doutrina que tem sustentado que: “como não se concretiza o instrumento a usar para prosseguir tal igualdade, nem a igualdade tributária é sempre sinónimo de aplicação de progressividade ou de outro mecanismo específico, a norma não tem utilidade” (BRÁS CARLOS, Impostos. Teoria Geral, 4ª ed., Coimbra, 2014, p. 172); “[o] n.º 3 do art. 104.º sobre tributação do património é hoje totalmente inócuo, não mais de que uma declaração de princípio, nem sequer muito sonora” (XAVIER DE BASTO, “A Constituição e o sistema fiscal” in RLJ, ano 138 (2009), p. 282). Estando elencados os critérios interpretativos das diversas disposições legais em confronto, importará aplica-los, então, ao caso concreto.
C) Análise da violação do artigo 104.º, da CRP com fundamento de o imposto incidir sobre cada prédio, individualmente considerado, e não sobre a totalidade do património imobiliário
33. Como se deixou supra referido, no requerimento inicial a Requerente insurge-se contra o facto de o IS previsto na verba 28.1 da TGIS incidir sobre o valor unitário de cada imóvel e não sobre a totalidade do património de cada sujeito passivo. Deste modo, um contribuinte que seja proprietário de um único prédio cujo valor fiscal relevante seja igual ou superior a € 1.000.000 (um milhão de Euros), é sujeito a imposto e um outro sujeito passivo com património (de idêntica natureza), de valor global superior mas dividido por prédios que individualmente não tenham valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros), não é onerado com qualquer imposto. Não parece, contudo, que assista razão à Requerente.
34. Como decorre da doutrina que interpreta o artigo 104.º, n.º 3, da CRP, esta norma constitucional não faz impender sobre o legislador a obrigação de tributar o património tendo por base taxas progressivas ou de fazer incidir a tributação sobre a totalidade do património do sujeito passivo. Por outras palavras, é uma opção legítima do legislador a de fazer incidir o imposto sobre segmentos do património individualmente considerados conquanto exista substrato económico adequado, ou seja não arbitrário.
35. Com efeito, a verba 28 da TGIS não pretende representar uma tributação geral sobre o património. Como o Tribunal Constitucional apontou no Acórdão n.º 590/2015, de 18 de Dezembro, trata-se de um imposto parcelar que incide sobre cada prédio / terreno para construção com afectação habitacional sendo o valor patrimonial tributário a unidade económica relevante. Ora, como referido já, o artigo 104.º, n.º 3, da CRP não impõe a existência de uma tributação global sobre o património, mas apenas que esta (tributação) contribua para a igualdade entre os contribuintes. Assim sendo, a escolha legislativa de tributar os prédios / terrenos para construção de mais elevado valor (os cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00 - um milhão de Euros) isentando os que tenham valor inferior a um patamar pré-definido é conforme aos princípios constitucionais vigentes. Com efeito, assumindo a verba 28.1 da TGIS a função de promover a “equidade social na austeridade” através, a par de outras medidas, do aumento da tributação dos titulares de direitos reais sobre prédios com afectação habitacional de elevado valor é curial que se conclua que esta disposição legal possui fundamento material bastante. Não pode, pois, proceder a argumentação invocada pela Requerente.
D) Análise da violação do artigo 13.º, da CRP com fundamento de o imposto incidir sobre terrenos para construção com afectação habitacional sem consideração sobre o valor das concretas edificações autorizadas ou previstas
36. Quanto a este fundamento, e depois de decisões em sentidos diversos, o Plenário do Tribunal Constitucional tomou posição uniformizadora no Acórdão n.º 378/2018 (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180378.html), no sentido que abaixo se reproduz:
Neste plano de abordagem, sustenta o Acórdão n.º 250/2017, no essencial, que a desconsideração, pela norma sindicada, das diferenças existentes, tanto no plano físico como jurídico, entre terrenos para construção e edifícios ou construções já existentes, leva a que se sujeite a tributação, tanto «um terreno para construção destinado à construção de uma ou mais casas de luxo» ou, mesmo, «uma casa de luxo já construída» - leia-se: de valor igual ou superior a um milhão de euros - como «um terreno para construção com um valor patrimonial superior [a esse valor], mas destinado à construção de um edifício de habitação colectiva (…) constituído por fracções autónomas de pequena ou média dimensão, todas elas de valor muito inferior a um milhão de euros», situação que não é de modo algum materialmente comparável a qualquer das duas primeiras hipóteses.
A causa da inconstitucionalidade residiria, pois, de acordo com a posição adotada, no facto de a norma tributar a propriedade de terrenos para construção de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1000.000,00, cuja edificação, prevista ou autorizada, sendo para habitação, inclui frações autónomas com valor inferior àquele, situação que, por ser desigual àquelas outras, mereceria distinto tratamento tributário.
15. Mas não se afigura que assim seja.
Como se acentuou na Decisão Sumária n.º 214/2017, que analisou e refutou argumentação equivalente, «a conexão entre as regras de incidência objectiva e subjectiva aplicáveis à situação jurídica prevista na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo e as regras contidas no Código do IMI tem como consequência que o conceito de prédio relevante para efeitos do Código do Imposto do Selo seja, nos termos do respectivo artigo 1.º, n.º 6, o conceito homónimo definido no CIMI; e que o sujeito passivo do Imposto do Selo, nas situações previstas na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral, seja, conforme estatuído no artigo 2.º, n.º 4, do Código do Imposto do Selo, quem, em 31 de dezembro do ano a que o imposto respeitar, for proprietário de um prédio com um VPT [valor patrimonial tributário], apurado nos termos do CIMI, igual ou superior a €1.000.000,00».
Considerando uma tal homogenia de conceitos jurídico-tributários, é claro que, para o efeito da aplicação do Código do Imposto do Selo, tal como para o efeito da aplicação do CIMI, um terreno para construção não é igual a um prédio urbano, seja ele para habitação ou para outros fins, tal como se afirma da decisão recorrida. Mas, precisamente porque assim é, não é possível fazer atuar retroativamente, mesmo que para efeitos de mera análise ou construção jurídicas, critérios tributários que apenas se aplicam depois da construção do edifício, não antes dela.
Como se salientou, o que releva para efeitos de aplicação da norma da verba 28.1 é a situação jurídico-patrimonial existente à data do vencimento da obrigação do pagamento do imposto, sendo, pois, por referência ao facto tributário concreto existente nessa data que se deverá avaliar a existência, ou não, de um fundamento racional ou razoável para justificar as consequências jurídico-tributárias que dele imediatamente emergem.
As transformações juridicamente relevantes que o objeto da propriedade vier a sofrer no decurso do tempo, a partir desse momento, decorrentes, designadamente, da eventualidade de vir a ser construído num terreno para construção de valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00 uma edificação constituída por frações autónomas de valor inferior, configuram hipóteses de verificação e conteúdo incerto, mesmo considerando a existência de um licenciamento nesses termos, que pode vir a ser alterado ou nem sequer utilizado. Não podem, por isso, relevar decisivamente na avaliação da constitucionalidade de normas, ou segmentos delas, que, em virtude da sua ocorrência, deixarão de ser aplicáveis.
O único dado certo que, no enquadramento legal aplicável, pode e deve ser ajuizado, no plano constitucional, é a titularidade, no momento do vencimento da obrigação tributária em causa, de direitos reais de gozo sobre um terreno para construção de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00, cuja edificação, autorizada ou prevista, se destina a habitação.
16. Ora, na perspetiva juridicamente relevante da demonstração de riqueza, os terrenos destinados à construção de habitações, independentemente da estrutura jurídica e tipologia que estas últimas vierem a assumir, não são equiparáveis a prédios constituídos em frações autónomas.
No primeiro caso, está em causa, de acordo com as definições acolhidas pelo Código do Imposto do Selo, um único prédio, cujo VPT, determinado nos termos do Código do IMI, não pode deixar de ser considerado para aferir da incidência do Imposto do Selo; no segundo caso, sendo cada uma das frações autónomas havidas como constituindo um único prédio (artigo 2.º, n.º 4, do CIMI, aplicável), há tantos prédios quantas frações autónomas, valendo, para efeitos de incidência do Imposto de Selo, o VPT de cada uma delas.
Ora, enquanto o valor do terreno para construção revela necessariamente a capacidade contributiva do seu único titular, o mesmo não ocorre com um prédio constituído em propriedade horizontal, «uma vez que, sendo cada uma das fracções susceptíveis de uma situação jurídica real própria, só o valor de cada uma delas é idóneo a revelar a capacidade contributiva do seu titular» (Acórdão n.º 620/15; neste sentido, cfr. Decisão Sumária n.º 214/2017).
Considerando a globalidade do enquadramento jurídico aplicável e, em particular, o plano de incidência da norma constante da Verba 28.1 da TGIS – a titularidade de um prédio habitacional ou de um terreno para construção de habitações com VPT igual ou superior a €1.000.000,00 –, o proprietário de um terreno destinado à construção revela, à data da verificação do facto tributário, uma capacidade contributiva superior ao titular de cada uma das frações autónomas cujo valor patrimonial tributário não ultrapassa aquela quantia, ainda que o edifício que se prevê construir venha também a integrar frações de valor inferior a €1.000.000,00.
É que, relevando, para efeitos tributários, apenas o VPT de cada fração autónoma - que, como se viu, constitui uma unidade económico-jurídica legalmente qualificada como constituindo um único prédio – não vale comparar a situação patrimonial do titular de um prédio para habitação já construído, cujas frações sejam de valor patrimonial tributário inferior a €1.000.000,00, com a do proprietário de um terreno para construção de valor igual ou superior a esse montante, ainda que este tenha autorização para nele construir um prédio com tais características.
De acordo com os critérios legalmente aplicáveis, cuja constitucionalidade não vem questionada, o proprietário de um prédio já construído, constituído em propriedade horizontal, não é tido como titular, para efeitos tributários, da globalidade das frações autónomas dele integrantes, considerando precisamente a autonomia económico-jurídica destas últimas em relação ao edifício de que fazem parte. Por isso, não tendo qualquer dessas frações um VPT ou superior a €1.000.000,00, não está o mesmo sujeito ao pagamento do imposto do selo.
Diferentemente, o proprietário de um terreno para construção de edifício para habitação é já havido, para esses mesmos efeitos, como titular do correspondente valor patrimonial, pela razão evidente de que, apesar da possibilidade futura da divisão económico-jurídica desse edifício, esta ainda se não concretizou. Daí que, tendo o terreno um VPT de €1.000.000,00 ou mais, lhe seja exigido o pagamento do imposto, imposto este que, por compatível com o nível de riqueza demonstrado pelo contribuinte no momento do vencimento da correspondente obrigação tributária, não pode ser considerado infundado ou arbitrário.
Como impressivamente se afirma em declaração de voto constante do Acórdão n.º 250/2017:
«(..) não é a circunstância de a construção prevista num dado terreno se reconduzir a uma habitação de luxo ou a prédio em propriedade horizontal com diversas fracções de reduzido ou médio valor que permite questionar a efectiva concretização do propósito de tributação de específicas manifestações de riqueza. Quer o correspondente titular deseje edificar uma habitação dotada de todo o género de ostentação, um imóvel em propriedade horizontal com dezenas de fracções ou uma singela vivenda, a realidade é que, no momento da verificação do facto tributário, estamos invariavelmente em face de terreno cuja edificação prevista se dirige a habitação e que assume um VPT superior a €1.000.000,00. E é a titularidade de tal terreno – e já não a específica habitação que se deseja edificar – que permite referenciar o respectivo proprietário como dotado de particular abastança.
Se, não obstante as múltiplas possibilidades que tem ao seu dispor, o proprietário se decide pela implementação de construção que não ascenda a tal grandeza – nomeadamente por esta se apresentar em propriedade horizontal, a importar uma tributação das fracções autónomas e já não do edifício global -, tal não invalida a constatação de que, enquanto terreno, aquele imóvel se apresentava, por si só, como especial manifestação de riqueza».
E assim sendo, também não oferece dúvidas que, contrariamente ao que se defende na decisão recorrida, a diferenciação introduzida entre os contribuintes que se encontram em tal situação e os que não estão, incluindo os titulares de prédios urbanos constituídos por frações urbanas de VPT inferior a €1.000.000,00, é adequada à realização do fim visado pela norma da Verba 28.1, que é o de tributar de forma agravada os patrimónios imobiliários de mais valor em termos ajustados à satisfação do «princípio da equidade social na austeridade.
37. Consequentemente, e aplicando esse juízo de não inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, segue-se que, a este título, as liquidações que constituem o objecto do presente processo não enfermam de qualquer erro sobre os pressupostos de Direito.
Em face da conclusão alcançada, importa agora tomar conhecimento do outro fundamento de inconstitucionalidade invocado pela Requerente.
D) Análise da invocada violação do direito à habitação
38. O último dos parâmetros de desconformidade constitucional que foi invocado pela Requerente foi o do direito à habitação (artigo 65.º da Constituição). A sua não invocação nas decisões citadas do Tribunal Constitucional não quer dizer que a solução a que chegaram tivesse sido diferente caso tal parâmetro tivesse sido invocado: é que o enquadramento de Direito das questões de constitucionalidade suscitadas perante o Tribunal Constitucional (como perante os demais tribunais) não está dependente do pedido que lhe(s) seja endereçado, sendo portanto de presumir que o juízo de não-inconstitucionalidade incorporou todos os parâmetros relevantes.
39. O mero facto de a tributação em causa incidir – sem qualquer espécie de dúvida ou reserva do ponto de vista constitucional – sobre habitações, torna impossível que a sua incidência sobre terrenos destinados à construção de habitações pudesse, a essa luz, ser objecto de censura constitucional. Tal implicaria, obviamente, pretender uma maior tutela do direito à futura construção de habitação do que a que seria conferida ao próprio direito à habitação.
40. Finalmente, o Tribunal Constitucional também já se pronunciou sobre a especificidade de os terrenos abrangidos pela tributação pertencerem a sociedades que se dedicam à sua comercialização. Assim, no Acórdão n.º 22/2019 (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190022.html) citou-se o anterior Acórdão n.º 378/18:
“Deve, contudo, sublinhar-se que o imposto previsto na Verba 28.1, como é próprio dos impostos sobre o património, delimita o seu âmbito de incidência por referência exclusiva à titularidade de determinados valores patrimoniais, «independentemente da função desempenhada por tais ativos (capital produtivo, aplicação de fundos ou poupança ou consumo duradouro)» (Decisão Sumária n.º 214/2017). Por outro lado, sendo um imposto sobre o património, também não individualiza nem distingue os respetivos sujeitos passivos por recurso a outro critério que não seja precisamente a titularidade desses valores patrimoniais. Assim, aplica-se indistintamente a pessoas singulares e pessoas coletivas e, dentro desta categoria, a associações, fundações e sociedades comerciais, independentemente do ramo económico em que estas últimas operem e dos específicos riscos comerciais existentes nos respetivos sectores de atividade, aliás próprios de toda e qualquer atividade comercial.
Ora, como vimos, a opção por tal modelo de tributação é constitucionalmente legítima, sendo virtualmente apta, com tal configuração, a prosseguir o programa que a Constituição lhe associa de contribuir para a igualdade entre os cidadãos, não decorrendo da argumentação expendida na decisão sob recurso a demonstração fundada de que efetivamente ocorre «arbitrariedade intolerável» na opção normativa de alargar a incidência do referido imposto aos terrenos para construção.
De facto, se é certo que a simples titularidade de terrenos para construção de habitações de valor igual ou superior a €1.000.000,00 não permite, só por si, determinar a concreta e completa situação económico-financeira em que se encontra o sujeito passivo do imposto – o que, repete-se, não é constitucionalmente exigível -, também não autoriza juízos extrapolativos sobre o tipo de contribuintes atingidos por tal norma de incidência, o ramo de atividade em que atuam e as vicissitudes conjunturais, nomeadamente de mercado, a que poderão estar sujeitos.
Como se referiu, a norma em causa parte da ponderação de concretas situações jurídico-patrimoniais, delimitadas em função do valor patrimonial tributário do imóvel e sua afetação social normal, integrando no seu âmbito subjetivo de aplicação um conjunto indeterminado de contribuintes de acordo com um critério uniforme: a titularidade de terrenos para construção de edifícios para habitação de elevado valor patrimonial tributário. Em relação a nenhum deles é valorada a sua concreta situação económico-financeira (rendimentos ou lucros), a sua natureza (singular ou coletiva), estrutura de organização (empresarial ou não empresarial), concreta forma jurídica assumida (sociedade comercial ou outra) e, muitos menos, os diversos setores de atividade em que eventualmente atuam os comerciantes abrangidos e os riscos específicos inerentes a cada um desses ramos de atividade.
A mera probabilidade estatística de serem atingidos pela norma em questão sociedades comerciais dedicadas à promoção imobiliária, associada à ponderação de varáveis económicas de verificação incerta, como seja o impacto económico do imposto nesse particular ramo de atividade comercial – cujo valor, aliás, não deixará de ser considerado como custo da atividade -, não constitui razão suficientemente sólida para suportar um juízo de inconstitucionalidade da norma em causa, na específica hipótese em apreciação, considerando, além do mais, o caráter negativo do controlo constitucional ditado pelo princípio da igualdade».
41. Conclui-se, portanto, no sentido da conformidade constitucional da norma impugnada, que era o único fundamento invocado contra os actos de liquidação n.ºs 2015... e 2015... relativos ao ano de 2014 e praticados ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS), aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, no montante global de € 68.466,01, que tinham sido impugnados pela Requerente.
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Decisão
Termos em que acorda o presente Tribunal Arbitral em julgar improcedente o pedido formulado pela Requerente, mantendo, em consequência, os actos de liquidação de Imposto do Selo referentes a 2014 contestados pela Requerente.
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Valor do Processo
De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 306.º e no n.º 2 do artigo 297.º, ambos do Código do Processo Civil, da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 68.466,01 (sessenta e oito mil, quatrocentos e sessenta e seis euros e um cêntimo).
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Custas
De acordo com o previsto no n.º 4 do artigo 22.º, no n.º 2 do artigo 12.º, ambos do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 2.448.00 (dois mil, quatrocentos e quarenta e oito euros), a suportar pela Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 25 de Fevereiro de 2019.
Os Árbitros,
Fernanda Maçãs
(Árbitro Presidente)
Álvaro Caneira
(Árbitro Vogal)
Francisco de Carvalho Furtado
(Árbitro Vogal)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
Decisão Arbitral
Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Álvaro Caneira e Francisco Carvalho Furtado (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD, acordam no seguinte:
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Relatório
1. A Requerente A..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na ..., n.º..., ...-... ..., notificada dos actos de liquidação de Imposto do Selo n.ºs 2015... e 2015... relativos ao ano de 2014 e praticados ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS), aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, no montante global de € 68.466,01, vem apresentar, ao abrigo da alínea a), do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral com vista à anulação daqueles actos.
2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
3. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste na anulação daqueles actos.
3.1. A Requerente peticiona a declaração de ilegalidade e a consequente anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo, praticados por referência ao ano de 2014.
4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
4.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.
4.2. Em 28 de Setembro de 2015, as partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.
4.2. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 13 de Outubro de 2015.
4.3. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
5. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:
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A verba 28 da TGIS, na redacção em vigor após 31 de Dezembro de 2013, sujeitava a Imposto do Selo os prédios habitacionais ou terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do Código do IMI;
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A referida verba viola os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva;
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O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva implica a existência de conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto;
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No caso em apreço, o Requerente é proprietário de dois terrenos para construção com o Valor Patrimonial Tributário global de € 6.646.611, o que representa a sua capacidade contributiva e é sujeito ao imposto previsto na verba 28.1 da TGIS;
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Se o Requerente fosse proprietário de 10 terrenos, cada um com o Valor Patrimonial Tributário de € 900.000, teria uma capacidade contributiva superior (€ 9.000.000), mas não seria sujeita ao imposto previsto na verba 28.1 da TGIS;
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Contribuintes com capacidades contributivas distintas são tributados de forma distinta, sendo aquele que revela menor capacidade onerado de forma mais gravosa;
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A ratio subjacente à verba 28.1 da TGIS é a de tributação dos patrimónios mais elevados;
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Assim sendo, não há justificação para que apenas os prédios habitacionais sejam sujeitos a imposto;
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Por este motivo é, também, violada a proeminência valorativa do direito à habitação, previsto no artigo 65.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP);
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A exclusão de tributação dos imoveis afectos a serviços, comércio ou indústria com o argumento de que se tratam de instrumentos produtivos das empresas viola o princípio da igualdade dado que, no caso de empresas os terrenos para construção com afectação habitacional também são instrumentos produtivos;
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Uma empresa que tem como instrumentos produtivos edifícios destinados ao comércio, serviços ou indústria ou tem terrenos para construção com edificação, prevista ou autorizada, para aqueles fins, não será sujeita a qualquer imposto;
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Já uma empresa que detenha factores de produção de idêntica natureza – terrenos para construção -, mas com edificação, prevista ou autorizada, para habitação será tributada;
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Termina pedindo a declaração de ilegalidade, por violação da CRP dos actos de liquidação de Imposto do Selo.
6. A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante identificada como Requerida) apresentou resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação, alegando, em síntese, o seguinte:
Por excepção:
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A Requerente pretende a desaplicação da verba 28 da TGIS com fundamento na sua inconstitucionalidade e não por qualquer ilegalidade ocorrida na sua aplicação aos factos concertos;
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A Requerida está, na sua actuação, vinculada à CRP e à Lei não se podendo recusar a aplicar normas com fundamento na sua inconstitucionalidade ou ilegalidade – cfr. artigos 266.º, n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e 55.º da Lei Geral Tributária (LGT);
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De igual modo o Tribunal Arbitral carece de competência para a apreciação da conformidade da verba 28.1 da TGIS com a CRP, sendo o Tribunal Constitucional o foro competente para esse efeito – cfr. artigos 280.º, n.º 2, alíneas a) e d) e 281.º, alíneas a) e b) e n.º 3, da CRP e 6.º e 66.º, da Lei do Tribunal Constitucional;
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Está vedado ao Tribunal Arbitral proceder à declaração de ilegalidade / inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS por se tratar de matéria excluída da sua jurisdição – cfr. artigos 2.º do RJAT em articulação com o n.º 2 da Portaria de Vinculação ao CAAD, 4.º, n.º 2, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), ex vi artigo 29.º do RJAT;
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Conclui pela incompetência material do Tribunal e pelo pedido de absolvição da instância – cfr. artigos 278.º, do Código de Processo Civil (CPC), 2.º do RJAT, 2.º da Portaria de Vinculação ao CAAD e 4.º, n.º 2, alínea a) do ETAF ex vi artigo 29.º do RJAT.
Por impugnação:
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É entendimento da Requerida que os prédios em causa nos presentes autos têm natureza jurídica de prédio com afectação habitacional;
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Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, em sede de IS, há que recorrer ao disposto no Código do IMI, designadamente, ao disposto nos artigos 2.º e 6.º daquele Código;
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A noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis;
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O conceito de prédios com afectação habitacional compreende, quer os prédios edificados, quer os terrenos para construção;
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A afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção;
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O legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado antes pela noção de “afectação habitacional”;
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A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro de 2013, alterou a redacção da Verba 28.1 da TGIS passando a incluir expressamente os terrenos para construção como elemento objectivo de incidência da norma;
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O princípio da igualdade previsto nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da CRP tem como corolário o princípio da capacidade contributiva;
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Este princípio obriga a que se trate como igual o que for igual e como diferente o que for essencialmente diferente, impedindo as discriminações arbitrárias e irrazoáveis;
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Não existe no caso em análise violação do princípio da igualdade na dimensão da proibição de diferenciação em situações iguais dado que não estamos perante solução que viole a proibição do arbítrio;
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A verba 28 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel;
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O legislador definiu um pressuposto económico válido, como manifestação da capacidade contributiva do qual não resultam diferenças injustificadas de tratamento entre contribuintes;
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De igual modo, não existe violação dos princípios da proporcionalidade, da legalidade, da confiança e da capacidade contributiva;
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Trata-se antes – a verba 28.1 da TGIS -, de medida de igualdade que se destina a reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantido uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento;
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Nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1 da LGT a capacidade contributiva também se exprime através da titularidade de património;
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Património esse que representa o pressuposto económico que legitima a tributação da titularidade de prédios e de terrenos urbanos de afectação habitacional, estando respeitado o critério da adequação;
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A tributação prevista na Verba 28.1 da TGIS é individualizada, sobre cada propriedade, sendo alheia a ponderação ou avaliação da globalidade do património imobiliário de cada contribuinte;
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A titularidade de imóvel com as características definidas na norma de incidência evidencia uma especial capacidade contributiva;
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A incidência desta tributação apenas sobre os terrenos para construção com afectação habitacional não incluindo os prédios destinados a comércio, serviços ou indústria justifica-se por se tratarem de realidades distintas que merecem tratamento fiscal distinto;
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A desigualdade verificada não é excessiva sendo proporcional às razões que justificam o tratamento diferenciado;
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A proporcionalidade não implica progressividade de taxas sendo que o artigo 104.º, n.º 3 da CRP, não veda a existência de taxas ad valorem;
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Não existe, pois, também, violação do princípio da igualdade ínsito no artigo 13.º da CRP;
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A verba 28.1 da TGIS é uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todas as situações em que se verifiquem os pressupostos, de facto e de direito;
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Representa uma opção legítima, legal e constitucional do legislador;
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Termina pedindo a absolvição da instância.
7. Em resposta às excepções suscitadas pela AT, veio a Requerente, quanto à matéria da excepção, alegar que:
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Não está em causa a fiscalização abstracta da constitucionalidade mas a análise da legalidade de actos de liquidação;
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A apreciação dos actos materialmente legislativos só é possível por via da sua aplicação a casos concretos submetidos a julgamento judicial;
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O artigo 25.º do RJAT prevê, verificados os respectivos pressupostos, a possibilidade de recurso da decisão Arbitral para o Tribunal Constitucional o que só se justifica se o primeiro tiver competência para deixar de aplicar normas legais com fundamento na sua desconformidade com a Constituição.
8. Não tendo sido requerida a produção de prova constituenda, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e, bem assim, designado o dia 13 de Abril de 2016 como data limite para a prolação da decisão arbitral.
8.1 As Partes prescindiram de apresentar alegações escritas.
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Saneamento
9. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
10. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído. Com efeito, em primeiro lugar, a Requerida suscitou a incompetência do Tribunal para apreciar as questões suscitadas pela Requerente. Sobre esta matéria, a Requerida entende que apenas o Tribunal Constitucional tem competência para promover a fiscalização abstracta da conformidade de normas com os princípios constitucionais (cfr. artigo 281.º, alínea a) da CRP).
Não parece, contudo, que assista razão à Requerida. Desde logo, porque nos presentes autos não está em causa um pedido de fiscalização abstracta de normas, mas antes o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação, de actos de liquidação de imposto, com fundamento na desconformidade das normas de incidência que lhes subjazem com princípios constitucionais.
Do artigo 204.º, da CRP emana o princípio geral de que os Tribunais (qualquer que ele seja) não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na constituição ou os seus princípios. Por outro lado, inexiste no sistema jurídico processual Português um princípio de reenvio obrigatório das questões que se prendem com a apreciação da conformidade de normas com a constituição para o Tribunal Constitucional. Em bom rigor, nem sequer existe, como regra geral, a obrigatoriedade de recurso para o Tribunal Constitucional de Sentenças que deixem de aplicar normas com fundamento na sua não conformidade com a Constituição ou com os seus princípios. Parece, pois, evidente que o presente Tribunal tem competência para apreciar a questão suscitada pela Requerente. Tanto assim é que a Lei processual, e no que ao presente caso importa assume especial relevância o disposto nos artigos 280.º da CRP e 25.º do RJAT, que prevêem a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, das decisões arbitrais que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Por fim, tendo a Requerente conformado o seu pedido à declaração de ilegalidade e consequente anulação de actos de liquidação de Imposto do Selo é manifesto que, à luz do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o meio processual utilizado é idóneo.
Soçobra, por isso, a argumentação invocada pela AT relativamente à incompetência do Tribunal Arbitral, e de impropriedade do meio, pelo que se julga improcedente a verificação da excepção em apreço.
11. O processo não enferma de nulidades.
12. Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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Questões a decidir
13. Nos presentes autos as questões a decidir são:
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Conhecer da excepção de incompetência do tribunal arbitral;
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Determinar se a verba 28.1 da TGIS, na redacção em vigor à data dos factos, é conforme com os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e do direito à habitação.
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Mérito
IV.1. Matéria de facto
14. Factos provados:
14.1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
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A Requerente é proprietária de um prédio urbano inscrito da matriz predial urbana, na freguesia de..., distrito do ... e concelho de ..., sob o artigo matricial ... (documento junto ao Requerimento apresentado em 5 de Abril de 2016);
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O prédio em causa tem o valor patrimonial tributário de € 3.582.876,03, encontra-se inscrito na matriz como um “terreno para construção” tendo-lhe sido atribuído o coeficiente de localização correspondente a habitação (documento junto ao Requerimento apresentado em 5 de Abril de 2016);
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A Requerente é proprietária de um prédio urbano inscrito da matriz predial urbana, na freguesia de ..., distrito do ... e concelho de ..., sob o artigo matricial ... (documento junto ao Requerimento apresentado em 5 de Abril de 2016);
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O prédio em causa tem o valor patrimonial tributário de € 3.263.725,14, encontra-se inscrito na matriz como um “terreno para construção” tendo-lhe sido atribuído o coeficiente de localização correspondente a habitação (documento junto ao Requerimento apresentado em 5 de Abril de 2016);
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A Requerida, por referência ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ... praticou o acto de liquidação de Imposto do Selo n.º 2015..., com fundamento na verba 28.1 da TGIS, e de que resulta a colecta de € 35.828,76 (documento junto ao Requerimento apresentado em 5 de Abril de 2016);
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A Requerida, por referência ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ... praticou o acto de liquidação de Imposto do Selo n.º e 2015..., com fundamento na verba 28.1 da TGIS (documento junto ao Requerimento apresentado em 5 de Abril de 2016);
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Em 28 de Julho de 2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
14.2. Fundamentação da matéria de facto
A factualidade provada teve por base os documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, e as afirmações efectuadas pelas Partes nas respectivas peças processuais não havendo controvérsia sobre eles.
15. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
IV.2. Matéria de Direito
Do mérito
16. A questão central a decidir prende-se com a questão de saber se a norma contida na verba 28 e 28.1 da TGIS é, ou não, conforme aos princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e do direito à habitação.
Vejamos.
17. A Requerente invoca que os actos de liquidação em causa são ilegais na justa medida em que a verba 28.1 da TGIS viola o disposto no artigo 13.º, da CRP. Esta disposição legal consagra o princípio da igualdade e o seu corolário fiscal, o princípio da capacidade contributiva. Em face da causa de pedir que consta do Requerimento Inicial apresentado pela Requerente importa, desde logo, analisar o regime que decorre da Lei ordinária.
A) Análise do regime legal e sua evolução
18. Do artigo 1.º, n.º 1, do Código do IS, na redacção introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, resulta que “o imposto do selo incide sobre todos os actos, contractos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”. A verba 28 foi aditada à TGIS pela mesma Lei em simultâneo com uma alteração ao artigo 1.º, n.º 1, do Código do IS.
A indicada alteração ao artigo 1.º, n.º 1, do Código do IS consistiu na inclusão de uma referência genérica a “situações jurídicas” como potencial objecto de incidência deste imposto, definindo-se nas verbas 28, 28.1 e 28.2 da TGIS as primeiras situações jurídicas sobre que o imposto passou a incidir.
19. A redacção inicial destas verbas da TGIS era a seguinte:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1 %;
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5 %.”
20. A ratio subjacente à inovação legal concretizada com a introdução da Verba 28 na TGIS consta da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, em que se refere o seguinte:
“A prossecução do interesse público, em face da situação económico-financeira do País, exige um esforço de consolidação que requererá, além de um permanente activismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.
Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa.
Nestes termos, será agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, passando as respectivas taxas de 25% para 26,5% em sede de IRS. As taxas de tributação aplicáveis aos rendimentos obtidos de, ou transferidos para, os paraísos fiscais são também agravadas para 35%.
Por outro lado, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.
Finalmente, este diploma introduz uma medida de reforço de combate a fraude e a evasão fiscais, através do reforço do regime aplicável às manifestações de fortuna dos sujeitos passivos (IRS) e às transferências de e para paraísos fiscais. Em primeiro lugar, reforça-se a operacionalização da liquidação do IRS com base em manifestações de fortuna, reduzindo-se o diferencial de 50% para 30% entre as manifestações de fortuna e os rendimentos declarados em sede de IRS. Por outro lado, as transferências de e para paraísos fiscais efectuadas entre contas do sujeito passivo, não declaradas nos termos da lei, passam a ser consideradas uma manifestação de fortuna e, nessa medida, sujeitas a tributação em sede de IRS por métodos indirectos”.
21. A conformidade da primeira redacção da verba 28.1, em face do princípio constitucional da igualdade, foi afirmada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 590/2015, de 11 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 542/14, em que se refere que “não se encontra na norma de incidência em apreço medida fiscal arbitrária, porque desprovida de fundamento racional. Como se viu, a alteração legislativa teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao do da generalidade dos prédios urbanos com afectação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é susceptível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade”» e que «o valor patrimonial tributário de que depende a incidência do imposto é atingido apenas pelos prédios urbanos de vocação habitacional de mais alto significado económico, exteriorizando níveis de riqueza correspondentes aos padrões mais elevados da sociedade portuguesa”.
22. Importa, também, referir que a doutrina e a jurisprudência foram unanimes em declarar que a primeira redacção da verba 28.1, não incidia sobre realidades qualificáveis como terrenos para construção. De igual modo, a jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal Administrativo (v.g. Acórdão de Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09 de Setembro de 2105, proferido no Processo n.º 047/15), esclareceu que, no que respeita aos prédios edificados, o valor relevante para efeitos de aplicação desta verba da TGIS é o de cada uma das fracções com utilização independente e não, no caso de prédios em propriedade total, o valor patrimonial tributário agregado. Esta jurisprudência resulta do facto de o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (Código do IMI) determinar que, independentemente do regime em que se concretize a inscrição e registo do prédio (propriedade horizontal versus propriedade total) a inscrição e avaliação toma em consideração cada parte do prédio susceptível de utilização independente (cfr. artigo 12.º, do Código do IMI). Esta interpretação é a que permite compatibilizar este normativo com a exigência de fundamento económico racional e, logo, não arbitrário, efectuada pelo Tribunal Constitucional na apreciação que faz da conformidade desta norma com os princípios constitucionais relevantes, designadamente o da igualdade e o seu corolário, o princípio da capacidade contributiva. Ou seja, apenas as partes de prédio susceptíveis de utilização independente e com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros), é que são susceptíveis de revelar a capacidade contributiva que se pretende atingir com a verba 28 da TGIS.
23. Parece, pois, curial que se conclua, na esteira do declarado pelo legislador na respectiva exposição de motivos, que a primitiva redacção da verba 28.1 da TGIS visou tributar os direitos sobre habitações de luxo, por ela revelar a capacidade contributiva necessária e adequada para esse efeito.
24. Posteriormente, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, veio ampliar o âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS, passando a verba 28 a ter a seguinte redacção:
“28. – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1 %
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5 %”
25. Ou seja, em sintonia com a interpretação que a Autoridade Tributária e Aduaneira fazia da redacção originária da verba 28 da TGIS, ampliou-se a incidência da mesma de forma a que abarque os direitos de propriedade, usufruto ou direito de superfície sobre terrenos “para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”.
26. Deste modo, na nova redacção, a verba 28 da TGIS incide sobre os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros), calculado também de acordo com as regras que constam do Código do IMI.
B) Análise dos princípios constitucionais da igualdade e o seu corolário, o princípio da capacidade contributiva
27. A análise da conformidade da verba 28 da TGIS com os princípios constitucionais da igualdade e ao seu corolário, o princípio da capacidade contributiva, deve ser analisada à luz do que se deixou referido. Importará, neste sentido, analisar o disposto nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da CRP. O artigo 13.º da CRP estabelece o princípio da igualdade. Decorre da referida disposição constitucional, que “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”, e que: “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.
28. Este princípio é interpretado de forma constante como um limite ao arbítrio e á discricionariedade. Como abundantemente referido, quer na doutrina, quer na jurisprudência, o princípio da igualdade manifesta-se em três dimensões (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed, Vol. I, Coimbra, 2007, p. 339): “a) proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; b) proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre cidadãos baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias (...); c) obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural (...)”.
29. Este princípio é interpretado e definido não como uma proibição ao tratamento diferenciado mas como uma proibição de arbitrariedade e de ausência de racional económico nas diferenças estabelecidas. Como vem, também, sido referido pela doutrina e pela jurisprudência, inclusive do CAAD, no âmbito do direito tributário o princípio da igualdade tem como corolário as ideias de capacidade contributiva e de uniformidade da tributação (tributar o igual de forma igual e o distinto de forma distinta, na medida da diferença). Neste sentido é relevante o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2013, de 9 de Abril de 2013 que, referindo-se a anterior jurisprudência, afirma: “o princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária. Isto porque se o princípio da igualdade tributária pressupõe o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais, a capacidade contributiva é o tertium comparationis – leia-se, o critério – que há de servir de base à comparação. Neste sentido, o princípio da capacidade contributiva opera tanto como condição ou pressuposto quanto como critério ou parâmetro da tributação (...). Opera como pressuposto ou condição visto que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; vale como critério ou parâmetro porque determina que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua “capacidade de gastar” (ability to pay). Ou seja, contribuintes com a mesma capacidade de gastar devem pagar os mesmos impostos (igualdade horizontal), e contribuintes com diferente capacidade de gastar devem pagar impostos diferentes (igualdade vertical)”.
30. O Tribunal Constitucional tem abordado o princípio da igualdade no sentido de este dever ser interpretado em conjunto com outros princípios constitucionais e, bem assim, de não poder eliminar a liberdade do poder legislativo de conformar a incidência de tributação (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 187/2013, de 5 de Abril de 2013 e n.º 590/2015, de 18 de Dezembro de 2015). Conclui-se, pois, dos citados Arestos que, na medida em que as diferenças de tratamento que emanam da Lei encontrem justificação razoável, não merecerão censura. É, pois, a esta luz e assumindo estes critérios objectivos que se deverá analisar a conformidade da verba 28.1 da TGIS com o princípio constitucional da igualdade e com o seu corolário princípio da capacidade contributiva.
31. Para a análise e decisão que aqui se procuram alcançar também se revela determinante a interpretação do artigo 104.º, n.º 3 da CRP. De acordo com este normativo “a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos”. Ou seja, o respeito pelo princípio da igualdade anteriormente enunciado, e do seu corolário de tributação de acordo com a capacidade contributiva, implica que as normas tributárias sejam aplicáveis genericamente e assentem em pressupostos económicos válidos que permitam concluir que são motivadas e justificadas por critérios de proporcionalidade e na capacidade contributiva de cada contribuinte. Capacidade contributiva esta que se manifestará através de critérios económicos justificáveis e racionais que deverão ser inerentes à tributação.
32. Sobre este aspecto importa referir que o facto de o artigo 104.º, n.º 3, da CRP fazer referência à necessidade de a tributação sobre o património contribuir para a igualdade entre os cidadãos não implica um conteúdo jurídico especial do princípio da igualdade. Sobre este aspecto é relevante a doutrina que tem sustentado que: “como não se concretiza o instrumento a usar para prosseguir tal igualdade, nem a igualdade tributária é sempre sinónimo de aplicação de progressividade ou de outro mecanismo específico, a norma não tem utilidade” (BRÁS CARLOS, Impostos. Teoria Geral, 4ª ed., Coimbra, 2014, p. 172); “[o] n.º 3 do art. 104.º sobre tributação do património é hoje totalmente inócuo, não mais de que uma declaração de princípio, nem sequer muito sonora” (XAVIER DE BASTO, “A Constituição e o sistema fiscal” in RLJ, ano 138 (2009), p. 282). Estando elencados os critérios interpretativos das diversas disposições legais em confronto, importará aplica-los, então, ao caso concreto.
C) Análise da violação do artigo 104.º, da CRP com fundamento de o imposto incidir sobre cada prédio, individualmente considerado, e não sobre a totalidade do património imobiliário
33. Como se deixou supra referido, no requerimento inicial a Requerente insurge-se contra o facto de o IS previsto na verba 28.1 da TGIS incidir sobre o valor unitário de cada imóvel e não sobre a totalidade do património de cada sujeito passivo. Deste modo, um contribuinte que seja proprietário de um único prédio cujo valor fiscal relevante seja igual ou superior a € 1.000.000 (um milhão de Euros), é sujeito a imposto e um outro sujeito passivo com património (de idêntica natureza), de valor global superior mas dividido por prédios que individualmente não tenham valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros), não é onerado com qualquer imposto. Não parece, contudo, que assista razão à Requerente.
34. Como decorre da doutrina que interpreta o artigo 104.º, n.º 3, da CRP, esta norma constitucional não faz impender sobre o legislador a obrigação de tributar o património tendo por base taxas progressivas ou de fazer incidir a tributação sobre a totalidade do património do sujeito passivo. Por outras palavras, é uma opção legítima do legislador a de fazer incidir o imposto sobre segmentos do património individualmente considerados conquanto exista substrato económico adequado, ou seja não arbitrário.
35. Com efeito, a verba 28 da TGIS não pretende representar uma tributação geral sobre o património. Como o Tribunal Constitucional apontou no Acórdão n.º 590/2015, de 18 de Dezembro, trata-se de um imposto parcelar que incide sobre cada prédio / terreno para construção com afectação habitacional sendo o valor patrimonial tributário a unidade económica relevante. Ora, como referido já, o artigo 104.º, n.º 3, da CRP não impõe a existência de uma tributação global sobre o património, mas apenas que esta (tributação) contribua para a igualdade entre os contribuintes. Assim sendo, a escolha legislativa de tributar os prédios / terrenos para construção de mais elevado valor (os cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00 - um milhão de Euros) isentando os que tenham valor inferior a um patamar pré-definido é conforme aos princípios constitucionais vigentes. Com efeito, assumindo a verba 28.1 da TGIS a função de promover a “equidade social na austeridade” através, a par de outras medidas, do aumento da tributação dos titulares de direitos reais sobre prédios com afectação habitacional de elevado valor é curial que se conclua que esta disposição legal possui fundamento material bastante. Não pode, pois, proceder a argumentação invocada pela Requerente.
D) Análise da violação do artigo 13.º, da CRP com fundamento de o imposto incidir sobre terrenos para construção com afectação habitacional sem consideração sobre o valor das concretas edificações autorizadas ou previstas
36. Tendo em consideração a questão suscitada pela Requerente, no caso concreto assume especial relevância a análise do princípio da igualdade na dimensão de proibição do arbítrio. Impõe-se, pois, a questão de saber se a incidência do imposto previsto na verba 28 da TGIS sobre realidades qualificáveis como terrenos para construção com afectação habitacional é justificável por contraponto à omissão de incidência deste imposto sobre realidades constituídas por prédios com partes susceptíveis de utilização independente (em propriedade horizontal ou total) quando cada uma dessas partes não tenha valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros). Ou seja, partindo deste pressuposto, impõe-se a análise da verba 28.1 da TGIS no sentido de apurar se da mesma resulta uma diferenciação, entre contribuintes, arbitrária, ou seja sem substrato económico razoável. Ora, esta mesma questão foi já apreciada por Tribunal Arbitral, designadamente no Acórdão proferido no processo n.º 507/2015-T, em cujo Árbitro-Presidente foi o Excelentíssimo Senhor Juiz Conselheiro jubilado, Dr. Jorge Lopes de Sousa, tendo-se concluído pela inconstitucionalidade material da verba 28.1 da TGIS.
37. Como se deixou já referido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo parece ser unanime no sentido de que, quando os edifícios são constituídos por fracções susceptíveis de utilização independente, é o valor de cada uma delas que releva para aferir da aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS, independentemente de estar ou não constituída propriedade horizontal. Ou seja, nos casos em que o prédio edificado, ainda que composto por partes susceptíveis de utilização independente e em propriedade total, tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000,00 (um milhão de Euros), não haverá incidência de imposto desde que o valor patrimonial tributário de cada uma das partes com susceptibilidade de utilização independente que o compõem, não seja igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros).
38. Ou seja, o princípio da igualdade, na sua dimensão de proibição do arbítrio, pode ser ferido na justa medida em que que antes de estar construído um edifício e estarem criadas as fracções susceptíveis de utilização independente, o IS incide sobre o valor patrimonial tributário do terreno não atendendo à concreta afectação habitacional prevista, ou seja às características e consequente valor patrimonial tributário das fracções independentes ou edifício único, autorizados. Nestas situações o terreno para construção pode estar no âmbito de incidência do IS previsto na verba 28.1 da TGIS e, depois de construído, depois de acrescentado valor, deixa de estar.
39. Na verdade, incidindo o IS previsto na verba 28.1 sobre o “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, como se refere no corpo da verba 28, antes de estarem construídas fracções, é aquele o valor a considerar para aferir da incidência do imposto, pois não existe outro que seja utilizado para efeito de IMI. E “o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação”, sendo que “o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas” (artigo 45.º, n.ºs 1 e 2, do CIMI).
40. Em face do que se deixa exposto, parece curial que se conclua que, em relação a terrenos para construção relativamente aos quais esteja prevista ou autorizada edificação apenas com unidades habitacionais de valor inferior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros), não vale aquela justificação para tributar os terrenos, pois o facto de o terreno ter valor igual ou superior àquele não permite identificar um sujeito passivo com uma capacidade contributiva a nível dos “padrões mais elevados da sociedade portuguesa”.
41. Na verdade, a titularidade de direitos sobre um terreno para construção de fracções susceptíveis de utilização independente até revela menos capacidade contributiva do que a que revela a titularidade de direitos sobre o prédio já construído, pelo que não se pode encontrar uma justificação racional para ser tributada a titularidade de direitos sobre o terreno, quando tiver o valor igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros), e não a titularidade dos direitos do mesmo sujeito passivo sobre o prédio já construído, quando todas as fracções tenham valores inferiores àquele. Carece de justificação racional tributar com base em hipotética capacidade contributiva elevada as situações em há titularidade de direitos sobre terrenos para construção em que estão autorizadas ou previstas edificações exclusivamente constituídas por fracções de valor individual inferior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros) e não aplicar mesma tributação às situações em que no terreno já foram construídas essas edificações, com enorme aumento do valor patrimonial tributário da edificação, já que “o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas”.
Já relativamente aos terrenos para construção destinados a edificação de habitações autónomas de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, a titularidade de direitos sobre terrenos com esta finalidade revela, só por si, uma situação de riqueza, a nível dos “padrões mais elevados da sociedade portuguesa”: isto é, se o terreno, só por si, tem valor igual ou superior a € 1.000.000,00 e se destina construção de habitações individuais de valor também igual ou superior a este está-se perante situações em que a mera titularidade de direitos sobre o terreno revela riqueza correspondente “aos padrões mais elevados da sociedade portuguesa”.
42. Sucede, porém, que, conforme apontado no referido Acórdão proferido no Processo CAAD n.º 507/2015-T, a verba 28.1 da TGIS, na parte relativa a terrenos para construção, não contém, qualquer limitação à sua aplicação em função do valor das “habitações” autorizadas ou previstas, pelo que tem de se concluir que apenas faz depender a sua aplicação do valor patrimonial tributário do próprio terreno. Assim sendo, ter-se-á, em consequência, que concluir que a norma contida na verba 28.1 da TGIS, na redacção introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é materialmente inconstitucional, por ofensa do princípio da igualdade, enunciado genericamente no artigo 13.º da CRP, por se pretender aplicar a terrenos para construção de valor patrimonial tributário de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros), para os quais a construção autorizada ou prevista não inclui qualquer fracção susceptível de utilização independente com valor igual ou superior àquele.
As mesmas razões para distinguir valerão relativamente aos terrenos para construção destinados a edificação de habitações autónomas de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, pois a titularidade de direitos sobre terrenos com esta finalidade revela, só por si, uma situação de riqueza, a nível dos “padrões mais elevados da sociedade portuguesa”: isto é, se o terreno, só por si, tem valor igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros) e se destina construção de habitações individuais de valor também igual ou superior a este está-se perante situações em que a mera titularidade de direitos sobre o terreno revela riqueza correspondente “aos padrões mais elevados da sociedade portuguesa”.
Em face do exposto, e na esteira do entendimento sufragado no Acórdão CAAD proferido no Processo n.º 507/2015-T, conclui-se, no que interessa para a decisão do presente processo, que a verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é materialmente inconstitucional, na medida em que sujeita a tributação em IS a propriedade de terrenos para construção cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros), relativamente aos quais a edificação, autorizada ou prevista, não inclua qualquer habitação de valor individual igual ou superior a esse.
Consequentemente, as liquidações que constituem o objecto do presente processo enfermam de vício de violação de lei, por consubstanciar erro sobre os pressupostos de direito a aplicação de uma norma materialmente inconstitucional, o que justifica a sua anulação (artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo). Em face da conclusão alcançada fica prejudicado, porque inútil, o conhecimento de quaisquer outras das questões suscitada pela Requerente (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, do RJAT).
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Decisão
Termos em que acorda o presente Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido formulado pela Requerente, anulando os actos de liquidação de Imposto do Selo contestados.
Comunique-se à Senhora Procuradora-Geral da República, para os fins do artigo 280.º, n.ºs 1, alínea a) e 3, da CRP.
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Valor do Processo
De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 306.º e no n.º 2 do artigo 297.º, ambos do Código do Processo Civil, da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 68.466,01 (sessenta e oito mil, quatrocentos e sessenta e seis euros e um cêntimo).
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Custas
De acordo com o previsto no n.º 4 do artigo 22.º, no n.º 2 do artigo 12.º, ambos do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 2.448.00 (dois mil, quatrocentos e quarenta e oito euros), a suportar pela Requerida.
Lisboa, 12 de Abril de 2016.
Os Árbitros,
Fernanda Maçãs
(Árbitro Presidente)
Álvaro Caneira (Relator)
(Árbitro Vogal)
Francisco de Carvalho Furtado (Relator)
(Árbitro Vogal)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.