Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 288/2018-T
Data da decisão: 2019-02-14  IRS  
Valor do pedido: € 42.812,84
Tema: IRS – mais-valias; Regime transitório da categoria G.
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Decisão Arbitral

 

RELATÓRIO

 

  1. Em 18 de junho de 2018, A..., residente na Rua ..., n.º..., em..., ...-... Algés, na qualidade de cabeça de casal da Herança aberta por óbito de B..., contribuinte fiscal n.º..., doravante designado por Requerente, solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).
  2. O Requerente é representado, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, Dr. C..., e a Requerida é representada pelos juristas, Dr.ª D... e Dr. E... .
  3. Mediante o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, o Requerente pretende a declaração de ilegalidade, e consequente anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2017..., referente ao ano de 2016, no montante de € 42.812,84 (quarenta e dois mil, oitocentos e doze euros e oitenta e quatro cêntimos) dos quais € 42.087,52 correspondem a imposto e € 725,32 a juros compensatórios.
  4. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo o Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o signatário.
  5. O signatário aceitou a designação efetuada, tendo o Tribunal Arbitral sido constituído no dia 28 de agosto de 2018, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme comunicação da constituição do Tribunal Arbitral que se encontra junta aos presentes autos.
  6. Depois de notificada para o efeito, a Requerida apresentou, a 4 de outubro de 2018, a sua resposta, na qual apresentou a sua defesa, por exceção e por impugnação.
  7. Por despacho de 12 de outubro de 2018, o Tribunal, no respeito pelo princípio do contraditório, notificou o Requerente para se pronunciar sobre as exceções invocadas pela Requerida.
  8. No dia 24 de outubro de 2018, em resposta ao despacho indicado em 7 supra, o Requerente apresentou um requerimento em cumprimento ao mesmo.
  9. Não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, o Tribunal entendeu dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, no despacho que proferiu a 7 de novembro de 2018, concedendo, no mesmo, um prazo sucessivo de 10 dias para o Requerente e a Requerida, por esta ordem, apresentarem as correspondentes alegações por escrito.
  10. Nesse despacho, o Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT designou o dia 28 de fevereiro de 2019 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo advertido o Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
  11. O Requerente e a Requerida apresentaram as suas alegações, a 13 de novembro de 2018 e a 26 de novembro de 2018, respetivamente.
  12. Por lapso, no dia 28 de novembro de 2018, o Tribunal proferiu despacho no sentido de o Requerente apresentar defesa quanto às exceções invocadas pela Requerida, quando tal posição havia já sido devidamente manifestada no requerimento identificado em 8 supra que o mesmo apresentou. Face a esta inutilidade e ao detetar tal lapso, o Tribunal, através do despacho de 4 de dezembro de 2018 deu sem efeito o despacho aqui referido.
  13. No dia 5 de dezembro de 2018, o Requerente apresentou um requerimento reiterando toda a sua argumentação já expendida no âmbito do presente processo.

 

II. O Requerente sustenta os seus pedidos, em síntese, da seguinte forma:

 

O Requerente sustenta o pedido de anulação do indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º ...2018... e do ato de liquidação de IRS n.º 2017..., referente ao ano de 2016, no montante de € 42.812,84 (quarenta e dois mil, oitocentos e doze euros e oitenta e quatro cêntimos), no qual se encontram incluídos os respetivos juros compensatórios por ilegal, por enfermar nos seguintes vícios:

  1.  Vício de preterição de formalidade essencial, porquanto, «(…) por lapso, a contribuinte declarou, em maio de 2017, os rendimentos auferidos em 2016, com a alienação da quota parte dos referidos imóveis, no Anexo G (mais-valias e outros incrementos patrimoniais) da declaração anual de rendimentos, Modelo 3 de IRS, em vez de, como seria correto, apresentar os referidos rendimentos no Anexo G1 (mais valias não tributadas). Esse erro declarativo, originou por parte da Autoridade Tributária (AT), um processo de liquidação do IRS, com o objectivo de fixar o quantitativo de imposto devido, uma vez que o rendimento foi declarado, por lapso, como rendimento sujeito a IRS.»

Segundo o Requerente «em 8 de novembro de 2017, no âmbito do processo de liquidação de IRS instaurado pela AT, contribuinte foi notificada, para exercer o direito de audição prévia, porque a AT identificou existência de possíveis divergências nos valores de aquisição e divergências no ano de aquisição dos imóveis. Em 22 de novembro de 2017, o ora Requerente na qualidade de cabeça de casal da contribuinte, entretanto falecida, exerceu o direito de audição prévia» manifestando a «disponibilidade para substituir a declaração de IRS Modelo 3, apresentando o Anexo G1, com os rendimentos de mais valias não tributadas e anexou documentos que provam a data e o valor de aquisição da quota parte dos imóveis.»

Consequentemente, refere o Requerente que, no dia 2 de dezembro de 2018, «(…) reenviou a mensagem eletrónica através da qual tinha exercido o direito de audição prévia e, adicionalmente esclareceu que também havia enviado cópia da referida mensagem «para o v/ técnico Sr. F... que me atendeu pessoalmente nas vossas instalações e me aconselhou ao envio por email da resposta». Em 4 de janeiro de 2018, foi notificado do ato tributário de liquidação n.º 2017...».

Com efeito, a meados de dezembro de 2018, o Requerente foi notificado da decisão final quanto à correção oficiosa da declaração de IRS, Modelo 3, do ano de 2016, com a identificação ..., da qual consta que «não foi exercido do direito de audição prévia, nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária e do artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira não tendo também o CCH em representação da falecida contribuinte procedido a entrega de qualquer declaração de substituição.»

Mais refere, o Requerente que «em 5 de janeiro de 2018 apresentou reclamação graciosa do referido ato tributário de liquidação, através do Portal das Finanças, onde reproduz o teor do exercício do direito de audição prévia.» 

Concluindo no sentido de que «o acto tributário de liquidação que ora se impugna é ilegal, porque enferma do vício de preterição de formalidades legais

 

  1. Alega, também, o Requerente o vício de errónea qualificação do tipo de rendimentos, defendendo que: «[e]m 27 de junho de 2016, (…) na qualidade de mandatário de B..., alienou a quota-parte que a mandante era proprietária, nos prédios urbanos a seguir identificados: (…)». Com efeito, «[a] quota parte dos três prédios anteriormente identificados tinha sido adquirido por B..., na qualidade de herdeira de G..., que faleceu no dia 26 de março de 1947.»

Continua o Requerente em jeito de conclusão no sentido de que: «E, sendo assim, é um facto notório que o rendimento auferido em 2016, proveniente desta alienação onerosa da quota parte dos 3 imóveis acima identificados, não está sujeito a tributação em sede de IRS, por força do previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro.»

Concluindo no sentido de que «(…) o acto tributário de liquidação que ora se impugna é ilegal, porque enferma do vício de errónea qualificação do tipo de rendimentos e, consequentemente, deve ser anulado, com fundamento no artigo 99.º alínea a) do CPPT, aplicável por força do artigo 70.º, n.º 1 do CPPT.»

 

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

Por seu lado, a AT vem, na sua resposta, defender-se, por exceção e por impugnação: 

  1. Por exceção, invoca, a Requerida, a falta de objeto do pedido de pronúncia arbitral, defendendo que «o Requerente notificado do indeferimento do recurso hierárquico através do ofício de 27.04.201, e de que a reclamação graciosa n.º ...2018..., foi arquivada oficiosamente, tendo sido instaurada nova reclamação graciosa em nome cabeça de casal, à qual foi atribuído o n.º ...2018... . Significa isto que o Requerente foi devidamente notificado do arquivamento oficioso da reclamação graciosa n.º ...2018..., a coberto do Ofício de 27.04.2018. Ora, à data em que o Requerente intentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 18.06.2018, ainda se encontra a decorrer o prazo para apreciação da reclamação graciosa n.º ...2018...

Continua a Requerida referindo que «(…) para além do Requerente vir indicar como acto objecto sob escrutínio o indeferimento tácito de uma reclamação graciosa que foi arquivada oficiosamente, intentou o presente pedido de pronuncia arbitral, sem que para o efeito tivesse esgotado o prazo de 4 meses, consignado no n.º 1 do Art.º 57.º, da LGTT. Logo, o presente pedido de pronúncia arbitral carece de objecto, na medida em que não chegou a ocorrer a formação da presunção de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa n.º ...2018... . (…) o indeferimento tácito da reclamação graciosa ...2018..., apenas ocorreria – e salvo erro de contagem – em 28.08.2018.», para concluir no sentido de que «[t]endo o Requerente apresentado o pedido de pronúncia arbitral, em 18.06.2018, afere-se que o mesmo foi deduzido muito antes de se ter verificado o indeferimento tácito -28.08.2018. (…) Neste desiderato, subsiste a falta de objecto a qual constitui uma excepção peremptória, que se invoca para todos os efeitos legais, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 577.º do CPC, na redacção dada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, aplicável ex vi Art.º 1.º do CPTA, a qual dá lugar à absolvição da requerida do pedido nos termos e para os efeitos no disposto no n.º 3 do Art.º 576.º do CPC.»

 

  1. Por Impugnação, defende-se a Requerida, no que respeita ao invocado vício de Preterição de formalidade essencial que «(…) da prova carreada pelo Requerente nos presentes autos, mormente com o documento n.º 6, em confronto com os documentos apresentados pela entidade Requerida, extrai-se claramente que não foi exercido o direito de audição. Desde logo, o Requerente invoca que apresentou o direito de audição em 22.11.2017, tendo para o efeito junto o documento n.º 6. Todavia, importa desde logo referir que o Requerente não apresentou qualquer comprovativo de entrega no que concerne ao direito de audição em 22.11.2017, quando lhe impunha em face do ónus de prova consignado no disposto no art. 342.º do CC e do art.º 77.º da LGT. Tanto mais, que como se encontra aposto no documento n.º 6, a data de 08.01.2018. Ou seja, o Requerente não exerceu o direito de audição prévia, não tendo feito prova nem junto comprovativo do envio do email em 22.11.2017.»

Concluindo no sentido de que «[n]este desiderato, recorta-se que à revelia dos argumentos aduzidos pelo Requerente, não foi ignorado o exercício do direito de audição prévia, na medida em que o requerente não fez prova de que exerceu o direito de audição prévia, não sendo o documento n.º 6 idóneo a demonstrar tal pretensão porquanto, tem aposto como data o dia 08.01.2018, não tendo a entidade Requerida recebido o email de 22.11.2017.»

 

  1. No que toca ao alegado vício de errónea qualificação do tipo de rendimentos, refere a Requerida que «(…) o documento n.º 6, atendendo à sua ilegibilidade e incompletude não permite a pronúncia acerca da questão de mérito, de que os imóveis terão sido adquiridos a título gratuito em processo de partilha homologada por sentença de 06.12.20148 e foram alienados em 27.06.2016, pelo que tal alienação onerosa não se encontra sujeita a tributação em sede de IRS, por força do disposto n.º Ar.º 5.º do Dec. Lei 442-A/88 de 30 de Novembro

Em sede de alegações, e após a junção aos autos do referido documento n.º 4 em condições de legibilidade, na sequência do despacho do Tribunal nesse sentido, acrescenta a Requerida que «[d]e acordo com a prova carreada pelo requerente mormente o documento n.º 6 [por lapso a Requerida referiu o documento n.º 6, quando, na realidade pretendia mencionar o documento n. 4] , recorta-se que os imóveis a que correspondem os anteriores artigos matriciais n.º 180 e 181 são “terrenos ocupados por um prédio em ruínas”. Para efeitos de isenção em sede de mais-valias e em sede de IRS, impunha-se que o Requerente tivesse carreado prova de que aqueles imóveis (…) fossem prédio urbanos e não terrenos para construção, ou seja, para aferir da isenção em sede de IRS teria de existir a prova de que antes da entrada em vigor do CIRS, que ocorreu em 1 de janeiro de 1989, esse terreno fosse qualificado como prédio urbano e não terreno para construção, pis só a valorização desse tipo de terrenos era tributada em sede de Imposto de Mais-Valias.»

Concluindo no sentido de que «resulta claro que os actos tributários em crise são válidos e legais não tendo ocorrido qualquer erro imputável aos serviços.»

 

 IV. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

 

V. Matéria de Facto

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

  1.  B... adquiriu, em 6 de março de 1947, os prédios urbanos inscritos sob os artigos..., ... e ... (artigos..., ... e ..., em 2016) da freguesia da..., concelho e distrito de Lisboa, por herança aberta por óbito de G..., em virtude do processo de partilha validada por sentença em 06.12.1948, transitada em julgado a 21.12.1948. -  Cfr. Doc. n.º 4 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral, em cópia, mas legível junto aos autos pelo Requerente - ; 
  2. No dia 27 de abril de 1947 foi instaurado, no Serviço de Finanças de..., o processo de imposto sobre as sucessões e doações ao qual foi atribuído o n.º... por óbito de G... - cfr. Doc. n.º 4 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral - ; 
  3. Os artigos matriciais..., ... e ... referentes aos prédios urbanos sitos na freguesia da Pena, à data de 1948, correspondem aos artigos matriciais..., ... e ... respetivamente, à data de 2016 – cfr. Facto não impugnado - ;
  4. No dia 27 de junho de 2016, o Requerente, na qualidade de mandatário de B..., alienou a quota-parte de que a mandante era proprietária, nos prédios urbanos inscritos sob os artigos..., ... ... da freguesia da..., concelho e distrito de Lisboa – cfr. Doc. n.º 2 e 3 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral - ;
  5. Em maio de 2017, B... apresentou a sua declaração de IRS Modelo 3, respeitante ao ano de 2016, a que foi atribuído o n.º de identificação..., tendo declarado no Anexo G os rendimentos auferidos com a alienação referida em D. supra - cfr. Facto não impugnado - ;
  6. No dia 13 de novembro de 2017, o Requerente foi notificado, por carta com o registo dos CTT n.º RD ... PT, de 08.11.2017, para exercer o direito de audição prévia que lhe assistia sobre a intenção de a AT proceder à correção aos valores inscritos na Declaração Modelo 3 referida em E. supra. – Doc. n.º 1 junto com a Resposta - ;
  7. No dia 03 de dezembro de 2017, B... faleceu – cfr processo administrativo - ;
  8. O Requerente foi notificado, através do Ofício n.º DFLisboa ..., de 21.12.2017 da Direção de Finanças de Lisboa que, «por despacho de 2017/12/15, (…) a declaração de IRS, Modelo 3, do ano de 2016 com a identificação ... vai ser corrigida oficiosamente (…)» - cfr. Doc. n.º 7 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral - ;
  9. No dia 4 de janeiro de 2018, o Requerente foi notificado da demonstração de liquidação de IRS com o n.º 2017..., de 22.12.2017, da demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., de 28.12.2017 e da demonstração de acerto de contas com o n.º 2017..., de 28.12.2017, dos quais consta um imposto a pagar no montante de € 42.087,52 acrescido de juros compensatórios no valor de € 725,32, com a data de limite de pagamento 07.02.2018. – cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e consulta do registo CTT –;
  10. No dia 5 de janeiro de 2018, o Requerente apresentou, em nome da B..., a Reclamação graciosa a que foi atribuído o n.º ...2018... contra o ato de liquidação sindicado nos presentes autos – cfr. processo administrativo - ;
  11.  No dia 12 de janeiro de 2018, o Requerente apresentou nova reclamação graciosa em nome de B..., à qual foi atribuído o n.º ...2018... com os mesmos fundamentos e contra o mesmo ato de liquidação sindicado no âmbito da reclamação graciosa identificada em J. supra. – cfr. processo administrativo - ;
  12. No dia 5 de março de 2018, o Requerente foi notificado, através do Ofício de 27.02.2018, que «em 26-02-2018 foi proferido despacho de Arquivamento, pelo Chefe de Serviço de Finanças, ao abrigo de Delegação de competências» no âmbito da reclamação graciosa identificada em K supra, motivado na duplicação de procedimentos – cfr. processo administrativo - ;
  13. No dia 7 de março de 2018, a Direção de Finanças de Lisboa procedeu ao arquivamento da reclamação graciosa identificada em J. supra em virtude de ter sido instaurado em nome B..., já falecida, e instaurou novo processo de reclamação graciosa com os mesmos fundamentos e contra o mesmo ato de liquidação em nome da herança daquela contribuinte – cfr. processo administrativo - ;
  14. No dia 2 de abril de 2018, o Requerente apresentou, junto do Serviço de Finanças de Oeiras ..., recurso hierárquico ao qual foi atribuído o n.º ...2018... contra a decisão de arquivamento do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2018... . – cfr. processo administrativo -;
  15. No dia 6 de abril de 2018, o Serviço de Finanças de Oeiras ... instaurou oficiosamente o procedimento de reclamação graciosa ao qual foi atribuído o n.º ...2018..., em nome de B..., Cabeça de Casal da Herança de, NIF..., o qual foi remetido para a Direção de Finanças de Lisboa – Divisão de Justiça Administrativa. – cfr. processo administrativo - ;
  16. No dia 10 de maio de 2018, o Requerente foi notificado da decisão no sentido do indeferimento do recurso hierárquico identificado em N supra. – cfr. processo administrativo -
  17. No dia 18 de junho de 2018, o Requerente apresentou, junto do CAAD, pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

VI. Factos dados como não provados

 

Não foi dado como provado que o Requerente tenha exercido o direito de audição prévia, no dia 22 de novembro de 2017, ao abrigo do disposto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária, porquanto não logrou o mesmo demonstrar e comprovar a receção, por parte da Requerida, do email por via do qual alegadamente foi exercido tal direito, nem apresentou cópia de eventual requerimento para exercício de tal direito, devidamente rececionada pelos serviços competentes.

 

Com efeito, não obstante, ter sido junto o documento n.º 6 que é o email através do qual o Requerente alegadamente exerceu o direito de audição prévia, a verdade é que, segundo defende a Requerida, não chegou o mesmo ao seu destino.

 

Refere a Requerida que, apenas, teve conhecimento do referido email, no dia 4 de janeiro de 2018, em virtude do seu reencaminhamento para a Direção de Serviço de Lisboa, confirmando apenas a receção deste último.

 

Assim, e sendo um facto controvertido, entende o Tribunal dar como não provado que o Requerente tenha exercido o direito de audição prévia no dia 22 de novembro de 2017.

 

Não existem outros factos dados como não provados, contudo, entende o presente Tribunal Arbitral que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

 

VII. Motivação da matéria de facto dada como provada

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pelas partes, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 110.º do CPPT.

 

De referir que, relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas, o dever de selecionar os factos que importem para a decisão, de discriminar a matéria provada da não provada [(cfr. artigo 123º, n.º 2 do CPPT e n.º 3 do artigo 607º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29º, n.º 1, alíneas a) e d) do RJAT)].

 

Assim sendo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados em função de sua relevância jurídica a qual é estabelecida em função das várias soluções da(s) questão (ões) de direito a descortinar. (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, n.º1, alínea e) do RJAT).

 

 

VIII. Fundamentos de direito

 

I. Questão prévia

 

  1. A Requerida, na sua resposta, defende-se invocando a exceção de “falta de objeto do pedido de pronuncia arbitral”, alegando para o efeito que «o Requerente foi notificado do indeferimento do recurso hierárquico através do ofício de 27.04.2018, e de que a reclamação graciosa n.º ...2018..., foi arquivada oficiosamente, tendo sido instaurada nova reclamação graciosa em nome cabeça de casal, à qual foi atribuído o n.º ...2018... . Significa isto que o Requerente foi devidamente notificado do arquivamento oficioso da reclamação graciosa n.º ...2018..., a coberto do Ofício de 27.04.2018. Ora, à data em que o Requerente intentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 18.06.2018, ainda se encontra a decorrer o prazo para apreciação da reclamação graciosa n.º ...2018...»

 

Ora, vejamos, se assiste razão à Requerida.

 

  1. É verdade que, conforme refere a Requerida, quando o Requerente apresentou o pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral, em 18.06.2018, ainda se encontrava a decorrer o prazo para a apreciação da reclamação graciosa n.º ...2018... .

 

  1. Sucede que, podemos adiantar desde já, a impugnação do indeferimento tácito antes da sua formação não parece levantar problemas de maior na doutrina e na jurisprudência dos nossos tribunais. Problemático seria, se a impugnação fosse apresentada depois do prazo legalmente concedido para o efeito, ou seja, decorrido o prazo para o efeito, após a verificação do indeferimento tácito, o que, em tal caso, estaríamos perante uma situação de caducidade do direito de impugnar/ação.

 

  1. Com efeito, e quanto a esta temática, esclarece Jorge Lopes de Sousa, in Código do Procedimento e do Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol.II, 6.ª Edição 2011, Áreas Editora, pág. 198, que o presente Tribunal Arbitral acompanha na integra, que:

«Poderá aventar-se que, antes de se formar indeferimento tácito, não seja possível proceder à respectiva impugnação. Na verdade, nos casos de indeferimento tácito, é esta ficção de indeferimento que é objecto imediato do processo impugnatório e, se ela não existir, a impugnação carecerá de objecto, o que torna impossível a lide, pelo menos em teoria. Porém, tem-se entendido que, mesmo depois de apresentar reclamação graciosa e antes da sua decisão ou formação de indeferimento tácito, o contribuinte pode impugnar directamente o acto de liquidação, desde que o faça dentro do prazo previsto para impugnação directa deste acto.

No entanto, nos casos em que foi deduzida a impugnação judicial tendo por objecto um hipotético indeferimento tácito de reclamação graciosa que ainda não existia, se, no momento em que for apreciada a impugnação, já tiver formado o indeferimento tácito, parece não haver obstáculo a que essa formação de indeferimento tácito superveniente em relação ao momento da apresentação da impugnação seja tida em conta, uma vez que as decisões judicias devem «tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão» (art. 663.º do CPC). Isto é, mesmo que se considere indispensável a formação de um indeferimento tácito para possibilitar a impugnação judicial do acto de liquidação (único acto realmente existente) não se justificaria declarar a caducidade do direito de acção quando, por se ter formado esse indeferimento tácito, o prazo ampliado de impugnação judicial resultante da apresentação da reclamação graciosa e da falta da sua decisão já podia ser utilizado.»

 

  1. Continuando aquele Autor, referindo que:

«Por outro lado, aquele entendimento, se é certo que é correcto relativamente a actos primários (indeferimento de uma pretensão sem prévio acto administrativo tendo por objecto a situação jurídica em causa), não parece sê-lo em relação a actos de segundo grau (actos que têm por objecto imediato outros factos), como é o caso da decisão de indeferimento de reclamação graciosa, que tem por objecto a apreciação da legalidade de um acto de liquidação.

Na verdade, tendo a reclamação graciosa como objecto um acto de liquidação, o objecto do processo de impugnação judicial de indeferimento tácito de reclamação graciosa embora seja, formalmente, o indeferimento tácito, é mediatamente o acto de liquidação que foi objecto da reclamação, e é mesmo este acto de liquidação, nos casos de indeferimento tácito, o único cuja legalidade pode ser apreciada no processo de impugnação judicial. Sendo assim, quando é apresentada uma reclamação administrativa de um acto de liquidação, deverá entender-se que o interessado pode não esperar que seja proferida a respectiva decisão, podendo optar pela impugnação contenciosa do acto administrativamente impugnado, mesmo antes de estar expirado o prazo legal para ser decidida a reclamação, com base no princípio «de que os prazos, não podendo ser excedidos, podem, em regra, ser antecipados», desde que já esteja praticado o acto que é objecto de impugnação (no caso o de liquidação).»(Sublinhado nosso).

 

  1. Concluindo do modo seguinte:

«De resto, as razões de segurança e de certeza jurídicas, que são as que estão subjacentes à caducidade do direito de impugnação contenciosa, não podem explicar que esse direito se extinga antes do momento em que essas razões se sobrepõem ao direito de impugnação contenciosa, momento esse que é o do termo do prazo em que a impugnação é tolerada.

A solução mais acertada, que se tem de presumir ter sido consagrada legislativamente (art.º 9.º, n.º 3 do CC), é a que melhor garante a possibilidade de reconhecimento dos direitos individuais, que deve ser a finalidade primacial do serviço público de justiça tributária, sem afectar de forma intolerável o interesse público da célere definição das situações jurídicas em que está em causa a cobrança de receitas destinadas a afectar à satisfação de necessidades públicas.

Essa solução mais acertada é manifestamente a de que «quando é apresentada uma reclamação graciosa de um acto de liquidação, o interessado pode optar por não esperar que seja proferida a respectiva decisão, podendo optar pela impugnação contenciosa de acto administrativamente impugnado, mesmo antes de estar expirado o prazo legal para ser decidida a reclamação, com base no princípio « de que os prazos, não podendo ser excedidos, podem, em regra, ser antecipados», desde que já esteja praticado o acto que é objecto de impugnação.»  (Sublinhado nosso).

 

  1. Com efeito, é esta, igualmente, a posição da jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Administrativo, que o presente Tribunal Arbitral considera ser de aplicar ao presente caso, nos termos da qual é manifestado o entendimento que:

«I - Tendo a reclamação graciosa como objecto um acto de liquidação, o objecto do processo de impugnação judicial de indeferimento tácito de reclamação graciosa embora seja, formalmente, o indeferimento tácito, é, mediatamente, o acto de liquidação que foi objecto da reclamação, e é mesmo este acto de liquidação, nos casos de indeferimento tácito, o único cuja legalidade pode ser apreciada no processo de impugnação judicial.

II - Quando é apresentada uma reclamação graciosa de um acto de liquidação, o interessado pode optar por não esperar que seja proferida a respectiva decisão, podendo optar pela impugnação contenciosa do acto administrativamente impugnado, mesmo antes de estar expirado o prazo legal para ser decidida a reclamação, com base no princípio «de que os prazos, não podendo ser excedidos, podem, em regra, ser antecipados», desde que já esteja praticado o acto que é objecto de impugnação.» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 0734/08, de 17 de dezembro de 2008)

 

  1. Assim sendo, e tendo em consideração que o ato de liquidação sindicado nos presentes autos – objeto mediato de impugnação – cuja ilegalidade se pretende ver declarada neste pedido de constituição arbitral, foi praticado a 28.12.2017,

 

  1. … e, que o indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º ...2018... se formou em agosto de 2018,

 

  1. … é manifesto que não há qualquer falta de objeto do presente pedido de pronuncia arbitral, uma vez que, o indeferimento tácito já se formou, e que, na presente data, o presente tribunal se encontra em perfeitas condições para apreciar a legalidade do ato tributário sindicado.

 

  1. Caso contrário seria se a reclamação graciosa fosse apreciada a favor do contribuinte, situação em que a impugnação judicial ou o presente pedido de constituição arbitral perderia a sua utilidade.

 

  1.  Assim, e em conformidade com a doutrina acima referida, o presente Tribunal Arbitral acompanha a posição jurídica de que «quando é apresentada uma reclamação graciosa de um acto de liquidação, o interessado pode optar por não esperar que seja proferida a respectiva decisão, podendo optar pela impugnação contenciosa de acto administrativamente impugnado, mesmo antes de estar expirado o prazo legal para ser decidida a reclamação, com base no princípio « de que os prazos, não podendo ser excedidos, podem, em regra, ser antecipados», desde que já esteja praticado o acto que é objecto de impugnação.», razão pela qual entende ser de improceder a exceção invocada pela Requerida.

 

  1. Improcede, assim, a exceção de “falta de objeto do pedido de pronúncia arbitral “deduzida pela Requerida, pelos fundamentos acima aduzidos.

 

 

IV. Questão controvertida

 

É a seguinte questão a apreciar e decidir: saber se o ato tributário, praticado pela AT, que se consubstancia na liquidação de IRS n.º 2017..., referente ao ano de 2016, no montante de € 42.812,84 (quarenta e dois mil, oitocentos e doze euros e oitenta e quatro cêntimos), sendo que € 42.087,52 corresponde a imposto e € 725,32 a juros compensatórios, é ilegal, face aos vícios invocados pelo Requerente.

Vejamos,

 

  1. O Requerente para concretizar o seu desiderato de ver anulado, por ilegalidade, o ato de liquidação de IRS n.º 2017..., referente ao ano de 2016, no montante de € 42.812,84 (quarenta e dois mil, oitocentos e doze euros e oitenta e quatro cêntimos), sendo que € 42.087,52 corresponde a imposto e € 725,32 a juros compensatórios, invoca dois vícios, a saber:

 a) preterição de formalidade essencial, e,

 b) errónea qualificação do tipo de rendimentos.

 

  1. No que toca ao vício de preterição de formalidade essencial, defende o Requerente que «[e]m 8 de novembro de 2017, no âmbito do processo de liquidação de IRS instaurado pela AT, a contribuinte foi notificada, para exercer o direito de audição prévia, porque a AT identificou a existência de possíveis divergências nos valores de aquisição e divergências no ano de aquisição dos imóveis. (doc. 5). Em 22 de Novembro de 2017, o ora Requerente, na qualidade de cabeça de casal da contribuinte, entretanto falecida, exerceu o direito de audição prévia (Doc. 6)». (Vd. Artigos 13.º e 14.º do pedido de constituição do Tribunal Arbitral).

 

  1. Ora, não obstante, o documento n.º 6 junto pelo Requerente consubstanciar um email dirigido à Direção de Finanças de Lisboa, com data aposta de 22 de novembro de 2017, a verdade é que dele não é possível aferir e comprovar que a AT o tenha efetivamente rececionado, mormente porque se trata de um facto impugnado pela mesma, no âmbito da sua Resposta.

 

  1. Com efeito, e não obstante, constar do destino do referido email, o endereço eletrónico da Direção de Finanças de Lisboa, a verdade é que pode o mesmo não ter sido rececionado por esta, por várias razões, como seja, a título de exemplo, ter ido para o SPAM, obviando a sua receção e tomada de conhecimento pela AT.

 

  1. Por uma questão de salvaguarda, e por forma a evitar situações como a dos presentes autos, pode/deve o contribuinte, quando não esteja patrocinado por mandatário, proceder à entrega dos seus requerimentos e/ou outros diretamente no Serviço da AT competente, remetê-los por correio, sob registo, ou proceder ao envio de telecópia, em virtude de através de uma qualquer destas vias, ser possível obter um comprovativo de efetiva receção – o que não ocorreu com o email datado de 22 de novembro de 2017, aqui em causa.   

 

  1. Assim sendo, e atendendo que se trata de um facto controvertido, e que não vislumbrou o Requerente comprovar a sua efetiva entrega na caixa de correio eletrónico da Requerida, ou ter efetuada a entrega por qualquer outra via, entendeu o Tribunal Arbitral considerá-lo como facto não provado, improcedendo, deste modo, este argumento tecido pelo Requerente.

 

  1. No que respeita ao vício de errónea qualificação do tipo de rendimento, aduz o Requerente, por um lado que «[e]m 27 de junho de 2016, (…) na qualidade de mandatário de B..., alienou a quota-parte que a mandante era proprietária, nos prédios urbanos a seguir identificados: (…)»,

 

  1. sendo que, «[a] quota parte dos três prédios anteriormente identificados tinha sido adquirido por B..., na qualidade de herdeira de G..., que faleceu no dia 26 de março de 1947.»

 

  1. Mais referindo, o Requerente que «sendo assim, é um facto notório que o rendimento auferido em 2016, proveniente desta alienação onerosa da quota parte dos 3 imóveis acima identificados, não está sujeito a tributação em sede de IRS, por força do previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro.»

 

  1. Contudo, já em sede de alegações, e após a junção aos autos do documento n.º 6 em condições de legibilidade, acrescenta a Requerida que «[d]e acordo com a prova carreada pelo requerente mormente o documento n.º 6, recorta-se que os imóveis a que correspondem os anteriores artigos matriciais n.º 180 e 181 são “terrenos ocupados por um prédio em ruínas”. Para efeitos de isenção em sede de mais-valias e em sede de IRS, impunha-se que o Requerente tivesse carreado prova de que aqueles imóveis (…) fossem prédio urbanos e não terrenos para construção, ou seja, para aferir da isenção em sede de IRS teria de existir a prova de que antes da entrada em vigor do CIRS, que ocorreu em 1 de janeiro de 1989, esse terreno fosse qualificado como prédio urbano e não terreno para construção, pis só a valorização desse tipo de terrenos era tributada em sede de Imposto de Mais-Valias.»

 

Vejamos,

 

  1. O Código do IRS prevê na alínea a) do n.º 1 do seu artigo 10.º que «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, de capitais ou prediais, resultem de: a) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…).»

 

  1. No entanto, e no âmbito das mais-valias em sede de IRS há que atender ao regime transitório para os rendimentos da categoria G, previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, nos termos do qual:

“1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código.[01.01.1989]

2 - Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efectuada, quanto aos valores mobiliários, mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos.”

 

  1. Ora, o referido regime remete para o artigo 1.º do Código do Imposto de Mais-Valias (CIMV), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de junho de 1965 por forma a aferir quais os ganhos que, no âmbito desse diploma, não eram sujeitos ao imposto de mais-valias (com referência a momento anterior ao da entrada em vigor do Código do IRS) e que, consequentemente, são passíveis de beneficiar do regime transitório de não sujeição a este imposto.

 

  1. Previa, então, aquela norma legal, com interesse, que:

«O imposto de mais-valias incide sobre os ganhos realizados através dos actos que a seguir se enumeram:

1.º Transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que seja o título por que se opere, quando dela resultem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valia previstos no artigo 17.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, ou no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41 616, de 10 de Maio de 1958, e que não tenham a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial.

(…)

       § 2.º São havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo.»

 

  1. Assim, no domínio do CIMV, apenas os ganhos derivados da alienação onerosa de terrenos para construção eram passíveis de incidência do imposto de mais-valias e, portanto, só possuindo o imóvel transmitido essa qualidade fica afastada a aplicabilidade do regime transitório.

 

  1. Conforme jurisprudência firma do Supremo Tribunal Administrativo, a classificação do prédio como «terreno para construção» não importa na data da alienação,

 

  1. … importa, sim, que tenha essa classificação, na data da entrada em vigor do CIRS, ou seja, 01 de janeiro de 1989, conforme o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, que o aprova – vd., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01565/13, de 22 de abril de 2015.

 

  1. Assim sendo, teremos que averiguar se algum(ns) do(s) imóvel(eis), acima identificados, adquiridos em 1947 e alienados em 2016, cujos ganhos compõem a base da liquidação sindicada nos presentes autos, poderiam ser classificados como terrenos para construção, em 01.01.1989, para efeitos de tributação de imposto sobre as mais-valias no âmbito do CIMV, para daí concluirmos sobre a aplicação ou não do regime transitório previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de dezembro.

 

  1. Ora, compulsando os documentos carreados para os autos, nomeadamente os Docs. n.º 2,3 e 4 juntos com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral, que se reportam a momentos temporais entre 1947, 1996 e 2016 podemos aferir, em relação a cada um dos prédios cuja mais valia se encontra em causa nos presentes autos, que:

 

Imóvel

(n.º verba -Doc. n.º 4)

Artigo matricial em 1947

Artigo matricial em 2016

Elementos da Certidão

(Doc. n.º 4  junto com o pedido de constituição  do Tribunal Arbitral)

Elementos constantes da escritura de alienação

(Doc. n.º 2 e 3 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral)

 

 

8

 

 

...

 

 

...

«prédio urbano situado ena Rua ...», n.º ... (antigos ...-...)

«(…) moradia com rez do chão e primeiro andar, cave e sótão (…)»

Prédio urbano sito na Rua ..., n.º... a ..., freguesia de  ... concelho de Lisboa - Doc. n.º 2 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral)

 

 

 

 

9

 

 

 

 

...

 

 

 

 

...

«um terreno ocupado por um prédio em ruínas, na Rua ..., antigos números ... a ...»

«cuja descrição na caderneta é: Prédio em ruínas, área nove metros e cinquenta centímetros por quinze – cento e quarenta e dois metros e cinquenta cêntimos - depósito de materiais de construção»

Prédio urbano com área total de 184,75 m2, área coberta com 136,51m2, área descoberta de 48,24 m2, sito na Rua ..., ..., ... e..., freguesia da ..., concelho de Lisboa;

«Mais foi declarado que não ocorreu alteração na configuração do prédio» - Doc. n.º 3 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral)

 

 

10

 

 

...

 

 

...

«terreno ocupado por um prédio em ruínas na Rua ... (antigos números ... a ...»

cuja descrição na caderneta é: Prédio em ruínas(…) depósito de materiais de construção»

Prédio urbano sito na Rua..., n.ºs..., ... e ..., freguesia de..., concelho de Lisboa. - Doc. n.º 3 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral)

 

  1. Das características constantes do quadro supra, retiradas dos documentos juntos aos autos, constatamos que os imóveis ali identificados são todos eles prédios urbanos, sendo manifesto que o prédio inscrito sob o artigo ... é um prédio urbano habitacional – facto que a Requerida não contesta - .

 

  1. Contudo, é de referir que em parte alguma da caracterização dos restantes imóveis (inscritos sob os artigos ... e ...) se logra aferir que algum deles possa ser considerado terreno para construção,

 

  1. … precisamente porque essa terminologia/averbamento não consta da certidão emitida pelo Serviço de Finanças de ... em 13 de fevereiro de 1996, nem dos documentos integrantes reportados a 1947 (Doc. n.º 4 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral), nem mesmo das escrituras de compra e venda dos aludidos imóveis juntas como Doc. n.º 2 e 3 com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral (não obstante, não ser este o momento relevante para efeitos de classificação do prédio no que respeita à aplicação ou não do regime transitório aqui em causa).

 

  1. Ademais, conforme se poderá constatar do Doc. n.º 2 junto com o pedido de constituição arbitral, os imóveis inscritos na respetiva matriz sob os artigos ... e ... (anteriores ... e ... respetivamente a descrição na caderneta predial eram «prédio em ruínas (…) depósito de materiais de construção”,

 

  1. …ou seja, não há qualquer indicação que se tratava de “terrenos para construção”.

 

  1. De referir que se os ditos prédios se configurassem como tal, seria a Autoridade Tributária, responsável pelas matrizes cadastrais que, na ausência de indicação do contribuinte a esse respeito, deveria ter promovido tal averbamento. – Vd. Código da Contribuição Autárquica em vigor em 01.01.1989, quanto à natureza dos prédios[1] .

 

  1. Assim sendo, tendo em consideração, que:
  1. os 3 prédios urbanos inscritos sob os artigos..., ... e... (artigos..., ... e ..., em 2016) da freguesia da ..., concelho e distrito de Lisboa, foram adquiridos, em 26 de março de 1947, por B..., por sucessão em virtude da herança aberta por óbito de G..., em virtude do processo de partilha validade, por sentença em 06.12.1948, transitada em julgado a 21.12.1948. -  Cfr. Doc. n.º 4 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral - ;
  2. os referidos imóveis foram alienados, no dia 27 de junho de 2016, pelo Requerente, na qualidade de mandatário de B... ,
  3. nenhum dos prédios, à data de 01.01.1989, era um “terreno de construção”,

 

  1. … é manifesto que o ganho que a contribuinte B... obteve não se encontra sujeito a IRS, por aplicação do regime transitório do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro,

 

  1. … pelo que, é o ato de liquidação sindicado nos presentes autos parcialmente ilegal, no que toca à tributação da mais-valia resultante da alienação dos imóveis acima identificados, devendo a mesma ser anulada em conformidade.

 

  1. Por último, vem a Requerida requerer, em caso de procedência do presente pedido de constituição do Tribunal Arbitral, que seja o Requerente responsabilizado pelo pagamento das custas arbitrais, «na medida em que foi o Requerente que deu azo à liquidação oficiosa».

 

  1. Ora, não obstante, o presente Tribunal Arbitral não ter dado como provado que o Requerente tenha exercido o direito de audição prévia no âmbito do procedimento de correções de IRS que deram origem ao ato impugnado, a verdade é que, por um lado, tal direito é facultativo, isto é não tem o contribuinte a obrigação de exercer o direito de participação que lhe assiste ao abrigo do disposto no artigo 60.º da LGT, pois, está no seu livre arbítrio se o exerce ou não;

 

  1. … outro lado, a lei não prevê qualquer cominação pelo não exercício desse mesmo direito;

 

  1. … e, por fim, a Requerida dispunha dos elementos necessários e bastantes - nomeadamente, a certidão emitida pelo Serviço de Finanças de ... de 13.02.1996 - para proceder à correta liquidação de IRS, bastava-lhe apenas averiguar a situação em concreto, em respeito ao princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.º da LGT, segundo o qual: «[a] administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido. »

 

  1. Improcede, assim, o peticionado pela Requerida no que toca à responsabilização do Requerente pelo pagamento das custas arbitrais.

 

DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide-se:

  1. Julgar improcedentes a exceção de falta de objeto do pedido de constituição do Tribunal Arbitral invocada pela Requerida;
  2.  Julgar procedente o pedido formulado pela Requerente, e em consequência, anular parcialmente o ato de liquidação de IRS n.º 2017..., referente ao ano de 2016, no montante de € 42.087,52, acrescido de 725,32 a título de juros compensatórios, expurgando-se os ganhos decorrentes da alienação dos prédios urbanos inscritos na respetiva matriz sob os artigo ..., ... e ... da freguesia da ..., concelho e distrito de Lisboa, e da não sujeição em sede em mais valias;
  3. Declarar a ilegalidade e anulação do ato de indeferimento (tácito) da reclamação graciosa.

 

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 42.812,84 (quarenta e dois mil, oitocentos e doze euros e oitenta e quatro cêntimos) nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerente e Requerida, em proporção do decaimento, de acordo com o art.º 12, n.º 2 do RJAT, do art.º 4 do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, de acordo com o que se fixam no montante de € 2.142,00.

 

Notifique-se.

Lisboa, 14 de fevereiro de 2019

***

 

O Árbitro

(Jorge Carita)



[1] Artigo 6.º do Código da Contribuição Autárquica que previa, sob a epígrafe “Espécies de prédios urbanos” o seguinte:

«1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para o exercício de actividades profissionais independentes;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para o exercício de actividades profissionais independentes são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 - Terrenos para construção são os terrenos, situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedido alvará de loteamento, aprovado projecto ou concedida licença de construção e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo.

4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para a construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2. »