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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Jorge Carita e Nuno Maldonado Sousa (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:
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Relatório
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A..., S.A. (“A..., S.A.”), sociedade com o número único de matrícula e de pessoa coletiva..., com sede no ..., ...-... ...-..., vem, nos termos do disposto nos artigos 2.º, número 1, alínea a), 5.º, número 3, alínea a), 6.º, número 2, alínea a), 10.º, número 1, alínea a) e número 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que consagra o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de Imposto do Selo (“IS”) e dos atos tributários de liquidação de juros compensatórios consubstanciados na demonstração de liquidação do IS n.º 2018 ... respeitante ao ano de 2014.
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O presente pedido de pronúncia arbitral visa a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de IS n.º 2018 ... e dos atos tributários de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2018 ... a 2018 ..., consubstanciados na demonstração de liquidação do IS n.º 2018 ... respeitante ao ano de 2014 (cf. doc. n.º 1) e que compreende um montante de imposto a pagar pela Requerente de € 91.963,13 (noventa e um mil, novecentos e sessenta e três euros e treze cêntimos) bem como um montante de juros compensatórios a pagar no valor de € 12.383,27 (doze mil, trezentos e oitenta e três euros e vinte e sete cêntimos), perfazendo o valor total de € 104.346,40 (cento e quatro mil, trezentos e quarenta e seis euros e quarenta cêntimos).
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O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.
3.2. As Partes devidamente notificadas da designação dos árbitros não arguiram qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 13 de Agosto de 2018.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
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A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:
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Da inexistência de operações de financiamento
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A Requerente tem como objeto social o “Fabrico e comercialização de especialidades farmacêuticas, produtos químicos, produtos de higiene corporal, cosmética, dietética, produtos de uso clínico, hospitalar e cirúrgico, material dentário, produtos veterinários e desinfetantes. Importação e exportação”, estando enquadrada na Classificação de Atividades Económicas (CAE) com a atividade 21201 – “Fabricação de medicamentos”.
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Em 2011, as sociedades do Grupo B... de que a Requerente faz parte, abrangidas pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), celebraram um acordo de centralização de tesouraria, ainda que não reduzido a escrito.
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Nos termos do referido acordo informal, a sociedade dominante C..., SGPS, S.A. teria assumido o papel de entidade centralizadora de tesouraria do Grupo B..., através de uma conta bancária para a qual as demais empresas do Grupo ficavam obrigadas a transferir ao fim de cada dia os valores correspondentes aos saldos positivos e negativos das respetivas contas bancárias individuais.
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Segundo a Requerente, ainda que o acordo de centralização de tesouraria se assemelhe ao comumente designado contrato de cash pooling, apresenta contornos bastante diferenciados, porquanto, à luz do acordo sub judice a entidade centralizadora de tesouraria não se limita tão-só a receber os fluxos provenientes das sociedades dominadas e a redistribuir, parte ou a totalidade destes, às sociedades deficitárias, mas antes exerce os direitos e assume os deveres das sociedades dominadas, decorrentes das respetivas atividades.
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O que significa que a convenção celebrada no “Grupo B...” implica que para a entidade centralizadora de tesouraria se transfiram, não só os saldos bancários positivos e negativos, mas também as dívidas de clientes e fornecedores, bem como todos os pagamentos e recebimentos, de clientes e fornecedores, por transmissão dos respetivos créditos. A entidade centralizadora perceciona não só os fluxos transmitidos pela Requerente, mas também as obrigações da mesma.
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A Requerente defende que o ato tributário sub judice incorre, assim, em erro ao qualificar o contrato de “cash-pooling” em vigor no Grupo B... como contrato de concessão de crédito pela sociedade participada, a Requerente, à entidade centralizadora da tesouraria, C... SGPSA subsumível à verba 17.1. da TGIS.
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Apesar da redação ampla da verba 17.1, importa notar, desde logo, que a mesma se enquadra na verba 17 cujo âmbito de aplicação se resume às “Operações financeiras”.
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A verba 17.1 destina-se, em primeiro linha, a tributar a “utilização de crédito” em virtude da “concessão de crédito a qualquer título”, ou seja apenas as operações que impliquem a existência de um crédito, pelo que o mero fluxo financeiro entre a Requerente e a entidade centralizadora de tesouraria, C..., SGPS, S.A., correspondente ao saldo positivo da sociedade participada transferido diariamente para esta, não está sujeito a IS, porquanto não se enquadra na letra do 17.1 da TGIS.
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A Requerente reconhece que o contrato de cash pooling celebrado no Grupo B... constitui um contrato de cash pooling zero balance, que partilha dos traços essenciais dos contratos de cash pooling: i) gestão conjunta de tesouraria com vista à rendibilidade do capital e ii) possibilidade de concessão de créditos às empresas do grupo,
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No entanto para a Requerente, o referido contrato apresenta simultaneamente uma realidade distinta e que se materializa na obrigação da entidade centralizadora de tesouraria efetuar “diretamente os recebimentos e os pagamentos resultantes da atividade operacional das participadas”, razão pela qual estes não constituem operações financeiras qualificáveis como créditos subsumíveis nas verbas 17.1 e 17.1.4 da TGIS.
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Como havia sido esclarecido aos serviços da administração tributária e consta do projeto de relatório inspetivo, sendo a C... SGPS quem efetua a generalidade dos pagamentos da atividade operacional da A..., a participada não concede crédito à primeira.
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O que se verifica é que a primitiva devedora – a aqui Requerente - solve a sua obrigação originária (a C... SGPS fica sub-rogada nos direitos dos vários credores da A... a partir do momento em que cumpre as obrigações daquela).
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Só um montante transferido que excedesse esse cumprimento/pagamento é que poderia ser analisado do pondo de vista de constituir ou não uma concessão de crédito, o que os serviços de Inspeção Tributária não lograram demonstrar.
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Assim para a Requerente a administração tributária não analisou concretamente todas as operações constantes da conta (2682090004-COns.TesourariaTSGP), fazendo um juízo conclusivo sobre a concessão de crédito, não cumprindo, nesta parte, o ónus da prova que sobre si impendia, nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), nem o princípio do inquisitório estabelecido no art.º 58.º da LGT.
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Com efeito, a Requerente evidenciou – e a própria administração tributária não deixa de o reconhecer – que alguns dos montantes em causa não constituem de forma alguma uma concessão de crédito, mas a solvência de obrigações da Requerente.
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No contrato de centralização de tesouraria em apreço, as transferências de fundos não revelam qualquer manifestação de capacidade contributiva, não podendo, assim, considerar-se que cabem no conceito de utilização de crédito previsto na verba 17.1.4 da TGIS.
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Alega ainda a Requerente que as concretas transferências de fundos da Requerente para a entidade centralizadora de tesouraria não lhe proporcionam um qualquer aumento de liquidez financeira ao contrário do que sucede, como vimos, num contrato de mútuo, razão pela qual não evidenciam qualquer manifestação de capacidade contributiva.
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Assim, considerando-se que quaisquer transferências de fundos entre duas entidades caem na previsão da verba 17.1 da TGIS, conjugada com o artigo 1.º, n.º1, do Código do IS, os aludidos normativos serão materialmente inconstitucionais por violação do princípio da capacidade contributiva decorrente dos artigos 13.º e 104.º da CRP, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais.
B) Da inexistência de conta-corrente.
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Para a Requerente a entidade Requerida incorre também em erro quando conclui que os fluxos transferidos por si para a entidade centralizadora de tesouraria constituem créditos utilizados sob a forma de conta corrente, uma vez que não se encontra evidenciada a concessão de qualquer crédito sob a forma de conta-corrente, nos termos do art. 344º do Código Comercial, de acordo com o qual dá-se contrato de conta corrente toda as vezes que duas pessoas tendo de entregar valores uma a outra, se obrigam a transformar os seus créditos em artigos de "deve", e "há-de haver", de sorte que só o saldo final resultante da sua liquidação seja exigível.
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Na verdade, de acordo com a argumentação desenvolvida a III), A), ii), da petição da pronúncia arbitral (arts. 128.º e segs. da PI), não é admissível a qualificação do acordo em causa como contrato de conta-corrente, desde logo porque, ao abrigo desse art. 344º, seria elemento essencial deste contrato que as duas partes tivessem de entregar valores uma à outra, ou seja, que existisse reciprocidade de créditos resultantes de transações recíprocas, que, no caso, não existiria.
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O contrato de abertura de crédito consubstancia, por outro lado, uma operação bancária nos termos do disposto no artigo 362.º do Código Comercial, não sendo objeto de regulação típica.
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Tal contrato constitui uma modalidade do mútuo comercial bancário regido pelas declarações negociais envolventes, pelos usos do comércio bancário e, subsidiariamente, pelas regras relativas ao contrato de mútuo (cf. artigo 363.º do Código Comercial).
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Trata-se de um contrato através do qual um estabelecimento bancário se obriga a ter à disposição do cliente uma soma em dinheiro, tendo este a possibilidade de a utilizar mediante outras operações.
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Antunes Varela define, por outro lado, a abertura de crédito como um “(…) contrato pelo qual uma das partes (o creditante), por via de regra um banco, se obriga a conceder à outra (creditada) o crédito até certo limite, em determinadas condições, cabendo à creditada decidir se, quando e em que termos vai utilizar o benefício posto à sua disposição (…)” (cf. Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 114, p.116). (Vd. art. 150.º do RI).
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Entre as várias espécies de abertura de crédito contam-se, segundo esse autor, as que consistem em abertura de crédito em conta-corrente, caso em que os clientes podem operar uma pluralidade de levantamentos e de amortizações de parcelas do crédito naquela conta, desde que se circunscrevam, em todas as circunstâncias, ao limite máximo do financiamento permitido.
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No entanto, para se falar em abertura de crédito, teria, em primeiro lugar, a Requerente de ser instituição de crédito e como tal estar obrigada a conceder um determinado “plafond” de crédito e, em segundo lugar. a entidade centralizadora de tesouraria estar autorizada a fazer os saques e amortizações que lhe aprouvesse, em função das suas necessidades, sobre uma conta da Requerente, o que não surge evidenciado.
C) Da não verificação da utilização de crédito.
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Alega a Requerente ainda erro quanto à interpretação seguida das verbas 17.1 e verba 17.1.4 da TGIS, ao abrigo das quais os Serviços de Inspeção Tributária fundamentam o dever da Requerente liquidar e pagar IS, dado que a sujeição a este imposto implica uma operação financeira em que ocorra a “utilização do crédito” e não a “concessão de crédito”, como se afirma no Relatório de Inspeção.
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Atualmente, nos termos do disposto na verba 17.1 da TGIS, o único facto tributário é a efetiva utilização do crédito e não já a obrigação de fornecer os fundos, daí o erro notório em que incorrem os Serviços de Inspeção.
D) Da isenção prevista na al. g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IS
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Finalmente, alega a Requerente que a admitir-se, no que não se concede e só se admite por dever de prudente patrocínio, que os fluxos transmitidos pela Requerente a favor da entidade centralizadora de tesouraria, i.e. aqueles que excedessem os pagamentos efetuados pela entidade centralizadora de tesouraria no âmbito da atividade da Requerente, constituem operações de crédito, sempre se diria que os mesmos estão isentos de IS ao abrigo da alínea g) do número 1 do artigo 7.º do Código do IS, na redação em vigor à data dos factos.
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Nesta sede alega a Requerente que a Requerida se limita a alegar sem mais, que não se encontram preenchidos os requisitos legais, sem dar a conhecer os elementos que foram tidos em conta, encontrando-se violado mais uma vez o ónus de prova que impende sobre a Requerida.
E) Da ilegalidade da demonstração de liquidação de juros compensatórios
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A Requerente alega que a Requerida não fundamenta nem demonstra a verificação dos pressupostos legais da aplicação de juros compensatórios, com violação dos artigos 77.º da LGT e n.º 3 do artigo 268.º da CRP.
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A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta e juntou processo instrutor, invocando, em síntese, o seguinte:
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Alega a Requerente que embora se tenha esclarecido que a convenção de tesouraria entre as empresas do grupo não se encontra reduzida a escrito, consta dos relatórios e contas anuais que, para além da transferência para a entidade centralizadora dos saldos bancários positivos e negativos, a convenção celebrada implica que as dívidas de clientes e fornecedores são, na sua generalidade, transmitidas à entidade centralizadora, a qual centraliza igualmente todos os pagamentos e recebimentos (de clientes e fornecedores), por transmissão dos respetivos créditos.
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Alega a Requerente que a AT incorre em erro quando conclui que o extrato da conta 2682090004 - Cons. Tesouraria TSGP corresponde a operações de mútuos entre a dominante e a participada, porquanto, os fluxos não constituem capital concedido, uma vez que é a C... SGPS que efetua a generalidade dos pagamentos da atividade operacional da A... .
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Acrescenta que, a participada não concede crédito à primeira. O que se verifica é que a primitiva devedora - a aqui Requerente solve a sua obrigação originária (a C... SGPS fica sub-rogada nos direitos dos vários credores da A... a partir do momento em que cumpre as obrigações daquela).
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Acontece que para a Requerida a prova que a Requerente junta à PI não é suficiente para a demonstração de que os fluxos de capital registados na conta 2682090004 - Cons. Tesouraria TSGP não constituem financiamentos mas cessões de créditos da atividade operacional da A... .
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Com efeito, a Requerente junta algumas faturas que, segundo alega, comprovam situações que consubstanciam cessões de créditos entre a A... e a C... SGPS, apenas destinadas a fazer face às obrigações derivadas da atividade operacional da A... .
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Porém, em primeiro lugar, fá-lo meramente a título exemplificativo (como a própria Requerente refere), em segundo lugar, não estabelece uma associação concreta entre cada uma ou o conjunto de várias faturas às transferências de fluxos efetuadas.
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Nestes termos, tal não pode, de modo algum, constituir prova cabal dos factos alegados pela Requerente, na medida em que contabilisticamente tem de existir uma correspondência exata entre os valores registados, a forma como se encontram registados e os respetivos documentos que titulam as operações realizadas e servem de suporte aos registos contabilísticos efetuados. Não podendo tal procedimento ser realizado a título meramente exemplificativo, comprovando apenas parte dos valores e tomando a parte pelo todo. E menos ainda sem que se tenha demonstrado, neste caso, o nexo causal entre as faturas em questão e as transferências de fluxos entre a A... e a C... SGPS e a invocada cessão de créditos.
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No que diz respeito à alegada verificação dos pressupostos de que depende o direito à isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, ao contrário do que alega a Requerente, nos artigos 182.º a 187.º da sua PI, não é, de modo algum, sobre a AT que recai o ónus da prova dos factos impeditivos do direito à liquidação, é sim, sobre o sujeito passivo que recai o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito à isenção do imposto.
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Tal como, aliás, tem sido entendimento, uniforme da jurisprudência do STA em matérias análogas, podendo consultar-se, a tal respeito, o Ac. de 24-04-1991, proferido no processo 013143, o Ac. de 14-01-2005, proferido no processo 01480/03, bem como o Ac. de 29/04/2004, proferido no processo 01680/03, em cujo sumário se pode ler: “I - Na falta de regras especiais, compete à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua atuação, sobretudo a prova da existência dos factos tributários em que assentou a liquidação adicional impugnada. II - Assim sendo, tendo a Administração verificado, através do exame à escrita, a existência de inexatidões ou omissões na declaração do impugnante, tem que ter-se por fundada a liquidação adicional, já que àquela apenas cumpria fazer a prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação, isto é, dos pressupostos legais da sua atuação. III - Tendo efetuado uma transação intracomunitária que beneficia de isenção, cabia à impugnante provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, ou seja, a existência da alegada transmissão intracomunitária.”
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Quanto à alegada ilegalidade das liquidações de juros compensatórios entende a Requerida não tendo a Requerente efetuado a liquidação atempadamente forçoso será concluir, dado tratar-se de pessoa coletiva que dispõe de vários recursos, humanos e financeiros, que o atraso lhe tem de ser imputável.
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Por não haver razões que o justificassem o tribunal dispensou a realização da primeira reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo. O Tribunal designou o dia 13 de fevereiro de 2019 para o efeito da prolação do acórdão.
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A Requerente apresentou alegações reiterando os argumentos apresentados na anterior peça processual.
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Saneamento
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As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
8.2. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
8.3.O processo não enferma de nulidades.
8.4. Não foram suscitadas exceções.
8.5.Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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Mérito
III.1. Matéria de facto
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A.1. Factos provados
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A Requerente é sociedade comercial anónima com a firma A..., S.A. e tem o capital social de € 9.000.000,00. [RI, introito: doc.3 pp.6 e R-AT, 3º: PA1, p.43, PA4, p.90]
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A Requerente declarou início de atividade para efeitos fiscais em 1987-12-23, encontrando-se inscrita para o exercício da atividade principal de “fabricação de medicamentos” a que corresponde o código 21201 da Classificação das Atividades Económicas. [RI, 5º e 7º: doc.3, p. 6 e R-AT, 2º: PA1, p. 43]
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O objeto social da Requerente consiste no fabrico, importação e exportação e comercialização de produtos químicos e farmacêuticos, dermofarmacêuticos, de veterinária, de cosmética e perfumaria, produtos e artigos de higiene, de desinfeção e de limpeza, produtos dietéticos, chás medicinais, e outros complementos alimentares, reagentes e reativos, testes, vacinas, material cirúrgico e afins. [RI, 7º: doc.3 pp.6 e R-AT, 2º: PA1, p. 43 e PA4, p. 31]]
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O capital social da Requerente é totalmente detido pela sociedade C... SGPS SA com o NIPC ... com sede na ... [RI, 6º: doc.3, p.6 e R-AT, 3º: PA1, p. 43]
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A Requerente no exercício de 2014 encontrava-se inserida em grupo de sociedades e estava enquadrada no regime especial de tributação do grupo de sociedades (RETGS), tendo como sociedade dominante a empresa C... SGPS S A. [RI, 5º: doc.3 p.6 e R-AT, 4º: PA1, p. 43]
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O grupo que tem como sociedade dominante a empresa C... SGPS S A, no ano de 2014, era, para efeitos de RETGS, constituído pelas seguintes empresas: [RI, 6º: doc.3, p.7 e R-AT, 4º: PA1, pp. 43-44]
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Nas “Contas da Sociedade” de 2014 a Requerente inscreveu a seguinte declaração no “Anexo ao balanço e à demonstração de resultados “, na divisão “12 – Instrumentos financeiros”, subdivisão “12.2 Categorias de ativos financeiros” sob o título “Ativos financeiros”, que [RI, 9º: PA5, p. 74]:
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Nas “Contas da Sociedade” de 2014 a Requerente inscreveu a seguinte declaração no “Anexo ao balanço e à demonstração de resultados “, na divisão “15 – Outras informações”, que [RI, 9º: PA5, p. 76]:
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A coberto da Ordem de Serviço n.º OI2017... de 2017-05-08, com despacho de 10-05-2017, foi efetuada ação inspetiva interna ao exercício de 2014 da Requerente [RI, 18º: docs.2 e 3 pp.7 e R-AT, 4º, 6º e PA1, pp. 8-37]
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Em resultado da ação de inspeção interna referida, os Serviços de Inspeção Tributária elaboraram projeto de relatório onde propuseram correções ao Imposto do Selo no montante de €91.963,13 com fundamento na falta de liquidação e entrega nos cofres do Estado desse imposto por parte da Requerente, resultante da concessão de crédito, à empresa dominante do grupo a que o sujeito passivo pertence, nos termos dos artigos 2.º nº 1 al. b), 5.º al. g) e 23.º n.º 1 do Código do IS (CIS) e Verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) [RI, 19º e 26º: docs.2 e 3 e R-AT, 5º, PA2, pp. 16-51, 133, PA3, pp1-26, PA4, pp.1-65, PA5, pp.1-148 e PA6, 1-49]
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A Requerente através do ofício nº ... de 22-11-2017 foi notificada para exercer o direito de audição relativamente ao projeto de relatório da Inspeção Tributária [RI, 26º: doc.2 e R-AT, 31º: PA2, p. 16]
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Por requerimento datado de 02-01-2018 a Requerente exerceu o direito de audição prévia relativamente projeto de relatório da Inspeção Tributária [RI, 27º: doc.4 e R-AT, 32º: PA1, pp.134-140]
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No seu relatório os Serviços de Inspeção Tributária consideraram resultar as correções que se indicam, pelos fundamentos que constam do citado relatório, que se reproduzem: [RI, 26º e R-AT, 26º e 29º: PA1, pp. 53-55]
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No relatório dos Serviços de Inspeção Tributária foi considerado encontrar-se em falta Imposto do Selo que ascendia a 91.963,13 € em 2014, nos termos que resumiu no seguinte quadro: [RI, 30º e R-AT, 26º: PA1, pp. 18-19]
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Na sequência das correções determinadas no Relatório de Inspeção Tributária, a Autoridade Tributária procedeu à emissão da correspondente liquidação de Imposto do Selo e de juros compensatórios [R-AT, 33º: doc.1 do RI]
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A Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de Imposto do Selo n.º 2018..., que compreende a liquidação de Imposto do Selo n.º 2018..., no valor de € 91.963,13, e as liquidações de juros compensatórios no montante total de € 12.383,27, no valor total a pagar até 05-03-2018 de € 104.346,40 [RI, 30º: doc.1.]
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A Requerente não realizou o pagamento do montante das liquidações referidas em P). [RI, 31º: doc.5]
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A Requerente foi citada, através da citação com data de 11-03-2018, da instauração do processo de execução fiscal n.º ...2018..., com a quantia exequenda de € 104.346,40, à qual acresce o valor de custas de € 412,93, ascendendo a € 104.759,33 o total a pagar [RI, 31º: doc.5]
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Em 18 de abril de 2018 a Requerente prestou garantia bancária, no valor de € 132.857,00 com vista à suspensão do respetivo processo de execução fiscal [RI, 32º: doc.6]
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Em 2014 a Requerente participou num sistema de gestão centralizada de tesouraria, nos seguintes termos [RI, 8º; R-AT, 7º]:
«0511 A – Custos de empréstimos obtidos
12.2. Categorias de ativos e passivos financeiros
Ativos Financeiros
A entidade está integrada num Grupo de Sociedades que adopta o sistema de cash pooling zero balance como instrumento de gestão de tesouraria, sendo os excedentes de tesouraria cedidos à empresa-mãe e os deficits cobertos por esta.»
«0532-A Outras Informações
15 – Outras Informações
O grupo B... iniciou, em 2011, a integração da gestão corrente de tesouraria e todas as empresas do grupo na empresa mãe C... SGPS, SA, com o objetivo de optimizar os recursos financeiros e simplificar as tarefas administrativas de tesouraria.
Com esta integração, a empresa mãe assegura a gestão de fluxos financeiros correntes de todas as empresas do grupo, efetuando diretamente os recebimentos e os pagamentos resultantes da atividade operacional das participadas.»
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No exercício de 2014, a C..., SGPS, S.A. dispôs de uma conta bancária para a qual a Requerente transferiu diariamente os valores correspondentes aos saldos das respetivas contas bancárias individuais.
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No exercício de 2014 a conta 2682090004 – Cons Tesouraria TSGPS na contabilidade da Requerente, apresentou o saldo inicial em 01-01-2014 de € 17.898.739,39 e em 31-12-2014 o saldo final devedor de 7.694.737,92 €, a que corresponde uma posição credora [PA1, p 53]
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Durante todo o exercício de 2014, a conta 2682090004 – Cons Tesouraria TSGPS teve constantemente saldo credor a favor da Requerente, sobre a qual esta cobrou juros à entidade centralizadora C... SGPS, à taxa de 7%, refletidos na conta 7918 - Outros juros obtidos, no montante de € 624.493,22. [PA1, p 54]
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No exercício de 2014 a soma dos saldos em dívida apurados diariamente a favor da Requerente e a respetiva média mensal, são os que constam no quadro constante de N) e foi sobre estes valores que incidiu a liquidação do Imposto do Selo feita pela AT [PA1, pp. 55-56]
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Os créditos cobrados pela Requerente ingressaram diretamente na respetiva conta individual cujo saldo positivo, foi transferido diariamente para a sociedade centralizadora;
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Os pagamentos das dívidas da Requerente foram diretamente debitados na respetiva conta individual.
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A.2. Factos considerados não provados.
Não há factos relevantes para a apreciação da causa que não se tenham provado.
A-3 Fundamentação da matéria de facto provada e não provada.
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O tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (artigo 596.º, n. 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, à prova documental que para mais consta do próprio processo administrativo, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados. Tem-se em conta também que, como se escreveu no Acórdão, do Tribunal Central Administrativo Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, com natureza meramente conclusiva, ainda que tenham sido apresentadas como factos, por serem insuscetíveis de comprovação, sendo que o seu acerto só pode ser aferido em confronto com a fundamentação da decisão da matéria jurídica, constante do capítulo seguinte.
III.2. Matéria de Direito
III.2.1. Das questões essenciais a decidir
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Da ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo impugnadas
A Requerente suscita a ilegalidade das liquidações com os seguintes fundamentos:
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Erro nos pressupostos de facto e de direito quanto à qualificação do acordo celebrado entre a Requerente e a entidade centralizadora de tesouraria (a C..., SGPS, SA.,) como contrato de “cash pooling”, nos termos e para os efeitos das verbas 17.1 e 17.4 da TGIS, porque não existem no caso operações de financiamento;
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Erro na repartição do ónus de prova da isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IS, já que, face ao elenco dos factos provados e não provados, a Requerida deveria ter sido como verificados os seus pressupostos no caso dos autos.
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Inconstitucionalidade da interpretação da verba 17.4 da TGIS, por violação do princípio da capacidade contributiva decorrente dos artigos 13.º e 104.º da CRP, porquanto no contrato de centralização de tesouraria em apreço as transferências de fundos não revelam qualquer manifestação de capacidade contributiva;
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Erro nos pressupostos de facto e de direito da verba 17.1.4 da TGIS, na medida em que não se encontra evidenciada a concessão de qualquer crédito sob a forma de conta-corrente;
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Erro de interpretação das verbas 17.1 e 17.4 da TGIS porquanto as mesmas implicam que ocorra a utilização do crédito, o que não se verifica no caso em apreço.
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Da ilegalidade da demonstração de liquidação de juros compensatórios
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Da indemnização por prestação de garantia indevida
Passa-se à apreciação uma a uma das questões suscitadas.
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Da ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo impugnadas
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Erro nos pressupostos de facto e de direito quanto à qualificação do acordo celebrado entre a Requerente e a entidade centralizadora de tesouraria (a C..., SGPS, SA.,) como contrato de “cash pooling”, nos termos e para os efeitos das verbas 17.1 e 17.4 da TGIS, porque não existem no caso operações de financiamento;
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Como é sabido, objeto do chamado “cash pooling” é a gestão consolidada da tesouraria de grupos de sociedades, assegurada por um dos seus membros ou por uma terceira empresa designada para o efeito.
Tal membro ou empresa é, para esse efeito, titular de uma conta bancária centralizada, agregando as contas individuais de cada um dos membros do Grupo.
Para tanto, é feita diariamente a consolidação, real ou virtual, dos saldos bancários de cada um dos membros do Grupo com o consequente apuramento de um saldo único na conta bancária agregada gerida pela entidade centralizadora.
Deste modo, o “cash pooling” permite a compensação, também real ou virtual, neste último caso, apenas para efeitos do apuramento de juros, dos saldos credor e devedor das empresas do Grupo e igualmente o financiamento destas através dos fundos depositados na conta centralizada.
É, assim, essencialmente um meio direto ou indireto de financiamento das empresas do Grupo que necessitem.
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Tal não é obviamente a única vantagem do “cash pooling”. Outras vantagens são os ganhos de valor, de economia e eficiência da gestão centralizada, com a consequente libertação de recursos para outras atividades do Grupo e o reforço da capacidade negocial dos membros do Grupo perante os demais agentes económicos e, em especial, perante a Banca.
Permite igualmente o “cash pooling” a maximização dos proveitos na colocação de excedentes e a minimização dos custos financeiros e dos riscos cambiais e de taxa associados. A gestão de tesouraria constitui ainda um adequado meio de avaliação da atividade desenvolvida por cada estrutura, empresa ou grupo de empresas.
Todas essas vantagens são, no entanto, acessórias relativamente ao objetivo de financiamento direto ou indireto das sociedades do grupo.
O “cash pooling” pode revestir-se de várias modalidades (sobre elas, detalhadamente, José Fernando Abreu Rebouta, “Contextualização Fiscal da Gestão Centralizada de Tesouraria - Cash Pooling – em Ambiente Internacional”, Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2005”, págs. 3 a 7). O modelo de “cash-pooling” consta da convenção de tesouraria celebrada entre os membros do Grupo.
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Na modalidade de “notional cash pooling”, as sociedades participantes contratam com um Banco, para que este proceda à fusão dos saldos, positivos (credores) e negativos (devedores) das contas individuais dos membros do Grupo, para efeitos de cálculo dos juros.
Com a “notional cash pooling “, os fundos não são, assim, removidos das contas individuais dos membros do Grupo onde se mantêm depositados, cabendo ao intermediário financeiro que assegura a operação, em geral um Banco, relacionar os saldos das diferentes contas bancárias e cobrar ou pagar juros pelo somatório agregado dos saldos.
O cálculo dos juros das diferentes contas bancárias junto do Banco é efetuado diariamente sobre a base agregada ou global, que corresponde à soma algébrica dos saldos das diferentes contas bancárias.
Assim, os juros são debitados ou creditados à entidade centralizadora (salvo quando as sociedades participantes não o autorizem) que procede, por sua vez, à repartição pelas diversas sociedades participantes proporcionalmente aos saldos de partida. Neste caso, a entidade centralizadora atua em nome e por conta das sociedades intervenientes, não havendo lugar a qualquer concessão de crédito e, portanto, à aplicação da verba 17.1. da TGIS.
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Na modalidade do “cash pooling concentration” ou “zero balancing”, também a centralização de tesouraria é operada em conta da entidade centralizadora constituída junto do Banco, sendo titular uma das sociedades do grupo (a entidade centralizadora).
No entanto, neste tipo de “cash pooling”, a consolidação das contas é real e não virtual.
Assim, continua a ser feita a consolidação diária dos saldos bancários de cada uma das empresas do grupo por forma à constituição de um saldo único, global, numa conta bancária gerida pelo centro de gestão de tesouraria, à qual o Banco, em conformidade com os mecanismos anteriormente descritos, debita ou credita juros. Posteriormente, compete ao centro de gestão de tesouraria imputar juros (credores ou devedores) às contas bancárias de cada empresa do grupo (sociedades aderentes ou participantes) em função dos saldos transferidos.
Porém, em virtude da consolidação real, todas as contas bancárias são colocadas a zero no movimento de transferência para a conta bancária agregada.
Assim, diariamente os saldos credores das contas individuais dos membros do Grupo são transferidos para a conta bancária agregada e os saldos devedores dessas contas individuais, são cobertos pela transferência dos excedentes de tesouraria da conta bancária agregada.
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Deste modo, conforme aliás José Fernando Abreu Rebouta, ob. cit., pág. 21, operações de transferência de saldos entre a conta da participante ou aderente e a conta da entidade centralizadora, bem como o movimento de transferência inverso da conta agregada a favor da conta bancária devedora consubstanciam financiamentos obtidos/concedidos através da realização de operações de tesouraria, sujeitos ao imposto do selo da verba 17.1.4. da TGIS, que recai sobre o saldo devedor da conta apurado no final de cada mês.
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Tais operações podem também ser realizadas diretamente entre os membros do Grupo, sem, ao contrário dos casos anteriormente expostos, intermediação financeira, ainda que os fundos estejam depositados em Instituição de crédito.
Neste caso, esta realiza transferências por ordem genérica das diversas entidades envolvidas no acordo, a entidade centralizadora e os membros do Grupo. Os juros intragrupo são calculados em função de taxas e outras condições definidas na convenção de gestão centralizada de tesouraria. Essa possibilidade resulta da alínea d) do nº 2 do art. 9º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), que excluí da aplicação desse regime as operações de tesouraria entre sociedades em relação de domínio ou grupo. Por operações de tesouraria entendem-se geralmente os adiantamentos, os empréstimos e descobertos, bem como as operações de compensação intragrupo.
Assim, estariam necessariamente sujeitos a este imposto não apenas os excedentes de fundos disponibilizados pela entidade centralizadora às aderentes, quando do seu saque por parte destas, como, em sentido inverso, os excedentes por estas colocadas à disposição da entidade centralizadora de tesouraria, sem prejuízo, quando seja o caso, da isenção da alínea g) do nº 1 do art.º 7º do CIS.
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Ficou provado, que, durante todo o ano de 2014, os saldos credores, das contas individuais da Requerente foram transferidos para a conta da C... SGPS, SA.
Afirma a Requerente que as transferências em causa não configuram financiamentos mas são a consequência necessária de uma alegadamente anterior cessão de créditos e dívidas da sociedade participada para a sociedade centralizadora da tesouraria do Grupo, integrando-se na sua execução.
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No entanto, também ficou provado que:
a) Os créditos cobrados pela Requerente ingressaram diretamente na respetiva conta individual e foi apenas o saldo positivo, que foi transferido no termo do dia para a sociedade centralizadora;
b) As dívidas satisfeitas pela Requerente foram diretamente debitadas na sua conta individual.
Tais factos excluem à partida que esses direitos e obrigações da Requerente para com clientes, fornecedores ou outras entidades tenham sido transferidos para a entidade centralizadora da tesouraria.
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A transferência para a C... SGPS SA não abrange os direitos e obrigações da Requerente, mas mais exatamente os montantes pecuniários depositados nas contas individuais, para cumprimento das obrigações de pagamento desta.
Tal cumprimento ocorreu anteriormente, assim, à transferência para a C... SGPS SA dos saldos positivos das contas bancárias individuais da Requerente.
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Coloca-se a questão de saber se entre as partes existiu alguma cessão de créditos.
A cessão é o negócio jurídico no qual uma das partes contratantes transfere a terceiro seus direitos numa relação jurídica obrigacional.
Os traços fundamentais da figura da cessão de créditos definida pelo art. 577º do Código Civil, são:
- A celebração de um acordo entre o credor e um terceiro, inserido num negócio - tipo que lhe serve de fonte ou causa (art. 578º);
- A existência de facto transmissivo da relação creditória, originando a substituição do credor originário pela pessoa do cessionário, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional - que, nos seus elementos objetivos, continua imutável;
- A transmissibilidade do crédito a que o negócio de cessão se reporta.
De acordo com a descrição efetuada pela Requerente, esta fatura diretamente aos clientes os serviços prestados e a contraprestação desses serviços é depositada numa sua conta individual, exclusivamente afeta à sua atividade empresarial, nos termos do art. 63º- C. da LGT, que instituí essa obrigação.
Tal contraprestação integra o volume de negócios da Requerente, concorrendo, assim, para a formação do lucro tributável desta.
Por outro lado, os serviços prestados à Requerente pelos seus fornecedores são debitados igualmente nessa conta individual. São custo fiscal desta e não da C... SGPS SA.
Os direitos e deveres emergentes das relações jurídicas obrigacionais continuam, assim, a ser exercidos pela Requerente, que cobra e paga os créditos e débitos gerados. Aliás, em conformidade com esse entendimento, a cessão de créditos, no exercício da atividade económica do sujeito passivo, com a consequente transmissão para o cessionário dos direitos do cedente, está sujeita a IVA, nos termos do nº 1 do art. 1 e da alínea a) do nº 1 do art. 4º do Código do IVA (nesse sentido o Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 24 de Fevereiro de 2016, Processo 09096/15), exigindo, assim, a emissão de fatura nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 29º do CIVA.
Não consta dos autos a faturação de qualquer cessão de créditos.
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Caso a Requerente registasse saldo negativo nas respetivas contas individuais, não haveria igualmente qualquer sucessão em posição devedora. As dívidas são pagas pela sociedade centralizadora aos credores, ficando então extintas, com a consequente possibilidade de sociedade centralizadora compensar o montante pago em futuras entregas à Requerente. Não ficou igualmente demonstrada a faturação dessa cedência de dívidas.
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A transferência dos saldos a favor da entidade centralizadora da tesouraria no esquema de “cash pooling – zero balance” é, por outro lado, como resulta da doutrina citada, concessão de crédito, tributada pela verba 17.1. da TGIS, e não contrato de depósito, excluído da sujeição a imposto do selo.
O art.º 1185º do Código Civil dispõe que depósito é o contrato pelo qual uma pessoa entrega a outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que esta a guarde e restitua quando seja exigível.
É, assim, elemento essencial do depósito a guarda da coisa, “custodia rei”.
A “custodia rei” intervém no contrato como fim principal e nunca em caráter subsidiário como ocorre, por exemplo, no mandato, no comodato, no mútuo e na locação, etc.
Em todas essas hipóteses, a guarda da coisa simplesmente decorre de outro contrato perfeito e completo, que não o de depósito.
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O fim principal do “cash pooling” não é a guarda do dinheiro.
O cash pooling não é alternativa ao depósito bancário, solução essa, aliás que seria de legalidade duvidosa.
É, pelo menos essencialmente, um meio de financiamento, motivo pelo qual a transferência dos saldos referida não pode ser considerada um depósito não sujeito a imposto de selo.
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O imposto do selo da verba 17.1.4. da Tabela Geral foi, assim, corretamente apurado com base nos saldos-valor diariamente apurados da “Conta 2682090004 - Consolidação de Tesouraria TSGPS”, que refletiam, numa modalidade de deve-haver, os montantes transferidos diariamente para a sociedade dominante, pois a conta individual da Requerente registou constantemente saldo positivo.
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Erro na repartição do ónus de prova da isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IS, já que, face ao elenco dos factos provados e não provados, a Requerida deveria ter sido como verificados os seus pressupostos no caso dos autos.
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A alínea g) do nº 1 do art.º 7º do CIS, que a Requerente invoca, isenta de imposto do selo as operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efetuadas por outras sociedades a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham uma participação de, pelo menos, 10% do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a € 5.000.000, de acordo com o último balanço acordado e, bem assim, efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo.
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Tal artigo estabelece, assim, como pressupostos da isenção de imposto do selo as operações financeiras:
a) Destinarem-se exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria, finalidade que deve resultar da convenção de tesouraria vinculativa dos membros do grupo societário.
b) Não terem duração superior a um ano;
c) Serem efetuadas pela sociedade participante em benefício da sociedade participada ou entre sociedades em relação de domínio ou grupo.
Assim, o referido benefício fiscal depende:
a) Da finalidade do financiamento, isto é, de a operação financeira ser exclusivamente e comprovadamente destinada à cobertura de carências de tesouraria;
b) Do prazo da operação financeira, entendido como o prazo de concessão/utilização dos fundos transferidos não ser superior a um ano;
c) Da relação entre os intervenientes.
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Objeto da tesouraria é a gestão financeira a curto prazo das empresas, pelo que carências de tesouraria ocorrem, segundo José Fernando Abreu Rebouta (ob. cit., pág. 21. nota 18), na falta de definição legal expressa, em caso de insuficiência de disponibilidades da empresa para fazer face aos seus compromissos de curto prazo.
A isenção em causa pressupõe, assim, um compromisso de curto prazo da empresa à data do financiamento, que conste dos seus registos contabilísticos e que o financiamento se destine a extinguir essa insuficiência.
Tais pressupostos, para a AT (I.1. e págs. 16 e seguintes do relatório da inspeção), não foram demonstrados pela Requerente.
Resta saber a procedência dessa argumentação.
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A regra geral do procedimento tributário é a prova documental dos factos alegados pela parte que os invoca.
Assim, a regra do artigo 23º, nº 3, do CIRC impõe que os gastos dedutíveis para efeitos de IRC devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.
A norma do artigo 54º, nº 3 da LGT impõe, em coerência que o procedimento tributário siga a forma escrita.
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Não parece restar dúvida que pretendendo-se retirar efeitos de determinado facto, com impacto contabilístico ou fiscal, esse facto há de ser reduzido a escrito, seja através do próprio título ou sua cópia ou através de transcrição rigorosa, mesmo que não assinada, das declarações convencionais que fixam a disciplina aplicável, pelo menos dos aspetos que tenham relevância contabilístico-tributária. Independente do que a lei civil regule sobre esta matéria – e nela vigora o princípio da liberdade da forma constante do artigo 219º do Código Civil – para que se possam retirar efeitos de determinado facto, há que dar-lhe por qualquer modo a forma escrita.
Não está evidentemente em causa a validade do ato, que cabe à lei civil apreciar, mas antes a extração de reflexos de natureza fiscal, benéficos para o contribuinte, nomeadamente em sede, como é o caso, dos pressupostos dos benefícios fiscais.
Este é, aliás, como já referimos, o entendimento que resulta do acórdão[2] do Supremo Tribunal Administrativo de 09-09-2015, no processo 028/15, onde se afirmou no respetivo sumário que “Relativamente aos custos indocumentados, isto é, sem suporte documental externo, compete ao contribuinte, por qualquer meio ao seu alcance, a alegação e prova de que se verificou a despesa, não obstante essa omissão ou insuficiência formal.”.
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A inexistência de documento externo, citando tal Acórdão, destinado a comprovar uma operação para a qual ele devia existir, afeta necessariamente, e em princípio, o valor probatório da contabilidade e essa falta não pode ser suprida pela apresentação de um documento interno. É que o valor probatório de uma contabilidade assenta essencialmente nos respetivos documentos justificativos e, quanto aos que o devam ser, é a origem externa que lhes confere um carácter que se pode designar por presunção de autenticidade.
Um documento de origem interna só pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele refletidos.
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Assim, a falta de documento externo pode ser suprida por outros meios de prova que demonstrem de forma inequívoca a justeza do lançamento efetuado que é um documento contabilístico interno, cfr. M. FREITAS PEREIRA, in Parecer do Centro de Estudos Fiscais do Ministério das Finanças com o n.º 3/92, de 6 de Janeiro de 1992, publicado na Ciência e Técnica Fiscal n.º 365, págs. 346 e 347.
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É, assim, condição necessária da isenção a existência de uma obrigação jurídica das partes do contrato afetarem exclusivamente a carências de tesouraria os montantes transferidos, que deveria ter sido provada documentalmente pela exibição de convenção de tesouraria vinculando todos os membros do grupo B... .
Ora, a obrigação de afetação a carências de tesouraria dos excedentes obtidos pela C... SGPS SA. através da modalidade de “cash-pooling” zero balance, de acordo com convenção de tesouraria vinculativa dos membros do grupo B..., não foi documentalmente provada.
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Ainda que assim não fosse, ou seja, se essa obrigação resultasse de documento escrito ou este pudesse ser substituído por outros meios de prova, que igualmente a Requerente não apresentou, não seria suficiente a mera invocação de que os empréstimos entre as sociedades intervenientes se destinavam a suprir carências de tesouraria da beneficiária.
Tal invocação não constitui prova suficiente que a mesma ocorreu, dado que o contrato é uma mera forma jurídica que, como é óbvio, pode ter ou não ter adesão com a realidade.
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Na verdade, a Requerente não fez prova dos compromissos de curto prazo da sociedade centralizadora que teriam justificado o financiamento e deveriam estar registados na contabilidade desta.
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Por outro lado, o segundo requisito - prazo de financiamento - também não foi cumprido pela Requerente.
Por prazo da operação deve entender-se o período entre o começo de utilização e o reembolso do crédito, apurado de acordo com extratos bancários e registos contabilísticos, que devem conter de forma detalhada os movimentos das contas das sociedades intervenientes na operação.
Para esse efeito, por cada influxo financeiro terá de existir o correspondente exfluxo, sendo que este deverá ser realizado no prazo máximo de um ano para que este pressuposto da isenção se mostre verificado.
Importa, assim, distinguir adequadamente as insuficiências de tesouraria em face dos compromissos ou obrigações a satisfazer num horizonte temporal de curto prazo, devendo a carência reportar-se ao início da utilização do crédito e aparecer relevada nos registos contabilísticos da sociedade beneficiária do empréstimo.
Como salienta o Acórdão do CAAD de 22 de Junho de 2018, Proc. n.º 462/2017- T, a isenção depende, caso a caso, operação financeira a operação financeira, da identificação desta, e da data do início da utilização do crédito e do seu reembolso.
Entre o fluxo e correspondente influxo financeiro, não pode mediar mais de um ano.
Não é suficiente para a conclusão de o prazo de utilização do crédito não ser superior a um ano, o total amortizado num dado exercício ser superior ao saldo acumulado no ano anterior.
Assim, quaisquer dúvidas sobre os pressupostos da isenção teriam de ser, como foram, revertidas contra a Requerente.
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Nos termos do nº 1 do art. 74º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
É, assim, a AT que, ao abrigo dessa norma, cabe demonstrar os factos constitutivos do direito de tributar, o que, no presente caso, fez.
Ao invés, cabe ao contribuinte demonstrar os factos constitutivos do direito à isenção e outros benefícios fiscais que invoque.
Esse princípio é pacífico, como resulta da ampla jurisprudência invocada pela AT nos arts. 53º e 54º da Resposta, em que avultam os Acórdãos de 24-04-1991, proferido no processo 013143, de 14-01-2004[3], proferido no processo 01480/03, e de 29/04/2004, proferido no processo 01680/03, todos do Supremo Tribunal Administrativo, a que acresce, incidindo sobre questão idêntica à controvertida nos presente autos, o Acórdão proferido no Processo 76/2013-T, do CAAD.
A repartição do ónus da prova que se vem fazendo, está também em harmonia com o nº 1 do art.º 342º do CC, que dispõe que aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, bem como com o nº 2, de acordo com o qual a prova dos factos impeditivos, em que se incluí o direito à isenção, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita, no caso, a Requerente.
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O princípio do inquisitório invocado pela Requerente não é, por outro lado, uma regra de repartição do ónus de prova.
Entendido como a amplitude que a Requerente pretende, o princípio do inquisitório dispensaria o contribuinte da prova de quaisquer factos. Qualquer dúvida sobre a existência e quantificação desses factos resultaria do incumprimento ou deficiente cumprimento do princípio do inquisitório.
Ficaria, assim, esvaziado de conteúdo o encargo do contribuinte demonstrar os factos que, por constituírem exceção às normas de incidência tributária, se devem considerar favoráveis.
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Não tem relevância para o conhecimento do pedido de pronúncia arbitral a isenção abranger apenas o crédito concedido pela sociedade participante à participada ou também, independentemente de saber qual é a sociedade concedente, o crédito concedido entre sociedades em relação de domínio ou grupo, como aponta a parte final da alínea g) do nº 1 do art. 7º do CIS.
Independentemente de a isenção abranger os financiamentos por quaisquer sociedades do Grupo a outras sociedades do Grupo e não apenas os financiamentos a sociedades participadas, tal questão não afeta a legalidade das liquidações efetuadas.
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Inconstitucionalidade da interpretação da verba 17.4 da TGIS, por violação do princípio da capacidade contributiva decorrente dos artigos 13.º e 104.º da CRP, porquanto no contrato de centralização de tesouraria em apreço as transferências de fundos não revelam qualquer manifestação de capacidade contributiva;
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Não está em causa, ao contrário do que a Requerente pretende, a constitucionalidade de qualquer interpretação da verba 17.1. da Tabela Geral.
Está em causa apenas a questão da mera legalidade, nos termos do nº 1 do art. 11º da LGT, da interpretação feita pela Requerente dessa verba 17.1., no sentido da qualificação como operações de crédito das operações de transferência de saldos entre as contas individuais da Requerente e a conta centralizadora da C... SGPS SA, que, no entender da AT, consubstanciam financiamentos obtidos/concedidos através da realização de operações de tesouraria.
Ou seja, apenas existe uma divergência sobre o enquadramento jurídico-tributário dos factos que fundamentam a pretensão da Requerente, cuja apreciação não depende de qualquer juízo sobre a compatibilidade com o princípio da capacidade contributiva, corolário do princípio da igualdade, da verba 17.1. da TGIS.
Na concessão de crédito em “cash-pooling”, a capacidade contributiva deve, aliás, ser aferida relativamente aos membros do grupo beneficiários dos financiamentos.
Está associada à aquisição pelos beneficiários, nos mesmos termos do mútuo, da vantagem económica resultante do financiamento.
Provando-se o financiamento, não poderia, assim, deixar de ser aplicada a verba 17.1. da TGIS.
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Erro nos pressupostos de facto e de direito da verba 17.1.4 da TGIS, na medida em que não se encontra evidenciada a concessão de qualquer crédito sob a forma de conta-corrente;
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Também não procede a objeção de que no sistema de “cash pooling zero balance” não se inclui na verba 17.1.4. da Tabela Geral, com o fundamento da inexistência de conta corrente comercial, que é sustentada dos arts.º 128º a 155º do pedido de pronúncia arbitral.
Sobre este tema é elucidativo o já referido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 3 de Dezembro de 2015, proc. nº 06794/13, que esclarece que a conta-corrente comercial é um negócio típico e nominado (cfr.artº.344, do C. Comercial), a qual implica, antes de mais, uma obrigação, assumida pelas partes contratantes de manter uma determinada relação de negócios sob a forma contabilística de uma conta-corrente, a qual tem, ínsita, uma função de crédito: consoante o sentido do saldo e até ao encerramento da conta, as partes podem ficar, reciprocamente, na situação de credor e de devedor.
Já a conta-corrente bancária constitui uma espécie de conta-corrente comercial que se integra, com outros elementos, num contrato mais vasto de abertura de conta, normalmente celebrado entre o banqueiro e o seu cliente (cfr. António Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5ª. edição, 2014, Almedina, pág.552 e segs.).
A verba 17.1.4, da TGIS, ao tributar o crédito sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou outra, não erige, segundo essa jurisprudência, o contrato de conta-corrente comercial como pressuposto da incidência do tributo, fazendo-se depender da forma contratual a empregar pelo sujeito passivo de imposto em sede de utilização do crédito. Aliás, resulta da verba 17.1 a tributação do crédito seguir o princípio da preponderância da substância sobre a forma.
Esta verba abrange, pois, todo o tipo de concessão de crédito e não necessariamente apenas o crédito bancário. A licitude deste tipo de concessão de crédito, entre as sociedades em relação de domínio ou grupo, resulta, aliás, da referida alínea d) do nº 2 do art. 9º do RGICSF.
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No presente caso, foi provada a existência de uma conta corrente, sobre cujos saldo-valor diariamente calculado, foi apurado imposto do selo.
O crédito concedido por via dessa conta corrente integra a previsão da verba 17.1.4. da TGIS, que não faz depender a incidência do imposto do selo de qualquer forma específica do contrato.
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Erro de interpretação das verbas 17.1 e 17.4 da TGIS porquanto as mesmas implicam que ocorra a utilização do crédito, o que não se verifica no caso em apreço.
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Não procede, enfim, a argumentação da Requerente de que a tributação não recaiu sobre qualquer utilização do crédito.
Como se referiu, os saldos positivos transferidos diariamente para a conta da C... SGPS SA correspondem a crédito utilizado.
O imposto recaiu sobre essas transferências e não sobre pretenso contrato no interior do Grupo B..., visando a gestão unitária da sua tesouraria.
Através da aquisição desses meios financeiros, a C... SGPS SA obteve, assim, um benefício económico abstratamente equivalente ao que teria obtido através do recurso ao crédito bancário.
Concluindo:
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As operações de transferência de saldos entre a conta da participante ou aderente e a conta da entidade centralizadora, bem como o movimento de transferência inverso da conta agregada a favor da conta bancária devedora consubstanciam financiamentos obtidos/concedidos através da realização de operações de tesouraria, sujeitos ao imposto do selo da verba 17.1.4. da TGIS, que recai sobre o saldo devedor da conta apurado no final de cada mês.
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Tal sujeição fica afastada, nos termos da alínea g) do nº 1 do art. 7º do CIS, quando o crédito concedido se destine exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria e a sua duração não seja superior a um ano.
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Na situação que há que resolver nestes autos, cabia, no entanto, à Requerente demonstrar, nos termos do nº 1 do art. 74º do CIS, os pressupostos dessa isenção, o que não fez.
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A apreciação da pretensão da Requerente não depende de qualquer juízo de constitucionalidade da verba 17.1. da TGIS, mas apenas da observância dos critérios de aplicação da lei fiscal, definidos no art. 11º da LGT, sendo que, na utilização de crédito, a capacidade contributiva fica evidenciada com a aquisição, pelo mutuário, dos meios financeiros correspondentes ao financiamento obtido.
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A verba 17.1.4, da TGIS, ao tributar o crédito sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou outra, não erige, segundo essa jurisprudência, o contrato de conta-corrente como pressuposto da incidência do tributo, nem essa incidência depende de a entidade concedente do crédito ser uma instituição de crédito.
B) Da ilegalidade da demonstração de liquidação de juros compensatórios
A legalidade da liquidação dos juros compensatórios resulta de erro de direito da Requerente na interpretação das normas aplicáveis, razão pela qual a mesma se mantém.
C) Da indemnização por prestação de garantia indevida
Não há lugar, dada a improcedência da impugnação, a indemnização por prestação de garantia indevida.
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Decisão
Termos em que acorda o presente Tribunal em:
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Julgar improcedente o pedido de pronuncia arbitral quanto à ilegalidade da liquidação do imposto do Selo e manter aquela liquidação, montante € 91.963,13 (noventa e um mil novecentos e sessenta e três euros e treze cêntimos);
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Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios no montante de € 12.383,27 e consequentemente manter aquela liquidação;
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Julgar improcedente o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, face ao decidido nos pontos anteriores.
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Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 104.346,40.
VI. Custas
De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas € 3060,00, a cargo da Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 11 de fevereiro de 2019
Os árbitros,
Fernanda Maçãs (presidente)
Jorge Carita (árbitro vogal)
Nuno Maldonado Sousa (árbitro vogal)
[3] Por lapso a AT indicou no artigo 53 da sua Resposta, que se trata de um Acórdão de 2005, quando na realidade foi proferido em 2004.
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