Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelo outros Árbitros), Prof. Doutor António Martins e Prof. Doutor Henrique Fiúza, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10-07-2018, acordam no seguinte:
1. Relatório
A...- Centro Comercial, S.A. pessoa colectiva n.º..., com sede ..., ...-... ...;
B...- Centro Comercial, S.A. pessoa colectiva n.º..., com sede..., ..., ...-... ...;
C...- Centro Comercial, S.A. pessoa colectiva n...., com sede..., ..., ...-... ...;
D...- Centro Comercial, S.A. pessoa colectiva n.º..., com sede..., ..., ...-... ...;
E...- Centro Comercial, S.A. pessoa colectiva n.º..., com sede..., ..., ...-... ...;
F...-Centro Comercial, S.A. pessoa colectiva n.º..., com sede..., ..., ...-... ...;
G...-Centro Comercial S.A. pessoa colectiva n.º..., com sede..., ..., ...-... ...;
H...- Centro Comercial, S.A. pessoa colectiva n.º..., com sede..., ..., ...-... ...;
I...- Centro Comercial, S.A. pessoa colectiva n.º..., com sede..., ..., ...-... ...;
J...- Centro Comercial, S.A. pessoa colectiva n.º..., com sede..., ..., ...-... ...;
K...- Centro Comercial, S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede..., ..., ...-... ...;
L..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede ..., ..., ...-... ...;
M...- Centro Comercial, S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede..., ..., ...-... ...;
N...- Centro Comercial, S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede..., ..., ...-... ...;
N...- Centro Comercial, S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede ..., ..., ...-... ...;
O...- Centro Comercial, S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede ..., ..., ...-... ...;
P...- Centro Comercial, S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede ..., ..., ...-... ...;
Q...- Centro Comercial, S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede ..., ..., ... -... ...;
(doravante conjuntamente designadas por "Requerentes"), vieram, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 10º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária - RJAT), apresentar pedido de constituição do tribunal arbitral imediatamente, sobre o indeferimento expresso do recurso hierárquico apresentado quanto aos actos de autoliquidação de IRC referentes ao ano de 2013 e, mediatamente, sobre a legalidade dos referidos actos de autoliquidação de IRC, relativos ao ano de 2013.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 05-04-2018.
Em 20-06-2018, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 10-07-2018.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que deve julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
Em 12-12-2018, realizou.se a reunião prevista ni artigo 18.º do RJAT, em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações facultativas.
As Partes apresentaram alegações.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
-
As Requerentes e outras empresas do grupo B... apresentaram em 02-08-2013 um pedido de Informação Vinculativa, que foi emitida nos termos que constam do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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As Requerentes apresentaram as declarações Modelo 22 relativas ao exercício de 2013 (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
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As Requerentes apresentaram, em 27-05-2016, reclamação graciosa contra os actos de autoliquidação de IRC, referentes ao IRC de 2013 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em Novembro de 2016, foram as Requerentes notificadas do projecto de decisão da reclamação graciosa, no sentido do seu total indeferimento (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), em que se refere, além do mais o seguinte:
6. No sentido de avaliar a possibilidade de utilização do referido crédito fiscal, foi apresentado pela reclamante I...- Centro Comercial, SA, um pedido de informação vinculativa, nos termos do art. 68.º da LGT, no sentido de obter o sancionamento da AT quanto à matéria.
7. Do referido pedido resultou a Informação Vinculativa n.º 5596, de 2013/10/15, da qual resultou o seguinte enquadramento:
"28. Em termos subjetivos, dado que a Requerente exerce uma atividade de natureza comercial pode usufruir do benefício. No entanto, a dúvida coloca-se ao nível das despesas de investimento elegíveis, já que, os investimentos efetuados no decurso da sua atividade de exploração de centros comerciais são classificadas como propriedades de investimento.
29. De facto, por força da entrada em vigor do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), a classificação contabilística dos centros comerciais, por parte das entidades que o exploram, deixou de poder ser reconhecida como imobilizado corpóreo para passar a ser reconhecida como uma propriedade de investimento.
30. Ora, ao nível do SNC, o tratamento contabilístico das propriedades de investimento vem estabelecido na NCRF 11 Propriedades de Investimento. Esta norma contabilística é uma adaptação da IAS 40 • Propriedades de investimento, que também tem como objetivo o de prescrever o tratamento contabilístico das propriedades de investimento.
31. Como é sabido, as normas contabilísticas e de relato financeiro constituem o núcleo central do SNC e são uma adaptação das normas internacionais de contabilidade, em que cada uma delas constitui um instrumento de normalização no sentido de dar o mesmo tratamento técnico em matéria de reconhecimento e mensuraçao das realidades económicas.
32. Assim, a classificação contabílística dos centros comerciais tem um tratamento normalizado a nível internacional, não sendo uma imposição do legislador português classificar os centros comerciais como propriedades de investimento.
33. Temos portanto que, no âmbito da NCRF 11, uma propriedade de investimento é uma propriedade, que pode ser um terreno, um prédio e/ou parte de um prédio detido pelo dono ou por um locatário para obter rendas e/ou para valorização do capital.
34. Não obstante, nem sempre uma propriedade deve ser reconhecida como uma propriedade de investimento. Existem casos em que aqueles bens devem ser reconhecidos como um ativo fixo tangível e, como tal, sujeitar-se à aplicação da norma NCRF 7 - Ativos Fixos Tangíveis.
35. A qualificação de um terreno ou de um edifício como um ativo fixo tangível ou como uma propriedade de investimento exige portanto que se identifiquem os seus traços distintos tendo em conta dois factores: a finalidade a que se destina e a geração (por si só) de fluxos de caixa ou o que a norma identifica como sendo a ocupação do bem pelo dono.
36. No primeiro caso, no que respeita à finalidade a que se destina, a norma refere-se aos bons destinados ao uso na produção, fornecimento de bens ou para finalidades administrativas e, logicamente, consideram-se ocupados peio seu dono, ainda que a ocupação seja em regime de locação. Neste caso o bem seria classificado como um ativo fixo tangível.
37. No caso dos bens serem detidos para obter rendas ou para valorização, considera-se que o bem é capaz de gerar, por si só, fluxos de caixa, considerando-se então que o bem não é ocupado pelo seu dono. Neste caso estamos perante uma propriedade de investimento,
38. Só nas situações em que os serviços de apoio aos ocupantes da propriedade sejam significativos para o acordo como um todo, é que se pode admitir que o item possa ser classificado como uma propriedade ocupada pelo dono e, portanto, como um ativo fixo tangível.
39. In casu, classifica-se o centro comercial detido pela Requerente como uma propriedade de investimento, pelo facto de se considerar que os serviços prestados aos ocupantes dessas propriedades são pouco significativos em relação ao contrato visto com um todo. Trata-se no fundo de uma atividade de arrendamento de espaços em que, adicionalmente, se prestam serviços aos seus ocupantes.
40. É ponto assente que, no caso particular dos centros comerciais, os ativos são classificados como sendo propriedades de investimento e, como tal, o seu tratamento contabilistíco é o que vem prescrito na NCRF 11. Esta é a razão pela qual não podem preencher literalmente a definição de ativos fixos tangíveis. Se preenchessem literalmente aquela definição o seu tratamento contabilístico seria feito ao abrigo da NCRF 7.
41. A razão de ser de aplicação da NCRF 11 e não da NCRF 7 resulta do preenchimento de determinados pressupostos que levam a prescrever o tratamento contabilístíco da primeira e não da segunda. Dito de outra forma, a NCRF 11 não configura uma norma contabilística especial da qual a NCRF 7 é a norma geral, em virtude não haver no quadro das normas contabilísticas e de relato financeiro aplicáveis, qualquer relação de hierarquia ou de aplicação supletiva das normas.
42. Por essa razão, à luz dos critérios previstos no SNC, o tratamento contabilístico dos centros comerciais terá necessariamente que ser aquele que será aplicável aos imóveis detidos para arrendamento.
43. Aliás, se os centros comerciais fossem integrados na categoria geral de ativos fixos tangíveis, embora sujeitos ao tratamento contabilístico de propriedade de investimento, seria razoável afirmar que em termos de classificação contabilística, as propriedades de investimento poderiam ser registadas numa subconta da conta 43 - Ativos Fixos Tangíveis. Naturalmente não é o que acontece pois, na realidade, o seu registo contabilístico é feito na conta 42 - Propriedades de Investimento, ou seja numa conta do mesmo grau da anterior e ambas pertencentes à classe dos investimentos, o que denota que não existe qualquer relação de hierarquia.
44. Dado que o legislador apenas previu como elegíveis para efeitos do beneficio fiscal, os investimentos efetuados em ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis e os ativos biológicos não consumíveis, os investimentos efetuados em propriedades de investimento não poderão beneficiar daquele regime, mesmo tratando-se de casos em que, se fosse no âmbito do POC, poderiam beneficiar daquele regime. De facto, se o legislador tivesse intenção de os abranger teria de o ter feito de forma expressa, tanto mais que o diploma surgiu já no âmbito do novo Sistema de Normalização Contabilística.
45. Tendo em conta que o benefício fiscal contido no CFEI não inclui os investimentos efetuados em propriedades de investimento, os investimentos efetuados pelo I..., não podem aproveitar do regime previsto no CFEI.".
Definido o enquadramento para efeitos da empresa I..., mostrando-se a AT vinculada as informações prestadas, nos termos do n.º 14 do art. 68.º da LGT, e verificando-se que o enquadramento dos factos tributários é igual para qualquer uma das reclamantes, entende-se que as despesas de investimento efectuadas não reúnem os pressupostos do art. 4º da Lei n.º 49/2013, para a concessão do benefício.
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As Requerentes exerceram o direito de audição prévia nos termos que constam do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A reclamação graciosa foi indeferida nos termos que constam do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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As Requerentes apresentaram recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, nos termos que constam do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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O recurso hierárquico foi indeferido nos termos que constam do documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
3. APRECIAÇÃO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA.
(...)
No sentido de avaliar a possibilidade de utilização do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), a reclamante " I...- Centro Comercial, S.A. ", efetuou junto da AT um pedido de informação vinculativa, nos termos do artigo 68.º da LGT.
Deste pedido resultou a Informação Vinculativa n.º 5596, de 2013/10/15, na qual se concluiu em termos sintéticos que, "os investimentos efetuados no decurso da atividade de exploração de centros comerciais são classificados, por força da entrada em vigor do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), como propriedades de investimento, vide NCRF 11 (...).
O legislador apenas previu como elegíveis para efeitos do benefício fiscal em causa, os investimentos efetuados em ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis e ativos biológicos não consumíveis, assim, os investimentos efetuados em propriedades de investimento não poderão beneficiar daquele regime.
De facto, se o legislador tivesse intenção de os abranger teria de o ter feito de forma
expressa, tanto mais que o diploma surgiu já no âmbito do novo Sistema de Normalização Contabilística."
Definido o enquadramento para efeitos da empresa I..., mostrando-se a AT vinculada às informações prestadas, nos termos do n.º 14 do artigo 68.º da LGT, e verificando - se que o enquadramento dos factos tributários é igual para qualquer uma das reclamantes, entende-se que as despesas de investimento efetuadas não reúnem os pressupostos do artigo 4.º da Lei n.º 49/2013, para a concessão do benefício.
Em face do exposto, entende-se que não assiste razão no pedido, pelo que foi projetada a decisão de indeferimento da reclamação interposta.
O sujeito passivo veio exercer o direito de audição para que foi notificado, referindo que, discorda do despacho de indeferimento que recaiu sobre a sua reclamação, por este se basear apenas no entendimento proferido em sede de Informação vinculativa.
Reitera os argumentos defendidos em sede de petição inicial, no que respeita ao facto de os centros comerciais se encontrarem afetos e constituírem a própria "exploração" de cada uma das reclamantes e o enquadramento legal e contabilístico defendido, relativamente aos investimentos em causa, para efeitos da concessão do CFEI.
Alega omissão de pronúncia no Projeto de decisão, por não terem sido analisadas todas as questões carreadas para os Autos.
Quanto a este exercício do direito de audição, os Serviços da Direção de Finanças referem que, se alegam os mesmos fundamentos defendidos em sede de petição inicial, reiterando a reclamante o enquadramento defendido quanto à verificação dos pressupostos para a inclusão dos investimentos em causa para efeitos da concessão do CFEI, não acrescentando quaisquer factos novos.
Tais alegações são também as mesmas que estão na base do pedido de informação vinculativa interposto pela empresa "I... - Centro Comercial, SA", verificando-se que a questão aqui a dirimir prende-se apenas com a divergência entre as reclamantes e a AT quanto ao enquadramento contabilístico-fiscal a atribuir aos investimentos em causa, para efeitos do benefício fiscal em apreciação.
Ora, a AT mostra - se vinculada as informações prestadas, nos termos do nº 14 do artigo 68º da LGT, e não existindo quaisquer novos elementos em apreciação, a apreciação detalhada da Informação vinculativa por uma das reclamantes, espelha concretamente a posição defendida pela AT quanto ao enquadramento tributário dos factos.
No que se refere à alegada omissão de pronúncia, ela não se verifica porquanto, a apreciação das questões em apreço mostra-se efetuada em virtude da posição assumida pela AT resultante da Informação vinculativa nº 5596 de 15.10.13.
4. SÍNTESE DOS FUNDAMENTOS INVOCADOS EM RECURSO HIERÁRQUICO
As recorrentes consideram que, na informação vinculativa a AT procedeu a uma interpretação puramente literal da Lei, tendo sido postergados os demais elementos que devem ser ponderados e convocados à tarefa interpretativa, numa indiferença total pelos desígnios extra - fiscais do benefício em causa.
Apesar de contabilisticamente as despesas de investimento em quaisquer dos Centros Comerciais serem escrituradas como propriedades de investimento as mesmas podem, em substância, preencher a definição de ativo tangível.
Com efeito, a CNC sustentou em resposta a uma questão (a denominada FAQ 16 publicada no seu site) que, a NCRF 7 define ativos fixos tangíveis como sendo os itens detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros, ou para fins administrativos, abrangendo esta definição assim, muitas outras categorias de ativos, pare além dos terrenos e edifícios que poderão ser arrendados. (sublinhado da recorrente)
Face ao exposto, não pode deixar de se reconhecer que os centros comerciais poderão caber nesse conceito de ativos fixos tangíveis, por serem detidos, nomeadamente, para arrendamento, não havendo nada nesta NCRF nº 7 que indicie o contrário.
A NCRF nº 11 deve, pois, ser entendida com um regime especial em relação ao regime geral e residual da NCRF nº 7 para imóveis arrendados, tal como, por exemplo, o regime do arrendamento urbano é um regime especial da locação.
Este entendimento de que as propriedades de investimento são um subtipo dos ativos tangíveis vem aparentemente sufragado no OE de 2017 (Lei nº 370/2016 de 13 de Outubro) - a qual prevê, no que diz respeito ao nº 10 do artigo 48º do CIRC que " não são suscetíveis de beneficiar deste regime as propriedades de investimento, ainda que reconhecidas na contabilidade como ativo fixo tangível".
Na NCRF 11 reconhece - se que a aproximação à noção de propriedade ocupada pelo dono - e, portanto, à classe dos ativos tangíveis - será tanto maior quanto maior for a importância da componente de serviços prestados pelo locador para além da locação, admitindo-se, por exemplo, que um hotel possa ser contabilizado como sendo "ocupado pelo dono", na medida em que nele se prestam esses outros serviços de forma substancial.
A similitude desta situação com a dos centros comerciais é inegável e já foi reconhecida pelos nossos tribunais superiores (Acórdão do TCAS no Processo 6375/13 de 05.07.13), e pela própria AT no domínio do IVA (cfr. Processo nº 2873).
Também no IMI se torna evidente a componente " intangível " do centro comercial que é estranha a uma mera propriedade de investimento detida passivamente para valorização e/ou arrendamento, prevendo-se no artigo 43º do CIMI um coeficiente majorativo elevado (0,25) para prédios que se localizem em centros comerciais.
Pese embora a cedência dos espaços das lojas, não se pode, em bom rigor, dizer que os centros comerciais não são ocupados pelo dono é ele que define horário, gestão, segurança, sortido das lojas, é ele que ocupa as áreas dedicadas ao lazer e entretenimento, e a quem incumbe publicitar o centro comercial, daqui resultando um significativo volume de prestação de serviços.
Refere - se ainda nos Pontos 122 a 178 da petição que, a inacessibilidade do CFEI para as
recorrentes é potencialmente geradora de distorções não só do espírito do BF em causa, mas também da concorrência entre as empresas que atuam no mesmo mercado.
Face a tudo o antes exposto, conclui assim que, os investimentos nos centros comerciais efetuados pelas recorrentes entre 01.06.13 e 31.12.2013, incluem-se no âmbito dos objetivos da Lei do CFEI, sendo assim ilegal a decisão de indeferimento atribuído à sua reclamação graciosa.
5. APRECIAÇÃO DO RECURSO HIERÁRQUICO PELA DSIRC.
5.1. Tempestividade da petição.
O indeferimento da RG foi notificado ao sujeito passivo em 23.12.16, através de carta registada com aviso de receção (referência RF...PT).
Ora, tendo em atenção que a presente petição de recurso foi remetida à AT primeiro por fax datado de 19.01.17 e depois em 23.01.17, considera - se cumprido o prazo de 30 dias mencionado no disposto do no 2 do artigo 66º do CPPT para interposição deste tipo de petição.
5.2. A matéria em apreço.
A situação objeto de análise tem a ver com investimentos avultados em remodelações efetuados pelos centros comerciais propriedade dos sujeitos passivos em referência, e a sua aceitação para efeitos fiscais nos termos do Crédito Fiscal Extraordinário para o Investimento (CFEI), benefício regulado pela Lei nº 49/2013 de 16 de Julho.
Em sede de procedimento de reclamação graciosa e anteriormente de informação vinculativa (nº 5596 de 15.10.13), já tinha sido explicitado pela AT que, por força da entrada em vigor do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), a classificação contabilística dos centros comerciais por parte das entidades que o exploram, deixou de poder ser reconhecida como imobilizado corpóreo para passar a ser reconhecida como uma propriedade de investimento, vide NCRF nº 11.
Não obstante isto, os sujeitos passivos vêm agora defender na petição de RH que, apesar de formalmente as despesas em questão terem de ser registadas contabilisticamente como " propriedades de investimento ", as mesmas podem, em substância, preencher a definição de ativo tangível.
Não parece que seja assim.
Efetivamente, conforme já antes mencionado, no âmbito da citada NCRF nº 11, uma propriedade de investimento é uma propriedade (prédio e/ou parte de um prédio), detido pelo dono ou por um locatário para obter rendas e/ou para valorização do capital.
Existem casos no entanto, em que estes bens devem ser reconhecidos como um ativo fixo tangível e, como tal, sujeitar-se não há aplicação da norma NCRF nº 11, mas antes da NCRF nº 7 referente aos "Ativos Fixos Tangíveis ".
O que define se um terreno ou um edifício pertence à classe dos ativos fixos tangíveis ou à classe das propriedades de investimento são as caraterísticas intrínsecas desses bens tendo em conta dois fatores : a finalidade a que se destina e a geração (por si só) de fluxos de caixa ou o que a norma identifica como sendo a ocupação do bem pelo dono.
No primeiro caso (finalidade a que se destina), a norma refere-se aos bens destinados ao uso na produção, fornecimento de bens ou serviços, ou para finalidades administrativas, considerando-se assim ocupados pelo seu dono, ainda que a ocupação seja em regime de locação. Neste caso o bem seria classificado como um ativo fixo tangível.
No caso dos bens serem detidos para obter rendas ou para valorização, considera-se que o bem é capaz de gerar, por si só, fluxos de caixa, considerando-se então que o bem não é ocupado pelo seu dono. Neste caso estamos perante uma propriedade de investimento.
Estabelecem ainda as normas citadas que, só nas situações em que os serviços de apoio aos ocupantes da propriedade sejam significativos para o acordo como um todo, é que se pode admitir que o item possa ser classificado como uma propriedade ocupada pelo dono e, portanto, como um ativo fixo tangível.
Ora, no caso específico dos centros comerciais, é notório que os serviços que são prestados pelo dono aos seus ocupantes (lojistas), dos quais destacamos a Segurança, publicidade e limpeza dos locais de acesso, não são significativos em relação ao acordo (contrato) como um todo.
A atividade do centro comercial consiste no fundo numa atividade de arrendamento de espaços, em que adicionalmente se prestam serviços aos ocupantes dos mesmos espaços.
O sujeito passivo vem defender na petição de recurso que, a sua situação é similar à dos hotéis, tendo esta já sido reconhecida pelos nossos tribunais, conforme se evidencia no Acórdão do TCAS datado de 05.07.13 (Processo nº 6375/13), no entanto, da leitura atenta ao mesmo acórdão não se chega a tal conclusão.
Com efeito, tal decisão o que vem estabelecer é que a isenção no pagamento de IVA se aplica somente quando está em causa um arrendamento de "paredes nuas" e não no caso de exploração ativa de imóvel com um conjunto de serviços associados como acontece no caso de um hotel.
Nesse acórdão, não é estabelecida pois qualquer conexão com a atividade exercida por um centro comercial.
Os sujeitos passivos referem ainda, em defesa da tese de que os centros comerciais não são uma mera propriedade de investimento detida de forma passiva para arrendamento, que nos termos do artigo 43.º do CIMI, prevê-se um coeficiente majorativo de 0,25 para prédios que se situem nesses espaços.
Ora, não deixando de ser verdade que o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, atribui para efeitos de avaliação esse coeficiente de conforto aos prédios localizados em centros comerciais, o facto é que se desconhece o que é que o mesmo representa em termos de serviços prestados aos ocupantes das lojas, nem o sujeito passivo quantifica os valores envolvidos.
Face ao exposto não é possível quantificar o peso que os mesmos têm em relação ao acordo (contrato) como um todo.
As recorrentes reputam a interpretação dada pela AT de ilegal e inconstitucional.
E fundamentam essa afirmação, referindo que, a atribuição de um benefício tem de ser genérica obedecendo ao princípio da igualdade, de modo a não falsear ou ameaçar falsear a concorrência (conforme se estipula no artigo 6º do EBF o qual decorre do artigo 104º da CRP).
Quanto a isto, temos de mencionar que, o legislador na redação dada pela Lei nº 49/2013 de 17 de Julho, apenas previu como elegíveis para efeitos do benefício fiscal do CFEI, os investimentos efetuados em ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis e os ativos biológicos não consumíveis (vide artigo 4º dessa Lei), sendo que os investimentos efetuados em propriedades de investimento não poderão beneficiar daquele regime.
Assim, apenas por interpretação analógica se poderia considerar as propriedades de investimento incluídas no âmbito do CFEI, o que, tratando-se de um benefício fiscal, não é permitido nos termos do artigo 10º do EBF.
Se de facto o legislador tivesse intenção de os abranger teria de o ter feito de forma expressa, tanto mais que o diploma surgiu, como se disse anteriormente, já no âmbito do novo Sistema de Normalização Contabilística.
Face ao exposto, não tem qualquer sentido vir agora dizer-se que a AT na interpretação dada ao presente caso, procedeu em ilegalidade e inconstitucionalidade, já que simplesmente o que fez foi seguir o que se encontrava estipulado em Lei (aplicação do princípio da legalidade previsto nos artigos 5º nº 2 e 8º da LGT).
Refere ainda o sujeito passivo que, a interpretação do CFEI merece ainda censura à luz da proibição dos auxílios de Estado, consagrada no artigo 107º do TFUE.
Ora, a este respeito, devemos referir que, não cabe a estes Serviços avaliar a existência de auxílios de Estado Ilegais, nem se conhece qualquer decisão do TJCE que refira que no caso em apreço existiram esses auxílios.
Atendendo a tudo o antes mencionado, concluímos não se verificarem quaisquer situações que em substância possam levar a que os centros comerciais possam ser considerados como ativos fixos tangíveis e não como propriedades de investimento, originando assim que seja alterada a forma de contabilização preconizada no Sistema de Normalização Contabilística.
ADENDA
Já depois de elaborada esta Informação, tomou-se conhecimento através de comunicação efetuada em 22.09.17 pela Direção de Finanças do Porto a esta DSIRC que, a mesma questão aqui em apreço, foi levada ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) pelas sociedades "S... - Centro Comercial, SA"," T...- Centro Comercial, SA", "U... - Centro Comercial, SA" e "V... - Centro Comercial, SA" sociedades estas que integram o mesmo grupo económico das aqui recorrentes.
O processo correu termos sob o nº 748/2016 - T, e a decisão proferida em 08.09.17, foi no sentido de considerar que os investimentos das Requerentes nos centros comerciais cumprem o desiderato de constituírem os seus meios afetos a exploração. Resulta igualmente demonstrado que não é pelo facto de gerarem rendas que tal as exclui de serem, em substância, os ativos que servem de base, ou subjazem; à exploração normal e corrente do respetivo negócio.
Continuando, "materialmente, tais centros são, pois, ativos tangíveis que são usados no decurso regular do negócio, daqui lhes advindo uma substancial aproximação e consequente equiparação aos ativos fixos tangíveis, usados na produção regular de bens ou serviços ".
Conclui assim o referido Acórdão que, "atento o tipo de atividade, relevo económico-social, tipo de investimentos que as requerentes efetuaram e pelo emprego criado, tudo numa conjuntura económica de grande dificuldade, é de concluir que estamos perante bens de investimento que enquadram e justificam a aplicação do CFEI”.
Posto isto, consideram os recorrentes do atual processo que, impõe-se decisão idêntica à proferida por este tribunal arbitral.
Face a estes novos elementos trazidos ao processo, tem esta DSIRC de pronunciar-se da
seguinte forma:
Desde logo, verifica-se que as entidades em causa no processo do CAAD nº 748/2016 - T,
embora pertencentes ao mesmo grupo económico, não são as mesmas que interpuseram o recurso hierárquico em apreço.
Assim sendo, a decisão proferida no âmbito desse processo só tem aplicação relativamente ao caso julgado.
Verificando-se contudo que, a matéria subjacente é na realidade igual à aqui em discussão, somos de opinião que se devem conhecer as razões que sustentaram tal decisão por forma a uma uniformização de entendimentos.
Nesse sentido, importa desde logo referir que a conclusão a que chegou esse Tribunal arbitral não foi unânime.
Com efeito, o juiz árbitro Professor Doutor Américo Brás Carlos votou vencido.
Na parte final do dito Acórdão, são explicitadas as razões que levaram à sua declaração de voto.
Uma dessas razões, tem a ver com o facto das entidades requerentes terem qualificado e contabilizarem - e continuarem a qualificar e a contabilizar - os centros comerciais como Propriedades de Investimento.
A propósito disto, defende o mesmo juiz que, para além dos princípios da " Relevância " e da "Materialidade", constantes nos §§ 26 a 30 da Estrutura concetual do SNC, ainda o princípio enunciado no § 35 da mesma Estrutura concetual, intitulado " Substância sobre a forma ", impõe que os factos a representar sejam «contabilizados de acordo com a sua substância económica».
Chama ainda à colação nesta análise ao disposto no § 14 da NCRF 11, onde se refere que " É necessário juízo de valor para determinar se uma propriedade se qualifica como uma propriedade de investimento. Uma entidade desenvolve critérios a fim de que possa exercer esse direito de forma consistente de acordo com a definição de propriedades de investimento e com a relacionada orientação nos §§ 7 a 13. O § 77 alínea c) exige que uma entidade divulgue estes critérios quando a classificação for difícil."
Assim sendo, conclui que, "Foi certamente depois de ponderar, em substância, a natureza dos seus centros comerciais que as requerentes e todo o grupo económico em que se inserem, reconheceram e continuam reconhecendo contabilisticamente estes como PI (vide artigos 75º e seguintes e 99º e seguintes da petição inicial)."
Igual opinião se partilha nesta apreciação.
Com efeito, se as entidades em questão consideravam que, materialmente, os centros comerciais eram ativos tangíveis usados no decurso regular do seu negócio, porque razão continuaram e continuam a contabilizar tais bens como propriedades de investimento.
O mesmo procedimento verifica-se para as recorrentes do atual processo de RH, conforme análise às DM22 de 2016, vide Quadro 05 - A (em anexo cópias dessa informação para os centros comerciais A..., B... e C...).
Face ao exposto, a única razão que se encontra para agora as recorrentes defenderem esta alteração de critérios, parece ter a ver unicamente com o aproveitamento que se quer fazer do benefício fiscal em causa.
Assim sendo, neste caso não concordamos com a conclusão a que chegou a parte maioritária que decidiu o Acórdão do CAAD referenciado, quando menciona que a forma de contabilização seguida se considera uma «mera roupagem exterior» ou «veste contabilística».
Uma outra situação em que a posição de Américo Brás Carlos é também contrária à dos seus colegas de júri é relativamente à maior ou menor Importância dos serviços prestados face à locação do espaço.
Considera este membro que, no cômputo do contrato com os lojistas analisado como um todo, o arrendamento é o objeto central do contrato em torno do qual são prestados serviços. A ideia dos serviços conexos não desvirtua o arrendamento, nem numa perspetiva civilista, (v. artigo 1109º do Código Civil) nem numa perspetiva fiscal (v. ad. 8º, nº 2, alíneas a) e b) do CIRS). É a locação do espaço que determina o próprio impulso negocial e verdadeiramente condiciona todo o acordado (...) "
Também somos desta opinião.
Efetivamente, no caso dos centros comerciais, o que leva o lojista a arrendar o respetivo espaço não são os serviços que o dono disponibiliza, mas principalmente a possibilidade de exercício de uma atividade comercial num espaço considerado de excelência atendendo ao elevado número de pessoas que o visitam.
Daí que, os arrendamentos destes espaços tenham uma procura muito elevada originando por vezes rendas exorbitantes.
Ainda, como se refere na declaração de voto vencido, "a maioria dos serviços que o Acórdão indica como prestados pelos requerentes aos lojistas não são exclusivos dos donos dos centros comerciais, sendo em regra também prestados pelo locador no exemplo expresso de PI escolhido no §11 da NCRF11 - os edifícios de escritórios para arrendamento. Quem constrói ou adquire um imóvel para arrendamento em frações para escritórios realiza também todo o trabalho de prospeção e adaptação com vista a assegurar a sua future rentabilidade, assim como leva a cabo os serviços de manutenção, vigilância, segurança de todo o edifício e de organização e gestão das partes comuns, bem como de valorização do imóvel de modo a permanecer comercialmente atrativo.
O co-investimento com algumas lojas - as lojas-âncoras - referido no Acórdão não é na economia da NCRF 11 um serviço, nem me parece suficiente pare o considerar significativo no todo contratualizado com os lojistas dos centros comerciais. "
A declaração de voto vencida cita ainda no seu Ponto 3, outros aspetos em que o Acórdão do CAAD não respeita o disposto na Lei nº 49/2013 (diploma que criou o benefício Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento), destacando-se entre eles o facto de se entender que, a afetação de um ativo à exploração ou «ativo operacional», é condição suficiente para beneficiar do CFEI.
A este propósito, entende Américo Brás Carlos que, “«ativos afetos à exploração» há-os de vários tipos e o legislador, não podendo deixar de os conhecer a todos, concedeu o incentivo fiscal uns e a outros não."
Na verdade, assim aconteceu.
A Lei nº 49/2013 de 16 de Julho, concretizou no n.º 1 do seu artigo 4º que, relativamente aos ativos à exploração, só poderiam ser aceites para efeitos do benefício fiscal em causa, os Ativos Fixos Tangíveis e os Ativos Biológicos não consumíveis (ABNC), não tendo enumerado as Pl.
Ora, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 9º do Código Civil, "Toda a interpretação da Lei está limitada pelo mínimo de correspondência verbal na sua letra." Assim sendo, qualquer outro sentido que não o determinado nessa Lei, constitui uma adulteração a essa norma.
Mesmo que se invoque alguma flexibilidade interpretativa, como faz a parte dominante do Acórdão em apreço, ela revela-se de todo impossível de efetuar, desde logo atendendo ao estipulado no § 2 da NCRF 7, e que refere «Esta norma deve ser aplicada na contabilização de ativos fixos tangíveis exceto quando uma outra Norma exija ou permita um tratamento contabilístico diferente».
Ora, no caso, há outra norma que exige uma contabilização diferente: a NCRF 11- Propriedades de Investimento.
Atendendo a tudo o antes disposto, e sem necessidade de nos debruçarmos sobre outros vícios que se apontam à decisão proferida, somos de opinião que, relativamente a esta matéria deve continuar a manter-se o entendimento pautado na Informação vinculativa desta DSIRC antes referenciada, e na Informação que serviu de base à decisão recorrida, indeferindo-se o recurso.
Documentos justificativos das despesas de investimento.
Sem conceder, acresce que em nenhuma fase do processo, foram juntos os documentos
comprovativos dos referidos investimentos, pelo que, não resultando da declaração de rendimentos, a AT não teve, ainda, oportunidade de desenvolver qualquer ação de inspeção aos montantes envolvidos.
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As Requerentes dedicam-se exclusivamente à exploração dos centros comerciais de que são proprietárias, e fazem parte do Grupo R... (www...pt);
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As localizações dos centros comerciais detidos ou explorados pela B... são múltiplas, estendendo-se de norte a Sul do País, mais concretamente de ... (T...) ao ... (A...), abrangendo ainda o arquipélago da Madeira e o arquipélago dos Açores;
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A actividade das Requerentes não se traduz no mero arrendamento de espaços, de "paredes nuas", em edifícios comerciais, mas compreende um conjunto de serviços conexos com a cedência de espaços comerciais, tanto a montante, começando pela escolha dos locais e concepção desses espaços e pela definição dos respectivos sortidos (tennant-mix) como a jusante, na prestação de serviços de segurança e arquitectura e ainda de parceiro financeiro; (depoimento da testemunha W...)
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Durante o ano de 2013 e tendo em vista o triénio 2014-2016, as Requerentes levaram a cabo investimentos designadamente em remodelações dos activos existentes e expansões físicas dos próprios centros comerciais, acrescentando valor ao seu património, gerando actividade na economia e contribuindo para a criação de emprego; (depoimento da testemunha W...)
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A expansão do A..., do Grupo, em 2013, gerou, mais 100 postos de trabalho directos, num centro comercial que já conta com mais de 1.000 (press release, junta como documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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As Requerentes efectuaram investimentos planeados para 2013, que ascenderam a € 11.263.150,26, nos termos do quadro seguinte (documentos n.º 11 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos):
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As Requerentes nas declarações Modelo 22 relativas ao exercício de 2013, não consideraram benefício fiscal do CFEI (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
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As Requerentes têm uma abordagem integrada ao negócio dos centros comerciais, compreendendo um conjunto de actividades relacionadas com o seu desenvolvimento, detenção e gestão, com vista a proporcionar um espaço integrado dotado de uma racionalidade própria que pode proporcionar experiências inovadoras de compra, alimentação e lazer aos seus visitantes; (depoimento da testemunha W...)
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As actividades desenvolvidas pelas Requerentes precederam a própria construção do centro comercial, iniciando-se com estudos de mercado que avaliam as necessidades das populações locais no que respeita à oferta comercial (hábitos de consumo e perfil dos consumidores), necessidades essas que determinam a combinação de actividades e de lojistas que os centros comerciais irão oferecer; (depoimento da testemunha W...)
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Uma vez definida a combinação de actividades e lojistas, inicia-se o projecto de arquitectura, que distribui aquelas actividades pelo espaço disponível, tendo em conta as exigências técnicas deste tipo de empreendimentos; (depoimento da testemunha W...)
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Uma vez estabilizada a configuração dos centros comerciais, inicia-se a fase de execução dos projectos de especialidades, que é antecedida por uma outra fase de identificação de concorrentes, lançamento de concurso e selecção de empresas a contratar; (depoimento da testemunha W...)
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Em paralelo, inicia-se o processo de procura e negociação com lojistas locais, nacionais e internacionais, que permitam concretizar a oferta comercial pré-definida; (depoimento da testemunha W...)
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No momento de pré-abertura, são levadas a cabo acções de marketing que permitem comunicar devidamente com a população local/regional a oferta a disponibilizar; (depoimento da testemunha W...)
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No contexto dessa actividade de gestão, as Requerentes:
i. monitorizam continuamente a actividade dos seus centros comerciais, analisando os seus principais indicadores operacionais, como sejam o tráfego e o volume de vendas, de forma a percepcionar se a sua oferta se adapta constantemente às necessidades dos seus visitantes;
ii. elaboram estudos de mercado com vista a aferir o nível de satisfação dos clientes/visitantes, de modo a, se necessário, repô-lo em níveis desejáveis;
iii. gerem activamente o tennant-mix, procurando manter a diversidade e introduzindo novos conceitos que dinamizem a oferta comercial;
iv. incentivam os lojistas a ocupar espaços nos centros comerciais, através da comparticipação de parte do seu investimento;
v. elaboram diagnósticos de investimento, que permitam identificar as acções necessárias para garantir uma utilização racional do espaço e dos recursos;
vi. identificam oportunidades de expansão, que permitam aumentar a área bruta locável e introduzir novos conceitos, actividades e marcas;
vii. esforçam-se por renovar periodicamente a imagem dos espaços, adaptando-os às novas tendências e tendo como fim último o aumento do conforto dos visitantes;
viii. com o objectivo de responder às necessidades específicas dos consumidores, desenvolvem e executam acções promocionais dedicadas, visando incentivar as visitas dos utilizadores finais, aumentando o seu envolvimento e confiança no espaço comercial; exemplo disso é a recente aposta na instalação de parques infantis em diversos centros comerciais para melhor acompanhar as tendências do consumidor e potenciar a sua experiência no acto de compra (depoimento da testemunha W...);
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São as Requerentes e não os lojistas quem define os horários de funcionamento dos centros comerciais e abertura e encerramento das lojas (depoimento da testemunha W...)
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O cliente imediato das Requerentes é o lojista, mas o seu cliente mediato é o visitante do centro comercial; (depoimento da testemunha W...)
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O centro comercial tem clientes imediatos que geram receitas que nada têm que ver com os espaços comerciais strictu sensu, designadamente utentes dos espaços de lazer ou outros e os anunciantes que pagam por anunciar nos "mupis" e outros espaços de publicidade disponibilizados nos seus centros comerciais; (depoimento da testemunha W...)
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As Requerentes celebram "contratos de utilização de espaço em centro comercial", sob os quais se estabelece um compromisso mútuo do lojista com a respectiva proprietária que se traduz, para aquele, na sujeição à política comercial e de gestão delineada para o centro comercial e, para esta, muitas vezes, na assunção do sucesso ou insucesso do negócio do primeiro; (depoimento da testemunha W...)
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Esses contratos incluem as seguintes estipulações:
• Os chamados fit-out ou comparticipações da proprietária na construção, adaptação das lojas de maior atractividade, como sejam as grandes cadeias internacionais;
• A fixação de rendas variáveis dependentes do volume de vendas dos lojistas;
• Obrigatoriedade de os projectos de obras realizadas pelos lojistas nas suas lojas terem de ter prévia aprovação dos arquitectos das Requerentes;
• Insusceptibilidade de transmissão da sua posição contratual por parte dos lojistas sem prévia autorização das Requerentes;
• Necessidade de colaboração dos lojistas na política global de marketing delineada pelas Requerentes para os centros comerciais (depoimento da testemunha W...)
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Os gastos com fornecimentos e serviços externos (“FSE”) e outros gastos incorridos pelas Requerentes, no exercício de 2013 foram os indicados no quadro que segue:
(Documentos n.ºs 29 a 36, juntos em 11-12-2018, cujos teores se dão como reproduzidos)
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As Requerentes efectuaram despesas no ano de 2013 com os centros comerciais (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 23-07-2018, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
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Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Não se fez prova de que as Requerentes tivessem as suas situações regularizadas perante a Administração Tributária e a Segurança Social.
Não se provou que o valor de todas os documentos incluídos pelas Requerentes no documento n.º 12, Partes I e II, junto com o pedido de pronúncia arbitral, se reportem a investimentos que reúnam as condições para beneficiarem do CFEI e que o valor dos investimentos corresponda ao valor global desses documentos.
Na verdade, entre esses documentos incluem-se cópias de facturas que são apresentadas mais que uma vez e facturas que se reportam a despesas efectuadas fora do período de 01-06-2013 a 31-12-2013, indicado no artigo 3.º, n.º 1, do CFEI [1]
Por outro lado, como a Autoridade Tributária e Aduaneira refere na parte final da decisão do recurso hierárquico, «em nenhuma fase do processo, foram juntos os documentos comprovativos dos referidos investimentos, pelo que, não resultando da declaração de rendimentos, a AT não teve, ainda, oportunidade de desenvolver qualquer ação de inspeção aos montantes envolvidos».
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo e em afirmações das Requerentes corroboradas pelo depoimento da testemunha W..., nos pontos que se indicaram, que não foram contrariadas por qualquer meio de prova.
A testemunha aparentou depor com isenção e ter conhecimento profundo da actividade dos centros comerciais em causa e seu relacionamento com os lojistas.
3. Matéria de direito
A Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho, aprovou o regime do «crédito fiscal extraordinário ao investimento» (CFEI).
Nos termos do seu artigo 3.º, «o benefício fiscal a conceder aos sujeitos passivos referidos no artigo anterior corresponde a uma dedução à coleta de IRC no montante de 20 % das despesas de investimento em ativos afetos à exploração, que sejam efetuadas entre 1 de junho de 2013 e 31 de dezembro de 2013».
No n.º 1 do artigo 4.º deste diploma, em que se indicam as «despesas de investimento elegíveis», estabelece-se que «para efeitos do presente regime, consideram-se despesas de investimento em ativos afetos à exploração as relativas a ativos fixos tangíveis e ativos biológicos que não sejam consumíveis, adquiridos em estado de novo e que entrem em funcionamento ou utilização até ao final do período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2014»-
As Requerentes são proprietárias de centros comerciais que estavam contabilizados como «propriedade de investimento» e não como «activo fixo tangível».
As despesas de investimento em activos afetos à exploração relativas a propriedades de investimento não são indicadas como despesas elegíveis neste artigo 4.º.
As Requerentes defenderam, em reclamação graciosa e em recurso hierárquico, que os centros comerciais se encontram afectos e constituem a própria «exploração» de cada uma e devem ser considerados legal e contabilisticamente como «activo fixo tangível» para efeito do n.º 1 do artigo 4.º do CFEI, não sendo o facto de estarem contabilizados como «propriedade de investimento» impeditivo de os investimentos serem abrangidos pelos CFEI.
O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. [2]
Por isso, importa precisar a fundamentação da decisão impugnada, que, no caso de recurso hierárquico, é a que consta da decisão de indeferimento, que consubstancia a posição definitiva da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a pretensão que lhe foi apresentada,
A Autoridade Tributária e Aduaneira, na decisão do recurso hierárquico, em que explicita a fundamentação da sua posição definitiva denegatória da pretensão das Requerentes, entendeu, em suma, o seguinte:
– no âmbito da NCRF nº 11 «uma propriedade de investimento é uma propriedade (prédio e/ou parte de um prédio), detido pelo dono ou por um locatário para obter rendas e/ou para valorização do capital»;
– «existem casos no entanto, em que estes bens devem ser reconhecidos como um ativo fixo tangível e, como tal, sujeitar-se não há aplicação da norma NCRF nº 11, mas antes da NCRF nº 7 referente aos "Ativos Fixos Tangíveis "»;
– «o que define se um terreno ou um edifício pertence à classe dos ativos fixos tangíveis ou à classe das propriedades de investimento são as caraterísticas intrínsecas desses bens tendo em conta dois fatores : a finalidade a que se destina e a geração (por si só) de fluxos de caixa ou o que a norma identifica como sendo a ocupação do bem pelo dono».
– «no primeiro caso (finalidade a que se destina), a norma refere-se aos bens destinados ao uso na produção, fornecimento de bens ou serviços, ou para finalidades administrativas, considerando-se assim ocupados pelo seu dono, ainda que a ocupação seja em regime de locação. Neste caso o bem seria classificado como um ativo fixo tangível»;
– «no caso dos bens serem detidos para obter rendas ou para valorização, considera-se que o bem é capaz de gerar, por si só, fluxos de caixa, considerando-se então que o bem não é ocupado pelo seu dono. Neste caso estamos perante uma propriedade de investimento»;
– «só nas situações em que os serviços de apoio aos ocupantes da propriedade sejam significativos para o acordo como um todo, é que se pode admitir que o item possa ser classificado como uma propriedade ocupada pelo dono e, portanto, como um ativo fixo tangível»;
– «no caso específico dos centros comerciais, é notório que os serviços que são prestados pelo dono aos seus ocupantes (lojistas), dos quais destacamos a Segurança, publicidade e limpeza dos locais de acesso, não são significativos em relação ao acordo (contrato) como um todo»;
– «a atividade do centro comercial consiste no fundo numa atividade de arrendamento de espaços, em que adicionalmente se prestam serviços aos ocupantes dos mesmos espaços»;
– «as requerentes qualificaram e contabilizaram - e continuarem a qualificar e a contabilizar - os centros comerciais como Propriedades de Investimento»;
– «o que leva o lojista a arrendar o respetivo espaço não são os serviços que o dono disponibiliza, mas principalmente a possibilidade de exercício de uma atividade comercial num espaço considerado de excelência atendendo ao elevado número de pessoas que o visitam»;
– «quem constrói ou adquire um imóvel para arrendamento em frações para escritórios realiza também todo o trabalho de prospeção e adaptação com vista a assegurar a sua future rentabilidade, assim como leva a cabo os serviços de manutenção, vigilância, segurança de todo o edifício e de organização e gestão das partes comuns, bem como de valorização do imóvel de modo a permanecer comercialmente atrativo»;
– «o § 2 da NCRF 7, e que refere «Esta norma deve ser aplicada na contabilização de ativos fixos tangíveis exceto quando uma outra «norma exija ou permita um tratamento contabilístico diferente». Ora, no caso, há outra norma que exige uma contabilização diferente: a NCRF 11- Propriedades de Investimento».
– «em nenhuma fase do processo, foram juntos os documentos comprovativos dos referidos investimentos, pelo que, não resultando da declaração de rendimentos, a AT não teve, ainda, oportunidade de desenvolver qualquer ação de inspeção aos montantes envolvidos».
No presente processo, a Requerente concluiu as suas alegações com conclusões em que, no essencial, diz o seguinte:
– A actividade das Requerentes não se traduz no mero arrendamento de espaços, de “paredes nuas”, em edifícios comerciais, mas compreende um conjunto multifacetado de serviços conexos com a cedência de espaços comerciais, tanto a montante, começando pela concepção desses espaços e pela definição dos respectivos sortidos (tennant-mix), como a jusante, na prestação de serviços de limpeza constantes, segurança, arquitectura, marketing, promoção do centro comercial, organização de espaços de lazer, eventos, e ainda de parceiro financeiro;
– mais do que oferecer espaços a lojistas, os centros comerciais em geral e os da R... em particular, oferecem um produto aos consumidores, consistente num espaço comercial onde podem encontrar desde correios, a lojas do cidadão, passando pelas lojas e pelos espaços de lazer, e proporcionam eventos aos utentes em diferentes épocas do ano;
– A orientação da actividade das Requerentes para o visitante do centro comercial tem uma expressão particularmente evidente nos “contratos de utilização de espaço em centro comercial”, sob os quais se estabelece um compromisso mútuo (uma “parceria” nas palavras da testemunha) do lojista com a respectiva proprietária que se traduz, para aquele, na sujeição à política comercial e de gestão delineada para o centro comercial e, para esta, muitas vezes, na assunção do sucesso ou insucesso do negócio do primeiro;
– a remuneração que é paga pelos lojistas às Requerentes não corresponde à mera multiplicação do número de m2 do espaço comercial pelo preço do m2 de acordo com o valor de mercado por referência à localização daquele espaço;
– a “gestão activa” dos centros comerciais e a prestação de serviços aos respectivos lojistas implica que as Requerentes incorram em gastos avultados na contratação de serviços partilhados no seio do Grupo, nomeadamente, junto da holding do Grupo R...;
– não são “rendas” as verdadeiras remunerações complexas cobradas aos lojistas que são constituídas, a montante, por gastos com serviços que vão muito além da mera recuperação do investimento mais a margem de lucro, e, a jusante, por um conjunto de serviços prestados aos lojistas multifacetado que não se encerra na mera cedência de espaços;
– com o CFEI pretendeu-se um estímulo muito forte, sem qualquer delimitação sectorial e muito localizado no tempo, destinado a produzir efeitos materiais e imediatos;
– nos vários formulários de cumprimentos das obrigações declarativas fiscais (Modelo 22 do IRC, IES) não é possível às Requerentes relevar que aquela contabilização como propriedades de investimento;
– § 6 da NCRF 7 (sem atender à NCRF 11), esta norma imporia a classificação dos centros comerciais das Requerentes como activos fixos tangíveis: (i) seja porque o uso das fracções dos centros comerciais é cedido aos lojistas, (ii) seja porque os correspondentes contratos de cedência de exploração arrastam consigo um feixe de serviços associados ao próprio centro comercial e que são assegurados pelas Requerentes (segurança, arquitectura, limpeza, marketing, eventos e zonas de lazer para atrair clientes, etc.), (iii) porque para alguns lojistas pode incluir uma comparticipação financeira no negócio, (iv) ou ainda porque o próprio centro comercial deve ser encarado, per se, como um produto ou serviço global que é oferecido aos lojistas conducente, em última análise, no 99uxo de clientes que o centro comercial proporciona àquelas lojistas e gera vendas dentro do centro comercial (o que aliás se traduz na cobrança de remunerações variáveis em função das vendas);
– o n.º 10 do artigo 48.º do CIRC (“regime de investimento”) mais não é do que a previsão de uma faculdade que já competia à AT: esta não está vinculada à contabilidade podendo preconizar um tratamento fiscal divergente do contabilístico quando seja patente que este último determinaria um tratamento oposto ao telos do IRC;
– não há diferença no que vem dito no § 12 da NCRF 11 quanto aos hotéis face à actividade de detenção e gestão (exploração) dos seus centros comerciais;
– os fluxos de caixa não são atribuíveis apenas aos activos locados: são atribuíveis à unidade comercial que é o centro como um todo e às suas componentes para além das fracções, nomeadamente, áreas de lazer, food-courts, sanitários, parques de estacionamento, instalações de segurança, instalação sonora comum, recursos humanos afectos à gestão do centro como um todo, elementos decorativos exteriores às fracções, elementos arquitectónicos distintivos, nome, logótipo, a marca do próprio centro comercial, política de marketing;
– não se pode, em bom rigor, dizer que os centros comerciais não são ocupados pelo dono: é ele que define horários, gestão, segurança, sortido de lojas, é ele que ocupa as áreas dedicadas ao lazer e entretenimento, é a ele que incumbe publicitar o centro comercial, organizar eventos para atrair clientes, ou seja, é ao dono do centro comercial quem explora o centro comercial como um todo;
– os centros comerciais só seriam propriedades de investimento se o volume de serviços prestados fosse insignificante em relação ao acordo como um todo (§ 11, NCRF 11), o que não é o caso;
– o texto da NCRF ll (§§ 13 e 14) remete expressamente para um juízo de valor concreto para a qualificação de um bem como propriedade de investimento;
– próprio legislador, a AT e o mercado reconhecem precisamente que a actividade das Requerentes não se reconduz a uma actividade passiva de mero arrendamento de espaços comerciais, mas que compreende um conjunto de prestação de serviços que reconduz a sua actividade à de exploração: Sujeição a IVA; valor para efeitos de IMI superior à mera soma do valor das fracções do centro comercial;
– a interpretação da AT viola o princípio da igualdade, em face do regime contabilístico da microentidades;
– os investimentos em causa são “investimento em ativos afetos à exploração”, para efeitos do n.º 1 do artigo 6.º do CFEI.
A questão essencial a decidir é, assim, à face da fundamentação da decisão do recurso hierárquico, a de saber se os centros comerciais das Requerentes devem ser considerados contabilisticamente como «activo fixo tangível».
Se este enquadramento contabilístico for adequado, deixará de existir o obstáculo que a Autoridade Tributária e Aduaneira naquela decisão entendeu existir à possibilidade de as Requerentes beneficiarem do CFEI.
Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira, naquela decisão, não considerou existir obstáculo derivado do facto de os centros comerciais estarem contabilizados como «propriedade de investimento».
No entanto, a não existir o obstáculo invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não se poderá concluir, sem mais, que as Requerentes podem beneficiar do CFEI quanto aos montantes que referiram, pois, como se diz na pare final da fundamentação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, «em nenhuma fase do processo, foram juntos os documentos comprovativos dos referidos investimentos, pelo que, não resultando da declaração de rendimentos, a AT não teve, ainda, oportunidade de desenvolver qualquer ação de inspeção aos montantes envolvidos».
3.1. Questão da qualificação dos centros comerciais como «propriedade de investimento (PI)
À face da matéria de facto fixada, a situação em apreço é essencialmente semelhante à apreciada no processo arbitral n.º 748/2016-T, com cuja fundamentação se concorda, pelo que se seguirá parcialmente a sua fundamentação, quanto que este ponto.
3.1.1. Regime do Plano Oficial de Contabilidade (POC)
No Plano Oficial de Contabilidade (POC), na redacção do Decreto-Lei nº 410/89, estabelecia-se o seguinte:
“Classe 4 - Imobilizações
Esta classe inclui os bens detidos com continuidade ou permanência e que não se destinem a ser vendidos ou transformados no decurso normal das operações da empresa, quer sejam de sua propriedade, quer estejam em regime de locação financeira.
41 - Investimentos financeiros:
Esta conta integra as aplicações financeiras de carácter permanente.
414 - Investimentos em imóveis:
Engloba as edificações urbanas e propriedades rústicas que não estejam afectas à actividade operacional da empresa.
(…)
42 – Imobilizações corpóreas:
Integra os imobilizados tangíveis, móveis ou imóveis, que a empresa utiliza na sua actividade operacional, que não se destinem a ser vendidos ou transformados, com carácter de permanência superior a um ano. Inclui igualmente as benfeitorias e as grandes reparações que sejam de acrescer ao custo daqueles imobilizados.
(…)
422 - Edifícios e outras construções:
Respeita aos edifícios fabris, comerciais, administrativos e sociais, compreendendo as instalações fixas que lhes sejam próprias (água, energia eléctrica, aquecimento, etc.).
Refere-se também a outras construções, tais como muros, silos, parques, albufeiras, canais, estradas e arruamentos, vias férreas internas, pistas de aviação, cais e docas.
423 - Equipamento básico:
Trata-se do conjunto de instrumentos, máquinas, instalações e outros bens, com excepção dos indicados na conta 425 «Imobilizações corpóreas - Ferramentas e utensílios», com os quais se realiza a extracção, transformação e elaboração dos produtos ou a prestação dos serviços.
Como se vê pelos pontos sublinhados, nesta classe 4 do POC, respeitante aos ativos de longo prazo, distinguiam-se os “imóveis” que se definiam como “edificações urbanas e propriedades rústicas que não estejam afectas à actividade operacional da empresa” dos “edifícios e outras construções” que eram imobilizações corpóreas, afectas à actividade operacional.
Os edifícios afectos à exploração não integravam o conceito de imóveis no sentido contabilístico, designando-se antes como “edifícios e outras construções”, sendo parte integrante do imobilizado corpóreo, que compreendia bens de longo prazo afetos à atividade corrente ou operacional das entidades.
Distinguiam-se, assim, na conta 41.4, os ativos não afetos à exploração e substancialmente equivalentes ao que hoje se designa por PI.
3.1.2. O surgimento do conceito de propriedades de investimento [3]
«Numa lógica de separar, no balanço, terrenos e edifícios que fossem adquiridos com fins extraexploração, i.e., como aplicação passiva de fundos, e não para serem geridos no contexto da actividade operacional ou corrente das empresas, comecemos por analisar o que o Statement of Standard Accounting Practice (SSAP) No. 19., intitulado “Accounting for investment properties”, emitido em 1981 (dava o POC, criado em 1977, os primeiros passos) pelo Institute of Chartered Accountants of England and Wales, refere sobre tal conceito.
Com efeito, na p. 4- Explanatory note, atribui-se às PI as seguintes características:
“A different treatment is, however, required when a significant proportion of the fixed assets of an enterprise is held nor for consumption in the business operations but as investments, the disposal of which would not materially affect any manufacturing or treading operations of the enterprise.”
Ou seja, e traduzindo livremente, trata-se de ativos não usados nas operações ou nos negócios correntes da empresa e cuja “alienação não afeta as operações de produção ou de comércio da entidade alienante”. São em suma, na sua génese, equiparados a investimentos de carteira, que são detidos com fins rentistas ou de especulação.
Em comentário a tal conceito, escrevem G. Holmes e A. Sugden, “Interpreting company reports & accounts”, London , Prentice Hall, 1999, p.60 que “Under SSAP 19- “Investment propertites” (i.e., properties held as disposable investments rather than for use in a manufacturing or comercial process…), vincando pois o traço geral das PI, que é a sua não afetação a uma atividade industrial ou comercial, e sim constituindo investimentos alienáveis em qualquer momento porque adquiridos para outros fins que não a atividade de exploração.
Por seu turno, a International Accounting Standard (IAS) 40, criada em 2000, onde se inspira a NCRF 11- “Propriedades de investimento”, define:
“Investment property is property (land or a building—or part of a building—or both) held (by the owner or by the lessee under a finance lease) to earn rentals or for capital appreciation or both, rather than for:
(a) use in the production or supply of goods or services or for administrative purposes;
or (b) sale in the ordinary course of business.”
Por fim, a NCRF 11- Propriedades de investimento, dispõe que:
Propriedade de investimento: é a propriedade (terreno ou um edifício — ou parte de um edifício — ou ambos) detida (pelo dono ou pelo locatário numa locação financeira) para obter rendas ou para valorização do capital ou para ambas as finalidades, e não para:
(a) Uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços ou para finalidades administrativas;
Ou
(b) Venda no curso ordinário do negócio.
Do quadro normativo exposto retira-se que os normativos contabilísticos, entre os quais o SNC, quiseram distinguir certos ativos (imóveis e terrenos) que não se relacionam com a atividade operacional das entidades - antes configurando bens que se podem alienar sem afetar a exploração das empresas detentoras - daqueles ativos do mesmo tipo que, estando reconhecidos no acervo patrimonial, têm um objetivo ligado à exploração e se integram na atividade operacional.
Esta distinção terá, por via de regra, uma correspondência económica que lhe subjaz. Por exemplo, se uma fábrica de sapatos adquire um terreno com vista à sua valorização e venda, tal terreno não é um ativo afeto à exploração. Se essa mesma fábrica adquire um edifício de escritórios para arrendamento a profissionais, também este bem não será um ativo afeto à atividade normal (que é a produção e venda de sapatos). Trata-se, em ambos os exemplos, do que se designa de ativos geradores de rendimentos obtidos de forma passiva, por investidores “rentistas”, e não pelo seu uso operacional ou de exploração ativa.
A situação é mais complexa quando a atividade normal ou operacional de uma entidade é constituída pelo arrendamento de espaços comerciais e pela prestação de serviços conexos com carácter de relevância ou como sendo significantes no contexto do negócio. Atenta a factualidade dada como provada, a atividade operacional das Requerentes aponta, precisamente, para o seu enquadramento nesta situação, como passamos a demonstrar.
3.1.3 Classificação, no plano material e contabilístico, dos activos e investimentos em causa
A questão essencial para a classificação contabilística é a de «saber se os ativos e investimentos das Requerentes são bens ou direitos afetos a uma finalidade lateral ou secundária relativamente à sua atividade, tendo uma natureza rentista ou especulativa, ou se, ao contrário, suportando a sua atividade operacional, são ativamente geridos e constituem a sua fonte regular e contínua de rendimento e fluxos de caixa». [4]
«À data dos factos, o SNC, na respetiva NCRF 7- “Ativos fixos tangíveis” dispunha que: “Activos fixos tangíveis: são itens tangíveis que:
(a) Sejam detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros, ou para fins administrativos; e
(b) Se espera que sejam usados durante mais do que um período.”
Um ativo fixo tangível tem como traço distintivo o seu uso na produção ou exploração dos bens e serviços no decurso das operações correntes ou operacionais de uma entidade. Partindo deste conceito, verifica-se que, no caso dos autos, os investimentos realizados pelas Requerentes nos centros comerciais cumprem o requisito essencial de constituírem meios factos à exploração».
Resulta da matéria de facto fixada que a actividade das Requerentes se inicia «antes da construção dos centros comerciais, através da realização de estudos de mercado para que a localização e clientela se ajustem aos lojistas e clientes que vierem a usar os espaços.
«A construção do centro é feita tendo em vista a maximização das receitas, traduzindo escolhas arquitetónicas que não são típicas de propriedades de investimento que apenas visam o arrendamento do tipo “paredes nuas” em espaços com uma configuração padrão e, em regra, sem adaptação específica ás necessidades negociais dos ocupantes.
A escolha dos ocupantes das lojas, no caso em apreço, é feita de forma seletiva, podendo até existir co-investimento, em lojas âncora, configurando uma política segundo a qual a exploração dinâmica, e não passiva, dos centros constitui a atividade regular ou operacional das Requerentes.
(...)
Por outro lado, a atividade desenvolvida pelas Requerentes, no que toca à gestão dos centros comerciais, reveste-se de um carácter activo, não se resumindo à mera cedência de espaços para exploração comercial por terceiros».
Na verdade, como resulta da matéria de facto, as Requerentes:
i. monitorizam continuamente a actividade dos seus centros comerciais, analisando os seus principais indicadores operacionais, como sejam o tráfego e o volume de vendas, de forma a percepcionar se a sua oferta se adapta constantemente às necessidades dos seus visitantes;
ii. elaboram estudos de mercado com vista a aferir o nível de satisfação dos clientes/visitantes, de modo a, se necessário, repô-lo em níveis desejáveis;
iii. gerem activamente o tennant-mix, procurando manter a diversidade e introduzindo novos conceitos que dinamizem a oferta comercial;
iv. incentivam os lojistas a ocupar espaços nos centros comerciais, através da comparticipação de parte do seu investimento;
v. elaboram diagnósticos de investimento, que permitam identificar as acções necessárias para garantir uma utilização racional do espaço e dos recursos;
vi. identificam oportunidades de expansão, que permitam aumentar a área bruta locável e introduzir novos conceitos, actividades e marcas;
vii. esforçam-se por renovar periodicamente a imagem dos espaços, adaptando-os às novas tendências e tendo como fim último o aumento do conforto dos visitantes;
viii. com o objectivo de responder às necessidades específicas dos consumidores, desenvolvem e executam acções promocionais dedicadas, visando incentivar as visitas dos utilizadores finais, aumentando o seu envolvimento e confiança no espaço comercial; exemplo disso é a recente aposta na instalação de parques infantis em diversos centros comerciais para melhor acompanhar as tendências do consumidor e potenciar a sua experiência no acto de compra
Por outro lado, a fixação de rendas variáveis, dependentes do volume de vendas dos lojistas, a obrigatoriedade de os projectos de obras realizadas pelos lojistas nas suas lojas terem de ter prévia aprovação dos arquitectos das Requerentes e a necessidade de colaboração dos lojistas na política global de marketing delineada pelas Requerentes para os centros comerciais, revelam que as Requerentes não estão desligadas do negócio dos lojistas, esperando passivamente a renda ou a subida de preço do espaço para alienar os imóveis. Ao contrário, existe até, em determinados casos, uma lógica de partilha de risco, em que as Requerentes assumem o sucesso ou insucesso dos negócios dos lojistas.
Está-se assim, longe das características técnico-económicas atrás referidas e apontadas ao conceito designado por Propriedades de Investimento.
Na verdade, a «propriedade de investimento» é definida na NCRF 11 como «a propriedade (terreno ou um edifício, ou parte de um edifício, ou ambos) detida (pelo proprietário ou pelo locatário numa locação financeira) para obter rendas ou para valorização do capital ou para ambas as finalidades, e não para: a) Uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços ou para finalidades administrativas; ou b) Venda no decurso ordinário do negócio».
No caso em apreço, há uma actividade operacional global e permanente de exploração dos centros comerciais, visando atrair consumidores.
Para além disso, como resulta da matéria de facto, os centros comerciais têm igualmente clientes imediatos que geram receitas que nada têm que ver com os espaços comerciais strictu sensu, designadamente utentes dos espaços de lazer ou outros e os anunciantes que pagam por anunciar nos "mupis" e outros espaços de publicidade disponibilizados nos seus centros comerciais.
Em suma, os investimentos das Requerentes nos centros comerciais constituem os seus meios afetos à exploração. O facto de os investimentos gerarem rendas não afasta a realidade de, em substância, os activos servirem de base à exploração normal e corrente do respetivo negócio.
Assim, a classificação adequada destes centros comerciais é de ativos tangíveis que são usados no decurso regular do negócio, daqui lhes advindo uma substancial aproximação e consequente equiparação aos activos fixos tangíveis, usados na produção regular de bens ou serviços.
Como se diz no parecer da Senhora Prof.ª Ana Maria Rodrigues junto aos autos:
– “no que se refere às Propriedades de Investimento (PI) a NCRF 11, no seu parágrafo 7 dispõe que: "As propriedades de investimento são detidas para obter rendas ou para valorização do capital ou para ambas as finalidades.” Por isso, uma propriedade de investimento gera fluxos de caixa altamente independentes dos outros activos detidos por uma entidade. Isto distingue as propriedades de investimento de propriedades ocupadas pelo dono”.
– do “ponto de vista normativo contabilístico, a noção de propriedade de investimento remete para a propriedade (terreno ou edifício, parte de um edifício ou ambos) detida (pelo dono ou pelo locatário numa locação financeira) para obter rendas ou para valorização do capital ou para ambas as finalidades, e não para:
“a) Uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços ou para finalidades administrativas; ou
b) Venda no curso ordinário do negócio (§5 da NCRF 11 e §3 da IAS 40)”.
– segundo o § 7 da IAS 40, e também segundo o disposto na NCRF 11, as propriedades de investimento são detidas para obter rendas ou para valorização do capital ou para ambas as finalidades. Uma propriedade de investimento gera fluxos de caixa altamente independentes dos outros ativos detidos por uma entidade.
– estas características distinguem as PI das propriedades ocupadas pelos proprietários. Neste último caso (propriedades ocupadas pelo dono), os imóveis permitem a produção ou fornecimento de bens ou serviços (ou o uso de propriedades para finalidades administrativas), e geram fluxos de caixa que são atribuíveis não apenas às propriedades, mas também a outros ativos usados no processo de produção ou de fornecimento de bens e serviços. As PI são, assim, ativos afetos a uma atividade que não constitui o objeto social da entidade, mas representa uma atividade secundária ou não principal».
– os imóveis permitem às Requerentes «prestar serviços quando associados a todos os outros ativos operacionais da entidade. Esses imóveis não geram fluxos de caixa independentes dos outros ativos detidos por essas entidades»;
– “(…) os investimentos efetuados em imóveis afetos à atividade de exploração de centros comerciais deviam ser classificados como ativos fixos tangíveis e não como PI”, pois cabem “literal e materialmente, na noção lata de “ativo fixo tangível” constante da NCRF 7”.
– «os únicos ativos e a fonte geradora de fluxos de caixa para as requerentes são os centros comerciais, pelo que estes não são, segundo o critério do citado §7, materialmente, Propriedades de Investimento».
Por isso,, são correctas as afirmações feitas pelas Requerentes nos artigos 169-.º e 17’0.º do pedido de pronúncia arbitral em que referem que «para as proprietárias dos centros comerciais, os activos que eles consubstanciam são o principal e tendencialmente o único veículo de produção de fluxos de caixa» e «não há dúvida que num centro comercial como os das Requerentes, os fluxos de caixa não são, de modo algum, atribuíveis apenas aos activos locados: são atribuíveis à unidade comercial que é o centro como um todo e às suas componentes para além das fracções, nomeadamente, áreas de lazer, food-courts, sanitários, parques de estacionamento, instalações de segurança, instalação sonora comum, recursos humanos afectos à gestão do centro como um todo, elementos decorativos exteriores às fracções, elementos arquitectónicos distintivos, nome, logótipo e marca do próprio centro comercial».
Está-se, assim, longe da natureza passiva do contratante (senhorio), que em nada ou pouco contribui para a gestão do seu investimento, limitando-se a transferir o controlo do edifício para o arrendatário é determinante para a classificação contabilística como propriedade de investimento.
Como se refere também no acórdão proferido no processo n.º 748/2016-T:
Por outro lado, ainda de acordo com os §§ 11 e 12 da NCRF 11, quando a componente de prestação de serviços for significativa, pode considerar-se que a propriedade é “ocupada pelo dono” – sendo este caso aproximado aos centros comerciais aqui analisados.
Os mencionados nos parágrafos nessa NCRF 11 dispõem como se segue:
“§11 — Em alguns casos, uma entidade proporciona serviços de apoio aos ocupantes de uma propriedade que ela detenha. Uma entidade trata tal propriedade como propriedade de investimento se os serviços forem insignificantes em relação ao acordo como um todo. Um exemplo é quando o dono de um edifício de escritórios proporciona serviços de segurança e de manutenção aos locatários que ocupam o edifício.
§12 — Noutros casos, os serviços prestados são significativos. Por exemplo, se uma entidade possui e gere um hotel, os serviços proporcionados aos hóspedes são significativos para o acordo como um todo. Por isso, um hotel gerido pelo dono, é uma propriedade ocupada pelo dono e não uma propriedade de investimento.
§13 — Pode ser difícil determinar se os serviços de apoio são ou não tão significativos que uma propriedade não se qualifique como propriedade de investimento. Por exemplo, o dono de um hotel por vezes transfere algumas responsabilidades a terceiros segundo um contrato de gestão. Os termos de tais contratos variam grandemente. Num extremo do espectro, a posição do dono pode, em substância, ser a de um investidor passivo. No outro extremo do espectro, o dono pode simplesmente ter procurado fora funções do dia a dia, embora ficando com significativa exposição a riscos de variações nos fluxos de caixa gerados pelas operações do hotel.”
Na NCFR 11 reconhece-se que a aproximação à noção de propriedade ocupada pelo dono será tanto maior quanto maior for a importância da componente de serviços prestados pelo locador para além da locação, admitindo-se, por exemplo, que um hotel possa ser contabilizado como sendo “ocupado pelo dono”, na medida em que nele se prestem outros esses outros serviços de forma substancial.
De acordo com essas disposições normativas, quando os serviços fornecidos pelo detentor (...) fossem insignificantes em relação ao acordo como um todo é que os imóveis deveriam ser reconhecidos como propriedades de investimento.
Acontece que, no caso em apreço, mostra-se que os serviços que as Requerentes prestam são essenciais ao negócio, e estão muito longe de ser insignificantes ou fracamente relevantes. A prova documental e testemunhal mostrou que existe até co-investimento das Requerentes com alguns importantes locatários dos espaços (as lojas âncora); ou seja, existe uma gestão pró ativa das lojas, não se verificando a simples administração passiva, típica de um mero investidor rentista.
Em suma, os imóveis em causa tinham, por isso, condições para serem classificados como ativos fixos tangíveis e não como propriedades de investimento, pois eles são os ativos indispensáveis para o exercício da atividade principal das Requerentes; e, dentro da categoria dos AFT, deviam os mesmos ter sido classificados como “equipamentos básicos”, porquanto é essa a função dos imóveis utilizados pelas Requerentes, ao permitirem desenvolver a sua atividade principal, dando cumprimento ao seu objeto social.
Por tudo o quanto vai exposto, impõe-se concluir que os centros comerciais em causa caem no âmbito de aplicação da NCRF 7, quer atendendo ao texto literal da norma, quando define ativos fixos tangíveis como sendo os detidos para uso ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros ou para fins administrativos, nos termos latos em que o faz, quer à substancia económica dos ativos em causa (atendendo aos critérios atrás referidos de controlo da locação e de importância significativa da componente de “serviços” do contrato).
Na verdade, este resultado é o que decorre de uma interpretação conjugada e teleologicamente orientada das nomas da NCRF 7 e da NCRF 11, que ultrapasse alegadas desconexões decorrentes da interpretação estritamente literal desta última sobre (sobre o conceito de propriedade de investimento), quando a realidade substancial e económica dos ativos se lhe opõe. Recorde-se que a própria norma afasta do conceito de PI o seu uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços.
Na interpretação de normas contabilísticas com relevância jurídico fiscal não pode o intérprete “deixar de atender à substância económica dos factos tributários, isto porque, como frequentemente se acentua, o que efectivamente importa ao direito fiscal são as realidades económicas, as situações reais que expressam a percepção de rendimento ou a capacidade contributiva e não as meras roupagens com que, por vezes, se apresentam exteriormente” (cfr. o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n.º 07918/14, de 19.02.2015).
Da definição de propriedades de investimento defendida pela Requerida resulta que estas são inevitavelmente adquiridas para fins laterais à atividade normal, e gerando, consequentemente, rendas passivas e acessórias à atividade operacional, ou esperando-se até a elevação especulativa dos preços destes ativos para então os alienar. Dito de outra forma, as PI são ativos que nunca se incorporam na exploração normal, na atividade corrente, sendo-lhes atribuída uma natureza de investimentos passivos, porventura não suscetíveis de gerar emprego ou crescimento económico.
No caso em apreço, tal está claramente afastado da realidade material das coisas, tendo-se provado que estamos perante ativos afetos à exploração, que desempenham a mesma função dos ativos fixos tangíveis abrangidos pela norma da NCRF 7, termos em que a sua classificação e integração nesta última norma não é obstacularizada por uma interpretação da NCRF 11 que atenda à realidade económica e substancial.
Do ponto de vista da unidade e coerência do sistema de NCRF e atendendo à substância económica dos bens (ou seja, dado o relevo contabilístico dos centros comerciais como principal exploração e fonte de receitas das Requerentes e ainda como polos da sua atividade de prestação de serviços), impõe-se uma interpretação conjugada das referidas normas e teleologicamente orientada pela substancia económica dos ativos, que permita a recondução dos centros comerciais das Requerentes nos ativos fixos tangíveis da NCRF 7.
Por outro lado, ao contrário do que a Autoridade Tributária e Aduaneira pressupôs, constata-se pela matéria de facto fixada que os serviços prestados pelas Requerentes aos lojistas, não se limitam a segurança, publicidade e limpeza dos locais de acesso, antes envolvendo toda a actividade que se referiu destinada à atracção de consumidores aos centros comerciais e optimização das vendas dos lojistas, serviços estes que são manifestamente relevantes e significativos no âmbito dos contratos.
Os valores dos gastos suportados pela Requerentes com fornecimentos e serviços externos, indicados na alínea BB) da matéria de facto, em valores da ordem de centenas de milhar de euros e chegando a superar os 10.000.000,00 não deixam margem para dúvida de que se trata de serviços com valor significativo no âmbito dos contratos.
Pelo exposto, tem de se concluir que a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira adoptada na decisão do recurso hierárquico, ao entender que «a atividade do centro comercial consiste no fundo numa atividade de arrendamento de espaços, em que adicionalmente se prestam serviços aos ocupantes dos mesmos espaços», enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito
3.2. O regime do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI) previsto na Lei 49/2013 [5]
A Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho, criou um Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI),
Nos seus artigos 3.º e 4.º estabelece-se o seguinte, no que aqui interessa:
3.º
Incentivo fiscal
1 - O benefício fiscal a conceder aos sujeitos passivos referidos no artigo anterior corresponde a uma dedução à coleta de IRC no montante de 20 % das despesas de investimento em ativos afetos à exploração, que sejam efetuadas entre 1 de junho de 2013 e 31 de dezembro de 2013.
2 - Para efeitos da dedução prevista no número anterior, o montante máximo das despesas de investimento elegíveis é de 5 000 000,00 EUR, por sujeito passivo.
3 - A dedução prevista nos números anteriores é efetuada na liquidação de IRC respeitante ao período de tributação que se inicie em 2013, até à concorrência de 70 % da coleta deste imposto.
(...)
Artigo 4.º
Despesas de investimento elegíveis
1 - Para efeitos do presente regime, consideram-se despesas de investimento em ativos afetos à exploração as relativas a ativos fixos tangíveis e ativos biológicos que não sejam consumíveis, adquiridos em estado de novo e que entrem em funcionamento ou utilização até ao final do período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2014.
2 - São ainda elegíveis as despesas de investimento em ativos intangíveis sujeitos a deperecimento efetuadas nos períodos referidos nos n.ºs 1 e 4 do artigo 3.º, designadamente:
a) As despesas com projetos de desenvolvimento;
b) As despesas com elementos da propriedade industrial, tais como patentes, marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo.
3 - Consideram-se despesas de investimento elegíveis as correspondentes às adições de ativos verificadas nos períodos referidos nos n.ºs 1 e 4 do artigo 3.º e, bem assim, as que, não dizendo respeito a adiantamentos, se traduzam em adições aos investimentos em curso iniciados naqueles períodos.
4 - Para efeitos do número anterior, não se consideram as adições de ativos que resultem de transferências de investimentos em curso.
5 - Para efeitos do n.º 1, são excluídas as despesas de investimento em ativos suscetíveis de utilização na esfera pessoal, considerando-se como tais:
a) As viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, barcos de recreio e aeronaves de turismo, exceto quando tais bens estejam afetos à exploração do serviço público de transporte ou se destinem ao aluguer ou à cedência do respetivo uso ou fruição no exercício da atividade normal do sujeito passivo;
b) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo quando afetos à atividade produtiva ou administrativa;
c) As incorridas com a construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo quando afetos a atividades produtivas ou administrativas.
(...)
9 - Os ativos subjacentes às despesas elegíveis devem ser detidos e contabilizados de acordo com as regras que determinaram a sua elegibilidade por um período mínimo de cinco anos ou, quando inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil, determinado nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, alterado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, ou até ao período em que se verifique o respetivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no artigo 38.º do Código do IRC.
O artigo 3.º da Lei 49/2013 estabelece a regra de que beneficiam do CFEI as despesas de investimento em activos afetos à exploração, no entanto, mas o artigo 4.º restringe essa regra, designadamente apenas considerando activos afetos à exploração os «ativos fixos tangíveis e ativos biológicos que não sejam consumíveis».
Tendo-se adoptado a terminologia contabilística, é de concluir que se remete o preenchimento dos conceitos técnicos contabilísticos utilizados para a respetiva fonte, ou seja, tais conceitos têm de ser interpretados em conformidade com as normas que os consagram, em especial, no que se refe ao conceito de ativo fixo tangível da NCRF 7.
Do cruzamento entre a NCRF 7 e a NCRF 11 resulta que esta última se refere às PI em sentido estrito adquiridas para fins extraexploração, laterais à actividade normal, e gerando, consequentemente, rendas passivas e acessórias à actividade operacional, ou esperando-se até a elevação especulativa dos preços destes ativos para então os alienar.
Estão, assim, afastadas da aplicação do CFEI as PI enquanto activos que nunca se incorporam na exploração normal, na actividade corrente, sendo-lhes atribuída uma natureza de investimentos passivos.
No caso em apreço, a classificação dos centros comerciais como PI está claramente afastada da realidade material das coisas.
Entendendo-se, como ficou demonstrado, que os edifícios que constituem os centros comerciais das Requerentes devem ser entendidos como activos fixos tangíveis abrangidos pela NCRF 7, não podem os mesmos deixar de ser consideradas activos afetos à exploração para efeitos do CFEI.
No tocante à finalidade extra-fiscal relevante que este regime tributário excecional tem de prosseguir (artigo 2. ° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, "EBF") é patente que se pretendia dar um contributo fiscal atractivo para a efetiva realização de investimentos eventualmente planeados pelos sujeitos passivos de IRC para 2013. Porém, estes investimentos poderiam ser adiados, em face da conjuntura económica muito adversa que o país atravessava, e o CFEI procurava que tal não acontecesse, para que o crescimento económico se não deteriorasse ainda mais.
Com efeito, na exposição de motivos que precede o texto legal pode ler-se:
“Proposta de Lei n.º 148/XII
Exposição de Motivos
A política fiscal reveste uma posição de destaque enquanto instrumento de competitividade. Salienta-se que as regras de tributação direta incidentes sobre as empresas ocupam neste contexto um lugar primordial, uma vez que, em função do seu impacto nas escolhas dos agentes económicos, estas são consideradas especialmente relevantes para promover o investimento e a internacionalização das empresas.
Em conformidade, contribuindo para o sucesso do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro para Portugal, e com o objetivo de promover a competitividade e o emprego, o Governo compromete-se com uma estratégia dirigida a estimular fortemente o investimento direto em Portugal, já em 2013.
Neste contexto, a presente proposta de lei introduz no ordenamento jurídico português um Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI) com o objetivo de produzir um forte impacto no nível de investimento empresarial. “
Assim, procurava-se incentivar investimentos de exploração (e não especulativos); e as condições de um tempo económico-social em que se tentava inverter a forte quebra do investimento nacional e do PIB.
Os investimentos das Requerentes enquadram-se claramente nesta linha de interpretação. Estamos, como vimos, perante centros comerciais bem implantados e conhecidos das populações locais, que desempenham um papel relevante na economia das áreas em que se inserem.
Assim sendo, atento ao tipo de actividade, relevo económico-social, tipo de investimentos que as Requerentes efetuaram e pelo emprego criado, tudo numa conjuntura económica de grande dificuldade, é de concluir estarmos perante ativos de investimento que enquadram e justificam a aplicação do CFEI.
Concluímos, assim, que, além da interpretação literal, também a interpretação teleologicamente adequada das normas da NCRF 7 e da NCRF 11 de modo a classificar os centros comerciais afetos à exploração na NCRF 7 vai ao encontro das características e finalidades do CFEI – 2013.
3.3. Da relevância da classificação contabilística adotada pelas Requerentes
Como se referiu na análise da decisão do recurso hierárquico, a Autoridade Tributária e Aduaneira não considerou obstáculo ao enquadramento dos investimentos em causa no âmbito do CFEI, o facto de estarem contabilizados como Propriedades de Investimento, antes tendo apreciado se era ou não viável a sua classificação como activo fixo tangível e dando uma resposta negativa a esta questão: «concluímos não se verificarem quaisquer situações que em substância possam levar a que os centros comerciais possam ser considerados como ativos fixos tangíveis e não como propriedades de investimento, originando assim que seja alterada a forma de contabilização preconizada no Sistema de Normalização Contabilística».
No entanto, em «Adenda» a Autoridade Tributária e Aduaneira faz referência a um voto de vencido emitido pelo Senhor Prof. Doutor Américo Brás Carlos, em que se alude ao teor literal ("Toda a interpretação da Lei está limitada pelo mínimo de correspondência verbal na sua letra." ) e se dá relevância à classificação adoptada pelas Requerentes («se as entidades em questão consideravam que, materialmente, os centros comerciais eram ativos tangíveis usados no decurso regular do seu negócio, porque razão continuaram e continuam a contabilizar tais bens como propriedades de investimento».
No que concerne à alegada falta de suporte textual, afigura-se que o argumento não tem qualquer fundamento, pois o texto do artigo 4.º, n.º 1, refere que «consideram-se despesas de investimento em ativos afetos à exploração as relativas a ativos fixos tangíveis».
Não se faz referência «a activos que estejam classificados contabilisticamente como activos fixos tangíveis», mas sim que sejam «activos fixos tangíveis», pelo que o teor literal aponta no sentido de ser relevante classificação que os activos devem ter em termos contabilísticos e não a classificação que erradamente lhes tenha sido dada.
Por isso, a interpretação que não dá relevo à classificação contabilística, reconhecendo que podem ser elegíveis as despesas de investimento «relativas a ativos fixos tangíveis», independentemente da opinião do sujeito passivo sobre a classificação contabilística adequada, é que que tem suporte legal, pois não há qualquer fundamento textual para dar relevo a esta opinião.
Por outro lado, quanto à classificação adoptada pelas Requerentes, se é incorrecta, à face dos conceitos contabilísticos utilizados, ela não pode ser considerada relevante, pois «os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes» (artigo 36.º, n.º 2, da LGT).
Por isso, a ocorrer uma errada classificação contabilística, ela não pode ter relevância para afastar a aplicação de um benefício fiscal, que afasta na medida respectiva a existência de dívida tributária.
Aliás, nem seria compaginável com o princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da CRP) o reconhecimento do benefício fiscal em causa dependente da classificação contabilística atribuída pelo sujeito passivo, mesmo quando esteja errada. Na verdade, à luz daquele princípio duas realidades idênticas devem ter o mesmo tratamento a nível do benefício fiscal, independentemente da opinião do sujeito passivo sobre a classificação contabilística adequada.
Por outro lado, estar-se-ia a atribuir ao sujeito passivo um poder de definição do âmbito de aplicação da lei se se reconhecesse aos seus erros o efeito de definirem o âmbito de aplicação de um benefício fiscal, quer criando uma situação em que poderia dele beneficiar (por atribuir aos activos erradamente a classificação prevista na lei) quer em situações em que o seu erro contabilístico se reconduz ao afastamento da previsão legal.
A esta luz, o n.º 9 do artigo 4.º, ao estabelecer que «os ativos subjacentes às despesas elegíveis devem ser detidos e contabilizados de acordo com as regras que determinaram a sua elegibilidade por um período mínimo de cinco anos ou, quando inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil», deve ser entendido como reportando-se à forma como correctamente devem ser contabilizados os activos: isto é, sendo as despesas elegíveis por os activos deverem ser considerados «activo fixo tangível», têm de ser detidos e contabilizados desta forma durante o período mínimo referido.
De resto, nem seria compreensível que se mantivesse uma obrigação de manutenção errada de uma classificação contabilística, o que consubstanciaria uma insólita opção legislativa pela persistência da ilegalidade, contrária ao princípio do Estado de Direito, fundado na legalidade democrática (artigos 2.º e 3.º, n.º 2, da CRP).
Por isso, no pressuposto de que se tem de presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada e não a mais absurda (como impõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), tem de se concluir que é aquela a interpretação correcta daquele artigo 4.º, n.º 9, da Lei n.º 49/2013.
Para além disso, são pertinentes as seguintes considerações que se fazem no acórdão proferido no processo n.º 748/2016-T:
As Requerentes contabilizaram os ativos afetos à exploração como propriedades de investimento com o fundamento principal de uma política interpretativa seguida internacionalmente pelos seus auditores.
Todavia, tais ativos são, em substância, elementos tangíveis de exploração, ou ativos operacionais, cabendo na definição da NCRF 7, pelo que as Requerentes dispunham de margem de flexibilidade interpretativa suficiente para contabilizar os elementos como ativos fixos tangíveis.
Impõe-se, assim, indagar em que medida a classificação contabilística, plasmada nas demonstrações financeiras, deve obstar a que um tribunal indague e decida com base na realidade material dos fenómenos em causa.
Em primeiro lugar, importa ter em consideração que não estamos sem sede da determinação do lucro tributável, mas sim da dedução à coleta de um determinado benefício fiscal (CFEI).
À data dos factos, rezava assim o artigo 17.º do CIRC:
Artigo17.º
Determinação do lucro tributável
1 — O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, os excedentes líquidos das cooperativas consideram-se como resultado líquido do período.
3 — De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:
a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;
b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.
Não pode concluir-se deste artigo que exista, para o caso dos autos, um sentido determinístico-fiscal resultante de uma dada classificação contabilística. É que, no caso, não estamos sequer a tratar de lucro tributável, como consta da designação do dito artigo. Estamos antes a tratar de uma dedução à coleta de um determinado benefício fiscal (CFEI). Mas nem é este o aspeto essencial da questão e inserem-se seguramente nos motivos, atrás citados, que determinaram a criação do CFEI. A questão contabilística poderá até ser secundarizada, face ao propósito ou função dos ativos em causa e ao seu confronto com a razão de ser da lei.
Decisiva nesta questão é, porém, a jurisprudência do STA firmada em acórdão recente (17-06-2015), no Processo 01426/14, que decidiu, quanto à questão de saber se a classificação contabilística de certas operações é determinante para os respetivos efeitos fiscais, nos termos seguintes:
“Estamos, agora, perante uma questão de qualificação jurídica do negócio que, como é sabido, não tem de resultar do nomen juris que as partes lhe atribuíram, mas antes dos elementos que as manifestações de vontade dos intervenientes na criação e actuação da situação revelem sobre a sua real natureza.
Como se pode depreender da leitura atenta da sentença recorrida, chegou-se aí à conclusão de que se estava perante um contrato de mútuo e não de suprimentos “…porquanto os empréstimos aí referidos foram qualificados e contabilizados como tal pelas partes contratantes….” e a “…relevância da qualificação jurídica e do tratamento contabilístico realizado pelos contratantes, isto é, pela impugnante enquanto mutuante e pelos mutuários, assume um significado crucial para a qualificação jurídica civil, comercial e tributária do contrato em causa”
Como já anteriormente se referiu é ao juiz que incumbe, face aos factos trazidos aos autos pelas partes, indagar, interpretar e aplicar as regras de direito, cfr. artigo 5º, n.º 3 do NCPC.
O mesmo não está sujeito às alegações das partes e às interpretações e subsunções jurídicas que as mesmas fazem dos factos e das normas legais aplicáveis.
Já vimos que não foi isto que se fez na sentença recorrida, o Sr. Juiz a quo apoiou-se unicamente na qualificação jurídica que as partes contratantes atribuíram ao negócio ao inscreve-lo em termos contabilísticos como se de um contrato de mútuo se tratasse.
Ora, a inscrição de tal negócio na contabilidade, quer para efeitos puramente contabilísticos, quer para efeitos fiscais, não permite que daí se conclua pela sua qualificação jurídica, só a análise dos seus próprios termos é que permite chegar a tal conclusão.
Ou seja, face aos elementos de facto contantes dos autos não se pode deixar de afirmar que o contrato de “empréstimo” em questão se trata de um verdadeiro contrato de suprimento regulado pelo disposto nos artigos 243º e ss. do Cód. das Sociedades Comerciais, independentemente do modo como as partes o inscreveram nas suas contabilidades ou foi qualificado para efeitos fiscais no âmbito da determinação da matéria colectável para efeitos de IRC.
Conclui-se, assim, que também nesta parte procede o recurso que nos vinha dirigido.”
Desta jurisprudência resulta que uma certa classificação contabilística não deve impedir o tribunal de atender à realidade material ou substancial das coisas e indagar a efetiva natureza das coisas e não apenas à sua veste contabilística. Tanto mais que as regras contabilísticas assentam em larga medida em expectativas, juízos de valor ou previsões.
3.4. Questões de conhecimento prejudicado
Pelo exposto, é de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade da decisão do recurso hierárquico e a ilegalidade das autoliquidações, na medida em que nelas se considerou que as Requerentes não podiam beneficiar do CFEI por os seus activos estarem qualificados, para efeitos contabilísticos, como propriedades de investimento.
Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral por o as autoliquidações e a decisão do recurso hierárquico enfermarem de vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justificam a sua anulação, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, fica prejudicada, por ser inútil, a apreciação de outras questões de legalidade colocadas pelas Requerentes.
3.5. Questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que é inconstitucional, por violação do princípio da legalidade, nos termos previstos no n.º 2, do artigo 102.º da CRP, a interpretação segundo a qual serão de considerar como elegíveis as despesas de investimento em propriedades de investimento, o que viola o determinado no n.º 1 do artigo 4.º do CFEI.
Como resulta do exposto, a interpretação correcta do artigo 4.º, n.º 1, do CFEI é a que as Requerentes defendem.
Por isso, essa interpretação não ofende o princípio da legalidade, antes é a sua afirmação.
4. Reembolso do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios
As Requerentes pedem que, na sequência da anulação da decisão do recurso hierárquico e da anulação das autoliquidações na parte em que, indevidamente, não consideraram o benefício fiscal em causa, lhes seja reembolsado o imposto daí resultante com juros indemnizatórios, desde a data da apresentação das reclamações graciosas até ao reembolso
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.
No entanto, a condenação à restituição de imposto indevidamente pago (e ao consequente pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o montante a reembolsar) dependerá, naturalmente, da possibilidade de apuramento existência no processo de todos elementos indispensáveis, sem prejuízo de, na sua falta, as consequências do julgado serem apreciadas em execução de julgado.
Cumpre, assim, apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga indevidamente acrescida de juros indemnizatórios.
4.1. Direito a reembolso
Como se refere no ponto 2.2 deste acórdão, não ficou provado que as Requerentes tivessem as suas situações regularizadas perante a Administração Tributária e a Segurança Social nem que o valor de todas os documentos incluídos pelas Requerentes no documento n.º 12, Partes I e II, junto com o pedido de pronúncia arbitral, se reportem a investimentos que reúnam as condições para beneficiarem do CFEI e que o valor dos investimentos corresponda ao valor global desses documentos.
Uma vez que a possibilidade de as Requerentes beneficiarem do CFEI depende de os sujeitos passivos terem «a situação fiscal e contributiva regularizada» [artigo 2.º, alínea c), do CFEI] não se pode concluir que as Requerentes estejam em condições de beneficiar do CFEI.
Por outro lado, as dúvidas que, em face das facturas apresentadas no documento n.º 12, se suscitam sobre o valor de que possam beneficiar, justifica também que não se decida no presente processo se há lugar a reembolso e em que medida, sendo matéria que deverá ser apurada em execução do presente acórdão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT.
4.2. Juros indemnizatórios
No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
(...)
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa e do posterior recurso hierárquico que a confirmou é imputável à Administração Tributária.
No entanto, os erros que afectam as autoliquidações nas partes respeitantes à não dedução do CFEI, são imputáveis às Requerente, pois não declararam os montantes do respectivo benefício fiscal no local adequado da declaração modelo 22.
Por isso, quanto aos actos de autoliquidação, não ocorreu erro imputável aos serviços, não havendo, consequentemente direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática.
Porém, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa e a decisão do recurso hierárquico, pois deveria ter sido deferida a pretensão das Requerentes.
Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção. ( [6] )
No caso em apreço, a reclamação graciosa foi indeferida em 18-12-2017 (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral), para além do prazo legal de decisão de quatro meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT, pois a reclamação graciosa foi apresentada em 27-05-2016 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
Assim, as Requerentes terão direito a juros indemnizatórios sobre as quantias que deverem ser reembolsadas, desde o termo do prazo de decisão da reclamação graciosa (27-09-2016) até que sejam efectuados cada um dos reembolsos, relativamente às quantias correspondentes ao CFEI, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva.
5. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar procedente o pedido de anulação da decisão do recurso hierárquico e anular esta decisão;
-
julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade das autoliquidações, na medida em que nelas não foi considerada a possibilidade de as Requerentes poderem beneficiar do CFEI por os seus activos estarem classificados contabilisticamente como propriedades de investimento;
-
julgar improcedentes os pedidos de reembolso e de pagamento de juros indemnizatórios, sem prejuízos do os respectivos direitos serem reconhecidos em execução de julgado se for apurado que se verificam todas as condições previstas no artigo 2.º do CFEI, de que depende a aplicação do benefício fiscal previsto nesse diploma.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 2.252.630,05.
Lisboa, 18-02-2019
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(António Martins)
(Henrique Fiúza)
(Com declaração de voto anexa)
Declaração de Voto
Porque não me revejo na posição assumida pela Administração Tributária e Aduaneira (AT) no presente processo, mas também porque entendo que às Requerentes não deve ser reconhecido o benefício fiscal previsto na Lei nº 49/2013 de 16 de Julho aqui em discussão, por incumprimento de obrigações impostas pela Lei, elaborei a presente declaração de voto.
Nos termos do nº 1 do artigo 5º do estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) os benefícios fiscais são automáticos quando resultam directa e imediatamente da lei.
Estabelece o artigo 7º do EBF que: (sublinhado nosso)
“1 - Todas as pessoas, singulares ou coletivas, de direito público ou de direito privado, a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento, ficam sujeitas a fiscalização da Autoridade Tributária e Aduaneira, da Direção Regional dos Assuntos Fiscais e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios.”
Ainda no âmbito do EBF, os benefícios fiscais extinguem-se nos termos do artigo 14º: (sublinhado nosso)
1 - A extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra.
2 - Os benefícios fiscais, quando temporários, caducam pelo decurso do prazo por que foram concedidos e, quando condicionados, pela verificação dos pressupostos da respectiva condição resolutiva ou pela inobservância das obrigações impostas, imputável ao beneficiário.
A Lei nº 49/2013 de 16 de Julho que estabelece um Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), determina as regras a cumprir com vista à obtenção do benefício, de entre as quais destacamos: (sublinhado nosso)
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação subjetivo
Podem beneficiar do CFEI os sujeitos passivos de IRC que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e preencham, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor…
Artigo 3.º
Incentivo fiscal
1 - O benefício fiscal a conceder aos sujeitos passivos referidos no artigo anterior corresponde a uma dedução à coleta de IRC no montante de 20 % das despesas de investimento em ativos afetos à exploração, que sejam efetuadas entre 1 de junho de 2013 e 31 de dezembro de 2013.
Artigo 4.º
Despesas de investimento elegíveis
1 - Para efeitos do presente regime, consideram-se despesas de investimento em ativos afetos à exploração as relativas a ativos fixos tangíveis e ativos biológicos que não sejam consumíveis, adquiridos em estado de novo e que entrem em funcionamento ou utilização até ao final do período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2014.
…
5 - Para efeitos do n.º 1, são excluídas as despesas de investimento em ativos suscetíveis de utilização na esfera pessoal, considerando-se como tais:
a) As viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, barcos de recreio e aeronaves de turismo, exceto quando tais bens estejam afetos à exploração do serviço público de transporte ou se destinem ao aluguer ou à cedência do respetivo uso ou fruição no exercício da atividade normal do sujeito passivo;
b) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo quando afetos à atividade produtiva ou administrativa;
c) As incorridas com a construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo quando afetos a atividades produtivas ou administrativas.
…
9 - Os ativos subjacentes às despesas elegíveis devem ser detidos e contabilizados de acordo com as regras que determinaram a sua elegibilidade por um período mínimo de cinco anos ou, quando inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil…
Artigo 6.º
Obrigações acessórias
1 - A dedução prevista no artigo 3.º é justificada por documento a integrar o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º do Código do IRC que identifique discriminadamente as despesas de investimento relevantes, o respetivo montante e outros elementos considerados relevantes.
…
É no enquadramento legal acima transcrito que as Requerentes se deveriam ter apoiado com vista a garantirem o reconhecimento automático do respectivo benefício fiscal (CFEI).
O Tribunal Arbitral Colectivo, com base nas alegações e provas testemunhais produzidas no processo, considera demonstrado que os bens em que foram realizados os investimentos pelas candidatas ao benefício fiscal são, de facto, activos fixos tangíveis e que por esse motivo, verificadas as restantes condições impostas na Lei, lhes aproveita o CFEI.
Não se revendo na posição assumida pela AT, que considera que os prédios onde se encontram instalados os centros comerciais são propriedades de investimento, porque as suas donas – as Requerentes - se limitam a receber as rendas dos lojistas, prestando apenas alguns serviços acessórios.
A este respeito, torna-se necessário deixar claro que um prédio pode ser qualificado de várias formas conforme o respectivo destino ou utilização a dar ao mesmo, que entre outros, pode ser: como “mercadorias” (inventários) se for adquirido para revenda; como “propriedades de investimento” se for adquirido/construído para arrendamento (ou para a obtenção de mais-valias); como “activo fixo tangível” se for adquirido/construído para ser utilizado, de forma duradoura, no exercício da actividade empresarial; como “activo não corrente detido para venda” se a entidade deixou de ter interesse na manutenção desse activo no seu balanço e ainda em “investimentos em curso” se o mesmo ainda não estiver pronto a ser utilizado.
Ao contrário do que defende a AT, sendo, sem dúvida alguma, o edifício onde se encontra instalado um centro comercial a base do exercício da actividade empresarial do seu proprietário – sem ele tornar-se-ía impossível o exercício dessa mesma actividade – tal activo não poderia deixar de ser considerado e tratado contabilística e fiscalmente como “activo fixo tangível”.
Pelo exposto, se nada mais houvesse a acrescentar, teriam as Requerentes direito ao reconhecimento automático do CFEI por, como foi alegado, os investimentos terem sido efectuados em bens destinados a serem utilizados, de forma duradoura, no exercício da actividade empresarial, ou seja, em bens considerados como “activos fixos tangíveis”.
Porém, a Lei nº 49/2013 de 16 de Julho que cria o CFEI, estabelece que, para garantir o benefício fiscal, as Requerentes devem cumprir diversas obrigações, de entre as quais se destacam as acima transcritas, em especial as previstas no artigo 4º do respectivo diploma.
Assim, se for demonstrado que houve incumprimento por parte das Requerentes de alguma ou algumas das obrigações impostas pela Lei que estabeleceu o CFEI, o reconhecimento automático do respectivo benefício fiscal pode ser posto em causa pela Administração Tributária e Aduaneira (AT) decidindo a perda do benefício fiscal, no todo ou em parte, conforme o respectivo incumprimento.
Não constando do processo se houve ou não o cumprimento de todas as obrigações impostas pela lei às Requerentes, nomeadamente, a não inclusão nas despesas de investimento de certas despesas excluídas na Lei (nº 5 do artigo 4º) ou a organização de documento a integrar o processo de documentação fiscal (dossier fiscal) justificativo da dedução à colecta, identificando as despesas de investimento, o respectivo montante e outros elementos relevantes (nº 1 do artigo 6º), há pelo menos uma obrigação incumprida que entendemos relevante (nº 9 do artigo 4º).
As Requerentes, de forma consciente, incumpriram a obrigação imposta pelo nº 9 do artigo 4º da Lei nº 49/2013 de 16 de Julho, lei que aprova o CFEI.
As Requerentes, reconhecendo que os centros comerciais são “activos fixos tangíveis”, como o Tribunal reconhece e elas próprias reconhecem ao quererem aproveitar o benefício fiscal em discussão, alegam ter contabilizado os mesmos em “propriedades de investimento” porque as “Big Four” da auditoria aconselham a que os centros comerciais sejam contabilizados como propriedades de investimento.
Afirmar que determinados bens são activos fixos tangíveis mas que devem ser contabilizados como propriedades de investimento porque as auditoras internacionais assim aconselham, como afirmou a testemunha W..., (Head of Asset Manegement) Gestor dos activos “Centros Comerciais”, é um argumento vazio de valor e sem cobertura legal, que deve ser desconsiderado.
Não tendo as Requentes - como lhes impunha o nº 9 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 49/2013 de 16 de Julho - contabilizado os activos subjacentes às despesas elegíveis de acordo com as regras que determinaram a sua elegibilidade por um período mínimo de 5 anos, como “activo fixo tangível”, ao invés de, por opção sua e ao arrepio da Lei, contabilizar como “propriedades de investimento”, não lhe pode ser reconhecido o direito ao benefício fiscal em causa.
Porém, não foi esta a fundamentação usada pela AT para o indeferimento do recurso hierárquico, motivo que nos impede de julgar improcedente o pedido das Requerentes. Não tendo a fundamentação da AT tido vencimento, restar-lhe-á, em execução de julgado, usar os meios à sua disposição para fazer justiça.
O árbitro
Henrique Fiúza
(Economista)
[1] Por exemplo, a factura n.º 1147, que consta da página 6/211 do ficheiro “Doc. 12 – parte I.pdf” foi emitida em 07-01-2013; essa mesma factura é apresentada novamente na página 56/211 do ficheiro “Doc. 12 – parte I.pdf”; a ordem de compra que consta das páginas 42/211 e 154/211 do ficheiro “Doc. 12 – parte II.pdf” tem a data de 15-04-2013; a factura que consta da página 2/211 do ficheiro “Doc. 12 – parte I.pdf” é incluída novamente na página 39/211; a factura que consta da página 3/211 do ficheiro “Doc. 12 – parte I.pdf” é incluída novamente na página 38/211; a factura que consta da página 54/211 do ficheiro “Doc. 12 – parte II.pdf” é incluída novamente na página 166/211; a factura que consta da página 63/211 do ficheiro “Doc. 12 – parte II.pdf” é incluída novamente na página 169/211; a factura que consta da página 66/211 do ficheiro “Doc. 12 – parte II.pdf” é incluída novamente na página 172/211; a factura que consta da página 82/211 do ficheiro “Doc. 2 – parte II.pdf” é incluída novamente na página 186/211; a factura que consta da página 84/211 do ficheiro “Doc. 12 – parte II.pdf” é incluída novamente na página 188/211; a factura que consta da página 89/211 do ficheiro “Doc. 2 – parte II.pdf” é incluída novamente na página 191/211; a factura que consta da página 91/211 do ficheiro “Doc. 12 – parte II.pdf” é incluída novamente na página 193/211.
[2] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:
- de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em AP-DR de 12-4-2001, página 1207.
- de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em AP-DR de 10-2-2004, página 4289.
- de 09/10/2002, processo n.º 600/02.
- de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.
Em sentido idêntico, podem ver-se:
- MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é "irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto", e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que "não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa".
- MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que "as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade".
[3] Segue-se o acórdão proferido no processo arbitral n.º 748/2016-T.
[4] Segue-se o acórdão proferido no processo arbitral n.º 748/2016-T.
[5] Segue-se de perto a fundamentação do acórdão arbitral proferido no processo n.º 748/2016-T.
( [6] ) ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 10.ª edição, página 528:
«A omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omissão é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano».