Decisão Arbitral
A árbitro Regina de Almeida Monteiro, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 06-08-2018, decide o seguinte:
I - Relatório:
No dia 29-05-2018 a sociedade comercial “A... S.A.”, com o NIF n.º..., com sede na ... n.º..., ..., em Lisboa, apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, doravante RJAT.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
A Requerente pretende que seja apreciada a legalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa número ...2017... apresentada contra a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2013, por despacho do Diretor Adjunto de Direção de Finanças, de 26 de fevereiro de 2018, notificado á requerente no dia 27 de fevereiro de 2018; e em consequência a apreciação da legalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2017..., respeitante ao exercício de 2013, que apurou um montante total a pagar de €16.509, 34 (dezasseis mil e quinhentos e nove euros e quatro cêntimos)
A Requerente pretende ainda a restituição do montante de imposto pago no montante de €16.509, 34, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 06-08-2018.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitra a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável e notificou as partes dessa designação.
Em 16-07-2018, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação da árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 06-08-2018.
No dia 24-10-2018 o tribunal notificou as partes da dispensa da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT e do prazo para apresentação de alegações escritas.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
II -Matéria de facto
1. Factos Provados
A matéria de facto relevante para a decisão da causa é a seguinte:
a. A. A Requerente foi constituída em 14 de Abril de 1989 sob a denominação de B..., SA.
b. Em 14 de Julho de 1995, em consequência de uma alteração da composição accionista, alterou a sua denominação social para A..., SA, com o NIPC... .
c. Em 2009 a Requerente passou a ser detida na totalidade pela 2009, pela C..., atual D... (S.G.P.S), S.A. (“D...”).
d. A Requerente declarou o início de atividade em 17/04/1989 com o CAE: 41100 – Promoção Imobiliária, tendo como objeto a gestão e promoção imobiliária, construção, compra, venda e revenda de propriedades bem como a sua administração; aquisição de quotas ou acções de outras sociedades, financiamento destas, através de suprimentos e ou prestações acessórias; participação em agrupamentos complementares de empresas, consórcios ou outras formas de associação.
e. Em 2013, a Requerente detinha participações socias nas seguines sociedades:
Sociedade Participada
|
Número de Identificação Fiscal
|
% do capital social detido
|
E..., S.A.
|
...
|
78,37%
|
F..., S.A.
|
...
|
66,93%
|
G..., S.A.
|
...
|
100%
|
f. Nos exercícios de 2009, 2010, 2011 e 2012, a ora Requerente apresentou a sua declaração de rendimentos no âmbito do RETGS.
g. De acordo com a Informação n.º 1213/13 da DSIRC, com despacho da Subdiretora Geral datado de 2 de fevereiro de 2013 o supra mencionado regime de consolidação fiscal cessou em 31 de dezembro de 2008, e retomado apenas em 2013.
h. A Requerente, por não concordar com os fundamentos que presidiram à mencionada cessação do RETGS com efeitos a 31 de dezembro de 2008, apresentou uma ação, que na presente data, está a ser apreciada pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em sede de ação administrativa especial.
i. A Requrente entregou atempadamente a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, referente ao ano de 2013, e posteriormente foi objecto de correção através de ação inspectiva da AT.
j. De harmonia com uma acção inspectiva (OI2015...), ao ano de 2013 elaborada na Direcção de Finanças do Porto, foram apuradas correcções, no total de €2.005.953,36 em sede de IRC, tendo por base encargos financeiros não aceites fiscalmente, 50% Dif mais e menos valias fiscais e Mais Valias contabilísticas, conforme discriminação seguinte:
Descrição
|
2013
|
Encargos Financeiros não aceites para efeitos fiscais (a acrescer)
|
972.611,06
|
Deste modo, foi o resultado fiscal alterado:
A acção inspectiva gerou a liquidação supra identificada, a que corresponde o Documento de Cobrança n.o 2017..., do qual resulta o total a pagar de €16.509,34, tendo por base encargos financeiros não aceites fiscalmente.
50% dif mais e menos valias fiscais (a acrescer)
|
- 1.370.212,50
|
Mais valias contabilísticas (a deduzir)
|
- 2.403.554,80
|
Total das correcções
|
2.005.953,36
|
Assim, os montantes inscritos no Quadro 07, Campos 752, 740 e 767 da Declaração Modelo 22 foram alterados como se apresenta:
Modelo 22 IRC - 2013
|
Valor Declarado
|
Correcções Técnicas
|
Valor corrigido
|
Q 07 – C752
|
1.005,97
|
972.611,06
|
973.617,03
|
Q 07 – C740
|
2.256.728,02
|
-1.370.212,50
|
886.515,52
|
Q 07 – C767
|
4.410.378,78
|
-2.403.554,80
|
2.006.823,98
|
Total das correcções
|
|
2.005.953,36
|
|
l. Deste modo, foi o resultado fiscal alterado:
IRC
|
2013
|
Prejuizo Fiscal Declarado
|
-1.699.919,78
|
Correcções Técnicas
|
2.005.953,36
|
Lucro Tributável Corrigido
|
306.033,58
|
m. A ação inspetiva gerou a liquidação supra identificada, a que corresponde o Documento de Cobrança n.º 2017..., do qual resulta o total a pagar de € 16.509,34, tendo por base encargos financeiros não aceites fiscalmente.
n. Refere o Relatório da Inspeção que “(...) a A... está a suportar encargos financeiros decorrentes de empréstimos que se encontram a financiar a actividade das suas associadas sem que a totalidade desses encargos suportados seja repercutida aos efeitos beneficiários dessas verbas. Assim, serão de desconsiderar fiscalmente os gastos associados ao financiamento que está a ser utilizado por outras empresas, que não a A..., relativamente ao diferencial existente entre os gastos e os rendimentos derivados dos financiamentos obtidos e concedidos (...)”
o. Deste modo, foram efectuadas correções, decorrentes da desconsideração da dedutibilidade fiscal de encargos financeiros suportados no interesse de outras empresas associadas, conforme apuramento discriminado na tabela seguinte:
|
2013
|
Empréstimos da C... à A...
|
25.087.919,50€
|
Empréstimos da A... às associadas
|
19.406.104,80€
|
% Emp. Da C... transferidos parta associadas
|
77,35€%
|
Juros debitados pela C... à A...
|
1.257.376,91€
|
Juros debitados pela A... às associadas
|
0.00€
|
Juros não aceites fiscalmente
|
972.611,06€
|
p. De acordo com a contabilidade, ao longo do exercício de 2013, a ora Requerente contraiu empréstimos, quer a título de suprimentos, quer para efeitos de cobertura de carências de tesouraria, oriundos da C..., cujo saldo devedor no final de 2013 ascendeu ao montante de € 25.087.919,50 (vinte e cinco milhões e oitenta e sete mil e novecentos e dezanove euros e cinquenta cêntimos).
q. Como contrapartida das referidas transferências, foram debitados à ora Requerente, por parte da C..., juros no montante global de € 1.257.376,91 (um milhão e duzentos cinquenta e sete mil e trezentos e setenta e seis euros e noventa e um cêntimos).
r. A Requerente concedeu às suas participadas empréstimos no montante global de € 19.406.104,80 (dezanove milhões, quatrocentos e seis mil euros e cento e quatro euros e oitenta cêntimos).
2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão que não tenham sido provados
3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente.
A Autoridade Tributária e Aduaneira juntou o processo administrativo.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto.
4. Matéria de direito
A questão essencial que é objecto do presente processo é a de saber se se os encargos financeiros resultantes do financiamento que a Requerente obteve e com o qual financiava as sociedades parcialmente por si detidas, não fazendo repercutir a totalidade desses gastos às entidade beneficiadas, podem ser enquadrados no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, ou se pelo contrário, os mesmos não integram os requisitos de admissibilidade de gastos estabelecidos nesta norma.
O artigo 23º, n.º 1 do CIRC, em 2013 tinha a seguinte redação:
“Artigo 23.º”
Gastos
“1 - Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:
a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;
b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;
d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança -reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;
e) Os relativos a análises, racionalização, investigação e consulta;
f) De natureza fiscal e parafiscal;
g) Depreciações e amortizações;
h) Ajustamentos em inventários, perdas por imparidade e provisões;
i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;
j) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em activos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;
l) Menos-valias realizadas;
m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.”
Procedemos à análise da jurisprudência sobre esta matéria, e destacamos o Acórdão do STA de 15-11-2017, proferido no Proc. n.º 0372/16,que analisando a questão da indispensabilidade dos custos para efeitos do art.º 23.º, n.º 1 do CIRC refere: “Em regra, todos os custos em que incorre uma empresa serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável ( Nos termos do n.º 1 do art. 17.º do CIRC, «O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».), tanto mais que, por imperativo constitucional (cfr. art. 104.º, n.º 2 («A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real».), da CRP), a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real. O que significa que devem excluir-se do cômputo do lucro tributável todos os custos incorridos na obtenção do rendimento.”
No caso sub judice está em causa determinar a indispensabilidade dos gastos da Requerente ao longo do exercício de 2013, que contraiu empréstimos, quer a título de suprimentos, quer para efeitos de cobertura de carências de tesouraria, oriundos da C... S.A., cujo saldo devedor no final de 2013 ascendeu ao montante de € 25.087.919,50 (vinte e cinco milhões e oitenta e sete mil e novecentos e dezanove euros e cinquenta cêntimos).
Como contrapartida das referidas transferências, foram debitados à ora Requerente, por parte da C..., S.A., juros no montante global de € 1.257.376,91 (um milhão e duzentos cinquenta e sete mil e trezentos e setenta e seis euros e noventa e um cêntimos). A Requerente concedeu às suas participadas empréstimos no montante global de €19.406.104,80 (dezanove milhões, quatrocentos e seis mil euros e cento e quatro euros e oitenta cêntimos).
Está precisamente em causa saber se os custos associados e estes empréstimos concedidos às suas participadas deve ser considerado como um custo indispensável para a obtenção dos proveitos, para efeitos do disposto no art.º 23.º, n.º 1 do CIRC.
Analisando a jurisprudência dos últimos tempos, podemos constatar que há muito foi abandonada a exigência de que esses custos tenham de respeitar à atividade da própria sociedade, isto é, que seja uma atividade desenvolvida pela própria sociedade. Face à doutrina e jurisprudência relevante está há muito afastada a visão finalística, segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos.
Neste sentido salientamos o Acordão do STA de 04-07-2018 proferido no Proc. 01432/17, que considera que “... à data dos factos, a redacção do artigo 23.º n.º 1 do Código do IRC era a seguinte: “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (…)”.
Como este Supremo Tribunal teve a oportunidade de recentemente se pronunciar (vide o Acórdão proferido a 28 de Junho de 2017 no âmbito do Processo 0627/16), “em regra, todos os custos em que incorre uma empresa serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável (nos termos do n.º 1 do art. 17.º do CIRC (…)), tanto mais que, por imperativo constitucional [cfr. art. 104.º, n.º 2 (…) da Constituição da República Portuguesa (CRP)], a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real. O que significa que devem excluir-se do cômputo do lucro tributável todos os custosincorridos na obtenção do rendimento.
Há, no entanto, que ter presente que o legislador, na ponderação de motivos que considerou relevantes” não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais “e entendeu que só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável «os [custos ou perdas] que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» (cfr. o já referido art. 23.º, n.º 1, do CIRC)”.
Neste contexto, “o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601.). (…) Ou seja, a AT não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação economicamente infrutífera ou até ruinosa”.
Portanto, e de acordo com o entendimento reiterado deste STA, devem ser aceites para efeitos fiscais todos os gastos assumidos pelo sujeito passivo com um propósito empresarial, ou seja, no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respectivo objecto social (vide, neste sentido e por todos, o Acórdão proferido a 30 de Novembro de 2011, rec. n.º 0107/11).”
Quanto ao conceito de indispensabilidade de custos, consideramos decisiva a posição expressa no Acórdão do STA de 15-11-2017, proferido no proc. n.º 0372/16: “Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. [...] O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa. É este o entendimento que vem sendo seguido por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Entre muitos outros, fazendo um exaustivo tratamento do tema, vide o acórdão de 30 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 107/11, disponível emhttp://www.dgsi.pt.
Mais recentemente, o acórdão de 28 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 627/16,
disponível em http://www.dgsi.pt.
Assim, o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601.).
Ou seja, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. o já referido art. 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção vigente à data, ao limitar a relevância dos custos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do resultado (êxito ou inêxito) que em concreto proporcionaram.
«A própria letra daquele n.º 1 do art. 23.º aponta decisivamente nesse sentido com a utilização do tempo verbal futuro «forem», em vez do tempo passado «foram»: a perspectiva adequada para apreciar a indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos é do agente económico no momento em que agiu, quando apenas há a possibilidade de as opções empresariais a tomar virem a produzir proveitos e não a da fiscalização tributária, agindo na presença dos resultados obtidos, apreciando a relevância que as despesas tiveram efectivamente para eles serem atingidos.
A esta luz, é de concluir que são de considerar indispensáveis para a realização dosproveitos as despesas que, no momento em que são realizadas, se afigurem como potencialmente geradoras de proveitos, o que tem como corolário só poder ser eliminada a relevância fiscal de um custo quando for de concluir, à face das regras da experiência comum, que não tinha potencialidade para gerar proveitos, isto é, quando se demonstrar que o acto que gera os custos não pode ser considerado como um acto de gestão, por não poder esperar-se, com probabilidade aceitável, que da despesa efectuada possa resultar um proveito» (Cfr. acórdão de 15 de Junho de 2012 do Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD, proferido no processo n.º 29/2012 – T. O que significa que, nos termos do citado art.º 23.º do CIRC, serão considerados gastos fiscais todos aqueles encargos que sejam assumidos de acordo com um propósito empresarial, ou seja, no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respectivo objecto social. A utilização daquele preceito legal para desconsiderar fiscalmente um custo efectivamente suportado circunscreve-se às situações de confusão entre o património empresarial e o património pessoal dos sócios, bem como àquelas em que a empresa, em detrimento do seu património, pretende beneficiar terceiros. Dito de outro modo, «se o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dossócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável» (RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Coimbra, 2007, pág. 87.).
A aferição da indispensabilidade deverá, pois, assentar numa análise casuística da empresa e de cada uma das despesas ou tipos de despesas em causa.
Tendo em conta que a actividade da ora Recorrida é o comércio de veículos automóveis ligeiros, afigura-se-nos inquestionável que o custo respeitante ao IVA suportado na aquisição intracomunitária daqueles veículos, inserindo-se sem margem para dúvida na actividade exercida, é, à luz das regras da experiência, potencialmente gerador de proveitos. Não pode sequer considerar-se existir, no momento relevante para aferir da indispensabilidade, qualquer dúvida quanto à correlação do custo com a actividade prosseguida (Se a AT tiver dúvidas, em face de um determinado custo, quanto à sua correlação com o escopo social do contribuinte, deverá solicitar a colaboração deste (que é que está em melhor situação para o efeito), indicando qual a motivação inerente e o objectivo prosseguido com o custo em causa. Trata-se aqui, contrariamente ao que parece entender o Juiz a quo, não de uma questão de repartição de ónus da prova, mas antes de um «dever de motivação ou “explicação acerca da congruência económica da operação”» (cfr. ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade…, pág. 276, bem como VÍTOR FAVEIRO, Estatuto do Contribuinte: A Pessoa do Contribuinte no Estado Social de Direito, Coimbra, 2002, pág. 848).).”
“No limite, haveria de se desconsiderar todos os gastos relativamente aos quais se comprovasse que poderiam ter sido incorridos por um valor inferior àquele por que o foram efectivamente. Isto, note-se, sem que a AT fizesse qualquer demonstração de intenção de evasão fiscal. Nessa tese, todas as opções do sujeito passivo de IRC no âmbito da sua actividade que não se mostrassem as mais económicas seriam penalizadas, pois o custo, na parte em que excedesse essa perfeição economicamente utópica, não seria deduzido para efeitos de determinação da matéria tributável. Levada ao extremo, a tese constituiria um entrave intransponível à iniciativa privada e a toda a actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, pois exigiria do sujeito passivo de imposto sobre o rendimento que fizesse sempre as melhores opções económicas e jurídicas, sob pena de ser penalizado em sede de imposto sobre o rendimento. Manifestamente, não é essa a vontade do legislador, que logo na Lei fundamental (cfr. o art. 104.º, n.º 2, da CRP) consagrou como objecto da tributação das empresas o rendimento real e não o rendimento ideal.
No mesmo sentido, pronunciou-se a decisão arbitral de 21 de junho de 2018, proferida no Proc. n.º 637/17-T, com o qual estamos em pleno acordo que, por desnecessidade de quaisquer outras considerações, se passa agora reproduzir:
“o gasto com o financiamento de uma participada que, segundo parâmetros de normalidade, irá potencialmente redundar na obtenção de um específico tipo de lucro – o dividendo -, não é diferente de qualquer outro gasto em que uma empresa incorre com vista à realização de atividades “produtivas” – a compra de uma máquina para utilização num processo produtivo, a compra de um imóvel para posterior venda, o pagamento de salários com vista à obtenção do rendimento decorrente da atividade dos recursos humanos, etc. O facto de, no caso de financiamento de uma participada, existir uma outra sociedade que beneficia do gasto incorrido pela participante não releva para desqualificar o gasto como fiscalmente dedutível por aquele que o realiza. Não é por isso que o gasto é realizado apenas no interesse de terceiro; pelo contrário, ele é, antes de mais, realizado no interesse da sociedade participante, que assim pretende manter uma das fontes produtoras do seu rendimento potencial – justamente, a participação social na sociedade participada. Por outras palavras: a entidade terceira que recebe o financiamento sem custos não é um terceiro qualquer, é uma sociedade participada e cuja atividade lucrativa reverte a favor da entidade que incorre no gasto com o financiamento. Este ponto, que é fundamental para ligar o gasto ao potencial rendimento, não pode ser ignorado numa correta interpretação do disposto no artigo 23.º do CIRC.”
De destacar também a decisão arbitral proferida no Processo: 695/2015 de 18/05/2016, que menciona que “surge assim, neste preceito, um requisito nuclear na admissibilidade dos gastos para fins fiscais: o serem indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.”
Refere ainda que “as obras doutrinais mais frequentemente convocadas sobre esta questão afastam a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre custos e proveitos. Ambas sustentam que qualquer decaimento económico (custo) que tenha uma relação com o objeto societário, seja incorrido no âmbito da atividade, ou no interesse da empresa, cumprirá o requisito da indispensabilidade, não se lhe devendo, por esta razão, recusar a aceitação fiscal ao abrigo do artigo 23.º do CIRC.
A âncora doutrinal que a AT, e alguma jurisprudência, têm respigado da obra de TOMÁS TAVARES quanto ao tema aqui em apreciação - segundo a qual a obtenção de fundos por uma participante cedidos sem remuneração a uma participada não constitui atividade ou interesse daquela - foi amplamente desfeita pelo próprio, como a seguir se observa. No processo n.º 12/2013-T, no âmbito CAAD, onde foi árbitro único, T. TAVARES decide da dedutibilidade destes gastos com os seguintes fundamentos (negrito do Tribunal):
“A indispensabilidade entre custos e proveitos afere-se num sentido económico: os custos indispensáveis são os contraídos no interesse da empresa, que se ligam com a sua capacidade, por inserção no seu escopo lucrativo (de forma mediata ou imediata) e no exercício da sua atividade concreta.
A Autoridade Tributária não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa. Não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa.
O gasto imprescindível equivale a todo o gasto contraído em ordem à obtenção dos proveitos e que represente um decaimento económico para a empresa. O art. 23.º do CIRC intima não apenas uma conexão causal adequada entre o custo e o proveito (nos referidos termos económicos), mas conexiona-se também alternativamente (como indica o vocábulo “ou”) com a manutenção da fonte produtora – no sentido de uma ligação económica entre a despesa e a vigência e manutenção da sociedade e sua actividade.
Uma sociedade pode obter fundos (e pagar juros) e depois entregar esses fundos a uma filial sem qualquer remuneração causal e directa – e ainda assim exercer adequadamente a sua actividade, dentro da sua capacidade e escopo lucrativo: pode efectuar um aumento de capital (art.º 25.º do CSC), prestações suplementares ou acessórias sem juros (art.º 210.º e 287.º do CSC) ou suprimentos sem juros (art.º 243.º do CSC) – e em qualquer desses casos atua totalmente dentro da sua capacidade de exercício e com um ânimo lucrativo e no exercício da sua actividade”.
De referir ainda que a nesta decisão arbitral se considera que “a atividade produtiva não deverá ser entendida num sentido restritivo, mas sim amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Julgamos ser este o sentido apropriado da expressão "atividade produtiva", tanto na obra de T. TAVARES, como na aceção fiscal usada pela AT e alguma jurisprudência.
Até por que, se assim não fosse, o artigo 23.º não admitiria certamente como custos dedutíveis os gastos administrativos, de financiamento e até menos valias. Estes gastos não têm diretamente que ver com atividades produtivas, tout court, e todavia estão previstos na lei. Também, por exemplo, o abate de existências ou o financiamento de certos ativos que foram retirados da produção (que podem ser designados, em certas condições, por “ativos não correntes detidos para venda”) estariam de fora da atividade das empresas, entendida nessa aceção restrita, o que seria inaceitável.
Ao buscar-se o sentido do conceito de atividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços. Dizer que um custo tem de verificar uma relação com a atividade produtiva só pode querer dizer verificar uma relação com as operações económicas globais, e exploração, ou com as operações ou atos de gestão que se insiram na busca do interesse próprio da entidade que assume tais custos.
Nesse sentido, a atividade de uma empresa consistirá nas operações resultantes do uso do seu património, em particular dos seus ativos e da gestão dos seus passivos. Ou seja, na forma como a sua gestão utilizará o património empresarial no âmbito das diversas operações (produtivas, comerciais, de investimento e desinvestimento, de financiamento geral, de aquisição de participações financeiras e outras) que, no seu conjunto, permitem que a entidade em questão cumpra o seu objeto económico: a busca (imediata ou a prazo) de um excedente económico (lucro).”
Subscrevemos esta posição, e consideramos que o gasto que a Requerente faz ao financiar uma sociedade sua participada, e atendendo ao seu obejto social, e ainda a parâmetros de normalidade, esse gasto irá originar a obtenção de um tipo específico de lucro: o dividendo.
Face ao exposto entendemos que nos resta concluir que, a liquidação impugnada e, consequentemente, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que sobre ela foi apresentada, padecem de erro sobre os pressupostos de direito e de facto, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, o que constitui vício de violação de lei. Assim, têm estes atos que ser declarados ilegais e, consequentemente, ser anulados.
No nosso entender, e considerando ainda ao objeto social da Requerente como supra ficou expresso, o conceito de gastos indispensáveis para a realização do rendimento, nos termos do art.º 23.º n.º 1 c) do CIRC não pode ser entendido de modo restritivo, como pretende a AT.
A noção de indispensabilidade pressuposta no art.º 23.º do CIRC respeita à indispensabilidade do gasto para a realização do fim último da empresa – o lucro –através de uma qualquer atividade produtiva.
A indispensabilidade do gasto e a sua ligação à atividade da empresa, no nosso entender está delimitada pelo objeto social da sociedade e das atividades que esta assume no contrato de sociedade como aquelas que vai realizar. Assim, no nosso entendimento teremos de averiguar qual o objeto social da Requerente para avaliar se os valores em causa são de considerar como gastos para a Requerente.
Assim, como fica patente no presente processo arbitral, o objeto social da Requerente consagra todo o enquadramento necessário do financiamento efetuado pela Requerente à sua subsidiária, na medida em que decorre do objeto que esta pode desenvolver a sua atividade, indiretamente, através de participadas, e tem como atividade “a aquisição de quotas ou ações de outras sociedades, financiamento destas através de suprimentos e ou prestações acessórias”.
O que ficou dito é suficiente para suportar a decisão que adiante se ditará.
Tendo a Requerente procedido ao pagamento voluntário do imposto liquidado, deverá ainda tal quantia ser-lhe restituída acrescida dos juros indemnizatórios que se mostrarem devidos, no momento do pagamento, em cumprimento do disposto no artigo 43.º da LGT.
III – Decisão
Termos em que se decide:
a) Declarar a ilegalidade e determinar a consequente anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2017..., respeitante ao exercício de 2013, no montante de € 16.509,34;
b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2017... no montante de € 16.509,34;
c) Determinar a restituição do imposto indevidamente pago por força da ilegalidade praticada;
d) Condenar no pagamento de juros indemnizatórios desde o pagamento do imposto até à data da emissão da nota de crédito, nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 16.509,34 (dezasseis mil e quinhentos e nove euros e trinta e quatro cêntimos) que não foi contestado pela Requerida, e corresponde ao valor da liquidação a que a se pretendia obstar (art.º 97.º, n.º 1, a), do CPPT).
Custas
Nos termos dos artº 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 1 224.00 €, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 21 de janeiro de 2019
A Árbitro
(Regina de Almeida Monteiro)