Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 535/2015-T
Data da decisão: 2016-04-27  IRC  
Valor do pedido: € 70.000,00
Tema: IRC - Tributações autónomas; pagamento especial por conta (PEC); dedutibilidade - Artigo 90º-2/d), do CIRC/2013
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Decisão Arbitral

                                                             

Os árbitros Juiz Dr. José Poças Falcão (árbitro presidente), Dr. Óscar Barros e Dr. André Festas da Silva (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 04 de Novembro de 2015, acordam no seguinte: 

 

I. RELATÓRIO

I.1

  1. Em 05 de Agosto de 2015 a contribuinte A… (Portugal) S.A., com sede na…, Bairro de…, …-… Coimbra, NIF … requereu, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do coletivo de três árbitros pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto na al. a), n.º 2 do artigo 6.º do referido diploma.
  2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 07 de Setembro de 2015.
  3. A Requerente não procedeu à nomeação dos árbitros, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a) e artigo 6.º, n.º2, al. a) do RJAT, os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 
  4. A AT apresentou a sua resposta em 04 de Dezembro de 2015.
  5. Por despacho de 15.02.2016, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por inexistir controvérsia relativamente aos factos essenciais para a boa decisão da causa e, tendo sido indeferido o pedido de produção de prova testemunhal formulado, foi decidido que o processo prosseguisse com alegações finais escritas.
  6. Em 22 de Fevereiro de 2016 a Requerente apresentou alegações.
  7. A Requerida apresentou as suas alegações em 8 de Março de 2016.
  8. Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa n.º … 2014 … e, bem assim, a ilegalidade da autoliquidação de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, relativa ao exercício de 2013, no que respeita ao montante de taxas de tributação autónoma em IRC de €70.000,00, com a inerente anulação nesta parte e o consequente reembolso desta quantia, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 30 de Maio de 2014 até integral reembolso.

 

I.A. A Requerente sustenta o seu Pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

  1. Em 29 de Maio de 2014, a ora requerente procedeu à apresentação da sua declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) Modelo 22 referente ao exercício de 2013, tendo nesse momento procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC nesse mesmo ano de 2013 no montante de € 78.174,37.
  2. Em 4 de Fevereiro de 2015 a requerente apresentou reclamação graciosa contra a referida autoliquidação respeitante ao exercício de 2013.
  3.  Em 14 de Maio de 2015 foi a requerente notificada do indeferimento da supra referida reclamação graciosa.
  4. De acordo com a declaração de rendimentos entregue, no exercício em causa a A… apurou prejuízo fiscal no valor de € 3.966.354,17, tendo no entanto apurado um montante total de imposto a pagar de € 78.138,67, imposto este que se encontra pago, e o qual resultou do apuramento de tributações autónomas em sede de IRC no montante de € 78.174,37, abatido do montante de € 35,70 de retenções na fonte sofridas, a cujo reembolso a A… tinha direito.
  5. Por outro lado, em sede de pagamentos especiais por conta subsiste um montante por deduzir à coleta do IRC que ascende a € 259.222, sendo a seguinte a sua distribuição por exercício fiscal:

 

Exercícios anteriores

            2009:                             € 49.222

            2010:                             € 70.000

            2011:                             € 70.000

            Subtotal:                    € 189.222

           Exercício de 2013:        € 70.000

           Total:                      € 259.222

 

  1. Sucede que, com respeito ao imposto resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma em IRC, o sistema informático da AT impede que a requerente inscreva o valor relativo às referidas taxas de tributação autónoma em IRC,
  2. ...expurgado, i.e., deduzido, dentro das forças da coleta de IRC resultante da aplicação destas taxas, dos montantes de pagamentos especiais por conta ainda disponíveis (a começar pelos mais antigos) para abate à coleta do IRC, que acima se descriminaram, o que resultou num excesso de imposto pago por referência ao exercício fiscal de 2013 aqui em causa.
  3. I.e., o sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, o IRC resultante das tributações autónomas apuradas ao pagamento especial por conta.
  4. Aquele sistema não permite, pois, deduzir uma parcela dos pagamentos antecipados efetuados por conta do IRC que será devido a final – os pagamentos especiais por conta (“PEC”) – a uma parte do IRC final efetivamente apurado – as tributações autónomas. 
  5. Refira-se que, no caso em concreto, está aqui em causa levar em linha de conta € 70.000,00 em pagamentos especiais por conta efetuados por referência ao exercício de 2013, para efeitos da sua aplicação (dedução) à coleta das tributações autónomas em IRC até esse mesmo montante respeitante ao mesmo exercício de 2013, aplicação esta recusada pela AT.
  6. A negação da dedução do PEC à coleta em IRC das tributações autónomas viola a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC (anteriormente a 2010, artigo 83.º; e desde 2014 passou a ser a alínea d) do referido n.º 2 do artigo 90.º do CIRC).
  7. A contradição é flagrante: a AT do mesmo passo que afirma, e os tribunais lhe dão razão, que a coleta das tributações autónomas é coleta de IRC, donde resulta a aplicação às mesmas da norma aplicável à coleta do IRC constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC (redação e numeração em vigor até 2013), nega agora que a coleta das tributações autónomas sejam IRC, e, em consequência nega também a aplicação da alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC à coleta das tributações autónomas.
  8. Em lado algum da lei resulta afastada destes pagamentos especiais por conta a coleta ou partes da coleta do IRC resultantes de medidas legislativas anti-evasão fiscal.
  9. Pelo que se a AT entender que naquele artigo 90.º do CIRC não está incluída a coleta de IRC resultante das tributações autónomas (apurada nos termos do artigo 88.º), mas apenas a coleta de IRC resultante do lucro tributável (apurada nos termos do artigo 87.º), sempre teria que se concluir que, afinal, a liquidação da própria tributação autónoma é, em si mesma, ilegal.
  10. Aliás, fora deste concreto caso a AT já entendeu no sentido da dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à coleta do IRC constituída pelas tributações autónomas.
  11. A AT entendeu que só os créditos de imposto por dupla tributação internacional não seriam dedutíveis às tributações autónomas.
  12. A requerente pagou imposto em montante superior ao legalmente devido, pelo que, declarada a ilegalidade da (auto)liquidação na parte aqui peticionada, a requerente tem direito não só ao respetivo reembolso, mas, também, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), a juros indemnizatórios.
  13. Acresce que o erro de que padece a (auto)liquidação contra a qual se reclama resulta de erro dos Serviços sobre os pressupostos de direito que condicionou informaticamente o preenchimento da declaração (Modelo 22) de autoliquidação, como supra se referiu.

 

 

I.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

 

  1. Reconhece-se, assim, que o carater autónomo destas tributações decorrente da especial configuração dada aos aspetos material e temporal dos factos geradores, impõe, em determinados domínios, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC.
  2. Na realidade, a integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspetos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respetivas coletas, por força de obedecerem a regras diferentes.
  3. E isso, pois, num caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art.º 87.ºdo CIRC à matéria coletável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do Código e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias coletáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art.º 88.ºdo CIRC.
  4. Ou seja, ao contrário do que é afirmado no ponto 9 da declaração de voto de vencido anexa à Decisão Arbitral proferida no processo n.º 697/2014-T, não há uma liquidação única de IRC, mas, antes dois apuramentos.
  5. Isto é, dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efetuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.ºdo CIRC, às respetivas matérias coletáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias.
  6. Na sequência da integração das tributações autónomas no Código do IRC, através da Lei n.º 30-G/2010, de29/12, o legislador parece não ter sentido a necessidade de explicitar, de forma abrangente – i.e. em todos os normativos onde se manifestam – as consequências da coexistência e duas formas de imposição dentro do sistema do IRC, limitando-se a acautelar as situações em que a isenção do IRC não se projetava nas tributações autónomas.
  7. Pois bem, quando se trata das deduções previstas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, veio a requerente defender no r.i. – ancorando-se, salvo o devido respeito, numa leitura simplista e descontextualizada deste normativo – que a expressão “montante apurado nos termos do número anterior” deve ser entendida como abrangendo o somatório do montante do IRC, apurado sobre a matéria coletável determinada segundo as regras do capítulo III e às taxas previstas no art.º 87.º do mesmo Código, e o montante das tributações autónomas, calculado com base nas regras previstas no art.º 88.º.
  8. Repare-se que, ademais, o resultado desta interpretação implicaria que, na base de cálculo dos pagamentos por conta definida no n.º 1 do art.º 105.º do Código do IRC – e em termos idênticos aos utilizados no n.º 2 do art.º 90.º, a saber: «Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º (...)» –, fossem incluídas as tributações autónomas.
  9. Ora, é de salientar que a coerência e adequação deste entendimento alicerça-se na própria natureza dos pagamentos por conta do imposto devido a final, os quais, de acordo com a definição do art.º33.º da LGT são «as entregas pecuniárias antecipadas que sejam efetuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário», constituindo uma «(...) forma de aproximação do momento da cobrança ao do da percepção do rendimento de modo a colmatar as situações em que essa aproximação não pode efectivar-se através das retenções na fonte.».
  10. Portanto, em boa lógica, só faz sentido concluir que a respetiva base de cálculo corresponda ao montante da coleta do IRC resultante da matéria coletável que se identifica com o lucro/rendimento do exercício do sujeito passivo.
  11. Na realidade, faça-se notar que o traço comum a todas as realidades refletidas nas deduções referidas no n.º 2 do art.º 90.ºdo CIRC reside no facto de respeitarem a rendimentos ou gastos incorporados na matéria coletável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas.
  12. Relativamente aos créditos de imposto destinados a eliminar a dupla tributação internacional (jurídica e económica) os próprios normativos (artigos 91.º e 91.º-Ado CIRC),que regulam o seu modo de cálculo, especificam que os rendimentos em causa devem ter sido incluídos na matéria colectável, grandeza que, por razões óbvias, só pode ser a determinada com base no lucro (capítulo III do Código) que constitui o núcleo central do IRC.
  13. Aliás, a posição defendida pela AT tem um apoio explícito no disposto no n.º 5 do art.º 90.º do CIRC – através do qual o legislador fornece uma indicação clara de que o montante do imposto liquidado, ao qual são efetuadas as deduções referidas no n.º 2 do mesmo artigo, não inclui o montante correspondente às tributações autónomas –, ao estatuir que as deduções que são imputadas aos sócios ou membros de entidades abrangidas pelo regime da transparência fiscal estabelecido no art.º6.º (entidades que estão sujeitas ao pagamento das tributações autónomas, por força do art.º12.º) são «deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo».
  14. Por simples decorrência das considerações precedentes que conduziram à conclusão de que as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 90.º do Código do IRC são efetuadas ao “montante apurado nos termos do número anterior”, entendido como o montante do IRC apurado com base na matéria coletável determinada de acordo com as regras constantes do capítulo III e das taxas do art.º 87.º do mesmo Código e descendo ao caso concreto, é possível estender tal conclusão à dedução relativa aos pagamentos especiais por conta.
  15. Basta, para tanto, invocar o disposto o disposto no n.º 7 (na versão de 2013) do mesmo preceito, segundo o qual «das deduções efetuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo».
  16. Deste modo, e em jeito de conclusão, temos que a natureza jurídica do PEC, revelada pela sua configuração como «instrumento ou garantia de pagamento do tributo por conta do qual é exigido, e não como imposição a se», bem como pela função que lhe está associada no combate à evasão e fraude fiscais, liga indissociavelmente este pagamento ao montante do IRC apurado sobre a matéria coletável determinada com base no lucro (capítulo III do Código).
  17. Sendo, por isso, manifestamente destituída de qualquer base a pretensão da ora Requerente de dedução do montante suportado em sede de pagamento especial por conta à coleta produzida pelas tributações autónomas no ano de 2013.
  18. Não se pode atribuir à AT uma posição num determinado sentido – que, curiosamente, surge no r.i. como favorável à pretensão da Requerente-, quando, sobre a matéria em causa, não houve qualquer emissão de pronúncia que leve a concluir que foi alterado entendimento expresso no preenchimento da declaração periódica de rendimentos, modelo 22, que, como vimos e demonstrámos, afasta por completo a possibilidade de dedução dos pagamentos especiais por conta ao montante das tributações autónomas.
  19. Mesmo que fosse configurável o pagamento de juros indemnizatórios na situação em apreço nos autos – e não é, por tudo o que se deixou acima sobre a bondade do ato impugnado nos autos –, o seu cômputo teria sempre como termo inicial a data em que ocorreu a notificação da decisão que indeferiu o procedimento de reclamação graciosa, ou seja, a 14-05-2015 e, nunca, o momento indicado pela Requerente no seu pedido.

 

II. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo é o próprio.

Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

A questão essencial a apreciar é a seguinte:

 

  1. Tem ou não a Requerente o direito de proceder à dedução, também à coleta de IRC produzida pela aplicação das taxas de tributação autónoma, dos pagamentos especiais por conta (PEC)?

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

  1. Em 29 de Maio de 2014, a ora requerente procedeu à apresentação da sua declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) Modelo 22 referente ao exercício de 2013, tendo nesse momento procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC nesse mesmo ano de 2013 no montante de € 78.174,37.
  2. Em 4 de Fevereiro de 2015 a requerente apresentou reclamação graciosa contra a referida autoliquidação respeitante ao exercício de 2013.
  3.  Em 14 de Maio de 2015 foi a requerente notificada do indeferimento da supra referida reclamação graciosa.
  4. A A… apurou prejuízo fiscal no valor de € 3.966.354,17, tendo no entanto apurado um montante total de imposto a pagar de € 78.138,67, imposto este que se encontra pago, e o qual resultou do apuramento de tributações autónomas em sede de IRC no montante de € 78.174,37, abatido do montante de € 35,70 de retenções na fonte sofridas, a cujo reembolso a A… tinha direito.
  5. A requerente pagou €70.000,00 em pagamentos especiais por conta efetuados por referência ao exercício de 2013.
  6. O sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam o montante resultante das tributações autónomas apuradas ao pagamento especial por conta processado nos termos do artigo 106º, do CIRC (redação dada pela Lei nº 66-B/2012, em vigor no ano de 2013).

 

IV.2. Factos não provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram considerados provados.

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 6 são dados como assentes por acordo das partes, pela análise do processo administrativo e pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 9 do pedido de constituição do Tribunal).

 

V. O Direito

Notas preliminares

As taxas de tributação autónoma incidem sobre determinados encargos suportados por sujeitos passivos de IRC, que pela sua natureza podem apresentar uma conexão mais ambígua na realização dos rendimentos sujeitos a tributação ou na manutenção da fonte produtora. Cada vez mais se procura, pelo mecanismo da tributação autónoma, dissuadir alguns excessos na ocorrência deste tipo de encargos.

 

Ao contrário do que sucede com a filosofia inerente às restantes disposições do Código de IRC não se tributa rendimento mas sim despesas ou gastos.

 

Com as tributações autónomas pretende-se dalgum modo penalizar os sujeitos passivos pela realização de alguns tipos de encargos ou despesas, em determinadas condições, ainda que tais sujeitos passivos tenham obtido prejuízo fiscal e, portanto, nesse exercício não pagassem IRC.

 

A incidência de tributação autónoma não se circunscreve às sociedades e demais sujeitos passivos de IRC, com finalidade lucrativa sendo também tal tributação extensiva às associações, fundações, IPSS e outras entidades que não exerçam, a título principal, atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola e ainda a todas as entidades que tenham rendimentos isentos ou não sujeitos a IRC.

 

Relativamente às tributações autónomas, adiante-se que estas são apuradas de forma autónoma e distinta do apuramento processado nos termos do artigo 90º do CIRC (redação em vigor em 2013[1]).

 

Desenvolvendo melhor a questão da natureza das tributações autónomas e o seu grau de conexão com o IRC:

Há que recuar ao ano de 1990 para encontrarmos a primeira intervenção do legislador no sentido de sujeitar determinadas despesas a tributação autónoma, ocorrida com a publicação do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, cujo artigo 4.º previa que «as despesas confidenciais ou não documentadas efetuadas no âmbito do exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respetivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.»

 

Esta norma foi objeto de diversas alterações posteriores que, sucessivamente, procederam ao aumento da taxa de tributação nela prevista.

 

Com este tipo de tributação teve-se em vista, por um lado, incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal e, por outro lado, evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionem não apenas em relação ao IRS ou IRC, mas também em relação às correspondentes contribuições, tanto das entidades patronais como dos trabalhadores, para a segurança social.

 

Saldanha Sanches (cfr. Manual de Direito Fiscal, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pág. 407), a propósito da tributação autónoma prevista no artigo 81.º, n.º 3, do CIRC (redação de 2005, correspondente, no essencial, ao artigo 88º-3, na redação de 2013), escreveu o seguinte: «Neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de interseção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros. Apresenta a norma uma característica semelhante à que vamos encontrar na sanção legal contra custos não documentados, com uma subida da taxa quando a situação do sujeito passivo não corresponde a uma situação de normalidade fiscal. Se na declaração do sujeito passivo não há lucro, o custo pode ser objeto de uma valoração negativa: por exemplo, temos uma taxa de 15% aplicada quando o sujeito passivo teve prejuízos nos dois últimos exercícios e foi comprada uma viatura ligeira de passageiros por mais de € 40 000 (artigo 81.º, n.º 4). Com esta previsão, o sistema mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que se procura desencorajar, como a aquisição de viaturas para fins empresariais ou viaturas em princípio demasiado dispendiosas quando existem prejuízos. Cria-se, aqui, uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. Em resumo, o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado – excecionalmente – em objeto de tributação (sublinhado nosso).

 

Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso (tributações autónomas) tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.

 

Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC).

 

Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo.

 

Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso).

 

Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa.

 

Neste caso estamos perante um tributo de obrigação única, incidindo sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, em que o facto gerador do tributo surge isolado no tempo, originando, para o contribuinte, uma obrigação de pagamento com caráter avulso. Ou seja, as taxas de tributação autónoma aqui em análise não se referem a um período de tempo, mas a um momento: o da operação isolada sujeita à taxa, sem prejuízo de o apuramento do montante devido pelos agentes económicos sujeitos à referida “taxa” ser efetuado periodicamente, num determinado momento, conjuntamente com outras operações similares, sem que a liquidação conjunta influa no seu resultado.

 

Por esta razão, Sérgio Vasques (cfr. Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, pág. 293, nota 470) chama a atenção para a circunstância de os impostos sobre o rendimento contemplarem elementos de obrigação única, como as taxas liberatórias do IRS ou as taxas de tributação autónoma do IRC.

 

As tributações autónomas, de acordo com a sua regulamentação inicial, constituíram como que um sucedâneo do regime da não dedutibilidade anteriormente previsto no CIRC.

 

Com efeito, na sua génese estava a não aceitação fiscal de uma percentagem de certas despesas, constituindo as tributações autónomas uma forma alternativa e mais eficaz de correção dos custos sempre que se trate de áreas mais propícias à evasão fiscal (ajudas de custo, despesas de representação, despesas com viaturas, etc.).

 

Assim, não seria razoável (antes até contrário ao motivo que levou o legislador a tributar autonomamente aquelas despesas) que, através da sua dedução ao lucro tributável a título de gastos, fosse eliminado o fundamento da existência das tributações autónomas.

 

A jurisprudência arbitral tem decidido no sentido de que as tributações autónomas pertencem, por regra, sistematicamente, ao IRC, e não ao IVA, ao IRS, ou a um qualquer outro imposto do sistema fiscal português. É o caso, entre outros, dos processos arbitrais proferidos no âmbito do CAAD, n.ºs 166/2014-T, 246/2013-T, 260/2013-T, 282/2013-T, 6/2014-T e 36/2014-T, 697/2014-T.

 

Também os Tribunais superiores têm entendido que “as tributações autónomas, embora formalmente inseridas no Código do IRC, sempre tiveram um tratamento próprio, uma vez que não incidem sobre o rendimento, cuja formação se vai dando ao longo do ano, mas antes sobre certas despesas avulsas que representam factos tributários autónomos sujeitos a taxas diferentes das de IRC”(…) “Pese embora tratar-se de uma forma de tributação prevista no CIRC, nada tem a ver com a tributação do rendimento, mas sim com a tributação de certas despesas, que o legislador entendeu, pelas razões atrás apontadas fazê-lo de forma autónoma.” (Acórdão do STA de 21/03/2012, proc. 830/11 e, no mesmo sentido, Ac. do STA de 06/07/2011, proc. n.º 0281/11,  Ac. do STA de 17.04.2013, proc. n.º 166/13, Ac. do STA de 21.01.2015, proc. n.º 04710/14 e Ac. do TCAS de 16.10.2014, proc. n.º 06754/13).

 

O Tribunal Constitucional no Ac. n.º 617/2012 de 31/01/2013 defendeu que na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto é instantâneo, pois “esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa.”

 

E no acórdão n.º 310/12, de 20 de junho, ponderou o Tribunal Constitucional que “ (...) contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.”

 

A generalidade da Doutrina não se afasta do entendimento dos tribunais superiores. Assim e tal como ensina o Professor RUI MORAIS, “está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas com constituindo factos tributários. É difícil descortinar a natureza desta forma de tributação e, mais ainda, a razão pela qual aparece prevista nos códigos dos impostos sobre o rendimento.” (RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pp. 202-203).

E também CASALTA NABAIS considera que se “trata de uma tributação sobre a despesa e não sobre o rendimento” (CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 6.ª Ed., p. 614).

 

Na mesma linha a Professora Ana Paula Dourado assevera que “é consensual que a tributação autónoma atinge a despesa do sujeito passivo-contribuinte e não o seu rendimento.”Direito Fiscal, 2015, Almedina, pág. 237

 

Não se afigura, deste modo, questionável, que o mecanismo de tributação autónoma do conjunto das realidades previstas no artigo 88.º do CIRC vise, primacialmente, acautelar os equilíbrios gerais do próprio sistema fiscal, os equilíbrios específicos do IRC e a receita do próprio imposto. Isto é, vise impedir que através da relevação significativa de encargos como os previstos no artigo 88.º, se não introduzam entorses afetadoras do sistema e a expetativa sobre o que deverá ser a receita “normal” do imposto. No caso, como é igualmente consabido, do que se trata é de desincentivar a realização / relevação dessas despesas, desde logo porque, pela sua natureza e fins, elas podem ser mais facilmente objeto de desvio para consumos que, na essência, são privados ou correspondem a encargos que não deixam de ter, também, como finalidade específica e última, o evitamento do imposto. Estas são realidades que, tal como já se deixou anteriormente assinalado, apresentam alguma medida de censurabilidade já que, não violando diretamente a lei, geram desequilíbrios sensíveis e importantes sobre a ideia geral de justiça, sobre o dever fundamental de contribuir na proporção dos seus haveres, da igualdade, do sacrifício, da proporcionalidade da medida do imposto em face das manifestações possíveis de riqueza, da tributação do rendimento real e da justiça.

 

Funcionando de um modo diferente do que constitui o escopo essencial do IRC – que tributa os rendimentos – as tributações autónomas, reafirma-se, tributam certas despesas ou encargos específicos – e constituem uma realidade instrumental, acessória desse imposto, na justa medida em que é em função dele que foram instituídas e são, por isso, passíveis de lhes ser reconhecida uma instrumentalidade ou acessoriedade de fins, radicada na salvaguarda dos fins do próprio imposto onde se manifestam.

 

Tem-se assim como certo que as tributações autónomas não constituem IRC em sentido estrito mas encontram-se a este (IRC) imbricadas, devendo conter-se nos “outros impostos” de que nos dá conta a parte final da alínea a) do nº 1 do artigo 45º do CIRC (redação em vigor em 2013).

 

 Revelações dessa ligação de funcionalidade, e no quadro da intenção do legislador no seu todo, sobressaem, por exemplo da disciplina do artigo 12º do CIRC a propósito das entidades sujeitas ao regime da transparência fiscal, ao não as tributar em IRC, “salvo quanto às tributações autónomas”, relação essa que igualmente se manifesta face ao nº 14 do artigo 88º do CIRC, no sentido em que as taxas de tributação autónoma têm em consideração o facto do sujeito passivo apresentar ou não prejuízo fiscal.

 

Analisada ainda sob outro prisma, haverá que considerar as tributações autónomas no contexto de normas anti-abuso específicas e a sua similitude com o regime previsto sob o nº 1 do artigo 65º do CIRC, (“não são dedutíveis para efeitos do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizada e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”).

 

Visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesas, pela sua natureza, potencia, não poderá ser ela mesma através da sua dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador.

 

Concluindo: as tributações autónomas, que incidem sobre encargos dedutíveis em IRC, integram o regime e são devidas a título deste imposto, não constituindo as despesas com o pagamento daquelas tributações encargos dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável.

Este entendimento foi legal e recentemente clarificado pelo artigo 3º da Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro, que aditou o artigo 23º A) ao CIRC (ao mesmo tempo que o seu artigo 13º revogou o artigo 45º) com a seguinte redação:

Artigo 23º A)- Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

“1. Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

  1. o IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros” .

 

Não subsistindo dúvidas quanto ao carácter interpretativo do preceito transcrito, de acordo com as regras de hermenêutica jurídica, na prática, tal norma, vem expressar o que o legislador sempre entendeu e continua a entender, ou seja que os encargos decorrentes com o custo associado às tributações autónomas, não relevam para efeitos de apuramento do lucro tributável.

 

O pagamento especial por conta (PEC)

Este regime está previsto nos artigos 106º, do CIRC e 33º, da LGT.

 

O PEC é uma entrega antecipada por conta de um facto que está em formação, ou seja, pressupõe um facto tributário de obrigação única por oposição aos factos tributários periódicos.

 

O PEC foi criado com o propósito de garantir uma coleta mínima de imposto, sendo até esta a sua primeira designação na discussão do OE para 1998.

 

Esta exigência de coleta mínima surgiu pela constatação de que a grande maioria das empresas não apresentava lucro tributável e/ou que este era na maioria dos casos insignificante.

 

Tal como a tributação autónoma, o PEC funciona como uma presunção de rendimento e como forma de combate à evasão fiscal, obrigando algumas empresas a pagar pelo menos algum imposto.

 

O PEC é também utilizado como um “mecanismo de anestesia fiscal”, fazendo reduzir o período de tempo entre o facto tributário e o pagamento do imposto. Apesar do regime da tributação autónoma ter como fundamento a tributação de um rendimento presumido, este difere do regime do PEC, na medida em que o pagamento da tributação autónoma é definitivo e não está sujeito a posteriores acertos.

 

O regime do PEC apresenta muitas outras especificidades que seria agora despropositado referir; apenas se salienta a possibilidade de o valor suportado poder ser deduzido à coleta, tornando-o muito menos pesado para as empresas do que a tributação autónoma.

 

 Acresce ainda que as empresas podem, em certas circunstâncias, obter o reembolso do PEC suportado, se não conseguirem deduzir todo o valor, funcionando assim como uma forma de ilidir a presunção de rendimento que resulta deste instituto.

 

A incidência do PEC baseia-se no volume de negócios relativos ao período de tributação anterior, nos termos do citado artigo 106º-2, do CIRC e os pagamentos efetuam-se durante o período de constituição do facto tributário. (Neste sentido António Lima Guerreiro, LGT Anotada, Editora Rei dos Livros, pág. 167).

 

Apesar de não ser óbvia a sua relação com a capacidade contributiva, o critério do volume de negócios está mais próximo de uma noção de rendimento do que as despesas sujeitas a tributação autónoma.

 

Desde a criação do PEC, foram sendo levantados problemas de constitucionalidade[2], por se afastar, designadamente, do princípio da capacidade contributiva. O certo é que, apesar do aceso debate, o instituto do PEC perdura.

 

Do exposto resulta evidente e em conclusão que a dedução do pagamento do PEC em 2013, não é dedutível ao montante das tributações autónomas apurado na declaração apresentada pela Requerente relativa ao mesmo período.

 

Juros indemnizatórios

Se, como se infere do exposto, o ato tributário sindicado não enferma dos vícios invocados, deve ser mantido e, em consequência, o pedido de juros indemnizatórios deverá também ser julgado improcedente.

 

III.      DECISÃO

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa nº … 2104 … e da consequente autoliquidação de IRC, incluindo taxa de tributação autónoma relativa ao exercício de 2013;
  2. Manter integralmente os atos tributários objeto deste processo;
  3. Julgar prejudicada apreciação dos demais pedidos formulados nos autos e
  4.  Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo, nos termos infra.

 

 Valor do processo

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 70.000.

Custas

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da requerente, A…(Portugal), SA.

 

  • Notifique-se.

 

Lisboa e CAAD, 27-4-2016

O Tribunal Arbitral

 

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(Dr. José Poças Falcão -Árbitro Presidente)

 

 

Vencido, conforme declaração que anexo,

 

 

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(Dr. Óscar Barros)

 

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(Dr. André Festas da Silva)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto

 

Discordo da posição maioritariamente tomada, pelos motivos seguidamente expostos:

 

  1. A questão primária que se coloca é a de apurar se a Requerente tem ou não o direito de proceder à dedução do pagamento especial por conta (PEC) à parte do IRC que decorre da aplicação das taxas de tributação autónoma.
  2. O primeiro aspeto a analisar é, em meu entender, o relativo à qualificação das tributações autónomas em sede de IRC, i.e. no caso em concreto, concluir se as tributações autónomas são ou não parte do IRC.
  3. Com efeito, no articulado do Código do IRC, em vigor em 2013, encontram-se algumas referências às tributações autónomas que nos ajudam a concluir quanto à natureza do imposto que decorre das taxas de tributação autónoma.
  4. A este respeito atente-se, por exemplo, para o disposto no artigo 12.º, quando nele se dispõe que “as sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas”. Ou seja, essas entidades são tributadas em IRC no que decorre das taxas de tributação autónoma, porém, quanto à restante parte do IRC, concretamente a que decorre da aplicação da taxa prevista no artigo 87.º n.º 1 do CIRC, já não se verifica a sua tributação em sede deste imposto.
  5. Por outro lado, a vasta jurisprudência existente sobre a qualificação das tributações autónomas enquanto elemento integrante do disposto no artigo 45.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC, com a redação anterior à última reforma fiscal do IRC [3], adota a posição de que as tributações autónomas são IRC.
  6. Acresce que, se dúvidas houvesse de que o imposto decorrente das tributações autónomas é também ele IRC, a redação dada ao artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a) do mesmo Código[4] dissipou-as, pois dispõe “O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros”, ou seja, a atual redação da referida norma vem reiterar que o IRC no seu todo é também composto pelo imposto decorrente das tributações autónomas.   
  7. Em conclusão, não se me oferecem dúvidas de que o imposto decorrente das taxas de tributação autónoma é efetivamente IRC.
  8. Esclarecida que está a questão de saber se as tributações autónomas são ou não IRC, a questão que importa agora analisar é - se as tributações autónomas decorrentes da aplicação das taxas previstas no artigo 88.º do CIRC têm um regime de liquidação comum ao IRC que decorre, por exemplo, da taxa prevista no artigo 87.º. n.º 1 do mesmo Código, estando, por isso, incluído no regime previsto no artigo 90.º do CIRC ou se, pelo contrário, assentam em regimes de liquidação autónomos entre si.
  9. Com efeito, a única norma onde se prevê a liquidação do IRC é a constante do artigo 90.º do CIRC, inexistindo qualquer outra disposição no mencionado Código em matéria de liquidação das tributações autónomas.
  10. Ora, caso não se concluísse que as tributações autónomas não são objeto de liquidação por via do regime de liquidação do IRC previsto no artigo 90.º do CIRC, ter-se-ia que admitir que o imposto decorrente das tributações autónomas não tinha uma disposição regulamentar que permitisse liquidar o imposto, o que não parece verificar-se. Não é este, pois, o entendimento que, em minha opinião, deve prevalecer, mas sim o de que, sendo as tributações autónomas uma componente do IRC, e dado a ausência de qualquer outra disposição no CIRC que preveja a liquidação dessa componente do IRC, a liquidação desse imposto decorrente da aplicação das taxas de tributação autónoma só pode fazer-se nos termos do artigo 90.º do CIRC.
  11. Nestas circunstâncias, a liquidação do IRC no seu todo processa-se nos termos do artigo 90.º, n.º 1 do CIRC, encontrando-se enumeradas no n.º 2 do mesmo artigo as deduções permitidas, de entre as quais consta a dedução do PEC. Em concreto, admite-se no artigo 90.º, n.º 2, alínea c) a dedução “relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º”.
  12. Ora, quanto a limitações a essas deduções, em particular quanto à dedução do PEC, o n.º 7 do citado artigo limita a sua dedução até ao montante do imposto liquidado nos termos do n.º 1 desse mesmo artigo, ou seja, da dedução do PEC não pode resultar um valor negativo, a reembolsar ao sujeito passivo.
  13. Para além disso, também o artigo 93.º do CIRC impõe limitações adicionais à dedução do PEC.
  14. Com efeito, o PEC apenas pode ser deduzido depois de efetuadas as deduções correspondentes à dupla tributação internacional e aos benefícios fiscais.
  15. A última limitação está relacionada com a dedução no tempo. Assim, nos termos do artigo 93.º n.º1, a dedução do PEC efetua-se no próprio período de tributação em que se efetua o PEC, porém, em caso de insuficiência de imposto (auto)liquidado, a sua dedução está limitada ao quarto período de tributação seguinte.
  16. Inexistem pois, no regime geral, outras limitações à dedução do PEC ao montante do imposto liquidado nos termos do artigo 90.º, n.º 1 do CIRC.
  17. Assim, uma vez que não se verifiquem as mencionadas limitações, nos termos do artigo 90.º n.º 2 alínea c) do CIRC, o PEC pode ser deduzido ao IRC liquidado nos termos do n.º 1 do mesmo artigo. 
  18. Por último, importa ainda referir que as motivações, a natureza, os fins e a incidência das tributações autónomas e a sua comparação com a parte do IRC que decorre da aplicação da taxa geral prevista no artigo 87.º, n.º 1 do CIRC, bem como as relativas às motivações e à natureza do PEC, e embora reconhecendo o mérito e importância dos mesmos para alcançarmos uma adequada compreensão e um correto conhecimento do imposto, em meu entender, tais elementos não são determinantes para a análise e conclusão da questão em crise.
  19. Por tudo o que foi exposto, entendo que:
  1. O imposto que decorre da aplicação das taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do CIRC é parte do IRC;
  2. A liquidação do IRC, incluindo o IRC que decorre das tributações autónomas, opera-se nos termos do artigo 90.º, n.º 1 do CIRC, tanto que inexiste qualquer outro regime de liquidação do imposto que decorre das taxas de tributação autónoma;
  3. Nos termos do artigo 90.º, n.º 2 do CIRC, contando que não se verifiquem as limitações à dedução do PEC previstas no n.º 7 do mesmo artigo e do artigo 93.º, n.º 1 também do CIRC, o PEC é passível de dedução ao IRC liquidado, do qual o IRC relativo às tributações autónomas faz parte integrante.

 

Em conclusão, entendo que o PEC é passível de dedução ao IRC liquidado por aplicação das taxas de tributação autónoma, havendo porém que considerar as limitações à dedução legalmente previstas no Código do IRC e já acima mencionadas, pelo que voto vencido esta pronúncia arbitral.

 

Lisboa e CAAD, 27- 4 - 2016

 

_____________________

(Dr. Óscar Barros)

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Será ao CIRC em vigor no período em causa nos autos (2013) que se referirão as referências neste texto àquele diploma quando se omitirem quaisquer outras especificidades.

[2] Cfr sobre esta matéria, José João Avillez Ogando, A Constitucionalidade do Regime do PEC, Suplemento da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 62, III, Dezembro de 2012.

[3] Em vigor desde 01 de Janeiro de 2014.

[4] A atual redação do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a) do Código do IRC introduzida com a reforma fiscal do IRC operada em 01 de Janeiro de 2014 corresponde à disposição constante do artigo 45.º, n.º 1, alínea a) do mesmo Código em vigor antes da referida reforma fiscal.