DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1. A..., LDA, NIF..., com sede na ..., Rua ..., n.º..., ...-... ..., ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos actos tributários de liquidação adicional de IVA, referentes ao ano de 2014, no montante global de € 83.291,70.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Administração Tributária recusou o direito à dedução do IVA nas facturas emitidas pelo fornecedor B..., Unipessoal, Lda, por considerar, no âmbito de um procedimento inspectivo, que esse fornecedor se encontrava sinalizado como utilizador de facturas falsas nos anos de 2013 e 2014 e não entregou, nos cofres do Estado, o imposto recebido dos seus clientes, retirando daí a conclusão de que a Requerente tinha ou devia ter conhecimento de que o fornecedor não dispunha de adequada estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade declarada.
No entanto, a primeira dessas condições não se verifica, visto que as facturas em causa concorreram para a base tributável de IVA a favor do Estado, constante das declarações periódicas do fornecedor, pelo que o imposto deve ser tido como efetivamente entregue nos cofres do Estado e só o não terá sido por via da dedução indevida de IVA relativamente às transacções que não correspondem a operações reais.
Por outro lado, o Relatório não consegue demonstrar que o fornecedor não tinha uma estrutura adequada ao exercício da atividade, nem tão pouco que os serviços titulados pelas facturas tidas como falsas não foram efectivamente realizados.
Devendo ter-se em atenção que o princípio da neutralidade do IVA impõe a salvaguarda do direito à dedução quando inexistam elementos objetivos que demonstrem que o sujeito passivo sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa fraude ao IVA.
A Autoridade Tributária operou ainda a liquidação de IVA sobre os bens que compõem o activo fixo tangível com base na presunção a que se refere a segunda parte do artigo 86.º do Código do IVA, segundo a qual são tidos como transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade.
No entanto, o Relatório de Inspecção Tributária não identifica quais os bens que foram transmitidos ou quando foram objecto de transmissão, pelo que não poderá dar-se como provado o facto base da presunção.
Em conclusão, a Requerente entende que as liquidações adicionais enfermam de erro quanto à qualificação dos factos no que se refere à dedução indevida de IVA e de erro na aplicação da presunção relativa à transmissão de bens, pelo que as correcções à matéria coletável apenas poderiam ser efectuadas por métodos indirectos, tal como prevê a alínea a) do artigo 88.º da LGT.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que a Requerente tinha vindo a liquidar IVA nas transacções em madeira à taxa de 23% quando tinha já conhecimento, desde meados de junho de 2014, que a taxa aplicável era de 6%, por efeito da alteração legislativa ocorrida em 2013, o que devia ter determinado a rectificação das facturas emitidas pelos seus fornecedores.
Em todo o caso, a recusa do direito à dedução de IVA apenas ocorreu relativamente ao segundo semestre de 2014, num momento em que a Requerente já tinha consciência da liquidação irregular de IVA, e em relação a operações em que o transmitente dos bens não entregou nos cofres do Estado o imposto liquidado ao cliente e se encontrava indiciado por emissão de facturas falsas.
Relativamente à presunção de transmissão de bens, a Administração constatou uma diminuição do activo fixo tangível respeitante a equipamento básico, no montante de € 601.142,66, e um movimento contabilístico respeitante a depreciações/amortizações relativo ao mesmo activo fixo tangível, no montante de € 321.640,90, permitindo concluir que o valor contabilístico dos bens é de € 279.501,76, correspondente à diferença entre esses valores, sobre que incide IVA à taxa de 23%.
Tendo ocorrido essa diminuição do activo fixo tangível sem que o sujeito passivo esclarecesse essa situação, é de presumir, nos termos do artigo 86.º do Código do IVA, que esses bens foram objecto de transmissão, sendo devido o correspondente imposto.
Sendo que cabe ao sujeito passivo fazer a prova real e objectiva dos factos que possam ilidir a presunção da transmissão dos bens.
Conclui pela improcedência do pedido.
2. Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e, no seguimento do processo, as partes forma notificadas para alegações facultativas por prazo sucessivo.
Em alegações a Requerente pronunciou-se sobre os resultados probatórios resultantes dos elementos do processo e, no mais, manteve a sua anterior posição.
A Autoridade Tributária não contra-alegou.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 4 de setembro de 2018.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes:
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A Requerente dedica-se à actividade principal de exploração florestal, que inclui a prestação de serviços de silvicultura e limpezas florestais, compra e venda de madeiras e de equipamentos para silvicultura e exploração florestal;
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A Administração Tributária levou a efeito um procedimento inspectivo, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI 2017..., destinado a verificar o cumprimento das obrigações fiscais por parte da Requerente relativamente ao exercício de 2014;
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Na sequência do procedimento inspectivo foram determinadas correcções aritméticas, por dedução indevida do IVA, no montante de € 19.006,30, e presunção de transmissão de bens, no montante de € 64.285,40;
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O Relatório de Inspecção Tributária baseou a liquidação adicional de IVA por dedução indevida de imposto nos seguintes considerandos:
- a Requerente contabilizou facturas de aquisição de madeira, de julho a dezembro de 2014, à taxa de 23%, nos valores parcelares indicados no quadro que consta de fls. 44 do Relatório, referentes ao fornecedor B..., Unipessoal, Lda;
- relativamente a esse fornecedor, ocorreu um procedimento inspectivo pelo qual se constatou que o sujeito passivo utilizou facturação falsa nos anos de 2013 e 2014 e não entregou nos cofres do Estado o imposto recebido dos seus clientes, entre os quais se encontrava a Requerente;
- ficou ainda patente, no procedimento, a inadequada estrutura empresarial do sujeito passivo, que é revelada pelos seguintes factos: nunca foi possível contactar o sócio gerente por contacto telefónico, pessoal ou por via postal ou através de um contabilista certificado; todas as notificações foram devolvidas ao serviço de finanças pelos CTT; a sede da empresa corresponde a uma casa de habitação que se encontra desabitada;
- a Requerente deduziu integralmente o IVA, liquidado à taxa de 23%, resultante de operações que não correspondem a operações reais e que não foi entregue nos cofres do Estado;
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A Requerente efectuou movimentos contabilísticos de que resultaram a diminuição de activo fixo tangível, no montante de € 601.142,66, escriturado na conta 4.3.3.131 – aquisições equipamento básico, e a diminuição de depreciações acumuladas, no montante de € 321.640,90, escriturada na conta 4.3.8.3 – equipamento básico;
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O Relatório de Inspecção Tributária deu relevo à circunstância de o sujeito passivo, notificado para o efeito, não ter justificado e esclarecido o movimento contabilístico;
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O Relatório de Inspecção Tributária caracterizou esse movimento contabilístico como correspondendo à transmissão de bens ou à afectação a fins alheios à actividade da sociedade, por efeito da presunção prevista no artigo 86.º do Código do IVA;
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Com base nessa presunção, foi determinada a liquidação adicional de IVA no montante de € 64.285,40, calculado à taxa de 23%, sobre o valor líquido contabilístico de € 279.501,76 (correspondente à diferença entre os valores de € 601.142,66 e € 321.640,90).
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária.
Matéria de direito
5. Introdutoriamente, a Requerente alude aos requisitos gerais da fundamentação do acto tributário para concluir que, na situação vertente, a questão a decidir se coloca no plano da validade substancial, tendo em vista averiguar se os motivos concretamente invocados pela Administração Tributária justificam a prática dos actos de liquidação adicional de imposto.
Não obstante, a Requerente acaba por consignar que as correções efectuadas “enfermam de manifesto vício na fundamentação substancial, por não subsunção dos quadros factuais às normas invocadas”, o que - segundo afirma - necessariamente resvala para um vício de falta fundamentação formal.
É sabido, no entanto, que o nosso ordenamento jurídico não consagra uma concepção substancialista do dever de fundamentar, reconduzindo-se a exigência de fundamentação ao modo de exteriorização formal do acto administrativo, e não à validade substancial quanto ao respectivo conteúdo ou pressupostos.
Por outro lado, estando em causa uma errada subsunção jurídica dos factos - como vem alegado -, a questão coloca-se, não no plano da falta ou insuficiência da fundamentação, mas no erro quanto aos pressupostos de direito, que se enquadra num vício de violação de lei, e que se reporta a dois aspectos distintos: o direito à dedução do IVA e presunção de transmissão de bens.
São, pois, estas as questões que interessa dilucidar.
Dedução indevida de IVA
6. A Administração Tributária recusou o direito de dedução do IVA incidente sobre a aquisição de bens efectuada no âmbito da actividade económica da Requerente, com invocação do artigo 19.º, n.º 4, do Código do IVA, com base em dois pressupostos: no procedimento inspectivo dirigido contra o transmitente dos bens sujeitos a dedução ficou patente que essa entidade não dispunha de uma adequada estrutura empresarial; a Requerente deduziu integralmente o IVA, liquidado indevidamente à taxa de 23%, sendo que o imposto não foi entregue nos cofres do Estado por via da utilização, por parte do fornecedor dos bens, de documentos que não titulam operações reais.
O direito à dedução do imposto, disciplinado nos artigos 167.º a 192.º da Directiva IVA e, no direito interno, nos artigos 19.º a 25.º do Código do IVA, consiste essencialmente no direito de um sujeito passivo deduzir ao imposto incidente sobre uma certa operação tributável o imposto em que tenha incorrido na aquisição de bens ou serviços que se destinem à realização dessa operação. Baseando-se o imposto num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é inerente ao próprio funcionamento do sistema e evidencia a neutralidade do imposto. Como princípio fundamental do sistema do IVA, o direito à dedução, em princípio, não pode ser limitado e exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efectuadas a montante (acórdão do TJUE de 8 de maio de 2013, Processo n.º C-271/12).
O direito à dedução é reconhecido no artigo 19.º, n.º 1, do Código do IVA e nas condições definidas no n.º 2. Por sua vez, os n.ºs 3 e 4 estabelecem restrições ao direito à dedução nos seguintes termos:
«3 – Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura.
4 - Não pode igualmente deduzir-se o imposto que resulte de operações em que o transmitente dos bens ou prestador dos serviços não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado, quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento de que o transmitente dos bens ou prestador de serviços não dispõe de adequada estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade declarada.»
O n.º 3 reporta-se a operações simuladas, enquanto o n.º 4 impede a dedução do IVA nas situações de inexistência ou inadequação da estrutura empresarial do fornecedor dos bens à actividade desenvolvida quando o fornecedor não tenha entregue nos cofres do Estado o imposto liquidado.
Como é assinalado pela doutrina, para a limitação constante deste n.º 4, “não se exige que o sujeito passivo adquirente tenha conhecimento da intenção fraudatória do fornecedor de não entrega nos cofres do Estado do imposto, mas apenas que aquele conheça ou deva conhecer que este não tem condições adequadas à prossecução da actividade declarada”, entendendo-se que “o princípio da neutralidade do IVA impõe a salvaguarda do direito à dedução quando inexistam elementos objetivos que demonstrem que o sujeito passivo sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa fraude ao IVA”. Assim se concluindo, em conformidade com a jurisprudência do TJUE (acórdão de 6 de julho de 2006, Processo C-439/04), que “quando se verifique que os sujeitos passivos adquirentes empreenderam as medidas que lhes podiam ser razoavelmente exigidas para garantir que as suas operações não integravam uma fraude, devem poder confiar na legalidade dessas operações sem correrem o risco de perderem o seu direito a deduzir o IVA pago a montante” (cfr. Alexandra Martins/Lídia Santos, in Código do IVA E RITI – Notas e comentários», coordenação Clotilde Celorico Palma e António Carlos Santos, Almedina, 2014, págs. 242 e 243).
No caso vertente, a Administração Tributária recusou o direito à dedução do IVA, relativamente a operações de aquisição de bens, por ter constatado, em procedimento inspectivo especificamente dirigido à actividade económica do transmitente, que este utilizou facturação falsa nos anos de 2013 e 2014 e não entregou nos cofres do Estado o imposto liquidado. E ainda porque ficou patente, nesse mesmo procedimento, que a empresa não dispõe de uma adequada estrutura empresarial, atribuindo-se relevo, para assim se concluir, aos factos que constam do último item da alínea D) da matéria de facto.
Segundo o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, o “ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobe quem os invoque”. Estando em causa a recusa do direito à dedução do IVA, é à Administração que incumbe, por efeito dessa regra do direito probatório material, a prova dos factos que concretizam a limitação do direito à dedução nos termos da referida disposição do artigo 19.º, n.º 4, do Código do IVA, ou seja, a não entrega nos cofres do Estado do imposto liquidado pelo transmitente dos bens e o conhecimento (ou o dever de conhecimento) de que o transmitente não dispunha de estrutura empresarial adequada.
No caso concreto, essa prova foi coligida, como vimos, através de um procedimento inspectivo em que a Requerente não é interessada, nem ao qual poderia ter tido acesso quando pretendeu exercer o direito de dedução do IVA. E, como ficou dito, não se exige – para efeito da aplicação do n.º 4 do artigo 19.º - que o sujeito passivo adquirente tenha conhecimento do propósito fraudulento do transmitente, mas que conhecesse ou devesse conhecer que este não tem as condições adequadas para o exercício da actividade declarada. No entanto, quanto a este ponto, o que resulta do Relatório de Inspecção Tributária é que o sócio gerente do fornecedor não estava contactável, nem foi possível efectuar notificações por via postal e a sede da empresa correspondia a uma casa de habitação normalmente desabitada.
Nada permite concluir, no entanto, que qualquer desses indícios factuais fosse também do conhecimento da Requerente e, em qualquer caso, não se faz qualquer prova de que a Requerente tinha ou devia ter conhecimento da inexistência ou inadequação da estrutura empresarial do transmitente.
Não tendo sido feita essa prova, chega-se a uma situação de incerteza quanto aos factos relevantes que terá de ser resolvida em desfavor da parte sobre quem impende o ónus da prova (artigos 346.º, in fine, do Código Civil, e 414.º do Código de Processo Civil.
O Relatório de Inspecção dá ainda destaque à circunstância de o IVA ter sido deduzido à taxa de 23%, quando no segundo semestre de 2014, estava já em vigor para aquele tipo de transações a taxa reduzida de 6%. Esse considerando não tem, no entanto, qualquer relevo para a análise do caso, visto que o que está em causa é apenas o preenchimento dos requisitos de que depende o direito à dedução. No caso de inexactidão de facturas apenas há lugar ao mecanismo próprio de regularização a que se refere o artigo 78.º do Código do IVA.
O pedido arbitral mostra-se procedente quanto a este ponto.
Presunção de transmissão de bens
7. A Requerente põe ainda em causa a liquidação de IVA sobre os bens que compõem o activo fixo tangível com base na presunção de que tais bens não se encontram no local onde exerce a sua actividade e foram transmitidos ou afectos a fins alheios ao objecto social. A esse título sustenta que a Administração Tributária, dando como transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade, não efectua a prova do facto base da presunção a que se refere o artigo 86.º do Código do IVA, uma vez que se desconhece quais os bens que estão causa ou quando foram objecto de transmissão.
O que resulta da matéria tida como assente é que a Requerente efectuou movimentos contabilísticos de que resultaram a diminuição de activo fixo tangível, no montante de € 601.142,66, e a diminuição de depreciações acumuladas, no montante de € 321.640,90, sabendo-se que se trata de movimentos referentes a equipamento básico. Segundo o Relatório de Inspecção Tributária, a Requerente não terá justificado esses movimentos contabilísticos, pelo que se considerou verificada a transmissão de bens ou a afectação a fins alheios à actividade da sociedade, por efeito da presunção prevista no artigo 86.º do Código do IVA. Houve assim lugar à liquidação adicional de IVA, calculado à taxa de 23%, sobre o valor líquido contabilístico de € 279.501,76, correspondente à diferença entre os valores de € 601.142,66 e € 321.640,90.
A referida disposição do Código do IVA prescreve:
“Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer desses locais.”
Trata-se, por conseguinte, de uma presunção legal iuris tantum que pode ser ilidida por prova em contrário.
As presunções pressupõem a prova de um facto conhecido (base de presunção) do qual se infere um facto desconhecido (artigo 349.º do Código Civil). Tratando-se, no caso, de uma presunção estabelecida na lei, ela não constitui propriamente um meio de prova, ou seja, um meio destinado a formar a convicção sobre a realidade de um facto, mas antes um meio de dispensa da prova do facto presumido. Com base num facto instrumental dado como provado, o juiz poderá inferir, por efeito da presunção legal, um outro facto sobre o qual não existe prova directa. Nesse contexto, cabe à parte provar o facto instrumental para que dele se possa inferir, por presunção legal, o facto presumido (cfr. Teixeira de Sousa, A prova em processo civil, sem data (policopiado), págs. 5-6).
No caso, a Administração Tributária não efectuou a prova do facto instrumental, limitando-se a extrair a ilação da ocorrência da transmissão de bens a partir do movimento contabilístico que importou uma diminuição do activo fixo tangível e fixando o valor líquido dos bens transmitidos através do saldo contabilístico entre o valor da diminuição e o valor das depreciações.
Ainda que, em regra, os dados e apuramentos inscritos na contabilidade do sujeito passivo se devam presumir verdadeiros (artigo 75.º, n.º 1, da LGT), o certo é que o facto instrumental que serve de base à presunção não pode dar-se como provado apenas através de um mero controlo contabilístico, visto que a base da presunção se traduz, nos termos da lei, na inexistência, em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade, dos bens adquiridos, importados ou produzidos. Na circunstância do caso, tornava-se, portanto, necessário demonstrar que foram adquiridos, importados ou produzidos os bens que compõem o activo fixo tangível e que esses bens se não encontram nos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade.
Também não é suficiente, para efeito da prova do facto instrumental, a mera alegação de que o sujeito passivo, notificado para o efeito, não veio esclarecer ou justificar os movimentos contabilísticos incidentes sobre o activo fixo tangível. A falta de colaboração do contribuinte no esclarecimento da sua situação tributária apenas permite ilidir a presunção de que os dados e apuramentos inscritos na contabilidade são verdadeiros (artigo 75.º, n.º 2, alínea b), da LGT). Mas daí não pode concluir-se que os movimentos contabilísticos – que nem sequer podem ter-se como fidedignos - permitem comprovar que os bens não se encontravam nos locais onde o sujeito passivo exerce a sua actividade.
O facto instrumental de que havia de inferir-se o facto presumido não pode, por conseguinte, ter-se como provado, o que impede o funcionamento da presunção legal.
Por todo o exposto, o pedido mostra-se procedente também neste ponto.
III – Decisão
Termos em que se decide julgar totalmente procedente o pedido arbitral e anular os actos tributários de liquidação de IVA, referentes ao ano de 2014, por dedução indevida do IVA, no montante de € 19.006,30, e presunção de transmissão de bens, no montante de € 64.285,40.
IV. Valor da causa
Fixa-se o valor da causa no montante de € 83.291,70, que corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar.
V. Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 30 de janeiro de 2019
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
Cristina Aragão Seia
O Árbitro vogal
Olívio Mota Amador