Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 179/2013-T
Data da decisão: 2014-06-04  IRC  
Valor do pedido: € 24.512,39
Tema: Derrama municipal, RETGS, inutilidade superveniente da lide
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I. RELATÓRIO

1. No dia 25 de julho de 2013, a sociedade comercial A…, S. A., NIPC …, com sede na Rua …, Lisboa, (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), do artigo 57.º da Lei Geral Tributária e dos artigos 102.º, n.º 1, alínea d) e 106.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – visando a declaração de ilegalidade parcial do ato de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (doravante, abreviadamente designado IRC) referente ao exercício de 2010, na parte respeitante à derrama municipal apurada, no valor de € 24.512,39, por vício de violação de lei, nomeadamente do disposto no artigo 14.º, n.º 1, da Lei das Finanças Locais, com o consequente direito da Requerente à restituição da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios a computar entre a data do pagamento e a emissão da correspondente nota de crédito –, sendo Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT). A Requerente juntou 7 (sete) documentos, não tendo arrolado testemunhas.  

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 29 de julho de 2013.

            3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. Em 23 de setembro de 2013, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 8 de outubro de 2013.

6. No dia 25 de Novembro de 2013, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual, para além de haver deduzido as exceções de ilegitimidade passiva da AT e de incompetência do Tribunal Arbitral, impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente e concluiu pela improcedência do pedido, com a sua consequente absolvição. A Requerida não juntou qualquer documento, nem arrolou testemunhas. Na mesma ocasião, a Requerida juntou aos autos o Processo Administrativo Tributário.

7. Em 14 de Janeiro de 2014, a Requerida apresentou um requerimento pelo qual comunicou que, em 6 de janeiro de 2014, o Senhor Diretor-Geral da AT proferiu um despacho determinando que fosse aplicado ao ato tributário impugnado neste processo arbitral o entendimento sancionado pelo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, constante do Ofício n.º 19201 da Direção de Serviços do IRC. A Requerida terminou esse requerimento peticionando a extinção da presente instância arbitral, por se verificar uma situação de inutilidade superveniente da lide.

8. Posteriormente, em 17 de janeiro de 2014, a Requerida, para tal notificada, veio juntar aos autos o dito Ofício n.º 19201 da Direção de Serviços do IRC, de 8 de novembro de 2013, bem como a Proposta n.º …, de 9 de dezembro de 2013, sobre a qual recaiu o referido Despacho de 6 de janeiro de 2014, proferido pelo Senhor Diretor-Geral da AT. 

9. Importa aqui respigar, nas partes que se afiguram relevantes para os presentes autos, os teores dos referenciados documentos:

§. Ofício n.º 19201 da Direção de Serviços do IRC, de 8 de novembro de 2013:

«Foi, pelo Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) n.º 464/2013 – XIX, de 18 de outubro de 2013, (…), determinada a não aplicação do Ofício-Circulado n.º 20.132, de 14 de abril de 2008, da DS IRC, na parte que se refere ao RETGS (n.º 2 daquele ofício-circulado), relativamente aos períodos de imposto cujo facto tributário se considera ocorrido entre 1 de janeiro de 2007 e 31 de dezembro de 2011, retomando-se em pleno a sua aplicabilidade aos períodos seguintes, em conformidade com a nova redação do artigo 14.º da LFL (Lei n.º 2/2007).

Assim, nos procedimentos que estejam pendentes de decisão, como sejam, nomeadamente, as reclamações, os recursos ou as impugnações, deverá ser refletido o entendimento segundo o qual, relativamente às sociedades sujeitas a tributação em IRC no âmbito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama municipal incide sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades.»    

§. Proposta n.º 411-FSS-2013, de 9 de dezembro de 2013:

«O processo arbitral (…) teve a sua génese no acto presumido de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa n.º , que teve por objecto a apreciação da legalidade da autoliquidação de IRC do ano de 2010, na parte respeitante à derrama municipal apurada.

(…)

Não se afigura existirem circunstâncias prejudiciais que contendam com a legitimidade da Requerente, ou a tempestividade do pedido gracioso.

Assim, inexistindo interesse da AT na manutenção do processo arbitral, e atento o entendimento sufragado pelo Despacho do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.º 464/2013-XIX, de 18 de Outubro, exarado na informação n.º 1846/2013 da DSIRC, afigura-se se de proferir acto expresso de deferimento da pretensão da Requerente, formulada na Reclamação Graciosa acima identificada.

 (…)

Propõe-se assim (…) que seja deferido o pedido formulado pela Requerente em sede de reclamação graciosa.»

§. Despacho do Senhor Diretor-Geral da AT, de 6 de janeiro de 2014:

«Concordo.»

10. Em 21 de Janeiro de 2014, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual a Requerente declarou não se poder pronunciar relativamente à questão da inutilidade superveniente da lide, enquanto o pedido por si formulado na mencionada reclamação graciosa, correspondente ao formulado no pedido de pronúncia arbitral, não fosse integralmente satisfeito pela AT.

Colocada, então, às Partes a possibilidade da eventual suspensão da presente instância arbitral a fim de permitir que a Requerida executasse os atos necessários à plena concretização do aludido despacho do Senhor Diretor-Geral da AT, ambas pronunciaram-se em sentido favorável a uma suspensão pelo período de 2 (dois) meses. Mais disseram as Partes que, caso esse período se afigurasse insuficiente para o referido efeito, nada tinham a opor à prorrogação da suspensão por igual prazo e, uma vez verificada essa necessidade, pronunciavam-se ainda favoravelmente à prorrogação do prazo legal previsto no artigo 21.º, n.º 1, do RJAT, para a prolação e notificação da decisão arbitral.

11. O Tribunal Arbitral proferiu então o seguinte despacho:

«Tendo em vista a finalidade acima referida e a fim de evitar a eventual prática de atos processuais inúteis, determina-se a suspensão da instância até ao próximo dia 21/03/2014 (artigos 269.º, n.º 1, alínea c) e 272.º, n.º 1, in fine, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Até àquela data e logo que tal se afigure possível, deve a Requerida (AT) vir aos autos informar e comprovar a total satisfação do pedido formulado pela Requerente na sobredita reclamação graciosa e concomitantemente neste processo arbitral.

Se a Requerida vier a constatar que este prazo se afigura insuficiente para dar integral satisfação ao pedido formulado pela Requerente, deverá imediata e fundamentadamente comunicar essa impossibilidade aos autos.»

 12. Em 24 de Março de 2014, a Requerida veio apresentar um requerimento, instruído com um documento, no qual informa o seguinte:

«2. Por consulta ao sistema informático da AT, realizada hoje, constatou-se que a pretensão da Requerente, constante do pedido de pronúncia arbitral, ainda não se mostra satisfeito, uma vez que o imposto e juros indemnizatórios ainda não foram processados.

3. Não obstante, como se constata da informação que se anexa, elaborada pela Direcção de Finanças de Lisboa, foi já elaborado o Documento de Correcção, que apurou o montante de imposto a restituir, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.

4. Espera-se assim que a breve prazo se mostre integralmente satisfeita a pretensão da Requerente.»

A Requerente terminou aquele seu requerimento peticionando «que seja determinada a prorrogação do prazo de suspensão da instância arbitral, a fim de permitir a conclusão dos actos que permitam a plena satisfação do pedido formulado pela Requerente.»

13. Em 2 de abril de 2014, atento o vertido no citado requerimento apresentado pela AT e o teor do documento que o acompanha – onde, a dado passo, se afirma o seguinte: «…procederemos à anulação total no valor de € 24.512,39, da derrama incluída na autoliquidação de IRC do exercício de 2010, sendo devidos juros indemnizatórios em resultado do pagamento indevido do imposto apurado desde a data da entrega da declaração Mod. 22 do grupo de sociedades cujo pagamento se verificou em 30/06/2011, devendo ser elaborado um documento de correcção. Neste, o valor da derrama deverá ser totalmente anulado no montante de € 24.512,39 e liquidados os correspondentes juros indemnizatórios nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.» –, bem como a posição que as Partes assumiram a este propósito, aquando da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e entendendo justificada a necessidade de prorrogação do prazo de suspensão da presente instância arbitral, a fim de permitir que a AT concluísse os atos necessários à plena satisfação do pedido formulado pela Requerente, o Tribunal Arbitral proferiu despacho determinando o seguinte:

«1. O prazo para a emissão e notificação da decisão arbitral é prorrogado pelo período de 2 (dois) meses, ou seja, até ao próximo dia 8 de Junho de 2014.

2. O prazo de suspensão da instância é prorrogado até ao próximo dia 15 de maio de 2014.

3. Até àquela data (15.05.2014) e logo que tal aconteça, deve a Requerida vir aos autos informar e comprovar a total satisfação do pedido formulado pela Requerente neste processo arbitral.

4. Se a Requerida constatar que até àquela data (15.05.2014) não consegue dar integral satisfação ao pedido formulado pela Requerente, deverá, logo que disso tenha conhecimento, vir aos autos comunicar essa impossibilidade de forma fundamentada.»

            14. Uma vez esgotado o prazo de suspensão da instância sem que as Partes, nomeadamente a Requerida, nada tivessem vindo dizer aos autos, o Tribunal Arbitral, em 19 de maio de 2014, proferiu despacho ordenando a notificação da Requerida para que viesse aos autos comunicar o que tivesse por conveniente, maxime quanto à satisfação do pedido formulado pela Requerente neste processo arbitral.

            15. Sequentemente, a Requerida veio aos autos, em 29 de maio de 2014, comunicar que o reembolso do montante de € 24.512,39 (vinte e quatro mil quinhentos e doze euros e trinta e nove cêntimos), respeitante ao imposto, havia sido emitido em 26.03.2014 e concretizado em 02.04.2014. Mais informou que a liquidação dos respetivos juros indemnizatórios havia sido concretizada em 24.05.2014, encontrando-se a aguardar pagamento. A Requerida juntou então um documento, composto por diversos prints informáticos, comprovativo dessa factualidade. 

            16. No dia seguinte, a Requerida veio aos autos comunicar que os juros indemnizatórios liquidados, no valor de € 2.688,98 (dois mil seiscentos e oitenta e oito euros e noventa e oito cêntimos) foram aplicados num processo de execução fiscal, nos termos do artigo 89.º do CPPT, tendo junto um documento, composto por dois prints informáticos, comprovativo desse facto. Nessa ocasião, a Requerida reiterou o pedido de declaração de extinção desta instância arbitral, por inutilidade superveniente da lide.

            17. Notificada daqueles dois requerimentos apresentados pela Requerida, bem como dos documentos que os acompanham, a Requerente veio, em 2 de junho de 2014, declarar que «não se opõe à extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide, uma vez que já foram na presente data integralmente satisfeitas as suas pretensões nos presentes autos»

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II. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

O processo não enferma de nulidades.

As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.

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            III. DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE

            Por ambas as Partes foi expresso o entendimento de que se verifica a inutilidade superveniente da lide e, consequentemente, ambas requerem a extinção da presente instância arbitral.

            Cumpre apreciar e decidir.

            O art. 277.º, alínea e), do CPC dispõe o seguinte: “A instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.

A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito.

A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.

A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide traduz-se, assim, numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei.

Segundo José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 555), “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

Volvendo ao caso concreto, temos que a AT satisfez por inteiro e de modo voluntário as pretensões que a Requerente formulou nestes autos, como esta própria veio expressamente reconhecer e declarar.

Nessa medida, os resultados que a Requerente visava com o presente processo arbitral foram já integralmente atingidos, pelo que a decisão arbitral que, normalmente, seria proferida, conhecendo do mérito das pretensões deduzidas, se afigura destituída de qualquer efeito útil, pelo que não se justifica a sua prolação.   

            Sem necessidade de maiores considerações, julga-se pois verificada a inutilidade superveniente da lide.

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            IV. DECISÃO

            Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)      Declarar extinta a presente instância arbitral, por inutilidade superveniente da lide (cfr. artigo 277.º, alínea e), do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT);

b)      Condenar a Requerida a pagar as custas do presente processo (cfr. artigo 536.º, n.os 3 e 4, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

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VALOR DO PROCESSO:

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 24.512,39 (vinte e quatro mil quinhentos e doze euros e trinta e nove cêntimos).

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CUSTAS:

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

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Lisboa, 4 de junho de 2014.

 

O Árbitro,

Ricardo Rodrigues Pereira