Decisão Arbitral
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RELATÓRIO
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Em 12 de Setembro de 2018 os contribuintes A... e B..., NIFS ... e ..., respetivamente, ambos com domicilio fiscal na ..., n.º..., ...-... ..., Santo Tirso, requereram, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 17 de Setembro de 2018.
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No dia 23.10.2018 os Requerentes informaram os autos que o ato tributário sindicado (liquidação de IRS n.º 2018...) foi revogado, requerendo o prosseguimento da lide com vista ao reconhecimento dos juros indemnizatórios e ao reembolso do montante pago.
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Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
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Por despacho datado de 21.11.2018 a Requerida foi notificada para apresentar a resposta.
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No dia 04.12.2018 os Requerentes informaram os autos de que o imposto pago havia sido reembolsado, bem como o demais peticionado, requerendo que fosse reconhecida a inutilidade superveniente da lide, com custas a cargo da AT.
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A Requerida foi notificada do requerimento dos Requerentes, tendo informado que não se opõe ao reconhecimento da inutilidade superveniente da lide, devendo, contudo, as custas de arbitragem ficar a cargo dos Requerentes.
II. SANEAMENTO
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.
As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo é o próprio.
Suscitando-se a questão-prévia da inutilidade superveniente da lide, será esta apreciada prioritariamente.
II. 1. Da Impossibilidade/Inutilidade da Lide
Por ambas as partes foi expresso o entendimento de que se verifica a inutilidade superveniente da lide e, consequentemente, ambas requerem a extinção da presente instância arbitral.
Cumpre apreciar e decidir.
O artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, dispõe o seguinte: “A instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito. Se o objeto da lide deixou de existir a instância deve ser extinta.
A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.
No caso vertente, a 12 de Setembro de 2018, foi apresentado o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo. A Requerida foi notificada do pedido de constituição do tribunal arbitral a 17.09.2018.
O ato tributário impugnado (liquidação de IRS n.º 2018...) foi revogado pela Subdiretora Geral do Rendimento em 09.10.2018. A revogação foi notificada aos requerentes e à Mandatária por ofício datado de 11.10.2018.
Os Requerentes solicitaram o prosseguimento da lide por requerimento de 23.10.2018. O Tribunal Arbitral foi constituído em 20.11.2018.
Face aos factos, no caso em apreço estamos perante uma impossibilidade da lide e não perante uma inutilidade da lide. A revogação do ato tributário, cuja legalidade constituía o objeto imediato do processo, torna esta lide impossível de prosseguir porque o ato tributário sindicado cessou os seus efeitos (art. 165º, n.º1 do CPA).
À data da constituição do tribunal arbitral (20.11.2018) a lide já era impossível porque o ato tributário já havia sido revogado previamente (09.10.2018). Pelo que, na verdade não estamos perante uma impossibilidade superveniente da lide, mas sim perante uma impossibilidade originária.
Em qualquer dos casos, a impossibilidade ou inutilidade da lide traduz-se, assim, numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei.
Segundo José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 555), “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
Volvendo ao caso concreto, acresce que, a AT satisfez por inteiro e de modo voluntário as pretensões que os Requerentes formularam nestes autos, como estes próprios vieram expressamente reconhecer.
Nessa medida, os resultados que os Requerentes visavam com o presente processo arbitral foram já integralmente atingidos, pelo que a decisão arbitral que, normalmente, seria proferida, conhecendo do mérito das pretensões deduzidas, se afigura destituída de qualquer efeito útil, pelo que não se justifica a sua prolação.
No caso em apreço, a legalidade da liquidação não pode ser apreciada porque o ato tributário foi revogado antes da constituição do tribunal arbitrário. Destarte, verifica-se uma impossibilidade da lide.
Sem necessidade de maiores considerações, julga-se, pois, verificada a impossibilidade da lide que determina a extinção da instância arbitral (art. 277º, al. e) do CPC).
II.2 Das Custas
A Requerida foi notificada do pedido de constituição do Tribunal Arbitral no dia 17.09.2018. No dia 09.10.2018 o ato sindicado foi revogado. A revogação ocorreu dentro do prazo de 30 dias previsto no art. 13º, n.º1 do RJAT.
Não obstante, os requerentes solicitaram o prosseguimento da lide com vista ao reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios e ao reembolso do montante pago.
Importa ter presente a este propósito que a anulação administrativa é de iniciativa oficiosa da Administração e, constituindo um ato unilateral, os seus efeitos não dependem da manifestação de vontade do interessado particular. Por outro lado, o pedido arbitral referente aos juros indemnizatórios apenas pode ser entendido com uma pretensão condenatória de natureza acessória ou consequencial relativamente ao pedido principal, implicando que o processo devesse prosseguir para a apreciação incidental da legalidade do ato impugnado apenas para o efeito de saber se há lugar ao pretendido ressarcimento a título de juros indemnizatórios.
O certo é que a revogação administrativa determina a cessação dos efeitos do ato administrativo anulado (artigo 165.º, n.º 1, do CPA), pelo que, se verificaria uma situação de impossibilidade superveniente da lide por falta de objeto processual.
Mais, está excluída da jurisdição arbitral, por não estar abrangida pelo art.º 2.º, n.º1 do RJAT, a apreciação de atos que não comportam a apreciação da legalidade de atos de liquidação. A preocupação legislativa em afastar das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação da legalidade de atos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação, para além de resultar, desde logo, da diretriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, resulta com clareza da alínea a) do n.º 4 do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se indicam entre os objetos possíveis do processo arbitral tributário «os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação», pois esta especificação apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir dos objetos possíveis do processo arbitral a apreciação da legalidade dos atos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação.
O Tribunal Arbitral não poderia apreciar um pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, sem estar em apreciação a legalidade de um ato de liquidação.
O que não pode deixar de reconhecer-se é que o presente processo arbitral por efeito da anulação administrativa dos atos impugnados não poderia prosseguir por impossibilidade da lide.
Mais, o processo de execução fiscal relacionado com o reembolso do contribuinte das quantias pagas não pode constituir objeto destes autos, sob pena de incompetência material absoluta do Tribunal Arbitral para conhecer da matéria relativa ao processo executivo (art. 2º, n.º1, al. a) e al. b) do RJAT).
Deste modo, o processo arbitral não poderia prosseguir para a apreciação apenas do direito aos juros indemnizatórios, nem poderia prosseguir com vista à execução do reembolso das quantias pagas pelos Requerentes.
O prosseguimento do processo (rectius, do procedimento arbitral), só aos Requerentes pode ser imputável.
Nos termos previstos no artigo 536.º, n.º 3 do CPC, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.
Tendo em conta que a AT procedeu à revogação do ato de liquidação antes da constituição do Tribunal Arbitral, o prosseguimento do processo, apesar da satisfação do pedido formulado, só aos Requerentes pode ser imputável.
As custas devem, por isso, ser totalmente imputáveis aos Requerentes.
III. DECISÃO
Termos em que se decide julgar extinta a instância por impossibilidade da lide e condenar os Requerentes no pagamento das custas do processo.
Fixa-se o valor do processo em €22.046,02 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.224,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pelos Requerentes, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 12 de Dezembro de 2018
O Árbitro
(André Festas da Silva)