Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 367/2014-T
Data da decisão: 2019-01-24  IRC  
Valor do pedido: € 517.960,15
Tema: IRC – Custos – Princípios da especialização dos exercícios. Reforma da decisão arbitral (anexa à decisão). - Substitui a Decisão Arbitral de 24 de novembro de 2014
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 Decisão Arbitral - em resultado da anulação decretada pelo TCA Sul, conforme acórdão de 06/12/2018, da decisão arbitral proferida em 24 de novembro de 2014 (consultar versão completa no PDF)

 

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Professora Doutora Leonor Fernandes Ferreira e Dr. José Coutinho Pires, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 18-07-2014, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A., NIPC ..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... ..., apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral colectivo, ao abrigo dos artigos 95.º da Lei Geral Tributária ("LGT"), 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT"), 137.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas ("CIRC") e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ("RJAT"), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas n.º "IRC") n.º 2013..., de 5 de Dezembro de 2013, referente ao ano de 2009, no montante total de € 590.394,46.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

            A Requerente optou pela não designação de árbitro.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

            As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 08-07-2014.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 12-10-2014, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinado que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas, indicando-se o dia 28-11-2014 para prolação da decisão arbitral.

            Em 24-11-2014, foi proferida decisão arbitral.

A Autoridade Tributária e Aduaneira impugnou a decisão e o Tribunal Central Administrativo Sul apenas a Requerente, por acórdão de 06-12-2018, anulou-a por ter sido proferida antes de esgotado o prazo para alegações da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Reaberto o processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            Não se vislumbra qualquer nulidade.

 

            2. Matéria de facto

 

            2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu a uma inspecção de âmbito geral à Requerente, relativa ao ano de 2009, que se iniciou em 14-01-2013 (notificação da Ordem de Serviço OI2012...);
  2. A inspecção teve duas prorrogações por períodos de 90 dias;
  3.  A Requerente constituiu-se em 09-01-1995 e exerce a actividade de produção e comercialização de rolhas de cortiça, CAE 16294;
  4. Em sede de IRC, a Requerente declarou um prejuízo contabilístico e fiscal elevado no exercício de 2008, e desde então, veio a deduzi-lo aos lucros tributáveis apurados nos exercícios seguintes;
  5. A situação da Requerente a nível de IRC, resultante da declaração apresentada resume-se no quadro seguinte:

Rubrica

2009

Data de entrega de declaração

31-05-2010

Resultado Líquido do Exercício

20.402,45

Var. Patrim. Negativas SNC

NA

Benefícios fiscais deduzidos Q07

0,00

Resultado Tributável

99.141,59

Prejuízos fiscais dedutíveis

237.522,45

Prejuízos fiscais deduzidos

99.141,59

Matéria Colectável

0,00

Colecta

0,00

PAGAMENTO ESPECIAL POR CONTA

45 935,35

IRC Liquidado

0,00

Pagamento por conta

0,00

Derrama

0,00

Tributações autónomas

28.719,46

Total a pagar

28,719,46

Total a recuperar

121,55

 

  1. A Requerente apresentou em 21-06-2013 reclamação graciosa referente à autoliquidação de IRC do exercido de 2009 para utilização do benefício fiscal previsto no artigo 19.º do EBF (criação líquida de emprego), tendo sido aceite pela administração fiscal uma dedução de € 72.983,03 ao Resultado Tributável daquele exercício, que passou a ser de € 26.158,56;
  2. A A... labora em duas unidades industriais localizadas no concelho de ...:

- a A... 1 (unidade principal) funciona nas instalações localizadas na Rua ..., n º..., e na Rua ..., n.º. ..., em ..., que constituem a sede da empresa e do "Grupo A..." em Portugal, e compreendem um pavilhão industrial com várias naves e uma área de estaleiro que abrangem mais de 14.000 m2, onde se encontra a parte produtiva, os escritórios, o laboratório, e os armazéns de matérias-primas e produtos acabados; este imóvel corresponde ao artigo matricial urbano nº. ... da freguesia de ..., foi recentemente construído (em 2007), e encontra-se arrendado ao contribuinte pela B..., SA, NIF..., entidade proprietária do mesmo;

- a A... 2 funciona nas instalações localizadas na ..., Rua..., nº..., em ..., onde está instalada a unidade de acabamento de rolhas destinadas aos mercados europeus; este imóvel corresponde ao artigo matricial urbano nº. ... da freguesia de ..., e encontra-se arrendado ao contribuinte por U..., NIF ..., proprietário do mesmo;

  1. A Requerente controla todas as operações verticalmente integradas do processo produtivo, que podem resumir-se da seguinte forma:

- a cortiça é adquirida, escolhida e traçada pelo seu fornecedor exclusivo, a A... 3 Matérias-Primas Unipessoal, Lda (doravante designada somente por A... 3), NIF..., que possui sede social no mesmo local da A... e Instalações produtivas que foram expandidas e reconstruídas em 2003, no ... (e incluem um parque de estabilização de cortiça, um armazém de paletes de cortiça preparada e uma caldeira de alta eficiência em aço inoxidável);

- semanalmente, a cortiça é transportada em paletes que contém cerca de 750kg cada, da A... 3 para as instalações da A... em ...;

- na unidade industrial principal da empresa (designada internamente por A... 1), em ..., a cortiça é transformada em rolhas, sendo aí realizadas todas as operações do processo produtivo até à obtenção do produto acabado: rabaneação, brocagem manual e automática, secagem, rectificação, escolha electrónica e manual, lavação e pré-secagem, controlo da bactéria TCA7 através do sistema patenteado ... (exclusivo do Grupo A...), secagem, revestimento;

- quando se destinam ao mercado de países terceiros, designadamente ao mercado americano (Estados Unidos e Argentina), as rolhas são expedidas a partir da A... 1, sendo as operações de acabamento efectuadas nas empresas do grupo que existem nesses países;

- quando se destinam ao mercado intracomunitário, designadamente a Espanha e França, as rolhas vão para a unidade de ... (designada internamente por A... 2) para realização dos acabamentos (tais como marcação, humidificação e tratamento), que são efectuados de acordo com os pedidos e especificações dos clientes, e só depois são então expedidas para os clientes intracomunitários;

- isto acontece porque o Grupo A... nos países europeus apenas possui agentes comerciais, entidades a quem pagam comissões pelas vendas intermediárias, ao passo que nos Estados Unidos da América, na Austrália e na África do Sul e Argentina possui mesmo empresas distribuidoras do grupo, com capacidade para a realização dos acabamentos das rolhas antes de serem entregues aos clientes finais;

- em Portugal, a Requerente possui apenas 1 vendedor, dada a reduzida dimensão deste mercado no Volume de Negócios da empresa;

  1. No Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se uma análise dos encargos financeiros suportados pela Requerente no ano de 2009 nos seguintes termos:

II.3.8. Análise dos encargos financeiros suportados no exercício de 2009

Procedeu-se a uma análise da indispensabilidade dos encargos financeiros que influenciaram negativamente o Resultado Tributável deste contribuinte no exercício de 2009. Resultando do endividamento da empresa para fazer face às suas necessidades financeiras de médio e longo prazo, parte desses recursos estão a ser utilizados para financiar gratuitamente uma empresa do grupo, a A... 3, onerando, consequentemente, a A... sem qualquer remuneração.

II.3.8.1. A sociedade A... 3 – Matérias-Primas, Unipessoal, Lda Sociedade por quotas denominada A... 3 – Matérias-Primas, Unipessoal, Lda, NIF ..., constituída em 15 de Novembro de 2006 na Conservatória do Registo Predial e Comercial de ..., com o objecto de compra e venda de cortiça, preparação de cortiça para o fabrico de rolhas e para quaisquer outras aplicações industriais, Indústria e comércio de produtos de cortiça e seus derivados, e prestação de serviços relacionados com tais actividades.

A firma possui a sua sede social na Rua ..., n.º..., ...-... ..., concelho de ..., e foi constituída com um capital social de 50.000,00€, dividido numa única quota, pertencente inicialmente à A... .

Em 19 de Março de 2007 a A... alienou a participação total que detinha na A... 3 à sociedade C..., SGPS, Lda, NIF..., que possui sede na ..., Edf. ..., ...– ... ...– Oeiras, mantendo-se esta sociedade actualmente como única detentora do capital social da A... 3.

Note-se que a A... apenas participou no capital social da A... 3 durante cerca de 4 meses (entre 15 de Novembro de 2006 e 19 de Março de 2007).

A gerência da A... 3 nomeada à data da sua constituição era composta por 4 membros (exactamente os mesmos que integram o Conselho de Administração da A...)D..., E..., F... e G... .

Em 15 de Setembro de 2006 foi nomeado também gerente H...(igualmente administrador da A...). Verifica-se portanto que a A... e a A... 3 são entidades relacionadas, ou seja, entre as quais existem relações especiais, do modo como são definidas nas alíneas d) e g) do nº. 4 do artigo 63º do Código do IRC (CIRC)

Esta informação consta da Certidão Permanente do Registo Comercial da A... 3 Matérias-primas, Unipessoal, Lda de que se junta cópia em Anexo 8 (5 páginas).

 

II.3.8.2. Financiamento a título gratuito da A... 3

A A... celebrou com a A... 3 em 01 de Janeiro de 2007 um Contrato de Conta Corrente de Suprimentos, que se junta em Anexo 9 (3 páginas), mediante o qual:

- a A... concede à A... um empréstimo sob a forma de conta corrente pelo valor global máximo de 2.000.000€;

- este contrato tem a duração de 60 meses, com início em 01-01-2007, sendo renovável automaticamente;

- o montante de empréstimo concedido será utilizado de acordo com as necessidades de tesouraria da A... 3, sob a forma de conta-corrente, na qual serão registados os fluxos financeiros entre a A... e a A... 3,

- sobre os capitais utilizados no âmbito deste contrato não serão devidos quaisquer juros.

Os argumentos indicados no referido Contrato pelo sujeito passivo para a não remuneração deste empréstimo foram os seguintes:

- a A... 3 iniciou a sua actividade em 2007 num contexto de elevada incerteza quanto ao seu sucesso comercial, e encontra-se assim numa fase de "start up";

- a A... 3 opera em regime de quase exclusividade para a A..., o que significa que qualquer aumento dos custos seria inevitavelmente reflectido nas condições de venda da cortiça para a A...;

- a A... 3 (em carências financeiras que poderão condicionar o seu desempenho comercial e com Isso afectar a actividade da A... enquanto destinatária da generalidade da produção da A... 3;

- a A..., enquanto sócia única da A... 3, está disposta a ajudar financeiramente a A... 3, tendo em vista viabilizar a sua actividade.

Quanto às operações financeiras realizadas entra a A... e a A...3 (financiamento concedido pela primeira à segunda), estas não foram sequer objeto de qualquer análise ao nível do dossier de preços de transferência (ver capítulo II.3.9.2 deste Relatório), não tendo sido apresentada nenhuma justificação para tal, exceto o argumento de que a A... 3 se encontra numa fase de start-up, tendo a A... entendido que o financiamento lhe deveria ser concedido sem qualquer remuneração.

Em 01 de Janeiro de 2010 foi efectuada uma Adenda a este Contrato – em Anexo 10 – para alterar a cláusula inicial relativa à taxa de juro, passando assim a prever a remuneração do financiamento em condições de mercado, mediante o cálculo de juros anuais baseados na Euribor acrescida de um spread de mercado, a partir do exercício de 2010. Assim, nos exercícios de 2010 e 2011 a A... debitou à A... 3 juros e Imposto de selo suportados por sua conta, aplicando a taxa de juro Euribor acrescida de um spread de 4%. nos seguintes montantes:

 

  1. Na sequência da análise a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcção aritmética relativa aos custos de financiamento da A... 3, com os seguintes fundamentos:

III.1.1. Custos de Financiamento da A... 3

III.1.1.1. Factos apurados

No âmbito do Contrato de Conta-Corrente de Suprimentos descrito no capítulo II.3.8 deste Relatório, a A... financiou a sua ex-participada A... 3 durante o exercício de 2009 sem lhe debitar qualquer remuneração por esses financiamentos. No quadro seguinte apresentamos os valores em débito da A... 3, sobre os quais não foram debitados juros, à data de 31 de dezembro:

(...)

Verificamos também que a empresa se endividou junto da banca, quer através de contas caucionadas, quer através de empréstimos bancários de médio e longo prazo. Em resultado destes financiamentos, a A... está a suportar custos financeiros de montante elevado.

No quadro seguinte discriminamos o valor dos referidos financiamentos obtidos no exercício em a data de 31 de dezembro:

Os custos financeiros suportados neste exercício com os referidos financiamentos foram os abaixo indicados:

Relativamente aos Juros suportados de empréstimos bancários e aos Serviços bancários comissões de papel comercial, os montantes em questão correspondem aos saldos das respetivas contas no exercido de 2009. Foram analisados os movimentos da conta 608109/698102, e elaborado o mapa que se junta em Anexo 83. tendo-se concluído que respeitavam todos a comissões de gestão de contas caucionadas ou comissões relativas a financiamento de médio e longo prazo.

(...)

III.1.1.2. Enquadramento legal

Tomando em consideração o disposto no artigo 23.º do Código do IRC, as correcções a propor obedecerão ao seguinte enquadramento legal:

Diz-nos o n.º 1 deste artigo que "consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora...".

Dentro deste enquadramento facilmente se depreende que os financiamentos contraídos pela A... e utilizados pela A... 3 a custo zero (numa lógica de tesouraria de grupo), geraram (e ainda geram) custos na A... que não contribuíram (e continuam a não contribuir) para a realização de proveitos ou ganhos ou para a manutenção desta empresa.

Assim sendo, propomos que os custos financeiros contabilizados na A... sejam corrigidos no sentido de refletir apenas e somente o custo do capital efetivamente utilizado por este sujeito passivo. Deste modo, não serão aceites fiscalmente (valor das correções a efectuar) os custos financeiros que a empresa suportou, os custos nesta contabilizados que corresponderam aos financiamentos concedidos à A... 3. relevando assim no valor restante os custos financeiros que a empresa suportou e que foram efetivamente necessários para o exercício da sua atividade.

Para o efeito, o critério que propomos passará por:

1. Calcular o saldo médio de endividamento anual da empresa;

2 Apurar os custos de endividamento efetivamente suportados pela empresa no período em análise;

3. Determinar a taxa do custo efetivo de endividamento da A...;

4. Aplicar esta taxa ao valor dos financiamentos efetuados por esta à A... 3 no ano de 2009;

5. Desconsiderar como custo fiscal o valor assim determinado.

(...)

III.1.1.4. Cálculo do valor a desconsiderar como custo

III.1.1.4.1. Saldo médio de endividamento da A... Da análise da contabilidade e recolha dos extratos bancários das contas em causa, constatamos que no exercício de 2009 a A... se financiou junto da banca através de contas caucionadas e empréstimos bancários. No quadro abaixo resumem-se os movimentos das contas consideradas na presente análise durante o ano de 2009:

(...)

Efectuando o somatório dos saldos de endividamento médios diários assim obtidos, apuramos um Saldo Médio de Endividamento da A... de € 9.758 109,37 no exercício de 2009, assim discriminado:

 

III.1.1.4.2. Custo efetivo de endividamento da A... Tendo determinado o valor do endividamento bancário de médio e longo prazo diário, e apurados os custos financeiros suportados pela A... com ele relacionados durante o exercício de 2009 (que, como vimos no capítulo III.1.1.1 deste Relatório, ascenderam a € 633.729,58), estamos em condições de calcular a Taxa de custo efetivo do capital alheio, que se cifrou em 6,49%:

Se compararmos os valores obtidos com a taxa de referência usada pela empresa nos anos de 2010 e 2011 para débito de juros à A... 3. que, como vimos, foi a Euribor a 3 meses mais um spread de 4%, constatamos que os valores obtidos situam-se próximos mas sempre acima deste indicador, que reproduzimos no quadro da página seguinte, e que, como é sabido, sofreu acentuada quebra em 2009.

A taxa Euribor a 3 meses no ano em analisa sofreu a seguinte evolução:

 

III. 1.1.4.3. Cálculo dos custos de financiamento da A... 3

Como já referimos, a A... concedeu financiamentos à A... 3 sob a forma de conta corrente ao longo do ano de 2009, que foram registados contabilisticamente nas contas 268156 – CSP3 Transferências e 2783156 – CSP3 Transferências, cujos extratos se encontram em Anexos 81 e 82, respetivamente.

Utilizando a taxa do custo efetivo do capital alheio determinada no capítulo anterior e aplicando-a ao número de dias que a empresa esteve a financiar a A... 3, obtemos o valor dos custos financeiros a desconsiderar nos termos do artigo 23.º do CIRC. Encontram-se em Anexo 86 (6 páginas) quadros onde se apresentam os cálculos realizados para determinação do valor a desconsiderar como custo.

Em resumo, os custos a corrigir no exercício de 2009 são os seguintes:

Face ao exposto, a A... fez concorrer para o apuramento do seu Resultado Tributável referente ao exercício de 2009 custos financeiros que não contribuem para a formação de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, no valor de € 97.278,08, pelo que deverá acrescer ao Resultado Tributável deste exercício os custos aqui desconsiderados.

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcção aritmética baseada em incumprimento do princípio da especialização dos exercícios, com os seguintes fundamentos:

III.1.2. Incumprimento do Princípio da Especialização dos Exercícios

III.1.2.1. Correções relativas a exercícios anteriores contabilizadas

Conforme relatado no capítulo II.3.11.1 deste Relatório, o contribuinte registou na conta 6972 – Correções relativas a exercícios anteriores sem regularização de IVA no exercício de 2009 (ver extrato em Anexo 49) uma importância total de € 331.726,66 de custos relativos a notas de crédito emitidas e a debit/credit memos recebidos da K..., Ltd (sociedade sedeada nas Bermudas que já não existe), que se resumem no mapa que se encontra em Anexo 87 e respeitam a devoluções de mercadorias ocorridas em 2007 e 2008.

III.1.2.2. Enquadramento legal

Tomando em consideração o disposto no artigo 18.º do Código do IRC, as correções a propor obedecerão ao seguinte enquadramento legal:

Diz-nos o n.º 1 deste artigo que "Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são Imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica. ..." Acrescenta o n.º 2 da mesma norma: "As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas"

Neste contexto, os custos referentes a exercícios anteriores a 2009 (2007 e 2006) não poderão ser aceites para efeitos fiscais neste exercício em virtude de não respeitarem o princípio da especialização dos exercícios plasmado neste normativo. Tratando-se de devoluções de mercadorias que terão ocorrido em 2007 e 2008 (não existe na contabilidade qualquer comprovativo ou evidencia do efetivo retorno dessas mercadorias), nunca poderiam integrar o Resultado Tributável do exercício de 2009 porquanto seriam, à data de 31 de dezembro de 2009, totalmente conhecidas do contribuinte.

III.1.2.3. Cálculo dos custos não aceites por incumprimento do princípio da especialização dos exercícios

Face ao exposto, a A... fez concorrer para o apuramento do seu Resultado Tributável referente ao exercício de 2009, custos relativos a exercícios anteriores que não obedecem ao princípio da especialização dos exercícios, no valor de € 331,726.66, pelo que deverá acrescer ao Resultado Tributável deste exercício tais custos.

  1. No Relatório da Inspecção Tributária a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu também ser de fazer uma correcção relativa aos proveitos imputados à sociedade irlandesaI ..., nos seguintes termos:

III.1.3. Proveitos imputados à sociedade irlandesa I...

III.1.3.1. A tributação das sociedades na Irlanda

A Irlanda constitui uma jurisdição fiscalmente atrativa na Europa, em virtude de possuir, entre outras, as seguintes características:

- uma baixa taxa de imposto sobre o rendimento das sociedades (o equivalente ao nosso IRC) de 12,5%, aplicável genericamente aos lucros resultantes de atividades comerciais e industriais;

- possuiu uma taxa reduzida de 10% aplicável a certas operações produtivas e serviços internacionais, cuja aplicação cessou em 31 de dezembro de 2010;

- para certas atividades relacionadas com propriedades e para as atividades de exploração de gás natural, minérios e petróleo, a taxa aplicável é de 25%;

- os rendimentos passivos, tais como dividendos, juros, rendas e royalties são tributados a uma taxa máxima de 25%;

- adotou as Diretivas europeias Mães-Filhas (...) e Diretiva dos Juros e Royalties (...), assim como a Diretiva da Poupança (...);

- extensa rede de Convenções Sobre Dupla Tributação baseados na Convenção Modelo da OCDE";

- vastas isenções para retenções na fonte sobre dividendos, juros e royalties;

- isenção de imposto sobre rendimentos de capital para transações de ações;

- regime especial para as holdings;

- vantajoso regime de crédito fiscal para atividades de I&D;

- total ausência de regras para as Secção (...) e para subcapitalização,

- as regras de preços de transferência baseadas nas guidelines da OCDE apenas aplicáveis desde 01 de janeiro de 2011;

- existência de pacotes de incentivos fiscais para maximizar o acesso aos fundos comunitários e a sua eficiente utilização.

Nos últimos anos tem-se assistido a uma maior atenção por parte da comunidade internacional à problemática dos paraísos fiscais e da concorrência fiscal internacional: em 2005, a publicação pela OCDE de uma "lista negra" de países e territórios que não possuíam qualquer tributação (ou aplicavam taxas nominais mínimas) e que demonstravam falta de transparência e vontade na troca de informação com as restantes Administrações Fiscais, fez relançar a discussão, e abriu a porta, entre outras medidas, à implementação de diversos ATI e à troca de informações bancárias e fiscais por parte de jurisdições que anteriormente privilegiavam o segredo bancário (tais como a Suiça, Luxemburgo, Áustria e Bélgica na Europa, e os importantes centros financeiros asiáticos de Singapura e Hong Kong).

Não obstante integrar a "lista branca" da OCDE em termos de trocas de informações em matéria fiscal, a Irlanda tem frequentemente sido criticada por apresentar atributos similares a um paraíso fiscal, tais como:

- a combinação de uma taxa de 12,5% de imposto sobre o rendimento das sociedades (vigente desde 2003-01-01) com comportamentos de planeamento fiscal por parte de empresas multinacionais, particularmente abusando das regras em matéria de preços de transferência;

- o papel do IFSC (...)(Centro Internacional de Serviços Financeiros, criado em 1987 e localizado em Dublin) na atração de investimento para a Irlanda: recorda-se que é neste local que a empresa de solicitadores/auditores que constituiu a I... e lhe presta serviços na área da contabilidade, possui a sua sede social.

Por último, e não menos importante, a Irlanda, à semelhança de outras jurisdições que possuem um regime fiscal claramente mais favorável, deveria atender à substância económica da atividade das sociedades que a escolhem para se estabelecer, garantindo esta opção corresponde a razões económicas válidas e que estas desenvolvem de facto uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços.

(...)

III.1.3.3. Resumo dos factos apurados

Os factos apurados relativamente às operações declaradas entre o contribuinte e a sociedade irlandesa I..., Ltd foram sendo explicados ao longo do presente Relatório. Apresenta-se a seguir uma súmula dos mesmos:

1. O Resultado Tributável do contribuinte para o exercício de 2009 cifrou-se apenas em €26.158,56, e o Resultado Líquido apurado foi positivo mas muito reduzido (€ 20.402,45);

2. Do total faturado intra Grupo A... pelo contribuinte no ano de 2009 – cerca de 15 milhões de Euros – 12,7 milhões dirigiram-se à I... (aproximadamente 85%),

3. O contribuinte alega que atua como unidade industrial que assegura a produção de rolhas para o Grupo, no qual as funções comerciais estão concentradas noutras entidades, designadamente a I..., a A... España e a A... France;

4. Porém, verifica-se que o escoamento da produção da A... ocorre diretamente, tanto no mercado europeu como nos mercados dos EUA, Austrália e África do Sul, com a única diferença que no primeiro mercado os produtos são faturados aos respetivos clientes, e nos segundos marcados os produtos são faturados à I...;

5. Os produtos fabricados pela A... são vendidos à A... USA (A...U), à A... Austrália (A...A) e à A... África do Sul (A...SA), mas faturados à I...: nas faturas emitidas esta consta como cliente e aquelas como destinatários;

6. São expedidos a partir das instalações do contribuinte em ... diretamente para os Estados Unidos, Austrália ou África do Sul, e transportados em seu nome e por sua conta, sem que na documentação de transporte e alfandegária, surja qualquer referência à I..., seja de que tipo for;

7. As despesas de transporte são suportadas pela A... e as despesas com os despachos alfandegários também;

8. O mesmo acontece quando há devoluções: o sujeito passivo debita as despesas ao destinatário das mesmas, não à entidade a quem foram (aturadas (I...), como seria de esperar numa vulgar relação comercial;

9. Nas ordens de compra exibidas pelo sujeito passivo não consta qualquer assinatura de nenhum responsável ou funcionário da I..., tendo inclusive sido detetada uma ordem de compra (destinada à A...U) na qual é pedido o envio direto da mercadoria para um cliente da A...U no Canadá, cliente este que, à partida, e em condições normais, a I... não conheceria;

10. Existem ordens de pagamento do estrangeiro recebidas pelo contribuinte (respeitantes a transações cujo destinatário foi a A...U) onde figura como coordenador a I..., mas a sua morada aparece nos EUA, na sede da A...U (...), e elas são oriundas do banco com que a A...U trabalha, o J...; a A...U confirmou-nos através das autoridades fiscais dos EUA, que a I... usou a morada da A...U para receber correspondência da conta bancária que possuiu no banco americano J...;

11. Foram recebidas várias transferências ordenadas diretamente pela A... Austrália que foram contabilizadas como recebimentos do cliente I..., nestes casos, quem está a pagar as mercadorias é o seu destinatário efetivo e não a entidade que figura nas faturas como cliente;

12. O contribuinte recebeu ordens de pagamento em nome da I... que respeitam a faturas destinadas à A... SA e indicam no respetivo detalhe o número das correspondentes faturas emitidas pela I... à A... África do Sul, o que comprova que a entidade que efetivamente está a realizar o pagamento não é a I..., mas antes a A...SA, pois de outra forma não faria sentido tal menção;

13. Foi descontada uma remessa de exportação na qual figura como sacado a A...U, não obstante respeitar a uma fatura emitida à I...; posteriormente, foi recebida uma transferência ordenada pela I... desse mesmo montante e referente à mesma fatura;

14. Não obstante não possuir relações comerciais diretas com a A... U, A... A e A... SA, a A... debitou-lhes mensalmente management fees, R&D fees e quality control fees;

15. Por seu turno, a A... U debita também mensalmente ao contribuinte despesas de marketing, telefone, alojamento e design da página na internet, viagens aos EUA, publicidade e utilização da marca e a A... A despesas administrativas, de entretenimento, viagens, telefone e encargos com viaturas;

16. O sujeito passivo emitiu no exercício de 2009 notas de crédito à sociedade registada nas K... referentes a devoluções de rolhas que não passaram no teste do TCA e foram faturadas em 2007 e 2008, mas não exibiu quaisquer documentos de transporte ou alfandegários comprovativos destas devoluções.

17. A administração da A... afirma que a K... funcionava como central de compras de Grupo antes da I... e foi substituída por esta em 2009, mas desconhece o motivo da sua substituição e se continua ou não ativa; as autoridades fiscais das Bermudas confirmaram-nos que esta sociedade foi incorporada por fusão noutra e já não existe, e a A... U informou-nos, através das autoridades fiscais norte-americanas, que apresentou a sua última declaração fiscal em 2009-05-13;

18. Na contabilidade do sujeito passivo as contas da K... foram todas saldadas no final do ano de 2009 através de documentos internos, por contrapartida da conta de terceiros da A... Group SARL, que, por sua vez, realizou transferências bancárias que permitiram quase anular esse saldo devedor;

19. A sociedade-mãe do Grupo A..., a A... Group, Ltd, esteve registada nas Bermudas até 16 de novembro de 2009 e depois mudou-se para o Luxemburgo, mantendo-se detentora da I... na sua totalidade, de quem recebeu no exercício de 2009 € 370.000,00 de dividendos;

20. A administração da A... afirma que a I... funciona como uma central de compras do Grupo para os EUA, Austrália e África do Sul, desconhecendo porém qual a estrutura instalada na Irlanda que possui para exercer a sua atividade;

21. No sítio oficial do Grupo (no endereço www...com) não há qualquer referência à I..., que não surge sequer como empresa pertencente ao mesmo;

22. A I... está coletada na Irlanda para o exercício da atividade de Comércio por Grosso de Madeira, Materiais de Construção & Equipamento Sanitário desde 2008-11-06;

23. As instalações existentes na morada da I..., situada em..., em Dublin, correspondem a um escritório virtual, serviço comercializado pela empresa L... que consiste na receção de correspondência e chamadas telefónicas associada a uma morada à escolha, prestado a clientes localizados em qualquer parte do mundo, que apenas pretendem sedear formalmente nesse local a sua empresa, não efetivamente exercer aí qualquer atividade;

24. A I... foi constituída na Irlanda em 2007-09-27 pela firma de consultoria/solicitadoria M... (que possui sede no ...), tendo sido nomeados administradores N... e O... (ambos solicitadores); a morada de exercício da atividade e de administração indicada foi a sede da referida firma de consultoria/solicitadoria;

25. De acordo com as demonstrações financeiras obtidas através das autoridades fiscais irlandesas, o único fornecedor da I... em 2009 foi a A..., e os seus únicos clientes foram a A...U, A...A e A...SA, a quem se destinou a totalidade do seu Volume de Negócios de € 14.485.091,00, tendo apurado uma margem bruta sobre o custo de 69,51%:

26. Possui apenas uma funcionária, P..., que exerce a função de administradora desde 2008-11-06 conjuntamente com  E... e, desde 2009-03-26, também com D... (presidente do Conselho de Administração da A...);

27. P... constava até 2012-11-07 no cadastro da AT como residente em Portugal, possuindo domicílio fiscal na Rua ..., nº..., ...,... -... Algés, sendo a proprietária do imóvel que se localiza nessa morada, tendo contraído um crédito à habitação para aquisição desse Imóvel em 1999, que foi declarado como habitação própria permanente;

28. Nas demonstrações financeiras da I... encontram-se registados rendimentos pagos a P... no ano de 2009 e seguintes; simultaneamente verificou-se que esta auferiu em Portugal no mesmo ano, rendimentos da categoria A pagos pela sociedade do Grupo, Q..., única entidade que tem vindo a pagar-lhe rendimentos desde 2001;

29 Notificada em 2012-10-17, veio alegar ser residente na República da Irlanda desde 2009, e trabalhar na I... como diretora residente; no entanto, alterou apenas na altura o seu domicílio fiscal para a Irlanda, na sequência dessa notificação;

30. A A...U é uma sociedade registada no Estado da Califórnia, criada em 1981-03-13, detida a 100% pela A...U Holding Company, cujo presidente é D... e que possui sede em ..., Califórnia;

31. A A...U confirmou ter recebido as remessas de mercadorias da A..., faturadas à I..., tendo remetido documentação comprovativa, que permitiu atestar que existe uma relação direta e inequívoca entre a faturação A...–I...– A... USA, constatando-se que existem sempre duas faturas emitidas para cada transação efetiva de bens ocorrida: as datas das faturas, as mercadorias, referências e quantidades são exatamente as mesmas, variando apenas o preço; os pagamentos efetuados ao contribuinte pela I... são ordenados a partir dos EUA e provêem de uma conta bancária aberta em nome dessa empresa no mesmo banco americano com que a A...U trabalha, tendo esta inclusive fornecido comprovativos dos mesmos, a que obviamente apenas tem acesso porque foram por ela executados;

32. A Irlanda tem frequentemente sido criticada por apresentar atributos similares a um paraíso fiscal, nomeadamente uma taxa de tributação muito baixa – 12,5% – em sede de imposto sobre o rendimento das sociedades; possuindo um regime fiscal claramente mais favorável, deveria atender à substância económica da atividade das sociedades que a escolhem para se estabelecer;

33. No caso Cadbury Schweppes, julgado pelo TJCE em 2006, foi estipulado que podem ser admitidas medidas restritivas do princípio da liberdade de estabelecimento, mas só e apenas nas situações em que a subsidiária não existe fisicamente em termos de instalações, pessoal e equipamento, que denotem a existência de um estabelecimento destinado a prosseguir urna atividade económica efetiva.

III.1.3.4. Enquadramento legal

Tomando em consideração o disposto do Código do IRC, as correções a propor obedecerão ao seguinte enquadramento legal: Estipula a alínea a) do nº. 1 do artigo 20º que "Consideram-se rendimentos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória nomeadamente os relativos a vendas ou prestações de serviços (...)”

Nesta circunstância, os proveitos imputados à sociedade irlandesa I..., Ltd no exercício de 2009, serão considerados como proveitos do contribuinte, na medida em que se comprovou que esta entidade não possui substância económica nem justificação comercial, tendo sido utilizada unicamente com propósitos de natureza fiscal, sem qualquer intervenção efetiva nas transações que ocorrem entre o contribuinte e as empresas do Grupo que ele fornece, a A... USA, a A... Austrália e a A... África do Sul.

Imporia frisar que, em nosso entender, as operações entre o contribuinte e a I... Ltd não são passíveis de análise no âmbito do regime de preços de transferência constante do artigo 63º do CIRC (que, como sabemos, tem como paradigma o princípio de plena concorrência, reunindo hoje um amplo consenso internacional por se entender que a sua adoção permite não só estabelecer uma paridade no tratamento fiscal entre as empresas integradas em grupos internacionais e empresas independentes, como neutralizar certas práticas de evasão fiscal e assegurar a consequente proteção da base tributável interna), em virtude de não se tratarem de operações económicas efetivas.

Na realidade, o nº. 1 daquele normativo estabelece que: "Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, (...), efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis". Ora, como vimos, as operações comerciais entre o sujeito passivo e a I... Ltd não tiveram, de facto, lugar, antes ocorreram (e continuam a ocorrer) entre o sujeito passivo e a A... USA, a A... Austrália e a A... África do Sul, seus reais clientes.

III.1.3.5. Cálculo do valor a considerar como proveito

Tendo-nos sido facultadas pela A... USA (através das respetivas autoridades fiscais) as listagens das faturas emitidas à A...U pela I... em 2009 e das faturas emitidas a I... pelos seus fornecedores com referência à fatura da I... a que respeitam, foi possível compilar os dados e apurar uma diferença global de € 1.908.524,06 entre o valor faturado pelo contribuinte à I... e o valor faturado por esta ao cliente e efetivo destinatário dos bens, a A... USA.

Esta diferença corresponde precisamente aos proveitos que foram, através deste esquema de planeamento fiscal, imputados à sociedade irlandesa, quando, na realidade, respeitam ao contribuinte, devendo por isso ser tributados na sua esfera.

Face ao exposto, a A... não fez concorrer para o apuramento do seu Resultado Tributável Referente ao exercício de 2009, proveitos no valor de €1.908.524,06, pelo que deverá acrescer ao Resultado Tributável deste exercício esses proveitos incorridos, mas imputados à sociedade irlandesa I.... Ltd.

 

  1. No Relatório da Inspecção Tributária a Autoridade Tributária e Aduaneira reuniram-se as correcções propostas nos seguintes termos:

 

III.1.41 Correções propostas ao Resultado Tributável do exercício de 2009

Em face das correções propostas nos capítulos III. 1.1.4.3, III.1.2.3 e III. 1.3.4 deste Relatório, o Resultado Tributável do exercício de 2009, no montante de € 26.158,96, passará a cifrar-se em € 2.363.687,36, conforme se demonstra:

 

 

  1. Na sequência da notificação do projecto de Relatório da Inspecção Tributária, a Requerente pronunciou-se dizendo, em suma, o seguinte:

A. Relativamente aos custos de financiamento da A..._3_Matérias-primas, Unipessoal:

• a desconsideração dos custos financeiros resulta inadmissível porque nenhum dos financiamentos obtidos pela A... junto de terceiros (e com os quais incorreu em 2009 em custos de juros, comissões bancárias e Imposto de Selo) se destinou a financiar a A... 3;

• a análise dos financiamentos concedidos à A... 3 confrontada com os fluxos de caixa referentes a recebimentos de clientes demonstra que nenhum desses financiamentos foi feito com recurso a capital alheio (juntando quadro demonstrativo);

• o critério utilizado pela AT de desconsiderar custos financeiros efetivamente suportados através da aplicação de uma taxa calculada com referência ao total dos financiamentos existentes no ano de 2009 é desprovido de qualquer base legal, ignorando o facto de não existirem financiamentos obtidos pela A... para concessão de crédito à A... 3, e a existência de recebimentos de clientes em valor bastante superior ao dos financiamentos concedidos

B. Relativamente ao incumprimento do princípio da especialização dos exercícios:

• o contribuinte reconhece que os custos em questão deveriam, em obediência ao disposto no artigo 18º do CIRC, ter sido registados no ano em que a devolução da mercadoria ocorreu: 2008 e não em 2009;

• todavia, este registo extemporâneo de custos em nada prejudicou a Fazenda Pública, já que a matéria tributável do ano de 2008 permaneceu indevidamente elevada; ao princípio da especialização dos exercícios há que contrapor o princípio da justiça, pelo que, a correção pretendida pela AT, se não acompanhada pela correlativa correção favorável à A... relativamente ao ano de 2008, redundaria numa flagrante injustiça;

junta os documentos números 1, 2, 3 e 4, que comprovam a efetiva devolução das mercadorias em causa, que ocorreu no final do ano de 2008 relativamente às notas de crédito números .../91... e .../91..., ambas emitidas em 2009.

Relativamente à omissão de proveitos de vendas à A... USA DAL

• a I... Ltd é uma sociedade real e com existência efetiva (tendo uma funcionária própria e instalações arrendadas num centro de escritórios), que, no âmbito do grupo empresarial A..., adquire de diversas entidades matéria-prima e mercadoria;

• a A... não tem qualquer controlo societário sobre a I..., portanto nunca poderia instrumentalizar uma sociedade que não controla, nem retirar qualquer benefício patrimonial de uma sociedade cujos dividendos nunca lhe seriam distribuídos (e também nunca seriam à C...U Holding, Inc, que detém indiretamente controlo da A..., visto que esta não participa, direta ou indiretamente, no capital da I...);

• as autoridades fiscais norte-americanas confirmaram que a contraparte da A... USA nas transações comerciais em questão foi  I... e não a A...;

• não é legítimo que a AT retire do facto de as mercadorias serem entregues diretamente aos clientes da I... qualquer conclusão sobre a suposta inexistência daquela sociedade, visto que essa é uma prática comercial comum;

• as ordens de encomenda da I... são recebidas via correio eletrónico e assinadas por administradora da A..., sendo depois digitalizadas e devolvidas à I... pela mesma via, sendo totalmente falsa a afirmação que a A... encomendou a si própria as mercadorias vendidas à I...; junta os documentos 5 a 72, que consistem em PO (ordens de compra) à A... efetuadas no ano de 2009:

• alega a existência de 54 chamadas telefónicas e 23 mensagens escritas para contato da funcionária da I... na Irlanda durante o ano de 2009, que revelam inequivocamente a existência de uma relação comercial recorrente e efetiva, juntando os documentos 73 a 138 – extratos detalhados da S... emitidos à A... no ano de 2009;

• alega a existência de 54 chamadas telefónicas e 23 mensagens escritas para contato da funcionária da I... na Irlanda durante o ano de 2009, que revelam inequivocamente a existência de uma relação comercial recorrente e efetiva, juntando os documentos 73 a 138 – extratos detalhados da S... emitidos à A... no ano de 2009;

• acrescenta ainda que houve uma deslocação de um representante da A... à Irlanda em 2009 (R...) para visita à I..., juntando cópia de uma fatura emitida por uma agência de viagens, na qual são debitados à A... uma passagem aérea para Dublin e uma estadia em hotel entre os dias 14 e 16 de dezembro de 2009 (documento 139);

• termina referindo que, quanto à quantificação dos proveitos da I... que a AT pretende imputar à A...:

• são desconhecidos da A... os proveitos realizados nas vendas da I... para a A... USA;

• a AT admite que a I... não teve como único fornecedor em 2009 a A...;

• a informação prestada pelas autoridades fiscais norte-americanas relativamente aos fornecimentos efetuados pela I... à A... USA não tem qualquer valor probatório porque é uma listagem desacompanhada de quaisquer documentos de suporte;

• as autoridades fiscais norte-americanas não são competentes para prestar informações sobre uma sociedade residente na Irlanda.

  1. No Relatório da Inspecção Tributária referiu-se o seguinte, sobre as questões colocadas pela Requerente no exercício do direito de audição:

A. Relativamente aos custos de financiamento da A... 3 Matérias-primas. Unipessoal:

O financiamento concedido à A... 3 no exercício de 2009 (no valor de € 378.501,26) traduz-se efetivamente, para a A..., numa disponibilização de avultados meios monetários sem qualquer remuneração, que, muito embora se encontre fora do âmbito do seu objeto social, não deixa de configurar uma atividade de concessão de crédito, atividade esta que deverá naturalmente ser geradora de proveitos, à semelhança das restantes atividades exercidas pela empresa.

O argumento invocado pelo sujeito passivo para justificar a não cobrança de juros não colhe (como de resto já se explicou nos capítulos II.3.8 e III.1.1 deste Relatório) basicamente porque, tratando-se de financiamentos concedidos a uma entidade terceira, em nada são indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora do contribuinte. Isto foi aliás reconhecido pela própria A... quando, a partir do ano de 2010, e doravante em todos os exercícios seguintes, passou a debitar juros à A... 3 a uma taxa de juro de mercado.

Por fim, e a respeito da alegada existência de fluxos de caixa referentes a recebimentos de clientes de montante muito superior ao dos financiamentos concedidos à A... 3, não nos parece que seja possível estabelecer qualquer conexão entre os mesmos. Na realidade, o próprio contribuinte também não o consegue fazer, limita-se apenas a invocar esse facto.

Isto explica-se pela característica da fungibilidade do dinheiro: não é possível assegurar que foram exatamente as verbas recebidas dos clientes que foram aplicadas para financiar a A... 3, verificando-se sim, um endividamento bancário significativo por parte do contribuinte, o qual seria provavelmente menor se aqueles financiamentos não tivessem ocorrido de igual modo, os custos financeiros que tal endividamento acarreta seriam naturalmente mitigados com os proveitos que a referida concessão de crédito não gerou em 2009, e passou a gerar nos exercícios subsequentes. Neste sentido vai também a jurisprudência citada no capítulo III.1 1 deste Relatório.

B. Relativamente ao incumprimento do princípio da especialização dos exercícios

Dispõe o nº 1 do artigo 45º da Lei Geral Tributaria que o direito de liquidar os tributos caduca no prazo de quatro anos, contados nos Impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário. Ora, tratando-se, como o próprio contribuinte reconhece (e foi relatado nos capítulos II.3.11 e III. 1. 2. deste Relatório), de custos imputáveis ao exercício de 2008, exercício esse que se encontra fora do prazo legal de caducidade, não é possível atualmente proceder a qualquer correção correlativa ao exercício de 2008. Estamos neste caso perante uma imposição legal, que configura aliás uma das garantias fundamentais dos contribuintes no nosso ordenamento jurídico, impedindo a liquidação de tributos para além dos 4 anos seguintes àquele em que ocorreu o facto tributário.

Já relativamente ao exercício de 2009, constitui imperativo legal da AT dar cumprimento ao estipulado nos números 1 e 2 do artigo 18º do CIRC, cumprindo o princípio da especialização dos exercícios.

C. Relativamente à omissão de proveitos de vendas à A... USA. Inc.:

Conforme detalhadamente se descreveu nos capítulos II.3.9 a II.3.13 e III.1.3 deste Relatório, a sociedade residente na Irlanda I... Ltd é uma sociedade regularmente constituída e cumpridora das suas obrigações fiscais, alias de outra forma não faria sentido a sua existência. Foi constituída por uma firma de solicitadores irlandesa em 2007, e possui desde finais de 2008 como administradores E... (também administrador da A...) e P... (funcionária de uma empresa do grupo, que se comprovou ser residente em Portugal pelo menos até novembro de 2012), localizando-se a sua sede num escritório virtual em Dublin. Não tem instalações produtivas nem comerciais, não realiza quaisquer transações físicas de bens, nem presta qualquer tipo de serviços.

A informação constante das demonstrações financeiras da I... e confirmada pelas autoridades fiscais norte-americanas é que a A... foi o único fornecedor de mercadorias da I... no ano de 2009, existindo somente algumas notas de débito de empresas do grupo relativas a prestações de serviços, sem qualquer expressão.

Não é naturalmente pelo facto das mercadorias serem entregues diretamente à A... USA que se questionam as operações entre o sujeito passivo e a I..., mas sim pelo facto de todas as evidências recolhidas se dirigirem no sentido de não se tratarem de operações económicas efetivas. O argumento apresentado pelo contribuinte de que nunca poderia instrumentalizar uma sociedade que não controla não é válido, porquanto a única acionista da I...– a A... Group Ltd -controla indiretamente a A... através da A...U SGPS, Lda, que detém em 36,5%.

Contrariamente ao que o contribuinte afirma, o grupo A..., nomeadamente a sua sociedade-mãe, recebeu dividendos da I... no ano de 2009, obtendo assim claros benefícios patrimoniais da sua existência. De referir ainda que existem relações especiais entre a A... e a I..., porquanto ambas as entidades possuem um administrador em comum, E..., conforme nos foi confirmado pelas autoridades fiscais irlandesas.

 A circunstância de as ordens de encomenda se encontrarem assinadas apenas por responsável do fornecedor e não conterem qualquer assinatura ou referência a um responsável do cliente não é prática comercial comum; por outro lado, se a sua remessa é efetuada sempre por correio eletrónico, à partida não careceriam de nenhuma assinatura.

Efetuada uma pesquisa na internet relativamente à I..., concluiu-se mais uma vez não possuir nenhum sítio oficial (como vimos, o grupo A... não a inclui no seu site), nem ser possível encontrar qualquer número de telefone fixo a ela associado. Os extratos detalhados da S... apresentados agora pelo contribuinte indicam apenas um número de telefone irlandês: ..., para o qual constam envios de mensagens de telemóvel. Foi possível apurar que esse número corresponde a um telemóvel operado pela T... Irlanda (prefixo 87), mas não quem é a pessoa ou entidade a quem está afeto. De qualquer modo, trata-se sempre de um dispositivo móvel que, como tal, poderá ser utilizado em qualquer parte do mundo, não obstante pertencer a uma rede e operador irlandeses. No mundo global em que vivemos, tais contatos pouco ou nada provam, e, face à dimensão que as operações com a I... possuem no Volume de Negócios da A..., a terem ocorrido, seriam manifestamente escassos. O mesmo se dirá relativamente à alegada visita realizada durante dois dias por um funcionário da A... .

Para concluir, e no que toca às informações prestadas pelas autoridades fiscais norte-americanas, importa esclarecer que:

- se trata de dados fornecidos diretamente pela própria A... USA;

- englobam todas as transações referentes às mercadorias em questão: da A... para a I... e daquela para a A... USA, informação que nunca seria conhecida do cliente em circunstâncias normais;

- as quantidades e montantes das operações foram confirmadas por várias (aturas remetidas e que constam dos Anexos 70 a 72 a este Relatório.

Em suma, o contribuinte, nem no decurso da ação inspetiva, nem agora em sede de direito de audição logrou comprovar a substância efetiva das avultadas transações realizadas com a I... no ano de 2009.

 

  1. Por despacho de 29-1-2013 proferido na primeira página do Relatório da Inspecção Tributária, o Senhor Director de Finanças de..., em regime de substituição, manifestou concordância com as correcções propostas naquele Relatório, no valor total de € 2.337.528,80, sendo € 1.908.524,06 a título de proveitos imputados a terceira entidade, € 97.278,08 a título de custos financeiros não fiscalmente aceites e € 331.726,66 a título de incumprimento do princípio da especialização dos exercícios;
  2. A referida correcção do lucro tributável da Requerente do ano de 2009 no valor total de € 2.337.528,80 determinou a fixação de um lucro tributável de € 2.363.687,36 e uma matéria colectável do exercício no montante de € 2.121.580,30, em função da dedução (oficiosa) de € 215.948,50 de prejuízos fiscais reportáveis de exercícios anteriores – cfr. página 76 do Relatório Final da inspecção Tributária;
  3. Na sequência das correcções referidas, foram elaboradas a liquidação adicional de IRC n.º 2013..., datada de 05-12-2013, no montante de € 590.394,46, em que se incluem juros compensatórios e a demonstração de acerto de contas n.º 2013..., com data limite de pagamento voluntário de 03-02-2014 (documento junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Em 2009, a I..., Ltd tinha arrendado instalações de escritório no centro de espaços de escritórios «L... » em..., Dublin, D2 (documento n.º 390 e http://www...);
  5. A I..., Ltd, efectuou pagamentos a “P...” com referência aos meses de Fevereiro a Dezembro de 2009, com as indicações «payroll» e «refund of expenses» (documento n.º 390 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  6. A I..., Ltd pagava à T... irlandesa uma conta de telemóvel com o n.º ... usado por P... (documento n.º 390, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  7. Ao longo do ano de 2009, de um telemóvel utilizado pela Requerente foram efectuados vários telefonemas e enviadas mensagens escritas para o número de telemóvel referido na alínea anterior (documentos n.ºs 314 a 379, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  8. Em Dezembro de 2009, um funcionário da Requerente dirigiu-se à Irlanda (documento n.º 380, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  9. Em 19-12-2013, a Requerente pagou a quantia de € 517.960,15, referente à liquidação de IRC, tendo o pagamento dos juros compensatórios sido dispensado ao abrigo do Regime Excepcional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social, aprovado pelo Decreto-Lei nº 151-A/2013, de 31 de Outubro;
  10. Em 05-05-2014, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

 

      A fundamentação da decisão da matéria de facto baseia-se no Relatório da Inspecção Tributária e nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

 

      3. Matéria de direito

 

      3.1. Questões a decidir

 

      A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente, relativa ao ano de 2009, de que resultou, em matéria de IRC, uma correcção do lucro tributável no valor total de € 2.337.528,80, sendo:

      a) € 1.908.524,06 a título de proveitos que foram imputados à I..., Ltd;

b) € 97.278,08 a título de custos financeiros não fiscalmente aceites;

c) € 331.726,66 a título de incumprimento do princípio da especialização dos exercícios.

 

A Requerente entende que nenhuma destas correcções deve ser efectuada.

 

Passar-se-á a apreciar cada uma das questões, pela ordem indicada pela Requerente.

 

 

3.1.1. Questão dos proveitos relativos à I..., Ltd

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu efectuar uma correcção no montante de € 1.908.524,06 à matéria tributável da Requerente, por entender que lhe devem ser imputados proveitos provenientes de produtos vendidos pela Requerente à A... USA (A...U), à A... Austrália (A...A) e à A... África do Sul (A...SA), mas facturados à I..., Ltd.

No entender da Autoridade Tributária e Aduaneira, em suma, os proveitos imputados à sociedade irlandesa I..., Ltd no exercício de 2009, devem ser considerados como proveitos da Requerente, na medida em que se comprovou que esta entidade não possui substância económica nem justificação comercial, tendo sido utilizada unicamente com propósitos de natureza fiscal, sem qualquer intervenção efectiva nas transacções que ocorrem entre o a Requerente e as empresas do Grupo que ela fornece, a A... USA, a A... Austrália e a A... África do Sul.

Os factos que levaram a Autoridade Tributária e Aduaneira a formular aquela conclusão foram os seguintes, em suma:

– A Irlanda constitui uma jurisdição fiscalmente atractiva na Europa;

– O Resultado Tributável da Requerente para o exercício de 2009 cifrou-se apenas em €26.158,56, e o Resultado Líquido apurado foi positivo mas muito reduzido (€ 20.402,45);

– Do total facturado intra Grupo A... pela Requerente no ano de 2009 – cerca de 15 milhões de Euros – 12,7 milhões dirigiram-se à I... (aproximadamente 85%);

– A Requerente alega que actua como unidade industrial que assegura a produção de rolhas para o Grupo, no qual as funções comerciais estão concentradas noutras entidades, designadamente a I..., a A... España e a A... France, mas verifica-se que o escoamento da produção da A... ocorre directamente, tanto no mercado europeu como nos mercados dos EUA, Austrália e África do Sul, com a única diferença que no primeiro mercado os produtos são facturados aos respectivos clientes, e nos segundos mercados os produtos são facturados à I...;

– Os produtos fabricados pela A... são vendidos à A... USA (A...U), à A... Austrália (A...A) e à A... África do Sul (A...SA), mas facturados à I...: nas facturas emitidas esta consta como cliente e aquelas como destinatários;

– São expedidos a partir das instalações do contribuinte em ... directamente para os Estados Unidos, Austrália ou África do Sul, e transportados em seu nome e por sua conta, sem que na documentação de transporte e alfandegária, surja qualquer referência à I..., seja de que tipo for;

– As despesas de transporte são suportadas pela A... e as despesas com os despachos alfandegários também;

– O mesmo acontece quando há devoluções: o sujeito passivo debita as despesas ao destinatário das mesmas, não à entidade a quem foram facturadas (I...), como seria de esperar numa vulgar relação comercial;

– Nas ordens de compra exibidas pelo sujeito passivo não consta qualquer assinatura de nenhum responsável ou funcionário da I..., tendo inclusive sido detectada uma ordem de compra (destinada à A...U) na qual é pedido o envio directo da mercadoria para um cliente da A...U no Canadá, cliente este que, à partida, e em condições normais, a I... não conheceria;

– Existem ordens de pagamento do estrangeiro recebidas pelo contribuinte (respeitantes a transacções cujo destinatário foi a A...U) onde figura como ordenador a I..., mas a sua morada aparece nos EUA, na sede da A...U (... Califórnia), e elas são oriundas do banco com que a A...U trabalha, o J...; a A...U confirmou à Autoridade Tributária e Aduaneira através das autoridades fiscais dos EUA, que a I... usou a morada da A...U para receber correspondência da conta bancária que possuiu no banco americano J...;

– Foram recebidas várias transferências ordenadas directamente pela A... Austrália que foram contabilizadas como recebimentos do cliente I..., nestes casos, quem está a pagar as mercadorias é o seu destinatário efectivo e não a entidade que figura nas facturas como cliente;

– A Requerente recebeu ordens de pagamento em nome da I... que respeitam a facturas destinadas à A...SA e indicam no respectivo detalhe o número das correspondentes facturas emitidas pela I... à A... África do Sul, o que comprova que a entidade que efectivamente está a realizar o pagamento não é a I..., mas antes a A...SA, pois de outra forma não faria sentido tal menção;

– Foi descontada uma remessa de exportação na qual figura como sacado a A...U, não obstante respeitar a uma factura emitida à I...; posteriormente, foi recebida uma transferência ordenada pela I... desse mesmo montante e referente à mesma factura;

– Não obstante não possuir relações comerciais directas com a A...U, A...A e A...SA, a A... debitou-lhes mensalmente management fees, R&D fees e quality control fees;

– Por seu turno, a A...U debita também mensalmente ao contribuinte despesas de marketing, telefone, alojamento e design da página na internet, viagens aos EUA, publicidade e utilização da marca e a A...A despesas administrativas, de entretenimento, viagens, telefone e encargos com viaturas;

– A Requerente emitiu no exercício de 2009 notas de crédito à sociedade registada nas K... referentes a devoluções de rolhas que não passaram no teste do TCA e foram facturadas em 2007 e 2008, mas não exibiu quaisquer documentos de transporte ou alfandegários comprovativos destas devoluções;

– A administração da A... afirma que a K... funcionava como central de compras de Grupo antes da I... e foi substituída por esta em 2009, mas desconhece o motivo da sua substituição e se continua ou não activa; as autoridades fiscais das Bermudas confirmaram-nos que esta sociedade foi incorporada por fusão noutra e já não existe, e a A...U informou-nos, através das autoridades fiscais norte-americanas, que apresentou a sua última declaração fiscal em 2009-05-13;

– Na contabilidade do sujeito passivo as contas da K... foram todas saldadas no final do ano de 2009 através de documentos internos, por contrapartida da conta de terceiros da A... Group SARL, que, por sua vez, realizou transferências bancárias que permitiram quase anular esse saldo devedor;

– A sociedade-mãe do Grupo A..., a A... Group, Ltd, esteve registada nas Bermudas até 16 de novembro de 2009 e depois mudou-se para o Luxemburgo, mantendo-se detentora da I... na sua totalidade, de quem recebeu no exercício de 2009 € 370.000,00 de dividendos;

– A administração da A... afirma que a I... funciona como uma central de compras do Grupo para os EUA, Austrália e África do Sul, desconhecendo porém qual a estrutura instalada na Irlanda que possui para exercer a sua actividade;

– No sítio oficial do Grupo (no endereço www...) não há qualquer referência à I..., que não surge sequer como empresa pertencente ao mesmo;

– A I... está colectada na Irlanda para o exercício da actividade de Comércio por Grosso de Madeira, Materiais de Construção & Equipamento Sanitário desde 2008-11-06;

– As instalações existentes na morada da I..., situada em ..., em Dublin, correspondem a um escritório virtual, serviço comercializado pela empresa L... que consiste na recepção de correspondência e chamadas telefónicas associada a uma morada à escolha, prestado a clientes localizados em qualquer parte do mundo, que apenas pretendem sedear formalmente nesse local a sua empresa, não efectivamente exercer aí qualquer actividade;

– A... I... foi constituída na Irlanda em 2007-09-27 pela firma de consultoria/solicitadoria M... Limited (que possui sede no...), tendo sido nomeados administradores N... e O... (ambos solicitadores); a morada de exercício da actividade e de administração indicada foi a sede da referida firma de consultoria/solicitadoria;

– De acordo com as demonstrações financeiras obtidas através das autoridades fiscais irlandesas, o único fornecedor da I... em 2009 foi a A..., e os seus únicos clientes foram a A...U, A...A e A...SA, a quem se destinou a totalidade do seu Volume de Negócios de € 14.485.091,00, tendo apurado uma margem bruta sobre o custo de 69,51%;

– Possui apenas uma funcionária, P..., que exerce a função de administradora desde 2008-11-06 conjuntamente com E... e, desde 2009-03-26, também com D... (presidente do Conselho de Administração da A...);

–P... constava até 2012-11-07 no cadastro da AT como residente em Portugal, possuindo domicílio fiscal na Rua ..., nº..., ..., ...-... Algés, sendo a proprietária do imóvel que se localiza nessa morada, tendo contraído um crédito à habitação para aquisição desse Imóvel em 1999, que foi declarado como habitação própria permanente;

– Nas demonstrações financeiras da I... encontram-se registados rendimentos pagos a P... no ano de 2009 e seguintes; simultaneamente verificou-se que esta auferiu em Portugal no mesmo ano, rendimentos da categoria A pagos pela sociedade do Grupo, Q..., única entidade que tem vindo a pagar-lhe rendimentos desde 2001;

– Notificada em 2012-10-17, veio alegar ser residente na República da Irlanda desde 2009, e trabalhar na I... como directora residente; no entanto, alterou apenas na altura o seu domicílio fiscal para a Irlanda, na sequência dessa notificação;

– A A...U é uma sociedade registada no Estado da Califórnia, criada em 1981-03-13, detida a 100% pela A...U Holding Company, cujo presidente é D... e que possui sede em ... ..., Califórnia;

– A A...U confirmou ter recebido as remessas de mercadorias da A..., facturadas à I..., tendo remetido documentação comprovativa, que permitiu atestar que existe uma relação directa e inequívoca entre a facturação A...–I...– A... USA, constatando-se que existem sempre duas facturas emitidas para cada transacção efectiva de bens ocorrida: as datas das facturas, as mercadorias, referências e quantidades são exactamente as mesmas, variando apenas o preço; os pagamentos efectuados ao contribuinte pela I... são ordenados a partir dos EUA e provêem de uma conta bancária aberta em nome dessa empresa no mesmo banco americano com que a A... U trabalha, tendo esta inclusive fornecido comprovativos dos mesmos, a que obviamente apenas tem acesso porque foram por ela executados;

– A Irlanda tem frequentemente sido criticada por apresentar atributos similares a um paraíso fiscal, nomeadamente uma taxa de tributação muito baixa – 12,5% – em sede de imposto sobre o rendimento das sociedades; possuindo um regime fiscal claramente mais favorável, deveria atender à substância económica da actividade das sociedades que a escolhem para se estabelecer;

– No caso Cadbury Schweppes, julgado pelo TJCE em 2006, foi estipulado que podem ser admitidas medidas restritivas do princípio da liberdade de estabelecimento, mas só e apenas nas situações em que a subsidiária não existe fisicamente em termos de instalações, pessoal e equipamento, que denotem a existência de um estabelecimento destinado a prosseguir urna actividade económica efectiva.

 

3.1.1.1. Posição da Requerente

 

A Requerente defende, sobre esta questão, em suma:

 

– A correcção determinada pela Administração Tributária ao abrigo do artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIRC baseia-se no entendimento de que as vendas de mercadorias feitas pela sociedade irlandesa I..., LTD à sociedade americana A... USA, INC devem ser imputadas à Requerente;

– A Administração Tributária assenta esse entendimento num juízo subjectivo quanto à ausência de substância económica e justificação comercial da I..., LTD, rejeitando a real ocorrência das transacções efectuadas pela Requerente com aquela sua cliente com base (i.) em especulações não confirmadas quanto à ausência de instalações e actividade da I..., LTD, (ii.) em considerações genéricas quanto ao teor da prática comercial comum em matéria de assinatura de ordens de encomenda e (iii) num preconceito inadmissível quanto às empresas instaladas na República da Irlanda, que pejorativamente qualifica como país de baixo nível de tributação;

– A Administração Tributária não demonstra minimamente a suposta inactividade da I..., LTD nem a falsidade das vendas de mercadorias feitas àquela pela Requerente, sendo que o ónus da prova inerente a semelhante conclusão sempre impenderia sobre a Administração Tributária;

– Adicionalmente, a inadmissibilidade da posição da Administração Tributária quanto à suposta instrumentalização da I..., LTD pela Requerente para alegadamente ocultar proveitos de vendas e diminuir os resultados sujeitos a tributação em Portugal decorre também da constatação de que nem a Requerente, nem as sociedades que a controlam, detêm o controlo sobre a supostamente instrumentalizada I..., LTD, reconduzindo-se a tese da Administração Tributária a um conjunto de alegações infundadas e sem o mínimo de corroboração factual ou sequer formulação certa;

– A Administração Tributária não contesta que o preço e demais condições negociais praticadas pela Requerente nas suas vendas à I..., LTD corresponderam aos termos que seriam praticados entre entidades independentes, em contexto de plena concorrência, motivo pelo qual não é sequer demonstrado o suposto desvio de proveitos de Portugal para a Irlanda em que a Administração Tributária alicerça a sua pretensão;

– Caso a Administração Tributária pretendesse questionar os termos praticados pela Requerente nas vendas realizadas à I..., LTD, invocando qualquer desvio de base tributável de Portugal para a Irlanda, deveria ter efectuado um exame da situação em matéria de preços de transferência, à luz do artigo 58.º do CIRC, tarefa que contudo a Administração Tributária conscientemente rejeitou desenvolver, alegando para o efeito que as vendas em causa não ocorreram efectivamente;

– Pretendendo a Administração Tributária adoptar semelhante entendimento, deveria então ter lançado mão do artigo 38.º, n.º 2, da LGT ou, alternativamente, do artigo 39.º da LGT ou do artigo 60.º do CIRC;

– A Administração Tributária optou por adoptar uma linha de argumentação sui generis e sem enquadramento legal, invocando genericamente o artigo 20.º do CIRC como forma de encobrir um exercício da função inspectiva desligado do teor concreto das leis tributárias, motivo pelo qual é manifestamente ilegal a correcção de IRC em apreço;

– Subsidiariamente, admitindo sem conceder que as vendas de mercadoria da I..., LTD à A... USA, INC deveriam de algum modo ser imputadas à Requerente, a correcção em causa sempre seria ilegal por falta de demonstração pela Administração Tributária dos pressupostos da respectiva quantificação, a qual assenta exclusivamente em listagens obtidas das Autoridades Fiscais norte-americanas, preparadas pela A... USA, INC e que alegadamente identificam, não apenas as facturas que lhe foram emitidas pela sua fornecedora A..., LTD, mas também as facturas emitidas à I..., LTD pelos respectivos fornecedores;

– A Administração Tributária não pode pretender efectuar uma correcção ao resultado tributável de um contribuinte português no valor de EUR 1.908.524,06 com base em listagens alegadamente elaboradas por uma sociedade norte-americana, desacompanhadas de qualquer documento de suporte, legenda ou indicação da respectiva autoria concreta, sendo de notar que não se trata sequer de informação preparada ou validada pelas Autoridades Fiscais norte-americanas – cujo valor probatório dependeria em todo o caso da respectiva fundamentação e objectividade, à luz do artigo 76.º da LGT.

 

 

3.1.1.2. Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira, para além de reafirmar os factos acima referidos e reproduzir excertos do Relatório da Inspecção Tributária, diz, em suma, o seguinte:

– As evidências recolhidas pela AT permitem concluir que as operações em crise não correspondem a operações económicas efectivas entre a Requerente e a I..., mas antes entre a Requerente e a A...U constituindo, por conseguinte, um ganho relativo a vendas da Requerente sujeito a imposto nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 20º do CIRC;

– Os proveitos imputados à I... no exercício de 2009, foram considerados proveitos da Requerente, por se ter comprovado que a I... é uma entidade que “não possui substância económica nem justificação comercial, tendo sido utilizada unicamente com propósitos de natureza fiscal, sem qualquer intervenção efectiva nas transacções que ocorrem entre o contribuinte e as empresas do Grupo que ele fornece”;

– De salientar, ainda, que as operações em causa não são passíveis de análise no âmbito do regime dos preços de transferência do art. 63º do CIRC em virtude de não se tratarem de operações económicas efectivas;

– Na verdade, como resulta comprovado, as operações comerciais entre a Requerente e a I... não tiveram lugar, antes ocorreram entre a Requerente a A...U, seu real cliente;

– Nestes termos, a diferença global de € 1.908.524,06 entre o valor facturado pela Requerente à I... e o valor facturado por esta ao cliente e efectivo destinatário dos bens A... U constitui um proveito a tributar na esfera jurídica da Requerente;

– A AT não coloca em causa a existência da I..., mas antes que esta sociedade não teve qualquer intervenção efectiva nas operações em crise destinadas à A...U, o que resulta devida e suficientemente comprovado nos autos;

– Naturalmente que o valor indevidamente omitido pela Requerente corresponde à diferença facturada pela I... à A...U;

– A Requerente invoca na sua PI que os fundamentos invocados pela AT teriam o seu enquadramento no regime jurídico de facturas falsas, com as consequências criminais daí advenientes, considerando a correcção em análise ilegal e contraditória;

– Sucede, porém, que a emissão de facturas falsas depende da verificação de pressupostos que não ocorrem no caso em análise, atenta a matéria de facto recolhida, uma vez que as importâncias em causa foram efectivamente debitadas a quem consta como cliente na respectiva factura e, a jusante, os lucros daí advenientes foram distribuídos aos respectivos titulares;

– Concretizando, a Requerente apenas recebeu a importância facturada à I..., e esta recebeu a importância facturada à A...A, distribuindo, no final, € 370.000,00 de dividendos à sociedade-mãe do Grupo – fls. 64 do RIT;

– Aquilo que a Requerente também descreve como uma contradição, no art. 54º da sua PI, são planos distintos de uma mesma realidade, correspondendo um deles ao circuito financeiro distribuído entre a Requerente e a I..., e ou outro ao circuito da economia real que não pode deixar de relevar para efeitos de imposto;

– Perante as evidências reunidas e devidamente demonstradas pela AT no RIT, afigura-se de todo legítimo e razoável a exigência dirigida à Requerente para esclarecimento das operações em causa, sem que essa exigência configure um ónus de prova impossível ou “diabólico”;

– Não é o facto de as mercadorias serem entregues directamente à A...U que sustenta a correcção em crise, mas um conjunto de evidências que não foram minimamente desconstruídas pela Requerente;

– A explicação dada pela Requerente para as assinaturas apostas pela sua administradora nas notas de encomenda recebidas por correio electrónico da I... afigura-se inteiramente descabida, até porque a única assinatura que se afigura necessária seria a de um responsável do cliente, e nunca a do fornecedor, e sendo a encomenda feita por correio electrónico, não se alcança a necessidade de aposição de uma assinatura, quando, para confirmação da boa recepção de uma encomenda, bastaria tão-somente responder ao e-mail em causa, dando nota disso mesmo;

– Quanto aos contactos telefónicos e presenciais que a Requerente invoca, ainda que constasse comprovado que os mesmos respeitam às relações comerciais entre Requerente e I... , o que de todo não consta provado (o número de telefone da T... Irlanda não está afecto à I... e não existe qualquer documento a justificar a razão da deslocação de dois dias à Irlanda de um funcionário da Requerente), ainda assim os mesmos são manifestamente escassos face o volume de facturação ocorrido entre as duas sociedades;

– Sobre as relações societárias susceptíveis de justificar um interesse na diminuição dos resultados sujeitos a tributação em Portugal, parece suficiente identificar o benefício patrimonial que resulta para o Grupo A..., através da sociedade-mãe, sem necessidade de comprovar um controlo específico, a que acresce o facto de a Requerente e a I... possuírem um administrador comum, E...;

– A AT entende que não há ilegalidade por a correcção não ter sido efectuada quer ao abrigo do regime dos preços de transferência do art. 58º do CIRC, quer ao abrigo da cláusula geral antiabuso do art. 38º, nº 2 da LGT, ou mesmo do disposto no art. 39º da LGT;

– Não está em causa qualquer princípio de plena concorrência dos preços praticados, nem um abuso de formas jurídicas ou uma simulação de negócio;

– Mas antes, e distintamente do alegado pela Requerente, uma distribuição de proveitos sem uma realidade económica efectiva susceptível de a suportar, donde a necessidade de corrigir essa imputação desprovida de realidade económica, imputando à Requerente proveitos alegadamente da I...;

– Do mesmo modo, não seria de aplicar o artigo 60º do CIRC (actual artigo 66º) à situação em apreço, porquanto, como se disse, a AT entende que os lucros não foram efectivamente auferidos pela I... mas sim pela Requerente, na medida em que o que se constatou, tal como se encontra vertido no RIT, foi que as operações entre a Requerente e a I... não constituíram operações económicas efectivas, antes tendo ocorrido entre a Requerente e a A...U, que é o seu real cliente;

– Por fim, a Requerente contesta os pressupostos e a demonstração da quantificação dos proveitos corrigidos, procurando essencialmente descredibilizar os elementos obtidos pela AT junto da sua congénere norte-americana.

– Quanto a este particular importa referir que, foram pela AT encetados contactos tanto com a Administração Fiscal Norte Americana como com a Irlandesa, como com a Administração Fiscal das Bermudas e da África do Sul, ao abrigo da cooperação administrativa internacional, no sentido de obter as informações necessárias à fundamentação das correcções, como resulta bem patente de fls. 32 e seguintes do RIT.

– As informações obtidas de cada uma das administrações fiscais mencionadas, encontram-se descritas no RIT, sendo certo que, no que se refere aos elementos obtidos da Administração Fiscal Norte Americana, como resulta de fls. 43 do RIT, a mesma se disponibilizou para fornecer outras facturas e documentação individualizada das mesmas;

– Não se compreende igualmente a estranheza manifestada pela Requerente nos artigos 86º e seguintes, porquanto os elementos fornecidos pela A...U, são relativos a uma empresa pertencente ao mesmo grupo empresarial da A...U, e do qual a Requerente também faz parte, como resulta desde logo de uma consulta ao site que a própria Requerente indica no artigo 62º do Pedido Arbitral e do teor do RIT;

– Sendo certo que, reitere-se, não obstante se tratar de informação fornecida pela A...U à Administração Fiscal Norte Americana, a mesma foi por esta última formalmente requerida a tal empresa, no uso dos seus poderes, e fornecida à AT no âmbito do mecanismo de troca de informações ao abrigo da Cooperação Internacional, pelo que fica assim afastada qualquer suspeita que sobre as informações prestadas pretendesse a Requerente lançar;

– De harmonia com o disposto no artigo 76.º, n.º 4, da LGT, a Convenção celebrada entre Portugal e os EUA foi devidamente aprovada e ratificada (Resolução da Assembleia da República nº 39/95, e Decreto do Presidente da República nº 73/95, ambos de 12.10.1995, publicados no Diário da República, 1ª Série A, nº 236), pelo que não poderão restar dúvidas sobre o valor probatório das informações transmitidas ao abrigo do artigo 28º da referida Convenção, pela Administração Fiscal dos EUA;

– Quanto às informações solicitadas à Administração Fiscal Irlandesa, importa referir que todas as questões colocadas visaram, em última análise, tentar aferir sobre o efectivo exercício de actividade por parte da I..., sendo que o conteúdo das respectivas respostas, documentalmente comprovado, foi amplamente descrito no RIT (anexos 61 a 65) e contribuiu para criar a convicção de que se estava perante uma entidade meramente instrumental;

– Ora, nos termos supra melhor expostos, apurou-se uma diferença total de € 1.908.524,06 entre o valor facturado pelo contribuinte à I... e o valor facturado por esta ao cliente e destinatário dos bens, a A...U, que se concluiu constituir um proveito a tributar na esfera jurídica da Requerente, nos termos do artigo 20º, nº 1, al. a) do CIRC;

– Com efeito, foram elaborados diversos estudos comparativos das informações prestadas e dos documentos fornecidos quer pela Requerente quer pelas Administrações Fiscais identificadas no RIT, sendo que os mesmos não se reduzem, ao contrário do que a Requerente quer fazer denotar, às listagens fornecidas pela Administração Fiscal Norte Americana no âmbito da cooperação administrativa, antes envolvendo todos os elementos devidamente identificados no Relatório de Inspecção;

– Pelo que o alegado pela Requerente no que se refere ao facto de as correcções resultarem directamente e apenas dos dados constantes das duas listagens fornecidas pela AF Norte Americana não é correcto, o que já supra ficou bem demonstrado, resultando ainda melhor demonstrado no Relatório de Inspecção Tributária;

– Sendo certo que, nas informações fornecidas pela Administração Fiscal Norte Americana se encontram perfeitamente discriminadas as facturas e são identificáveis as transacções que representam, englobando todas as transacções referentes às mercadorias em questão (da Requerente para a I... e para a A...U, informação que, como referimos, não seria conhecida do cliente em “circunstâncias normais”), fornecendo assim elementos para, em conjunto com os demais elementos de análise recolhidos durante o procedimento de inspecção, e devidamente identificados no RIT, se proceder às correcções em apreço;

– Pelo que, nem as correcções ou as próprias conclusões a que se chegou acerca da I..., resultaram igualmente apenas da análise de quatro facturas, como igualmente se depreende de uma leitura cuidada do Relatório de Inspecção;

– No que se refere às alegadas discrepâncias encontradas nas listagens, importa apenas referir que as divergências encontradas foram devidamente analisadas e detalhadas no RIT, tendo sido expurgadas nos termos que aí bem se demonstram;

– Quanto ao extracto bancário da I... junto pela Requerente importa referir que o mesmo apenas vem ajudar a solidificar as conclusões obtidas na acção inspectiva, porquanto dele não constam quaisquer movimentos relacionados com a alegada actividade operacional da empresa, nomeadamente porque não existem entradas relativas a recebimentos de clientes nem saídas relativas a pagamentos a fornecedores, mas apenas despesas com pessoal, rendas, com auditores, advogados e despesas administrativas, alimentadas por transferências recebidas da casa mãe (A... Group);

– Pelo que necessário será concluir que a liquidação adicional em crise não padece de qualquer vício também quanto à correcção de € 1.908.524,06, devendo a pretensão da Requerente ser julgada improcedente.

 

 

3.1.1.3. Decisão da questão dos proveitos relativos à I..., Ltd

 

O processo arbitral tributário sido criado pelo RJAT como alternativa ao processo de impugnação judicial ( [1] ), é, como este, um meio contencioso de mera anulação ( [2] ).

Num contencioso de mera legalidade, como é o previsto no RJAT para os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, visa-se apenas a declaração de ilegalidade de actos dos tipos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do seu artigo 2.º, pelo que tem de se aferir da legalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo jurisdicional.

Por isso, é, à face apenas do teor do acto impugnado que é apreciada a sua legalidade.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que os proveitos obtidos pela I..., Ltd devem ser considerados proveitos da Requerente.

            Como sintetiza a Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 64.º da sua resposta, não coloca em causa a existência da I..., mas sim que tenham existido as transacções entre a Requerente e esta entidade, no ano de 2009.

            Assim, em face das informações obtidas através da administração fiscal americana, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu, com base nas listagens das facturas emitidas à A... USA pela I... e nas facturas emitidas a esta pelos seus fornecedores com referência à factura da I... a que respeitam, que «foi possível compilar os dados e apurar uma diferença global de € 1.908.524,06 entre o valor faturado pelo contribuinte à I... e o valor faturado por esta ao cliente e efetivo destinatário dos bens, a A... USA».

            A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que

«Esta diferença corresponde precisamente aos proveitos que foram, através deste esquema de planeamento fiscal, imputados à sociedade irlandesa, quando, na realidade, respeitam ao contribuinte, devendo por isso ser tributados na sua esfera.

Face ao exposto, a A... não fez concorrer para o apuramento do seu Resultado Tributável referente ao exercício de 2009, proveitos no valor de € 1.908.524.06, pelo que deverá acrescer ao Resultado Tributável deste exercício esses proveitos incorridos, mas imputados á sociedade irlandesa I... Ltd». Página 66 do Relatório da Inspecção Tributária)

 

Como se refere na página 65 e no quadro da página 75 do Relatório da Inspecção Tributária, o fundamento legal desta correcção é o artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, que estabelece que

 

“Consideram-se rendimentos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente

a) Os relativos a vendas ou prestações de serviços, descontos, bónus e abatimentos, comissões e corretagens.”

 

            A Requerente, para além de afirmar que não se prova as vendas referidas não tivessem sido efectuadas pela I... e que esta não tivesse actividade, defende que, a nível de enquadramento jurídico, «caso a Administração Tributária pretendesse questionar os termos praticados pela Requerente nas vendas realizadas à I..., LTD, invocando qualquer desvio de base tributável de Portugal para a Irlanda, deveria ter efectuado um exame da situação em matéria de preços de transferência, à luz do artigo 58.º do CIRC, tarefa que contudo a Administração Tributária conscientemente rejeitou desenvolver, alegando para o efeito que as vendas em causa não ocorreram efectivamente» e «pretendendo a Administração Tributária adoptar semelhante entendimento, deveria então ter lançado mão do artigo 38.º, n.º 2, da LGT ou, alternativamente, do artigo 39.º da LGT ou do artigo 60.º do CIRC».

Esta questão do enquadramento jurídico que serviu de base à actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira coloca-se por o princípio da legalidade, a que a Autoridade Tributária e Aduaneira está sujeita na globalidade da sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) impõe-lhe que actue «em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos».

O artigo 20.º, n.º 1, do CIRC apenas nos diz, em geral, quais os rendimentos que se englobam no âmbito de incidência do IRC, mas nada esclarece sobre a forma de os determinar e é a questão da legalidade da forma de determinação dos rendimentos utilizada que a Requerente coloca ao defender que a correcção efectuada só poderia ser efectuada com uso dos meios procedimentais previstos nos artigos 63.º ou 66.º do CIRC, ou 38.º, n.º 2, ou 39.º da LGT.

Na verdade, a norma que estabelece a forma de determinação do lucro tributável é, em primeira linha, o artigo 17.º, n.º 1, do CIRC, «o lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».

No caso em apreço, não foi com base exclusivamente na contabilidade da Requerente, mas também com base nas listagens fornecidas pela administração fiscal americana sobre o valor da facturação da I... à A... USA que a Autoridade Tributária e Aduaneira determinou o valor de € 1.908.524,06, que entendeu dever acrescer ao lucro tributável da Requerente.

Não está em causa, o valor probatório das informações recebidas da administração tributária americana, mas a insuficiência da fundamentação que é invocada no Relatório da Inspecção Tributária para a efectuar a correcção, sendo certo, que, pelo que se disse, apenas essa fundamentação é relevante para aferir da legalidade da correcção em causa, não relevando, designadamente, a trazida ao processo pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta e alegações.

Como defende a Requerente, a correcção teria de se basear em alguma norma legal que permitisse determinar o lucro tributável daquela forma e o artigo 20.º, n.º 1, do CIRC, que é a norma que foi invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária, não é seguramente uma norma que permita tal forma de determinação.

Na verdade, aquele artigo 20.º, n.º 1, não permite determinar a matéria tributável à margem da contabilidade da Requerente nem retirar eficácia, para efeitos fiscais, à interposição da I... entre a Requerente e os adquirentes, registando na esfera jurídica desta empresa os proveitos obtidos, o que só seria possível ao abrigo da cláusula geral antiabuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

Por outro lado, sendo apenas a fundamentação que consta do acto a que releva num contencioso de mera anulação, nem se pode aventar que o acto praticado tenha cobertura jurídica no artigo 38.º, n.º 2, da LGT ( [3] ), nem no artigo 63.º do CIRC, nem no artigo 39.º da LGT, nem no artigo 66.º do CIRC, pois não foi com qualquer destes fundamentos que o acto foi praticado.

Por isso, tem de se concluir que é ilegal a correcção efectuada.

 

3.1.2. Questão dos custos não aceites relativos ao financiamento da A... 3

 

A Requerente concedeu à A... 3 um empréstimo sob a forma de conta corrente pelo valor global máximo de € 2.000.000,00, nos termos do qual sobre os capitais utilizados no âmbito deste contrato não seriam devidos quaisquer juros, só passando a existir juros a partir de 01-01-2010, na sequência de uma adenda ao contrato.

Como se refere no ponto III.1.1.4 do Relatório da Inspecção Tributária, no ano de 2009, a Requerente suportou custos com financiamentos obtidos no valor global de € 633.729,58, sendo o saldo médio do seu endividamento de € 9.758.109,37 e a taxa de juro efectiva de 6,49%.

Aplicando esta taxa ao número de dias que a Requerente esteve a financiar a A... 3, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que o valor dos custos financeiros correspondentes aos financiamentos à A... 3 era de € 97.278,08, efectuando uma correcção deste montante ao lucro tributável do exercício de 2009 da Requerente, com fundamento na não dedutibilidade fiscal de custos financeiros suportados pela Requerente por não serem custos indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos da Requerente ou para a manutenção da sua fonte produtora, para efeitos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.

 

3.1.2.1. Posição da Requerente

 

A Requerente defende, em, suma, que

– não há conexão entre os financiamentos por si contraídos e que determinaram custos no ano de 2009 e os financiamentos concedidos à A... 3, MATÉRIAS PRIMAS UNIPESSOAL, LDA no âmbito da conta-corrente de suprimentos;

– a Administração Tributária não procurou sequer indagar quais os propósitos subjacentes a cada um dos financiamentos contraídos e que geraram encargos financeiros no exercício de 2009, limitando-se a assumir que parte do capital alheio obtido pela Requerente foi mutuado à A... 3, MATÉRIAS PRIMAS UNIPESSOAL, LDA e a rejeitar como custo fiscal uma parte proporcional do total de encargos financeiros – juros, comissões e Imposto do Selo, relativos a financiamentos efectivamente obtidos mas também a garantias, linhas de crédito e contas caucionadas – suportado em 2009;

– que os recursos financeiros disponibilizados à A... 3, tiveram exclusivamente origem nos recebimentos dos seus clientes, de valor mensal sempre muito superior aos valores emprestados, inexistindo por isso encargos financeiros suportados pela Requerente para financiamento desta entidade, conforme resulta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral;

– no Relatório da Inspecção Tributária, ponderando o argumento apresentado pela Requerente, a Administração Tributária afirma ser impossível estabelecer qualquer conexão entre recebimentos de clientes e os financiamentos concedidos à A... 3, MATÉRIAS PRIMAS UNIPESSOAL, LDA, invocando para o efeito a natureza fungível do dinheiro;

– a Administração Tributária estabelece implicitamente uma conexão em tudo similar à que alega ser impossível estabelecer entre os recursos financeiros cuja obtenção junto de terceiros gerou encargos para a Requerente e os financiamentos concedidos à A... 3;

– o ónus da prova dos pressupostos factuais da correcção de IRC em causa impende inevitavelmente sobre a Administração Tributária, que tem que demonstrar a legitimidade da sua actuação em sede de fundamentação do acto tributário;

– o estabelecimento de uma conexão entre financiamentos contraídos e o destino dado aos recursos financeiros dessa forma obtidos – tal como entre recebimentos ocorridos e financiamentos concedidos – é perfeitamente passível de identificação e análise em contexto de inspecção tributária, implicando todavia um exame atento dos fluxos financeiros registados, trabalho esse que a Administração Tributária não pretendeu desenvolver;

– a decisão da Requerente de, através da afectação de parte dos recursos financeiros originados nos recebimentos dos seus clientes, conceder em sistema de conta-corrente financiamento à A... 3, como forma de garantir acrescida estabilidade e fiabilidade dos seus fornecimentos de matéria-prima, nada tem pois a ver com os encargos financeiros suportados pela Requerente em 2009, sobretudo relativos a financiamentos de médio e longo prazo contraídos para aquisição de maquinaria e demais elementos do activo imobilizado da Requerente, ou com contas bancárias caucionadas utilizadas pela Requerente no âmbito da sua actividade;

– a Administração Tributária não demonstra minimamente que os encargos financeiros cuja relevância como custo fiscal rejeita foram suportados pela Requerente na prossecução de quaisquer interesses estranhos à actividade empresarial, não procurando identificar qualquer afectação específica, empresarial ou não, dos financiamentos obtidos pela Requerente na origem dos encargos financeiros em causa;

– mesmo que a Administração Tributária tivesse logrado demonstrar que os encargos financeiros foram suportados pela Requerente com vista à concessão do financiamento em questão – o que não se concede e apenas por dever de patrocínio se admite –, seria ainda assim ilegal a desconsideração da relevância fiscal daqueles encargos, por violação do artigo 23.º do CIRC, porquanto a Administração Tributária também não demonstra que a concessão de financiamento à A... 3 traduza a prossecução de fins alheios à actividade da Requerente;

– O financiamento foi motivado pelo desejo de assegurar que o regular fornecimento de matéria-prima necessária para a eficiente laboração das instalações fabris da Requerente não sofria perturbações ocasionadas por carências de tesouraria da sua fornecedora, traduzindo assim tal financiamento, na óptica da Requerente, uma medida de manutenção da sua fonte produtora, enquadrada no campo de aplicação do artigo 23.º do CIRC;

– na definição dos concretos termos do contrato de conta-corrente de suprimentos em causa, as partes tiveram presente a fase inicial de actividade da mutuária, assim se explicando o estabelecimento de um período de carência de juros que vigorou durante os três primeiros anos do contrato, após o que se iniciou a cobrança de juros a uma taxa correspondente à Euribor a 3 meses acrescida de um spread de 4% – cfr. página 57 do Relatório da Inspecção Tributária (documento n.º 3).

– de uma perspectiva substancial, o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC exige, como condição para a dedução ao lucro tributável de encargos suportados pelos sujeitos passivos, que tais custos sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a Imposto ou para a manutenção da fonte produtora;

– em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa, ou seja de um nexo entre o acto de gestão a que estes se encontram subjacentes à actividade empresarial dos sujeitos passivos, ficando de fora do conceito de indispensabilidade, apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, que dizem respeito apenas a um interesse individual do sócio ou grupo de sócios, porque não visam o lucro ou a manutenção da empresa enquanto fonte produtora de rendimentos.

 

 

3.1.2.2. Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende sobre esta questão dos custos de financiamento o seguinte, em suma:

– a Requerente e a A... 3 têm relações especiais, nos termos do definido nas alíneas d) e g) do nº 4 do art. 63º do CIRC;

– a gerência da A... 3 é composta pelos membros que compõem o Conselho de Administração da Requerente;

– a A... 3 é o fornecedor exclusivo de cortiça da Requerente, sendo no cômputo da generalidade dos fornecedores da Requerente a responsável por 25,65% das compras de 2009;

– não obstante a A... 3 constar do estudo dos preços de transferência da Requerente relativo a 2009, entre as operações vinculadas materialmente relevantes não constam as operações de financiamento ora controvertidas, as quais não foram objecto de análise económica para efeitos de preços de transferência;

– à luz do consignado no art. 23º do CIRC, entende a AT que os financiamentos contraídos pela Requerente foram em parte utilizados pela A... 3, sem qualquer comparticipação desta nos respectivos encargos financeiros;

– a aplicação do art. 23º do CIRC não exige a verificação de um nexo de causalidade quanto à proveniência das disponibilidades financeiras efectivamente canalizadas para a A... 3 por via da aludida conta corrente, bastando-se, simplesmente, com a constatação de o financiamento obtido pela A... 3 ter tido como efeito diminuir as disponibilidades financeiras da Requerente e, por essa via, implicar o recurso, na mesma medida, ao seu endividamento junto da banca;

– o montante de endividamento da Requerente junto da banca só será fiscalmente dedutível na medida em que o mesmo se afigure indispensável, indispensabilidade essa que, no que respeita à actividade da Requerente, não poderá abranger as carências financeiras que resultam do facto de estar disposta a ajudar financeiramente uma sua participada;

– a indispensabilidade exigida pelo art. 23º do CIRC não é a que resulta de um juízo de aprovação sobre os actos de gestão praticados pela Requerente mas antes de uma análise objectiva às consequências que os seus actos têm na determinação do seu lucro tributável e, consequentemente, no apuramento da sua situação jurídico-tributária;

– objectivamente, para prover ao financiamento da A... 3 a Requerente teve que acrescer aos fluxos de caixa referentes a recebimentos de clientes as disponibilidades obtidas através de endividamentos bancários;

– não importa, por conseguinte, apurar qualquer nexo causal quanto à proveniência das disponibilidades financeiras efectivamente canalizadas para a A... 3, até porque essa verificação se afigura impossível dada a característica de fungibilidade do dinheiro;

– a actividade de financiamento a uma entidade terceira não resulta indispensável para a realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora da Requerente, uma vez que a concessão de crédito não integra o seu objecto social;

– quanto à base legal que suporta o cálculo efectuado pela AT, importa salientar que a aplicação aos factos do disposto no art. 23º do CIRC comporta uma margem necessária de discricionariedade da AT na determinação dessa indispensabilidade, desde que suportada na lei e em critérios de razoabilidade e proporcionalidade, como vem a ser o caso dos autos;

– tratando-se de financiamentos concedidos a uma entidade terceira, em nada são indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora;

– ficou por esclarecer o motivo pelo qual uma sociedade constituída pela própria Requerente com o intuito de lhe fornecer matérias primas quase em regime de exclusividade, não foi desde logo dotada de recursos próprios adequados às suas previsíveis necessidades de tesouraria, ou mesmo porque motivo não optou a A... 3 por se financiar junto da banca, caso em que os encargos financeiros daí decorrentes seriam dedutíveis para efeitos fiscais;

– quanto ao regime dos preços de transferência, inexistindo um preço acordado pelas partes mas existindo um encargo efectivo imputável ao financiamento utilizado pela A... 3, não está em causa assegurar o princípio da plena concorrência nos termos do consignado no art. 63º do CIRC, mas antes determinar os encargos que não são dedutíveis ao abrigo do art. 23º do CIRC,

– em alegações, a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca jurisprudência em abono da sua posição.

 

3.1.2.3. Decisão da questão da dedutibilidade dos custos financeiros

 

O artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, na redacção vigente em 2009, estabelece o princípio de que «consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora», indicando-se, título exemplificativo, os «encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração».

São de considerar indispensáveis para realização dos proveitos as despesas sem as quais a empresa não poderia exercer a sua actividade nem obter os proveitos ou ganhos que obteve.

Não afasta uma conclusão no sentido dessa indispensabilidade a eventualidade de a empresa poder prosseguir a sua actividade sem realizar determinadas despesas, mas apenas um juízo no sentido de as despesas em causa não terem potencialidade para influenciar positivamente a obtenção de proveitos, mesmo indirectamente através da criação das condições para o funcionamento da empresa (a manutenção da fonte produtora, a que se refere a parte final do n.º 1 do referido artigo 23.º.)

Só é de afastar uma conclusão no sentido da indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos ou ganhos se se puder afirmar que essas despesas não tinham potencialidade para os influenciarem positivamente.

Na verdade, não é necessário, para atribuir relevância fiscal às despesas efectuadas com os financiamentos bancários, demonstrar que elas produziram efectivamente um resultado positivo. Basta que sejam actos que possam ser aceites como actos de gestão, actos do tipo dos que uma empresa realize com o objectivo de incrementar os proventos e com tendencial potencialidade para propiciar tal incremento. Nesta matéria, o controlo da Administração Tributária tem de ser um controlo pela negativa, não aceitando como custos apenas os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601).

O contribuinte, no exercício da liberdade de iniciativa económica nos quadros definidos na Constituição e na Lei que lhe é reconhecida pela Constituição da República Portuguesa [artigos 61.º, n.º 1, e 80.º, alínea c)], tem, em princípio, o direito de definir com relevância fiscal as estratégias empresariais que julgue adequadas e de escolher os meios para atingir os resultados que almeja, desde que não esteja prevista qualquer limitação justificada pela necessidade de assegurar a concomitante realização de outros valores com consagração constitucional (como, por exemplo, os interesses ambientais ou os direitos dos trabalhadores). Incluir-se-á no núcleo essencial de tal direito, a liberdade dos agentes económicos formularem e concretizarem as suas opções de gestão, quando estas não afectem qualquer dos interesses constitucionais que se pretendem assegurar. Sendo certo que as exigências da tributação, necessária para assegurar o funcionamento geral do Estado, podem justificar limitações aos custos relevantes para efeitos fiscais, estas têm de decorrer da Constituição ou da Lei, como impõem aquelas normas constitucionais.

A esta luz, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, na redacção vigente em 2009, ao limitar a relevância dos custos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do êxito ou inêxito que em concreto proporcionaram.

A própria letra daquele n.º 1 do artigo 23.º aponta decisivamente nesse sentido com a utilização do tempo verbal futuro «forem», em vez do tempo passado «foram»: a perspectiva adequada para apreciar a indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos é do agente económico no momento em que agiu, quando apenas há a possibilidade de as opções empresariais a tomar virem a produzir proveitos e não a da fiscalização tributária, agindo na presença dos resultados obtidos, apreciando a relevância que as despesas tiveram efectivamente para eles serem atingidos.

Assim, é de concluir que são de considerar indispensáveis para a realização dos proveitos as despesas que, no momento em que são realizadas, se afigurem como potencialmente geradoras de proveitos ou adequadas a manter a fonte produtora, o que tem como corolário só poder ser eliminada a relevância fiscal de um custo quando for de concluir, em face das regras da experiência comum, que não tinha potencialidade para gerar proveitos, isto é, quando se demonstrar que o acto que gera os custos não pode ser considerado como um acto de gestão, por não poder esperar-se, com probabilidade aceitável, que da despesa efectuada possa resultar mesmo indirectamente um proveito.

No caso em apreço, o próprio facto reconhecido pela Autoridade Tributária e Aduaneira de a A... 3 ser o fornecedor exclusivo de cortiça da Requerente aliado ao facto de esta ter como actividade a produção e comercialização de rolhas de cortiça, corroboram, em termos de razoabilidade, a tese da Requerente de que financiou sem juros a A... 3 por ter interesse próprio em assegurar o regular fornecimento de matéria-prima necessária para o seu próprio funcionamento, o que se enquadra na parte final do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC ao considerar dedutíveis os custos que tenham como finalidade a manutenção da fonte produtora.

Por outro lado, sendo de considerar seguro, à face das regras da vida e da experiência comum, que uma empresa comercial, que tem por objectivo a obtenção de lucros, não irá financiar gratuitamente outra sem que haja uma razão para o fazer, é de concluir, na falta de qualquer outra explicação razoável, que foi o alegado interesse da Requerente em assegurar o seu próprio funcionamento que justificou que providenciasse para que fosse assegurada a actividade da A... 3, através do financiamento gratuito.

Aliás, o facto de após 2010 a Requerente ter passado a cobrar juros pelos financiamentos que fez à A... 3 indicia que, nesta matéria, a Requerente não deixava de se preocupar com os seus próprios interesses.

Assim, conclui-se que a correcção efectuado quanto aos referidos financiamentos Requerente à A... 3 não tem cobertura no referido artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, pois está-se perante actos de gestão aceitáveis para assegurar a manutenção da fonte produtora.

      Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral, nesta parte.

      Sendo de anular a liquidação com este fundamento fica prejudicado o conhecimento da questão subsidiária colocada pela Requerente de haver erro na quantificação.

 

      3.1.3. Questão do incumprimento do princípio da especialização dos exercícios

 

      A Requerente registou na sua contabilidade, no exercício de 2009, uma importância total de € 331.726,66 de custos relativa a devoluções de mercadorias ocorridas em 2007 e 2008.

      A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, por força do princípio da especialização dos exercícios, esta quantia não podia ser considerada como custo de 2009, mas sim dos exercícios anteriores, pelo que efectuou uma correcção, não imputando os custos referidos a qualquer dos exercícios anteriores com fundamento em ter já transcorrido o prazo de caducidade do direito de liquidação.

A Requerente não se conforma com a correcção relativamente a duas notas de crédito n.ºs .../91... e nº .../91..., ambas emitidas para anulação de vendas realizadas em 2008, montante total de € 317.215,00.

 

 

      3.1.3.1. Posição da Requerente

 

A Requerente defende, em suma, sobre esta questão, o seguinte:

 

– Parte substancial da referida correcção – EUR 317.215,00 – refere-se às notas de crédito n.º .../91... e n.º .../91..., ambas de 5 de Janeiro de 2009, emitidas pela Requerente para anulação de facturas de vendas realizadas em 2008 e cuja mercadoria foi rejeitada pela cliente K... LTD por falhas nos correspondentes testes de controlo de qualidade;

– O princípio da especialização dos exercícios não se reveste de uma rigidez total e absoluta, de tal modo a que conduza à penalização dos contribuintes que não causaram qualquer lesão ao erário público e que, pelo contrário, apuraram e pagaram IRC sobre proveitos antecipada e erroneamente – beneficiando indevidamente os cofres do Estado – não podendo tal princípio deixar de ser matizado pelo princípio da justiça – com acolhimento constitucional e legal, respectivamente no artigo 266.º, n.º 2, da CRP e no artigo 55.º da LGT;

– Perante a constatação da consideração extemporânea de custos em 2009, atento o princípio da justiça, ou a Administração Tributária corrigia também e correlativamente, estando em prazo, o exercício de 2008, ou se abstinha de promover qualquer correcção ao exercício de 2009 – por injusta – sendo desse modo ilegal a parte da correcção em apreço relativa às notas de crédito acima referidas.

 

     

3.1.3.2. Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira refere sobre esta questão o seguinte, em suma:

 

– À luz do nº 1 e nº 2 do art. 18º do CIRC, os custos referentes a exercícios anteriores a 2009 não poderão ser aceites para efeitos fiscais neste exercício, em virtude de não respeitarem o princípio da especialização dos exercícios;

– Em síntese, a AT determinou uma correcção ao lucro tributável no montante de € 331.726,66, por incumprimento do princípio da especialização dos exercícios, vindo a Requerente impugnar a correcção efectuada pelo montante de € 317.215,00, conformando-se com a correcção remanescente de € 14.511,66;

– O princípio da justiça sofre, no caso dos autos, as limitações impostas pelo princípio da segurança e da certeza jurídicas quanto à possibilidade de a AT rever a liquidação de IRC referente a 2008;

– O artigo 45º, n.º 1 da LGT contém uma imposição legal que impede a liquidação de tributos para além do prazo de quatro anos, contados nos termos do seu nº 4;

– No presente caso, os custos referentes às devoluções de mercadorias em causa eram, à data de 31.12.2008, perfeitamente conhecidos da Requerente, facto que a própria reconhece, comprovando documentalmente que as mesmas ocorreram nos meses de Novembro e Dezembro de 2008;

– Note-se que, as notas de crédito que estiveram na base desta correcção foram emitidas à sociedade registada nas K..., em Janeiro de 2009 (altura em que esta foi substituída pela sociedade registada na Irlanda, I..., Ltd), mas respeitam a fornecimentos de mercadorias ocorridos em 2007 e 2008 e devolvidos pelo cliente A... USA no final de 2008;

– De todo o modo, os presentes autos incidem sobre o IRC de 2009, e o princípio da legalidade e da especialização dos exercícios é peremptório a impor a correcção efectuada, a qual será de manter na ordem jurídica, julgando improcedente a pretensão da Requerente relativamente ao acréscimo ao lucro tributável da importância de € 317.215,00, ao abrigo do art. 18º do CIRC.

 

 3.1.3.3. Decisão da questão do incumprimento do princípio da especialização dos exercícios

 

O artigo 18.º do CIRC estabelece o princípio da especialização dos exercícios, nos termos do qual, «os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica».

      À face deste princípio, as duas notas de crédito n.ºs .../29...1 e nº .../91... emitidas para anulação de vendas realizadas em 2008, deveriam ser imputadas ao exercício de 2008, o que não é questionado pela Requerente.

A Requerente defende, porém, que o princípio da justiça deve obstar à aplicação deste princípio, não se efectuando qualquer correcção quando não é possível imputar os custos ao ano a que deveriam ser imputados, à face daquele princípio.

O Supremo Tribunal Administrativo tem adoptado o entendimento que a Requerente defende, tendo decidido, relativamente ao princípio da especialização dos exercícios, que «esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios». ( [4] )

É uma situação deste tipo que ocorre no caso em apreço, pelo que, em sintonia com esta jurisprudência, é de declarar a ilegalidade da correcção de € 317.215,00, referente às notas de crédito n.º .../91... e n.º .../91..., ambas de 5 de Janeiro de 2009, emitidas pela Requerente para anulação de facturas de vendas realizadas em 2008, de que decorre a ilegalidade do acto de liquidação, na parte em que teve como pressuposto esta correcção.

 

 4. Juros indemnizatórios e reembolso da quantia paga

 

A Requerente pede ainda que seja determinado o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, relativamente à quantia de € 517.960,15, referente à liquidação de IRC, que pagou em 19-12-2013.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

No que concerne aos juros indemnizatórios, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade das correcções efectuadas, na parte em que foi pedida, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios pois a ilegalidade das correcções e do subsequente acto de liquidação é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente têm direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, actualmente, na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT), desde 19-12-2013, a data de pagamento, até ao reembolso da quantia paga.

Consigna-se que, apesar de a Requerente não ter impugnado a totalidade das correcções, há lugar à restituição da totalidade da quantia paga, por ter havido dedução oficiosa de prejuízos de anos anteriores, como se refere na alínea Q) da matéria de facto fixada.

 

5. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)  Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)  Declarar a ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2013..., de 5 de Dezembro de 2013, referente ao ano de 2009;

c)  Anular a liquidação referida;

e)  Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia que pagou, de € 517.960,15, e a pagar à Requerente juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre aquela quantia € 517.960,15, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, actualmente, na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT), desde a data em que efectuou o pagamento, 19-12-2013, até integral pagamento.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC de 2013, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 517.960,15.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.956,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 24-01-2019

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(Leonor Fernandes Ferreira)

 

 

(José Coutinho Pires)

 

 

 

 

 

 

 

Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Professora Doutora Leonor Fernandes Ferreira e Dr. José Coutinho Pires, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 18-07-2014, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A... PORTUGAL, S.A., NIPC …, com sede na …, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral colectivo, ao abrigo dos artigos 95.º da Lei Geral Tributária ("LGT"), 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT"), 137.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas ("CIRC") e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ("RJAT"), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas n.º "IRC") n.º 2013 ..., de 5 de Dezembro de 2013, referente ao ano de 2009, no montante total de € 590.394,46.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

            A Requerente optou pela não designação de árbitro.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do

artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

            As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 08-07-2014.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 12-10-2014, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinado que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas, indicando-se o dia 28-11-2014 para prolação da decisão arbitral.

            Apenas a Requerente apresentou alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            Não se vislumbra qualquer nulidade.

 

            2. Matéria de facto

 

            2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu a uma inspecção de âmbito geral à Requerente, relativa ao ano de 2009, que se iniciou em 14-01-2013 (notificação da Ordem de Serviço OI2012…);
  2. A inspecção teve duas prorrogações por períodos de 90 dias;
  3.  A Requerente constituiu-se em 09-01-1995 e exerce a actividade de produção e comercialização de rolhas de cortiça, CAE 16294;
  4. Em sede de IRC, a Requerente declarou um prejuízo contabilístico e fiscal elevado no exercício de 2008, e desde então, veio a deduzi-lo aos lucros tributáveis apurados nos exercícios seguintes;
  5. A situação da Requerente a nível de IRC, resultante da declaração apresentada resume-se no quadro seguinte:

Rubrica

2009

Data de entrega de declaração

31-05-2010

Resultado Líquido do Exercício

20.402,45

Var. Patrim. Negativas SNC

NA

Benefícios fiscais deduzidos Q07

0,00

Resultado Tributável

99.141,59

Prejuízos fiscais dedutíveis

237.522,45

Prejuízos fiscais deduzidos

99.141,59

Matéria Coletável

0,00

Colecta

0,00

PAGAMENTO ESPECIAL POR CONTA

45 935,35

IRC Liquidado

0,00

Pagamento por conta

0,00

Derrama

0,00

Tributações autónomas

28.719,46

Total a pagar

28,719,46

Total a recuperar

121,55

 

  1. A Requerente apresentou em 21-06-2013 reclamação graciosa referente à autoliquidação de IRC do exercido de 2009 para utilização do benefício fiscal previsto no artigo 19.º do EBF (criação líquida de emprego), tendo sido aceite pela administração fiscal uma dedução de € 72.983,03 ao Resultado Tributável daquele exercício, que passou a ser de € 26.158,56;
  2. A A... labora em duas unidades industriais localizadas no concelho de ...:

- a A... 1 (unidade principal) funciona nas instalações localizadas na …, e na …, em …, que constituem a sede da empresa e do "Grupo A..." em Portugal, e compreendem um pavilhão industrial com várias naves e uma área de estaleiro que abrangem mais de 14.000 m2, onde se encontra a parte produtiva, os escritórios, o laboratório, e os armazéns de matérias-primas e produtos acabados; este imóvel corresponde ao artigo matricial urbano nº. … da freguesia de …, foi recentemente construído (em 2007), e encontra-se arrendado ao contribuinte pela B… Sociedade Imobiliária, SA, NIF …, entidade proprietária do mesmo;

- a A... 2 funciona nas instalações localizadas na Zona Industrial de ..., …, em ..., onde está instalada a unidade de acabamento de rolhas destinadas aos mercados europeus; este imóvel corresponde ao artigo matricial urbano nº. … da freguesia de ..., e encontra-se arrendado ao contribuinte por  U…, NIF …, proprietário do mesmo;

  1. A Requerente controla todas as operações verticalmente integradas do processo produtivo, que podem resumir-se da seguinte forma:

- a cortiça é adquirida, escolhida e traçada pelo seu fornecedor exclusivo, a A...3 Matérias-Primas Unipessoal, Lda (doravante designada somente por A... 3), NIF …, que possui sede social no mesmo local da A... e Instalações produtivas que foram expandidas e reconstruídas em 2003, no … (e incluem um parque de estabilização de cortiça, um armazém de paletes de cortiça preparada e uma caldeira de alta eficiência em aço inoxidável);

- semanalmente, a cortiça é transportada em paletes que contém cerca de 750kg cada, da A... 3 para as instalações da A... em …;

- na unidade industrial principal da empresa (designada internamente por A... 1), em …, a cortiça é transformada em rolhas, sendo aí realizadas todas as operações do processo produtivo até à obtenção do produto acabado: rabaneação, brocagem manual e automática, secagem, rectificação, escolha electrónica e manual, lavação e pré-secagem, controlo da bactéria TCA7 através do sistema patenteado Y… (exclusivo do Grupo A...), secagem, revestimento;

- quando se destinam ao mercado de países terceiros, designadamente ao mercado americano (Estados Unidos e Argentina), as rolhas são expedidas a partir da A... 1, sendo as operações de acabamento efectuadas nas empresas do grupo que existem nesses países;

- quando se destinam ao mercado intracomunitário, designadamente a Espanha e França, as rolhas vão para a unidade de ... (designada internamente por A... 2) para realização dos acabamentos (tais como marcação, humidificação e tratamento), que são efectuados de acordo com os pedidos e especificações dos clientes, e só depois são então expedidas para os clientes intracomunitários;

- isto acontece porque o Grupo A... nos países europeus apenas possui agentes comerciais, entidades a quem pagam comissões pelas vendas intermediárias, ao passo que nos Estados Unidos da América, na Austrália e na África do Sul e Argentina possui mesmo empresas distribuidoras do grupo, com capacidade para a realização dos acabamentos das rolhas antes de serem entregues aos clientes finais;

- em Portugal, a Requerente possui apenas 1 vendedor, dada a reduzida dimensão deste mercado no Volume de Negócios da empresa;

  1. No Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se uma análise dos encargos financeiros suportados pela Requerente no ano de 2009 nos seguintes termos:

II.3.8. Análise dos encargos financeiros suportados no exercício de 2009

Procedeu-se a uma análise da indispensabilidade dos encargos financeiros que influenciaram negativamente o Resultado Tributável deste contribuinte no exercício de 2009. Resultando do endividamento da empresa para fazer face às suas necessidades financeiras de médio e longo prazo, parte desses recursos estão a ser utilizados para financiar gratuitamente uma empresa do grupo, a A... 3, onerando, consequentemente, a A... sem qualquer remuneração.

II.3.8.1. A sociedade A... – Matérias-Primas, Unipessoal, Lda Sociedade por quotas denominada A...3 – Matérias-Primas, Unipessoal, Lda, NIF …, constituída em 15 de Novembro de 2006 na Conservatória do Registo Predial e Comercial de ..., com o objecto de compra e venda de cortiça, preparação de cortiça para o fabrico de rolhas e para quaisquer outras aplicações industriais, Industria e comércio de produtos de cortiça e seus derivados, e prestação de serviços relacionados com tais actividades.

A firma possui a sua sede social na …, concelho de ..., e foi constituída com um capital social de 50.000,00€, dividido numa única quota, pertencente inicialmente à A....

Em 19 de Março de 2007 a A... alienou a participação total que detinha na A... 3 à sociedade C..., SGPS, Lda., NIF …, que possui sede na … – …, mantendo-se esta sociedade actualmente como única detentora do capital social da A... 3.

Note-se que a A... apenas participou no capital social da A... 3 durante cerca de 4 meses (entre 15 de Novembro de 2006 e 19 de Março de 2007).

A gerência da A... 3 nomeada à data da sua constituição era composta por 4 membros (exactamente os mesmos que integram o Conselho de Administração da A...) D ..., E..., F… e G….

Em 15 de Setembro de 2006 foi nomeado também gerente H… (igualmente administrador da A...). Verifica-se portanto que a A... e a A... 3 são entidades relacionadas, ou seja, entre as quais existem relações especiais, do modo como são definidas nas alíneas d) e g) do nº. 4 do artigo 63º do Código do IRC (CIRC)

Esta informação consta da Certidão Permanente do Registo Comercial da A... Matérias-primas, Unipessoal, Lda. de que se junta cópia em Anexo 8 (5 páginas).

II.3.8.2. Financiamento a título gratuito da A... 3

A A... celebrou com a A... 3 em 01 de Janeiro de 2007 um Contrato de Conta Corrente de Suprimentos, que se junta em Anexo 9 (3 páginas), mediante o qual:

- a A... concede à A... 3 um empréstimo sob a forma de conta corrente pelo valor global máximo de 2.000.000€;

- este contrato tem a duração de 60 meses, com início em 01-01-2007, sendo renovável automaticamente;

- o montante de empréstimo concedido será utilizado de acordo com as necessidades de tesouraria da A... 3, sob a forma de conta-corrente, na qual serão registados os fluxos financeiros entre a A... e a A... 3,

- sobre os capitais utilizados no âmbito deste contrato não serão devidos quaisquer juros.

Os argumentos indicados no referido Contrato pelo sujeito passivo para a não remuneração deste empréstimo foram os seguintes:

- a A... 3 iniciou a sua actividade em 2007 num contexto de elevada incerteza quanto ao seu sucesso comercial, e encontra-se assim numa fase de "start up";

- a A... 3 opera em regime de quase exclusividade para a A..., o que significa que qualquer aumento dos custos seria inevitavelmente reflectido nas condições de venda da cortiça para a A...;

- a A... 3 (em carências financeiras que poderão condicionar o seu desempenho comercial e com Isso afectar a actividade da A... enquanto destinatária da generalidade da produção da A... 3;

- a A..., enquanto sócia única da A... 3, está disposta a ajudar financeiramente a A... 3, tendo em vista viabilizar a sua actividade.

Quanto às operações financeiras realizadas entra a A... e a A... 3 (financiamento concedido pela primeira à segunda), estas não foram sequer objeto de qualquer análise ao nível do dossier de preços de transferência (ver capítulo II.3.9.2 deste Relatório), não tendo sido apresentada nenhuma justificação para tal, exceto o argumento de que a A... 3 se encontra numa fase de start-up, tendo a A... entendido que o financiamento lhe deveria ser concedido sem qualquer remuneração.

Em 01 de Janeiro de 2010 foi efectuada uma Adenda a este Contrato – em Anexo 10 – para alterar a cláusula inicial relativa à taxa de juro, passando assim a prever a remuneração do financiamento em condições de mercado, mediante o cálculo de juros anuais baseados na Euribor acrescida de um spread de mercado, a partir do exercício de 2010. Assim, nos exercícios de 2010 e 2011 a A... debitou à A... 3 juros e Imposto de selo suportados por sua conta, aplicando a taxa de juro Euribor acrescida de um spread de 4%. nos seguintes montantes:

 

  1. Na sequência da análise a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcção aritmética relativa aos custos de financiamento da A... 3, com os seguintes fundamentos:

III.1.1. Custos de Financiamento da A... 3

III.1.1.1. Factos apurados

No âmbito do Contrato de Conta-Corrente de Suprimentos descrito no capítulo II.3.8 deste Relatório, a A... financiou a sua ex-participada A... 3 durante o exercício de 2009 sem lhe debitar qualquer remuneração por esses financiamentos. No quadro seguinte apresentamos os valores em débito da A... 3, sobre os quais não foram debitados juros, à data de 31 de dezembro:

(...)

Verificamos também que a empresa se endividou junto da banca, quer através de contas caucionadas, quer através de empréstimos bancários de médio e longo prazo. Em resultado destes financiamentos, a A... está a suportar custos financeiros de montante elevado.

No quadro seguinte discriminamos o valor dos referidos financiamentos obtidos no exercício em a data de 31 de dezembro:

Os custos financeiros suportados neste exercício com os referidos financiamentos foram os abaixo indicados:

Relativamente aos Juros suportados de empréstimos bancários e aos Serviços bancários comissões de papel comercial, os montantes em questão correspondem aos saldos das respetivas contas no exercido de 2009. Foram analisados os movimentos da conta 608109/698102, e elaborado o mapa que se junta em Anexo 83. tendo-se concluído que respeitavam todos a comissões de gestão de contas caucionadas ou comissões relativas a financiamento de médio e longo prazo.

(...)

III.1.1.2. Enquadramento legal

Tomando em consideração o disposto no artigo 23.º do Código do IRC, as correcções a propor obedecerão ao seguinte enquadramento legal:

Diz-nos o n.º 1 deste artigo que "consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora...".

Dentro deste enquadramento facilmente se depreende que os financiamentos contraídos pela A... e utilizados pela A... 3 a custo zero (numa lógica de tesouraria de grupo), geraram (e ainda geram) custos na A... que não contribuíram (e continuam a não contribuir) para a realização de proveitos ou ganhos ou para a manutenção desta empresa.

Assim sendo, propomos que os custos financeiros contabilizados na A... sejam corrigidos no sentido de refletir apenas e somente o custo do capital efetivamente utilizado por este sujeito passivo. Deste modo, não serão aceites fiscalmente (valor das correções a efectuar) os custos financeiros que a empresa suportou, os custos nesta contabilizados que corresponderam aos financiamentos concedidos à A... 3. relevando assim no valor restante os custos financeiros que a empresa suportou e que foram efetivamente necessários para o exercício da sua atividade.

Para o efeito, o critério que propomos passará por:

1. Calcular o saldo médio de endividamento anual da empresa;

2 Apurar os custos de endividamento efetivamente suportados pela empresa no período em análise;

3. Determinar a taxa do custo efetivo de endividamento da A...;

4. Aplicar esta taxa ao valor dos financiamentos efetuados por esta à A... 3 no ano de 2009;

5. Desconsiderar como custo fiscal o valor assim determinado.

(...)

III.1.1.4. Cálculo do valor a desconsiderar como custo

III.1.1.4.1. Saldo médio de endividamento da A...

Da análise da contabilidade e recolha dos extratos bancários das contas em causa, constatamos que no exercício de 2009 a A... se financiou junto da banca através de contas caucionadas e empréstimos bancários. No quadro abaixo resumem-se os movimentos das contas consideradas na presente análise durante o ano de 2009:

(...)

Efectuando o somatório dos saldos de endividamento médios diários assim obtidos, apuramos um Saldo Médio de Endividamento da A... de € 9.758 109,37 no exercício de 2009, assim discriminado:

III.1.1.4.2. Custo efetivo de endividamento da A…

Tendo determinado o valor do endividamento bancário de médio e longo prazo diário, e apurados os custos financeiros suportados pela A... com ele relacionados durante o exercício de 2009 (que, como vimos no capítulo III.1.1.1 deste Relatório, ascenderam a € 633.729,58), estamos em condições de calcular a Taxa de custo efetivo do capital alheio, que se cifrou em 6,49%:

Se compararmos os valores obtidos com a taxa de referência usada pela empresa nos anos de 2010 e 2011 para débito de juros à A... 3. que, como vimos, foi a Euribor a 3 meses mais um spread de 4%, constatamos que os valores obtidos situam-se próximos mas sempre acima deste indicador, que reproduzimos no quadro da página seguinte, e que, como é sabido, sofreu acentuada quebra em 2009.

A taxa Euribor a 3 meses no ano em analisa sofreu a seguinte evolução:

 

III. 1.1.4.3. Cálculo dos custos de financiamento da A... 3

Como já referimos, a A... concedeu financiamentos à A... 3 sob a forma de conta corrente ao longo do ano de 2009, que foram registados contabilisticamente nas contas 268156 – A...3 Transferências e 2783156 – A...3 Transferências, cujos extratos se encontram em Anexos 81 e 82, respetivamente.

Utilizando a taxa do custo efetivo do capital alheio determinada no capítulo anterior e aplicando-a ao número de dias que a empresa esteve a financiar a A... 3, obtemos o valor dos custos financeiros a desconsiderar nos termos do artigo 23.º do CIRC. Encontram-se em Anexo 86 (6 páginas) quadros onde se apresentam os cálculos realizados para determinação do valor a desconsiderar como custo.

Em resumo, os custos a corrigir no exercício de 2009 são os seguintes:

Face ao exposto, a A... fez concorrer para o apuramento do seu Resultado Tributável referente ao exercício de 2009 custos financeiros que não contribuem para a formação de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, no valor de € 97.278,08, pelo que deverá acrescer ao Resultado Tributável deste exercício os custos aqui desconsiderados.

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcção aritmética baseada em incumprimento do princípio da especialização dos exercícios, com os seguintes fundamentos:

III.1.2. Incumprimento do Princípio da Especialização dos Exercícios

III.1.2.1. Correções relativas a exercícios anteriores contabilizadas

Conforme relatado no capítulo II.3.11.1 deste Relatório, o contribuinte registou na conta 6972 – Correções relativas a exercícios anteriores sem regularização de IVA no exercício de 2009 (ver extrato em Anexo 49) uma importância total de € 331.726,66 de custos relativos a notas de crédito emitidas e a debit/credit memos recebidos da K..., Ltd (sociedade sedeada nas Bermudas que já não existe), que se resumem no mapa que se encontra em Anexo 87 e respeitam a devoluções de mercadorias ocorridas em 2007 e 2008.

 

III.1.2.2. Enquadramento legal

Tomando em consideração o disposto no artigo 18.º do Código do IRC, as correções a propor obedecerão ao seguinte enquadramento legal:

Diz-nos o n.º 1 deste artigo que "Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são Imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica. ..." Acrescenta o n.º 2 da mesma norma: "As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas"

Neste contexto, os custos referentes a exercícios anteriores a 2009 (2007 e 2006) não poderão ser aceites para efeitos fiscais neste exercício em virtude de não respeitarem o princípio da especialização dos exercícios plasmado neste normativo. Tratando-se de devoluções de mercadorias que terão ocorrido em 2007 e 2008 (não existe na contabilidade qualquer comprovativo ou evidencia do efetivo retorno dessas mercadorias), nunca poderiam integrar o Resultado Tributável do exercício de 2009 porquanto seriam, à data de 31 de dezembro de 2009, totalmente conhecidas do contribuinte.

 

III.1.2.3. Cálculo dos custos não aceites por incumprimento do princípio da especialização dos exercícios

Face ao exposto, a A... fez concorrer para o apuramento do seu Resultado Tributável referente ao exercício de 2009, custos relativos a exercícios anteriores que não obedecem ao princípio da especialização dos exercícios, no valor de € 331,726.66, pelo que deverá acrescer ao Resultado Tributável deste exercício tais custos.

 

  1. No Relatório da Inspecção Tributária a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu também ser de fazer uma correcção relativa aos proveitos imputados à sociedade irlandesa I..., nos seguintes termos:

III.1.3. Proveitos imputados à sociedade irlandesa I...

III.1.3.1. A tributação das sociedades na Irlanda

A Irlanda constitui uma jurisdição fiscalmente atrativa na Europa, em virtude de possuir, entre outras, as seguintes características:

- uma baixa taxa de imposto sobre o rendimento das sociedades (o equivalente ao nosso IRC) de 12,5%, aplicável genericamente aos lucros resultantes de atividades comerciais e industriais;

- possuiu uma taxa reduzida de 10% aplicável a certas operações produtivas e serviços internacionais, cuja aplicação cessou em 31 de dezembro de 2010;

- para certas atividades relacionadas com propriedades e para as atividades de exploração de gás natural, minérios e petróleo, a taxa aplicável é de 25%;

- os rendimentos passivos, tais como dividendos, juros, rendas e royalties são tributados a uma taxa máxima de 25%;

- adotou as Diretivas europeias Mães-Filhas (...) e Diretiva dos Juros e Royalties (...), assim como a Diretiva da Poupança (...);

- extensa rede de Convenções Sobre Dupla Tributação baseados na Convenção Modelo da OCDE";

- vastas isenções para retenções na fonte sobre dividendos, juros e royalties;

- isenção de imposto sobre rendimentos de capital para transações de ações;

- regime especial para as holdings;

- vantajoso regime de crédito fiscal para atividades de I&D;

- total ausência de regras para as Secção (...) e para subcapitalização,

- as regras de preços de transferência baseadas nas guidelines da OCDE apenas aplicáveis desde 01 de janeiro de 2011;

- existência de pacotes de incentivos fiscais para maximizar o acesso aos fundos comunitários e a sua eficiente utilização.

Nos últimos anos tem-se assistido a uma maior atenção por parte da comunidade internacional à problemática dos paraísos fiscais e da concorrência fiscal internacional: em 2005, a publicação pela OCDE de uma "lista negra" de países e territórios que não possuíam qualquer tributação (ou aplicavam taxas nominais mínimas) e que demonstravam falta de transparência e vontade na troca de informação com as restantes Administrações Fiscais, fez relançar a discussão, e abriu a porta, entre outras medidas, à implementação de diversos ATI e à troca de informações bancárias e fiscais por parte de jurisdições que anteriormente privilegiavam o segredo bancário (tais como a Suiça, Luxemburgo, Áustria e Bélgica na Europa, e os importantes centros financeiros asiáticos de Singapura e Hong Kong).

Não obstante integrar a "lista branca" da OCDE em termos de trocas de informações em matéria fiscal, a Irlanda tem frequentemente sido criticada por apresentar atributos similares a um paraíso fiscal, tais como:

- a combinação de uma taxa de 12,5% de imposto sobre o rendimento das sociedades (vigente desde 2003-01-01) com comportamentos de planeamento fiscal por parte de empresas multinacionais, particularmente abusando das regras em matéria de preços de transferência;

- o papel do ... (...)(Centro Internacional de Serviços Financeiros, criado em 1987 e localizado em Dublin) na atração de investimento para a Irlanda: recorda-se que é neste local que a empresa de solicitadores/auditores que constituiu a I... e lhe presta serviços na área da contabilidade, possui a sua sede social.

Por último, e não menos importante, a Irlanda, à semelhança de outras jurisdições que possuem um regime fiscal claramente mais favorável, deveria atender à substância económica da atividade das sociedades que a escolhem para se estabelecer, garantindo esta opção corresponde a razões económicas válidas e que estas desenvolvem de facto uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços.

(...)

III.1.3.3. Resumo dos factos apurados

Os factos apurados relativamente às operações declaradas entre o contribuinte e a sociedade irlandesa I..., Ltd foram sendo explicados ao longo do presente Relatório. Apresenta-se a seguir uma súmula dos mesmos:

1. O Resultado Tributável do contribuinte para o exercício de 2009 cifrou-se apenas em €26.158,56, e o Resultado Líquido apurado foi positivo mas muito reduzido (€ 20.402,45);

2. Do total faturado intra Grupo A... pelo contribuinte no ano de 2009 – cerca de 15 milhões de Euros – 12,7 milhões dirigiram-se à I... (aproximadamente 85%),

3. O contribuinte alega que atua como unidade industrial que assegura a produção de rolhas para o Grupo, no qual as funções comerciais estão concentradas noutras entidades, designadamente a I..., a A... España e a A... France;

4. Porém, verifica-se que o escoamento da produção da A... ocorre diretamente, tanto no mercado europeu como nos mercados dos EUA, Austrália e África do Sul, com a única diferença que no primeiro mercado os produtos são faturados aos respetivos clientes, e nos segundos marcados os produtos são faturados à I...;

5. Os produtos fabricados pela A... são vendidos à A... USA (A…U), à A... Austrália (A…A) e à A... África do Sul (A…SA), mas faturados à GA…T: nas faturas emitidas esta consta como cliente e aquelas como destinatários;

6. São expedidos a partir das instalações do contribuinte em … diretamente para os Estados Unidos, Austrália ou África do Sul, e transportados em seu nome e por sua conta, sem que na documentação de transporte e alfandegária, surja qualquer referência à I..., seja de que tipo for;

7. As despesas de transporte são suportadas pela A... e as despesas com os despachos alfandegários também;

8. O mesmo acontece quando há devoluções: o sujeito passivo debita as despesas ao destinatário das mesmas, não à entidade a quem foram (aturadas (I...), como seria de esperar numa vulgar relação comercial;

9. Nas ordens de compra exibidas pelo sujeito passivo não consta qualquer assinatura de nenhum responsável ou funcionário da I..., tendo inclusive sido detetada uma ordem de compra (destinada à A…U) na qual é pedido o envio direto da mercadoria para um cliente da A…U no Canadá, cliente este que, à partida, e em condições normais, a I... não conheceria;

10. Existem ordens de pagamento do estrangeiro recebidas pelo contribuinte (respeitantes a transações cujo destinatário foi a A...U) onde figura como coordenador a I..., mas a sua morada aparece nos EUA, na sede da A...U (… Califórnia), e elas são oriundas do banco com que a A...U trabalha, o J...; a A...U confirmou-nos através das autoridades fiscais dos EUA, que a I... usou a morada da A...U para receber correspondência da conta bancária que possuiu no banco americano J...;

11. Foram recebidas várias transferências ordenadas diretamente pela A... Austrália que foram contabilizadas como recebimentos do cliente I..., nestes casos, quem está a pagar as mercadorias é o seu destinatário efetivo e não a entidade que figura nas faturas como cliente;

12. O contribuinte recebeu ordens de pagamento em nome da I... que respeitam a faturas destinadas à A...SA e indicam no respetivo detalhe o número das correspondentes faturas emitidas pela I... à A... África do Sul, o que comprova que a entidade que efetivamente está a realizar o pagamento não é a I..., mas antes a A...SA, pois de outra forma não faria sentido tal menção;

13. Foi descontada uma remessa de exportação na qual figura como sacado a A...U, não obstante respeitar a uma fatura emitida à I...; posteriormente, foi recebida uma transferência ordenada pela I... desse mesmo montante e referente à mesma fatura;

14. Não obstante não possuir relações comerciais diretas com a A...U, A...A e A...SA, a A... debitou-lhes mensalmente management fees, R&D fees e quality control fees;

15. Por seu turno, a A...U debita também mensalmente ao contribuinte despesas de marketing, telefone, alojamento e design da página na internet, viagens aos EUA, publicidade e utilização da marca e a A...A despesas administrativas, de entretenimento, viagens, telefone e encargos com viaturas;

16. O sujeito passivo emitiu no exercício de 2009 notas de crédito à sociedade registada nas I..., K... referentes a devoluções de rolhas que não passaram no teste do TCA e foram faturadas em 2007 e 2008, mas não exibiu quaisquer documentos de transporte ou alfandegários comprovativos destas devoluções.

17. A administração da A... afirma que a K... funcionava como central de compras de Grupo antes da I... e foi substituída por esta em 2009, mas desconhece o motivo da sua substituição e se continua ou não ativa; as autoridades fiscais das Bermudas confirmaram-nos que esta sociedade foi incorporada por fusão noutra e já não existe, e a A...U informou-nos, através das autoridades fiscais norte-americanas, que apresentou a sua última declaração fiscal em 2009-05-13;

18. Na contabilidade do sujeito passivo as contas da K... foram todas saldadas no final do ano de 2009 através de documentos internos, por contrapartida da conta de terceiros da A... Group SARL, que, por sua vez, realizou transferências bancárias que permitiram quase anular esse saldo devedor;

19. A sociedade-mãe do Grupo A..., a A... Group, Ltd, esteve registada nas Bermudas até 16 de novembro de 2009 e depois mudou-se para o Luxemburgo, mantendo-se detentora da I... na sua totalidade, de quem recebeu no exercício de 2009 € 370.000,00 de dividendos;

20. A administração da A... afirma que a I... funciona como uma central de compras do Grupo para os EUA, Austrália e África do Sul, desconhecendo porém qual a estrutura instalada na Irlanda que possui para exercer a sua atividade;

21. No sítio oficial do Grupo (no endereço www...com) não há qualquer referência à I..., que não surge sequer como empresa pertencente ao mesmo;

22. A I... está coletada na Irlanda para o exercício da atividade de Comércio por Grosso de Madeira, Materiais de Construção & Equipamento Sanitário desde 2008-11-06;

23. As instalações existentes na morada da I..., situada em …, em Dublin, correspondem a um escritório virtual, serviço comercializado pela empresa L... que consiste na receção de correspondência e chamadas telefónicas associada a uma morada à escolha, prestado a clientes localizados em qualquer parte do mundo, que apenas pretendem sedear formalmente nesse local a sua empresa, não efetivamente exercer ai qualquer atividade;

24. A I... foi constituída na Irlanda em 2007-09-27 pela firma de consultoria/solicitadoria M... (que possui sede no ...), tendo sido nomeados administradores N... e O... (ambos solicitadores); a morada de exercício da atividade e de administração indicada foi a sede da referida firma de consultoria/solicitadoria;

25. De acordo com as demonstrações financeiras obtidas através das autoridades fiscais irlandesas, o único fornecedor da I... em 2009 foi a A..., e os seus únicos clientes foram a A...U, A...A e A...SA, a quem se destinou a totalidade do seu Volume de Negócios de € 14.485.091,00, tendo apurado uma margem bruta sobre o custo de 69,51%:

26. Possui apenas uma funcionária, P..., que exerce a função de administradora desde 2008-11-06 conjuntamente com D... e, desde 2009-03-26, também com ... (presidente do Conselho de Administração da A...);

27. P... constava até 2012-11-07 no cadastro da AT como residente em Portugal, possuindo domicílio fiscal na …, sendo a proprietária do imóvel que se localiza nessa morada, tendo contraído um crédito à habitação para aquisição desse Imóvel em 1999, que foi declarado como habitação própria permanente;

28. Nas demonstrações financeiras da I... encontram-se registados rendimentos pagos a P... no ano de 2009 e seguintes; simultaneamente verificou-se que esta auferiu em Portugal no mesmo ano, rendimentos da categoria A pagos pela sociedade do Grupo, Q..., única entidade que tem vindo a pagar-lhe rendimentos desde 2001;

29 Notificada em 2012-10-17, veio alegar ser residente na República da Irlanda desde 2009, e trabalhar na Q... como diretora residente; no entanto, alterou apenas na altura o seu domicílio fiscal para a Irlanda, na sequência dessa notificação;

30. A A...U é uma sociedade registada no Estado da Califórnia, criada em 1981-03-13, detida a 100% pela A...U Holding Company, cujo presidente é ... e que possui sede em …., Califórnia;

31. A A...U confirmou ter recebido as remessas de mercadorias da A..., faturadas à I..., tendo remetido documentação comprovativa, que permitiu atestar que existe uma relação direta e inequívoca entre a faturação A... –I...– A... USA, constatando-se que existem sempre duas faturas emitidas para cada transação efetiva de bens ocorrida: as datas das faturas, as mercadorias, referências e quantidades são exatamente as mesmas, variando apenas o preço; os pagamentos efetuados ao contribuinte pela I... são ordenados a partir dos EUA e provêem de uma conta bancária aberta em nome dessa empresa no mesmo banco americano com que a A...U trabalha, tendo esta inclusive fornecido comprovativos dos mesmos, a que obviamente apenas tem acesso porque foram por ela executados;

32. A Irlanda tem frequentemente sido criticada por apresentar atributos similares a um paraíso fiscal, nomeadamente uma taxa de tributação muito baixa – 12,5% – em sede de imposto sobre o rendimento das sociedades; possuindo um regime fiscal claramente mais favorável, deveria atender à substância económica da atividade das sociedades que a escolhem para se estabelecer;

33. No caso Cadbury Schweppes, julgado pelo TJCE em 2006, foi estipulado que podem ser admitidas medidas restritivas do principio da liberdade de estabelecimento, mas só e apenas nas situações em que a subsidiária não existe fisicamente em termos de instalações, pessoal e equipamento, que denotem a existência de um estabelecimento destinado a prosseguir urna atividade económica efetiva.

 

III.1.3.4. Enquadramento legal

Tomando em consideração o disposto do Código do IRC, as correções a propor obedecerão ao seguinte enquadramento legal: Estipula a alínea a) do nº. 1 do artigo 20º que "Consideram-se rendimentos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória nomeadamente os relativos a vendas ou prestações de serviços (...)”

Nesta circunstância, os proveitos imputados à sociedade irlandesa I..., Ltd no exercício de 2009, serão considerados como proveitos do contribuinte, na medida em que se comprovou que esta entidade não possui substância económica nem justificação comercial, tendo sido utilizada unicamente com propósitos de natureza fiscal, sem qualquer intervenção efetiva nas transações que ocorrem entre o contribuinte e as empresas do Grupo que ele fornece, a A... USA, a A... Austrália e a A... África do Sul.

Imporia frisar que, em nosso entender, as operações entre o contribuinte e a I... Ltd não são passíveis de análise no âmbito do regime de preços de transferência constante do artigo 63º do CIRC (que, como sabemos, tem como paradigma o princípio de plena concorrência, reunindo hoje um amplo consenso internacional por se entender que a sua adoção permite não só estabelecer uma paridade no tratamento fiscal entre as empresas integradas em grupos internacionais e empresas independentes, como neutralizar certas práticas de evasão fiscal e assegurar a consequente proteção da base tributável interna), em virtude de não se tratarem de operações económicas efetivas.

Na realidade, o nº. 1 daquele normativo estabelece que: "Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, (...), efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis". Ora, como vimos, as operações comerciais entre o sujeito passivo e a I... Ltd não tiveram, de facto, lugar, antes ocorreram (e continuam a ocorrer) entre o sujeito passivo e a A... USA, a A... Austrália e a A... África do Sul, seus reais clientes.

 

III.1.3.5. Cálculo do valor a considerar como proveito

Tendo-nos sido facultadas pela A... USA (através das respetivas autoridades fiscais) as listagens das faturas emitidas à A...U pela I... em 2009 e das faturas emitidas a I... pelos seus fornecedores com referência à fatura da I... a que respeitam, foi possível compilar os dados e apurar uma diferença global de € 1.908.524,06 entre o valor faturado pelo contribuinte à I... e o valor faturado por esta ao cliente e efetivo destinatário dos bens, a A... USA.

Esta diferença corresponde precisamente aos proveitos que foram, através deste esquema de planeamento fiscal, imputados à sociedade irlandesa, quando, na realidade, respeitam ao contribuinte, devendo por isso ser tributados na sua esfera.

Face ao exposto, a A... não fez concorrer para o apuramento do seu Resultado Tributável Referente ao exercício de 2009, proveitos no valor de €1.908.524,06, pelo que deverá acrescer ao Resultado Tributável deste exercício esses proveitos incorridos, mas imputados à sociedade irlandesa I... Ltd.

 

  1. No Relatório da Inspecção Tributária a Autoridade Tributária e Aduaneira reuniram-se as correcções propostas nos seguintes termos:

 

III.1.41 Correções propostas ao Resultado Tributável do exercício de 2009

Em face das correções propostas nos capítulos III. 1.1.4.3, III.1.2.3 e III. 1.3.4 deste Relatório, o Resultado Tributável do exercício de 2009, no montante de € 26.158,96, passará a cifrar-se em € 2.363.687,36, conforme se demonstra:

 

 

  1. Na sequência da notificação do projecto de Relatório da Inspecção Tributária, a Requerente pronunciou-se dizendo, em suma, o seguinte:

A. Relativamente aos custos de financiamento da A..._3_Matérias-primas, Unipessoal:

• a desconsideração dos custos financeiros resulta inadmissível porque nenhum dos financiamentos obtidos pela A... junto de terceiros (e com os quais incorreu em 2009 em custos de juros, comissões bancárias e Imposto de Selo) se destinou a financiar a A... 3;

• a análise dos financiamentos concedidos à A... 3 confrontada com os fluxos de caixa referentes a recebimentos de clientes demonstra que nenhum desses financiamentos foi feito com recurso a capital alheio (juntando quadro demonstrativo);

• o critério utilizado pela AT de desconsiderar custos financeiros efetivamente suportados através da aplicação de uma taxa calculada com referência ao total dos financiamentos existentes no ano de 2009 é desprovido de qualquer base legal, ignorando o facto de não existirem financiamentos obtidos pela A... para concessão de crédito à A... 3, e a existência de recebimentos de clientes em valor bastante superior ao dos financiamentos concedidos

B. Relativamente ao incumprimento do princípio da especialização dos exercícios:

• o contribuinte reconhece que os custos em questão deveriam, em obediência ao disposto no artigo 18º do CIRC, ter sido registados no ano em que a devolução da mercadoria ocorreu: 2008 e não em 2009;

• todavia, este registo extemporâneo de custos em nada prejudicou a Fazenda Pública, já que a matéria tributável do ano de 2008 permaneceu indevidamente elevada; ao princípio da especialização dos exercícios há que contrapor o princípio da justiça, pelo que, a correção pretendida pela AT, se não acompanhada pela correlativa correção favorável à A... relativamente ao ano de 2008, redundaria numa flagrante injustiça;

junta os documentos números 1, 2, 3 e 4, que comprovam a efetiva devolução das mercadorias em causa, que ocorreu no final do ano de 2008 relativamente às notas de crédito números .../91... e .../91..., ambas emitidas em 2009.

Relativamente à omissão de proveitos de vendas à A... USA DAL

• a I... Ltd é uma sociedade real e com existência efetiva (tendo uma funcionária própria e instalações arrendadas num centro de escritórios), que, no âmbito do grupo empresarial A..., adquire de diversas entidades matéria-prima e mercadoria;

• a A... não tem qualquer controlo societário sobre a I..., portanto nunca poderia instrumentalizar uma sociedade que não controla, nem retirar qualquer benefício patrimonial de uma sociedade cujos dividendos nunca lhe seriam distribuídos (e também nunca seriam à A...U Holding, Inc, que detém indiretamente controlo da A..., visto que esta não participa, direta ou indiretamente, no capital da I...);

• as autoridades fiscais norte-americanas confirmaram que a contraparte da A... USA nas transações comerciais em questão foi s I... e não a A...;

• não é legítimo que a AT retire do facto de as mercadorias serem entregues diretamente aos clientes da I... qualquer conclusão sobre a suposta inexistência daquela sociedade, visto que essa é uma prática comercial comum;

• as ordens de encomenda da I... são recebidas via correio eletrónico e assinadas por administradora da A..., sendo depois digitalizadas e devolvidas à I... pela mesma via, sendo totalmente falsa a afirmação que a A... encomendou a si própria as mercadorias vendidas à I...; junta os documentos 5 a 72, que consistem em PO (ordens de compra) à A... efetuadas no ano de 2009:

• alega a existência de 54 chamadas telefónicas e 23 mensagens escritas para contato da funcionária da I... na Irlanda durante o ano de 2009, que revelam inequivocamente a existência de uma relação comercial recorrente e efetiva, juntando os documentos 73 a 138 – extratos detalhados da S... emitidos à A... no ano de 2009;

• alega a existência de 54 chamadas telefónicas e 23 mensagens escritas para contato da funcionária da I... na Irlanda durante o ano de 2009, que revelam inequivocamente a existência de uma relação comercial recorrente e efetiva, juntando os documentos 73 a 138 – extratos detalhados da S... emitidos à A... no ano de 2009;

• acrescenta ainda que houve uma deslocação de um representante da A... à Irlanda em 2009 (T…) para visita à I..., juntando cópia de uma fatura emitida por uma agência de viagens, na qual são debitados à A... uma passagem aérea para Dublin e uma estadia em hotel entre os dias 14 e 16 de dezembro de 2009 (documento 139);

• termina referindo que, quanto à quantificação dos proveitos da I... que a AT pretende imputar à A...:

• são desconhecidos da A... os proveitos realizados nas vendas da I... para a A... USA;

• a AT admite que a I... não teve como único fornecedor em 2009 a A...;

• a informação prestada pelas autoridades fiscais norte-americanas relativamente aos fornecimentos efetuados pela I... à A... USA não tem qualquer valor probatório porque é uma listagem desacompanhada de quaisquer documentos de suporte;

• as autoridades fiscais norte-americanas não são competentes para prestai informações sobre uma sociedade residente na Irlanda.

  1. No Relatório da Inspecção Tributária referiu-se o seguinte, sobre as questões colocadas pela Requerente no exercício do direito de audição:

A. Relativamente aos custos de financiamento da A... 3 Matérias-primas. Unipessoal:

O financiamento concedido à A... 3 no exercício de 2009 (no valor de € 378.501,26) traduz-se efetivamente, para a A..., numa disponibilização de avultados meios monetários sem qualquer remuneração, que, muito embora se encontre fora do âmbito do seu objeto social, não deixa de configurar uma atividade de concessão de crédito, atividade esta que deverá naturalmente ser geradora de proveitos, à semelhança das restantes atividades exercidas pela empresa.

O argumento invocado pelo sujeito passivo para justificar a não cobrança de juros não colhe (como de resto já se explicou nos capítulos II.3.8 e III.1.1 deste Relatório) basicamente porque, tratando-se de financiamentos concedidos a uma entidade terceira, em nada são indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora do contribuinte. Isto foi aliás reconhecido pela própria A... quando, a partir do ano de 2010, e doravante em todos os exercícios seguintes, passou a debitar juros à A... 3 a uma taxa de juro de mercado.

Por fim, e a respeito da alegada existência de fluxos de caixa referentes a recebimentos de clientes de montante muito superior ao dos financiamentos concedidos à A... 3, não nos parece que seja possível estabelecer qualquer conexão entre os mesmos. Na realidade, o próprio contribuinte também não o consegue fazer, limita-se apenas a invocar esse facto.

Isto explica-se pela característica da fungibilidade do dinheiro: não é possível assegurar que foram exatamente as verbas recebidas dos clientes que foram aplicadas para financiar a A... 3, verificando-se sim, um endividamento bancário significativo por parte do contribuinte, o qual seria provavelmente menor se aqueles financiamentos não tivessem ocorrido De igual modo, os custos financeiros que tal endividamento acarreta seriam naturalmente mitigados com os proveitos que a referida concessão de crédito não gerou em 2009, e passou a gerar nos exercícios subsequentes. Neste sentido vai também a jurisprudência citada no capítulo III.1 1 deste Relatório.

 

B. Relativamente ao incumprimento do princípio da especialização dos exercícios

Dispõe o nº 1 do artigo 45º da Lei Geral Tributaria que o direito de liquidar os tributos caduca no prazo de quatro anos, contados nos Impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário. Ora, tratando-se, como o próprio contribuinte reconhece (e foi relatado nos capítulos II.3.11 e III. 1. 2. deste Relatório), de custos imputáveis ao exercício de 2008, exercício esse que se encontra fora do prazo legal de caducidade, não é possível atualmente proceder a qualquer correção correlativa ao exercício de 2008. Estamos neste caso perante uma imposição legal, que configura aliás uma das garantias fundamentais dos contribuintes no nosso ordenamento jurídico, impedindo a liquidação de tributos para além dos 4 anos seguintes àquele em que ocorreu o facto tributário.

Já relativamente ao exercício de 2009, constitui imperativo legal da AT dar cumprimento ao estipulado nos números 1 e 2 do artigo 18º do CIRC, cumprindo o princípio da especialização dos exercícios.

 

C. Relativamente à omissão de proveitos de vendas à A... USA. Inc.:

Conforme detalhadamente se descreveu nos capítulos II.3.9 a II.3.13 e III.1.3 deste Relatório, a sociedade residente na Irlanda, I... Ltd é uma sociedade regularmente constituída e cumpridora das suas obrigações fiscais, alias de outra forma não faria sentido a sua existência. Foi constituída por uma firma de solicitadores irlandesa em 2007, e possui desde finais de 2008 como administradores E… (também administrador da A...) e N... (funcionária de uma empresa do grupo, que se comprovou ser residente em Portugal pelo menos até novembro de 2012), localizando-se a sua sede num escritório virtual em Dublin. Não tem instalações produtivas nem comerciais, não realiza quaisquer transações físicas de bens, nem presta qualquer tipo de serviços.

A informação constante das demonstrações financeiras da I... e confirmada pelas autoridades fiscais norte-americanas é que a A... foi o único fornecedor de mercadorias da I... no ano de 2009, existindo somente algumas notas de débito de empresas do grupo relativas a prestações de serviços, sem qualquer expressão.

Não é naturalmente pelo facto das mercadorias serem entregues diretamente à A... USA que se questionam as operações entre o sujeito passivo e a I..., mas sim pelo facto de todas as evidências recolhidas se dirigirem no sentido de não se tratarem de operações económicas efetivas. O argumento apresentado pelo contribuinte de que nunca poderia instrumentalizar uma sociedade que não controla não é válido, porquanto a única acionista da I...– a A... Group Ltd -controla indiretamente a A... através da A...U SGPS, Lda, que detém em 36,5%.

Contrariamente ao que o contribuinte afirma, o grupo A..., nomeadamente a sua sociedade-mãe, recebeu dividendos da I... no ano de 2009, obtendo assim claros benefícios patrimoniais da sua existência. De referir ainda que existem relações especiais entre a A... e a I..., porquanto ambas as entidades possuem um administrador em comum, E..., conforme nos foi confirmado pelas autoridades fiscais irlandesas.

 A circunstância de as ordens de encomenda se encontrarem assinadas apenas por responsável do fornecedor e não conterem qualquer assinatura ou referência a um responsável do cliente não é prática comercial comum; por outro lado, se a sua remessa é efetuada sempre por correio eletrónico, à partida não careceriam de nenhuma assinatura.

Efetuada uma pesquisa na internet relativamente à I..., concluiu-se mais uma vez não possuir nenhum sítio oficial (como vimos, o grupo A... não a inclui no seu site), nem ser possível encontrar qualquer número de telefone fixo a ela associado. Os extratos detalhados da S... apresentados agora pelo contribuinte indicam apenas um número de telefone irlandês: …., para o qual constam envios de mensagens de telemóvel. Foi possível apurar que esse número corresponde a um telemóvel operado pela T... Irlanda (prefixo …), mas não quem é a pessoa ou entidade a quem está afeto. De qualquer modo, trata-se sempre de um dispositivo móvel que, como tal, poderá ser utilizado em qualquer parte do mundo, não obstante pertencer a uma rede e operador irlandeses. No mundo global em que vivemos, tais contatos pouco ou nada provam, e, face à dimensão que as operações com a I... possuem no Volume de Negócios da A..., a terem ocorrido, seriam manifestamente escassos. O mesmo se dirá relativamente à alegada visita realizada durante dois dias por um funcionário da A....

Para concluir, e no que toca às informações prestadas pelas autoridades fiscais norte-americanas, importa esclarecer que:

- se trata de dados fornecidos diretamente pela própria A... USA;

- englobam todas as transações referentes às mercadorias em questão: da A... para a I... e daquela para a A... USA, informação que nunca seria conhecida do cliente em circunstâncias normais;

- as quantidades e montantes das operações foram confirmadas por várias (aturas remetidas e que constam dos Anexos 70 a 72 a este Relatório.

Em suma, o contribuinte, nem no decurso da ação inspetiva, nem agora em sede de direito de audição logrou comprovar a substância efetiva das avultadas transações realizadas com a I... no ano de 2009.

 

  1. Por despacho de 29-1-2013 proferido na primeira página do Relatório da Inspecção Tributária, o Senhor Director de Finanças de … em regime de substituição, manifestou concordância com as correcções propostas naquele Relatório, no valor total de € 2.337.528,80, sendo € 1.908.524,06 a título de proveitos imputados a terceira entidade, € 97.278,08 a título de custos financeiros não fiscalmente aceites e € 331.726,66 a título de incumprimento do princípio da especialização dos exercícios;
  2. A referida correcção do lucro tributável da Requerente do ano de 2009 no valor total de € 2.337.528,80 determinou a fixação de um lucro tributável de € 2.363.687,36 e uma matéria colectável do exercício no montante de € 2.121.580,30, em função da dedução (oficiosa) de € 215.948,50 de prejuízos fiscais reportáveis de exercícios anteriores – cfr. página 76 do Relatório Final da inspecção Tributária;
  3. Na sequência das correcções referidas, foram elaboradas a liquidação adicional de IRC n.º 2013 ..., datada de 05-12-2013, no montante de € 590.394,46, em que se incluem juros compensatórios e a demonstração de acerto de contas n.º 2013 …, com data limite de pagamento voluntário de 03-02-2014 (documento junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Em 2009, a I... tinha arrendado instalações de escritório no centro de espaços de escritórios «J...» em …, Dublin, D2 (documento n.º 390 e http://www...);
  5. A I..., Ltd, efectuou pagamentos a “N…” com referência aos meses de Fevereiro a Dezembro de 2009, com as indicações «payroll» e «refund of expenses» (documento n.º 390 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  6. A I..., Ltd pagava à T... irlandesa uma conta de telemóvel com o n.º … usado por N... (documento n.º 390, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  7. Ao longo do ano de 2009, de um telemóvel utilizado pela Requerente foram efectuados vários telefonemas e enviadas mensagens escritas para o número de telemóvel referido na alínea anterior (documentos n.ºs 314 a 379, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  8. Em Dezembro de 2009, um funcionário da Requerente dirigiu-se à Irlanda (documento n.º 380, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  9. Em 19-12-2013, a Requerente pagou a quantia de € 517.960,15, referente à liquidação de IRC, tendo o pagamento dos juros compensatórios sido dispensado ao abrigo do Regime Excepcional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social, aprovado pelo Decreto-Lei nº 151-A/2013, de 31 de Outubro;
  10. Em 05-05-2014, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

 

      A fundamentação da decisão da matéria de facto baseia-se no Relatório da Inspecção Tributária e nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

 

      3. Matéria de direito

 

      3.1. Questões a decidir

 

      A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente, relativa ao ano de 2009, de que resultou, em matéria de IRC, uma correcção do lucro tributável no valor total de € 2.337.528,80, sendo:

      a) € 1.908.524,06 a título de proveitos que foram imputados à I..., Ltd;

b) € 97.278,08 a título de custos financeiros não fiscalmente aceites;

c) € 331.726,66 a título de incumprimento do princípio da especialização dos exercícios.

 

A Requerente entende que nenhuma destas correcções deve ser efectuada.

Passar-se-á a apreciar cada uma das questões, pela ordem indicada pela Requerente.

 

 

3.1.1. Questão dos proveitos relativos à I..., Ltd

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu efectuar uma correcção no montante de € 1.908.524,06 à matéria tributável da Requerente, por entender que lhe devem ser imputados proveitos provenientes de produtos vendidos pela Requerente à A... USA (A...U), à A... Austrália (A...A) e à A... África do Sul (A...SA), mas facturados à I..., Ltd.

No entender da Autoridade Tributária e Aduaneira, em suma, os proveitos imputados à sociedade irlandesa I..., Ltd no exercício de 2009, devem ser considerados como proveitos da Requerente, na medida em que se comprovou que esta entidade não possui substância económica nem justificação comercial, tendo sido utilizada unicamente com propósitos de natureza fiscal, sem qualquer intervenção efectiva nas transacções que ocorrem entre o a Requerente e as empresas do Grupo que ela fornece, a A... USA, a A... Austrália e a A... África do Sul.

Os factos que levaram a Autoridade Tributária e Aduaneira a formular aquela conclusão foram os seguintes, em suma:

– A Irlanda constitui uma jurisdição fiscalmente atractiva na Europa;

– O Resultado Tributável da Requerente para o exercício de 2009 cifrou-se apenas em €26.158,56, e o Resultado Líquido apurado foi positivo mas muito reduzido (€ 20.402,45);

– Do total facturado intra Grupo A... pela Requerente no ano de 2009 – cerca de 15 milhões de Euros – 12,7 milhões dirigiram-se à I... (aproximadamente 85%);

– A Requerente alega que actua como unidade industrial que assegura a produção de rolhas para o Grupo, no qual as funções comerciais estão concentradas noutras entidades, designadamente a I..., a A... España e a A... France, mas verifica-se que o escoamento da produção da A... ocorre directamente, tanto no mercado europeu como nos mercados dos EUA, Austrália e África do Sul, com a única diferença que no primeiro mercado os produtos são facturados aos respectivos clientes, e nos segundos mercados os produtos são facturados à I...;

– Os produtos fabricados pela A... são vendidos à A... USA (A...U), à A... Austrália (A...A) e à A... África do Sul (A...SA), mas facturados à I...: nas facturas emitidas esta consta como cliente e aquelas como destinatários;

– São expedidos a partir das instalações do contribuinte em … directamente para os Estados Unidos, Austrália ou África do Sul, e transportados em seu nome e por sua conta, sem que na documentação de transporte e alfandegária, surja qualquer referência à I..., seja de que tipo for;

– As despesas de transporte são suportadas pela A... e as despesas com os despachos alfandegários também;

– O mesmo acontece quando há devoluções: o sujeito passivo debita as despesas ao destinatário das mesmas, não à entidade a quem foram facturadas (I...), como seria de esperar numa vulgar relação comercial;

– Nas ordens de compra exibidas pelo sujeito passivo não consta qualquer assinatura de nenhum responsável ou funcionário da I..., tendo inclusive sido detectada uma ordem de compra (destinada à A...U) na qual é pedido o envio directo da mercadoria para um cliente da A...U no Canadá, cliente este que, à partida, e em condições normais, a I... não conheceria;

– Existem ordens de pagamento do estrangeiro recebidas pelo contribuinte (respeitantes a transacções cujo destinatário foi a A...U) onde figura como ordenador a I..., mas a sua morada aparece nos EUA, na sede da A...U (…, Califórnia), e elas são oriundas do banco com que a A...U trabalha, o J...; a A...U confirmou à Autoridade Tributária e Aduaneira através das autoridades fiscais dos EUA, que a I... usou a morada da A...U para receber correspondência da conta bancária que possuiu no banco americano J...;

– Foram recebidas várias transferências ordenadas directamente pela A... Austrália que foram contabilizadas como recebimentos do cliente I..., nestes casos, quem está a pagar as mercadorias é o seu destinatário efectivo e não a entidade que figura nas facturas como cliente;

– A Requerente recebeu ordens de pagamento em nome da I... que respeitam a facturas destinadas à A...SA e indicam no respectivo detalhe o número das correspondentes facturas emitidas pela I... à A... África do Sul, o que comprova que a entidade que efectivamente está a realizar o pagamento não é a I..., mas antes a A...SA, pois de outra forma não faria sentido tal menção;

– Foi descontada uma remessa de exportação na qual figura como sacado a A...U, não obstante respeitar a uma factura emitida à I...; posteriormente, foi recebida uma transferência ordenada pela I... desse mesmo montante e referente à mesma factura;

– Não obstante não possuir relações comerciais directas com a A...U, A...A e A...SA, a A... debitou-lhes mensalmente management fees, R&D fees e quality control fees;

– Por seu turno, a A...U debita também mensalmente ao contribuinte despesas de marketing, telefone, alojamento e design da página na internet, viagens aos EUA, publicidade e utilização da marca e a A...A despesas administrativas, de entretenimento, viagens, telefone e encargos com viaturas;

– A Requerente emitiu no exercício de 2009 notas de crédito à sociedade registada nas I... K... referentes a devoluções de rolhas que não passaram no teste do TCA e foram facturadas em 2007 e 2008, mas não exibiu quaisquer documentos de transporte ou alfandegários comprovativos destas devoluções;

– A administração da A... afirma que a K... funcionava como central de compras de Grupo antes da I... e foi substituída por esta em 2009, mas desconhece o motivo da sua substituição e se continua ou não activa; as autoridades fiscais das Bermudas confirmaram-nos que esta sociedade foi incorporada por fusão noutra e já não existe, e a A...U informou-nos, através das autoridades fiscais norte-americanas, que apresentou a sua última declaração fiscal em 2009-05-13;

– Na contabilidade do sujeito passivo as contas da K...  foram todas saldadas no final do ano de 2009 através de documentos internos, por contrapartida da conta de terceiros da A... Group SARL, que, por sua vez, realizou transferências bancárias que permitiram quase anular esse saldo devedor;

– A sociedade-mãe do Grupo A..., a A... Group, Ltd, esteve registada nas Bermudas até 16 de novembro de 2009 e depois mudou-se para o Luxemburgo, mantendo-se detentora da I... na sua totalidade, de quem recebeu no exercício de 2009 € 370.000,00 de dividendos;

– A administração da A... afirma que a I... funciona como uma central de compras do Grupo para os EUA, Austrália e África do Sul, desconhecendo porém qual a estrutura instalada na Irlanda que possui para exercer a sua actividade;

– No sítio oficial do Grupo (no endereço WWW...) não há qualquer referência à I..., que não surge sequer como empresa pertencente ao mesmo;

– A I... está colectada na Irlanda para o exercício da actividade de Comércio por Grosso de Madeira, Materiais de Construção & Equipamento Sanitário desde 2008-11-06;

– As instalações existentes na morada da GA...T, situada em …, em Dublin, correspondem a um escritório virtual, serviço comercializado pela empresa J... que consiste na recepção de correspondência e chamadas telefónicas associada a uma morada à escolha, prestado a clientes localizados em qualquer parte do mundo, que apenas pretendem sedear formalmente nesse local a sua empresa, não efectivamente exercer aí qualquer actividade;

– A I... foi constituída na Irlanda em 2007-09-27 pela firma de consultoria/solicitadoria M... (que possui sede no ...), tendo sido nomeados administradores N... e O... (ambos solicitadores); a morada de exercício da actividade e de administração indicada foi a sede da referida firma de consultoria/solicitadoria;

– De acordo com as demonstrações financeiras obtidas através das autoridades fiscais irlandesas, o único fornecedor da I... em 2009 foi a A..., e os seus únicos clientes foram a A...U, A...A e A...SA, a quem se destinou a totalidade do seu Volume de Negócios de € 14.485.091,00, tendo apurado uma margem bruta sobre o custo de 69,51%;

– Possui apenas uma funcionária, P..., que exerce a função de administradora desde 2008-11-06 conjuntamente com E... e, desde 2009-03-26, também com ... (presidente do Conselho de Administração da A...);

– P... constava até 2012-11-07 no cadastro da AT como residente em Portugal, possuindo domicílio fiscal na …, sendo a proprietária do imóvel que se localiza nessa morada, tendo contraído um crédito à habitação para aquisição desse Imóvel em 1999, que foi declarado como habitação própria permanente;

– Nas demonstrações financeiras da I... encontram-se registados rendimentos pagos a N... no ano de 2009 e seguintes; simultaneamente verificou-se que esta auferiu em Portugal no mesmo ano, rendimentos da categoria A pagos pela sociedade do Grupo, Q..., única entidade que tem vindo a pagar-lhe rendimentos desde 2001;

– Notificada em 2012-10-17, veio alegar ser residente na República da Irlanda desde 2009, e trabalhar na I... como directora residente; no entanto, alterou apenas na altura o seu domicílio fiscal para a Irlanda, na sequência dessa notificação;

– A A...U é uma sociedade registada no Estado da Califórnia, criada em 1981-03-13, detida a 100% pela A...U Holding Company, cujo presidente é ... e que possui sede em …, Califórnia;

– A A...U confirmou ter recebido as remessas de mercadorias da A..., facturadas à I..., tendo remetido documentação comprovativa, que permitiu atestar que existe uma relação directa e inequívoca entre a facturação A... –I...– A... USA, constatando-se que existem sempre duas facturas emitidas para cada transacção efectiva de bens ocorrida: as datas das facturas, as mercadorias, referências e quantidades são exactamente as mesmas, variando apenas o preço; os pagamentos efectuados ao contribuinte pela I... são ordenados a partir dos EUA e provêem de uma conta bancária aberta em nome dessa empresa no mesmo banco americano com que a A...U trabalha, tendo esta inclusive fornecido comprovativos dos mesmos, a que obviamente apenas tem acesso porque foram por ela executados;

– A Irlanda tem frequentemente sido criticada por apresentar atributos similares a um paraíso fiscal, nomeadamente uma taxa de tributação muito baixa – 12,5% – em sede de imposto sobre o rendimento das sociedades; possuindo um regime fiscal claramente mais favorável, deveria atender à substância económica da actividade das sociedades que a escolhem para se estabelecer;

– No caso Cadbury Schweppes, julgado pelo TJCE em 2006, foi estipulado que podem ser admitidas medidas restritivas do princípio da liberdade de estabelecimento, mas só e apenas nas situações em que a subsidiária não existe fisicamente em termos de instalações, pessoal e equipamento, que denotem a existência de um estabelecimento destinado a prosseguir urna actividade económica efectiva.

 

3.1.1.1. Posição da Requerente

 

A Requerente defende, sobre esta questão, em suma:

 

– A correcção determinada pela Administração Tributária ao abrigo do artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIRC baseia-se no entendimento de que as vendas de mercadorias feitas pela sociedade irlandesa I..., LTD à sociedade americana A... USA, INC devem ser imputadas à Requerente;

– A Administração Tributária assenta esse entendimento num juízo subjectivo quanto à ausência de substância económica e justificação comercial da I..., LTD, rejeitando a real ocorrência das transacções efectuadas pela Requerente com aquela sua cliente com base (i.) em especulações não confirmadas quanto à ausência de instalações e actividade da I..., LTD, (ii.) em considerações genéricas quanto ao teor da prática comercial comum em matéria de assinatura de ordens de encomenda e (iii) num preconceito inadmissível quanto às empresas instaladas na República da Irlanda, que pejorativamente qualifica como país de baixo nível de tributação;

– A Administração Tributária não demonstra minimamente a suposta inactividade da I..., LTD nem a falsidade das vendas de mercadorias feitas àquela pela Requerente, sendo que o ónus da prova inerente a semelhante conclusão sempre impenderia sobre a Administração Tributária;

– Adicionalmente, a inadmissibilidade da posição da Administração Tributária quanto à suposta instrumentalização da I..., LTD pela Requerente para alegadamente ocultar proveitos de vendas e diminuir os resultados sujeitos a tributação em Portugal decorre também da constatação de que nem a Requerente, nem as sociedades que a controlam, detêm o controlo sobre a supostamente instrumentalizada I..., LTD, reconduzindo-se a tese da Administração Tributária a um conjunto de alegações infundadas e sem o mínimo de corroboração factual ou sequer formulação certa;

– A Administração Tributária não contesta que o preço e demais condições negociais praticadas pela Requerente nas suas vendas à I..., LTD corresponderam aos termos que seriam praticados entre entidades independentes, em contexto de plena concorrência, motivo pelo qual não é sequer demonstrado o suposto desvio de proveitos de Portugal para a Irlanda em que a Administração Tributária alicerça a sua pretensão;

– Caso a Administração Tributária pretendesse questionar os termos praticados pela Requerente nas vendas realizadas à I..., LTD, invocando qualquer desvio de base tributável de Portugal para a Irlanda, deveria ter efectuado um exame da situação em matéria de preços de transferência, à luz do artigo 58.º do CIRC, tarefa que contudo a Administração Tributária conscientemente rejeitou desenvolver, alegando para o efeito que as vendas em causa não ocorreram efectivamente;

– Pretendendo a Administração Tributária adoptar semelhante entendimento, deveria então ter lançado mão do artigo 38.º, n.º 2, da LGT ou, alternativamente, do artigo 39.º da LGT ou do artigo 60.º do CIRC;

– A Administração Tributária optou por adoptar uma linha de argumentação sui generis e sem enquadramento legal, invocando genericamente o artigo 20.º do CIRC como forma de encobrir um exercício da função inspectiva desligado do teor concreto das leis tributárias, motivo pelo qual é manifestamente ilegal a correcção de IRC em apreço;

– Subsidiariamente, admitindo sem conceder que as vendas de mercadoria da I..., LTD à A... USA, INC deveriam de algum modo ser imputadas à Requerente, a correcção em causa sempre seria ilegal por falta de demonstração pela Administração Tributária dos pressupostos da respectiva quantificação, a qual assenta exclusivamente em listagens obtidas das Autoridades Fiscais norte-americanas, preparadas pela A... USA, INC e que alegadamente identificam, não apenas as facturas que lhe foram emitidas pela sua fornecedora I..., LTD, mas também as facturas emitidas à I..., LTD pelos respectivos fornecedores;

– A Administração Tributária não pode pretender efectuar uma correcção ao resultado tributável de um contribuinte português no valor de EUR 1.908.524,06 com base em listagens alegadamente elaboradas por uma sociedade norte-americana, desacompanhadas de qualquer documento de suporte, legenda ou indicação da respectiva autoria concreta, sendo de notar que não se trata sequer de informação preparada ou validada pelas Autoridades Fiscais norte-americanas – cujo valor probatório dependeria em todo o caso da respectiva fundamentação e objectividade, à luz do artigo 76.º da LGT.

 

 

3.1.1.2. Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira, para além de reafirmar os factos acima referidos e reproduzir excertos do Relatório da Inspecção Tributária, diz, em suma, o seguinte:

– As evidências recolhidas pela AT permitem concluir que as operações em crise não correspondem a operações económicas efectivas entre a Requerente e a I..., mas antes entre a Requerente e a A...U constituindo, por conseguinte, um ganho relativo a vendas da Requerente sujeito a imposto nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 20º do CIRC;

– Os proveitos imputados à GA...T no exercício de 2009, foram considerados proveitos da Requerente, por se ter comprovado que a GA...T é uma entidade que “não possui substância económica nem justificação comercial, tendo sido utilizada unicamente com propósitos de natureza fiscal, sem qualquer intervenção efectiva nas transacções que ocorrem entre o contribuinte e as empresas do Grupo que ele fornece”;

– De salientar, ainda, que as operações em causa não são passíveis de análise no âmbito do regime dos preços de transferência do art. 63º do CIRC em virtude de não se tratarem de operações económicas efectivas;

– Na verdade, como resulta comprovado, as operações comerciais entre a Requerente e a I... não tiveram lugar, antes ocorreram entre a Requerente a A...U, seu real cliente;

– Nestes termos, a diferença global de € 1.908.524,06 entre o valor facturado pela Requerente à I... e o valor facturado por esta ao cliente e efectivo destinatário dos bens A...U constitui um proveito a tributar na esfera jurídica da Requerente;

– A AT não coloca em causa a existência da I..., mas antes que esta sociedade não teve qualquer intervenção efectiva nas operações em crise destinadas à A...U, o que resulta devida e suficientemente comprovado nos autos;

– Naturalmente que o valor indevidamente omitido pela Requerente corresponde à diferença facturada pela  I... à A...U;

– A Requerente invoca na sua PI que os fundamentos invocados pela AT teriam o seu enquadramento no regime jurídico de facturas falsas, com as consequências criminais daí advenientes, considerando a correcção em análise ilegal e contraditória;

– Sucede, porém, que a emissão de facturas falsas depende da verificação de pressupostos que não ocorrem no caso em análise, atenta a matéria de facto recolhida, uma vez que as importâncias em causa foram efectivamente debitadas a quem consta como cliente na respectiva factura e, a jusante, os lucros daí advenientes foram distribuídos aos respectivos titulares;

– Concretizando, a Requerente apenas recebeu a importância facturada à I..., e esta recebeu a importância facturada à USA, distribuindo, no final, € 370.000,00 de dividendos à sociedade-mãe do Grupo – fls. 64 do RIT;

– Aquilo que a Requerente também descreve como uma contradição, no art. 54º da sua PI, são planos distintos de uma mesma realidade, correspondendo um deles ao circuito financeiro distribuído entre a Requerente e a I..., e ou outro ao circuito da economia real que não pode deixar de relevar para efeitos de imposto;

– Perante as evidências reunidas e devidamente demonstradas pela AT no RIT, afigura-se de todo legítimo e razoável a exigência dirigida à Requerente para esclarecimento das operações em causa, sem que essa exigência configure um ónus de prova impossível ou “diabólico”;

– Não é o facto de as mercadorias serem entregues directamente à A...U que sustenta a correcção em crise, mas um conjunto de evidências que não foram minimamente desconstruídas pela Requerente;

– A explicação dada pela Requerente para as assinaturas apostas pela sua administradora nas notas de encomenda recebidas por correio electrónico da I... afigura-se inteiramente descabida, até porque a única assinatura que se afigura necessária seria a de um responsável do cliente, e nunca a do fornecedor, e sendo a encomenda feita por correio electrónico, não se alcança a necessidade de aposição de uma assinatura, quando, para confirmação da boa recepção de uma encomenda, bastaria tão-somente responder ao e-mail em causa, dando nota disso mesmo;

– Quanto aos contactos telefónicos e presenciais que a Requerente invoca, ainda que constasse comprovado que os mesmos respeitam às relações comerciais entre Requerente e I..., o que de todo não consta provado (o número de telefone da T... Irlanda não está afecto à I... e não existe qualquer documento a justificar a razão da deslocação de dois dias à Irlanda de um funcionário da Requerente), ainda assim os mesmos são manifestamente escassos face o volume de facturação ocorrido entre as duas sociedades;

– Sobre as relações societárias susceptíveis de justificar um interesse na diminuição dos resultados sujeitos a tributação em Portugal, parece suficiente identificar o benefício patrimonial que resulta para o Grupo A..., através da sociedade-mãe, sem necessidade de comprovar um controlo específico, a que acresce o facto de a Requerente e a I... possuírem um administrador comum, E...;

– A AT entende que não há ilegalidade por a correcção não ter sido efectuada quer ao abrigo do regime dos preços de transferência do art. 58º do CIRC, quer ao abrigo da cláusula geral antiabuso do art. 38º, nº 2 da LGT, ou mesmo do disposto no art. 39º da LGT;

– Não está em causa qualquer princípio de plena concorrência dos preços praticados, nem um abuso de formas jurídicas ou uma simulação de negócio;

– Mas antes, e distintamente do alegado pela Requerente, uma distribuição de proveitos sem uma realidade económica efectiva susceptível de a suportar, donde a necessidade de corrigir essa imputação desprovida de realidade económica, imputando à Requerente proveitos alegadamente da I...;

– Do mesmo modo, não seria de aplicar o artigo 60º do CIRC (actual artigo 66º) à situação em apreço, porquanto, como se disse, a AT entende que os lucros não foram efectivamente auferidos pela I... mas sim pela Requerente, na medida em que o que se constatou, tal como se encontra vertido no RIT, foi que as operações entre a Requerente e a I... não constituíram operações económicas efectivas, antes tendo ocorrido entre a Requerente e a A...U, que é o seu real cliente;

– Por fim, a Requerente contesta os pressupostos e a demonstração da quantificação dos proveitos corrigidos, procurando essencialmente descredibilizar os elementos obtidos pela AT junto da sua congénere norte-americana.

– Quanto a este particular importa referir que, foram pela AT encetados contactos tanto com a Administração Fiscal Norte Americana como com a Irlandesa, como com a Administração Fiscal das Bermudas e da África do Sul, ao abrigo da cooperação administrativa internacional, no sentido de obter as informações necessárias à fundamentação das correcções, como resulta bem patente de fls. 32 e seguintes do RIT.

– As informações obtidas de cada uma das administrações fiscais mencionadas, encontram-se descritas no RIT, sendo certo que, no que se refere aos elementos obtidos da Administração Fiscal Norte Americana, como resulta de fls. 43 do RIT, a mesma se disponibilizou para fornecer outras facturas e documentação individualizada das mesmas;

– Não se compreende igualmente a estranheza manifestada pela Requerente nos artigos 86º e seguintes, porquanto os elementos fornecidos pela A...U, são relativos a uma empresa pertencente ao mesmo grupo empresarial da A...U, e do qual a Requerente também faz parte, como resulta desde logo de uma consulta ao site que a própria Requerente indica no artigo 62º do Pedido Arbitral e do teor do RIT;

– Sendo certo que, reitere-se, não obstante se tratar de informação fornecida pela A...U à Administração Fiscal Norte Americana, a mesma foi por esta última formalmente requerida a tal empresa, no uso dos seus poderes, e fornecida à AT no âmbito do mecanismo de troca de informações ao abrigo da Cooperação Internacional, pelo que fica assim afastada qualquer suspeita que sobre as informações prestadas pretendesse a Requerente lançar;

– De harmonia com o disposto no artigo 76.º, n.º 4, da LGT, a Convenção celebrada entre Portugal e os EUA foi devidamente aprovada e ratificada (Resolução da Assembleia da República nº 39/95, e Decreto do Presidente da República nº 73/95, ambos de 12.10.1995, publicados no Diário da República, 1ª Série A, nº 236), pelo que não poderão restar dúvidas sobre o valor probatório das informações transmitidas ao abrigo do artigo 28º da referida Convenção, pela Administração Fiscal dos EUA;

– Quanto às informações solicitadas à Administração Fiscal Irlandesa, importa referir que todas as questões colocadas visaram, em última análise, tentar aferir sobre o efectivo exercício de actividade por parte da I..., sendo que o conteúdo das respectivas respostas, documentalmente comprovado, foi amplamente descrito no RIT (anexos 61 a 65) e contribuiu para criar a convicção de que se estava perante uma entidade meramente instrumental;

– Ora, nos termos supra melhor expostos, apurou-se uma diferença total de € 1.908.524,06 entre o valor facturado pelo contribuinte à I... e o valor facturado por esta ao cliente e destinatário dos bens, a A...U, que se concluiu constituir um proveito a tributar na esfera jurídica da Requerente, nos termos do artigo 20º, nº 1, al. a) do CIRC;

– Com efeito, foram elaborados diversos estudos comparativos das informações prestadas e dos documentos fornecidos quer pela Requerente quer pelas Administrações Fiscais identificadas no RIT, sendo que os mesmos não se reduzem, ao contrário do que a Requerente quer fazer denotar, às listagens fornecidas pela Administração Fiscal Norte Americana no âmbito da cooperação administrativa, antes envolvendo todos os elementos devidamente identificados no Relatório de Inspecção;

– Pelo que o alegado pela Requerente no que se refere ao facto de as correcções resultarem directamente e apenas dos dados constantes das duas listagens fornecidas pela AF Norte Americana não é correcto, o que já supra ficou bem demonstrado, resultando ainda melhor demonstrado no Relatório de Inspecção Tributária;

– Sendo certo que, nas informações fornecidas pela Administração Fiscal Norte Americana se encontram perfeitamente discriminadas as facturas e são identificáveis as transacções que representam, englobando todas as transacções referentes às mercadorias em questão (da Requerente para a I... e para a A...U, informação que, como referimos, não seria conhecida do cliente em “circunstâncias normais”), fornecendo assim elementos para, em conjunto com os demais elementos de análise recolhidos durante o procedimento de inspecção, e devidamente identificados no RIT, se proceder às correcções em apreço;

– Pelo que, nem as correcções ou as próprias conclusões a que se chegou acerca da I..., resultaram igualmente apenas da análise de quatro facturas, como igualmente se depreende de uma leitura cuidada do Relatório de Inspecção;

– No que se refere às alegadas discrepâncias encontradas nas listagens, importa apenas referir que as divergências encontradas foram devidamente analisadas e detalhadas no RIT, tendo sido expurgadas nos termos que aí bem se demonstram;

– Quanto ao extracto bancário da GA...T junto pela Requerente importa referir que o mesmo apenas vem ajudar a solidificar as conclusões obtidas na acção inspectiva, porquanto dele não constam quaisquer movimentos relacionados com a alegada actividade operacional da empresa, nomeadamente porque não existem entradas relativas a recebimentos de clientes nem saídas relativas a pagamentos a fornecedores, mas apenas despesas com pessoal, rendas, com auditores, advogados e despesas administrativas, alimentadas por transferências recebidas da casa mãe (A... Group);

– Pelo que necessário será concluir que a liquidação adicional em crise não padece de qualquer vício também quanto à correcção de € 1.908.524,06, devendo a pretensão da Requerente ser julgada improcedente.

 

 

3.1.1.3. Decisão da questão dos proveitos relativos à I..., Ltd

 

O processo arbitral tributário sido criado pelo RJAT como alternativa ao processo de impugnação judicial ( [5] ), é, como este, um meio contencioso de mera anulação ( [6] ).

Num contencioso de mera legalidade, como é o previsto no RJAT para os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, visa-se apenas a declaração de ilegalidade de actos dos tipos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do seu artigo 2.º, pelo que tem de se aferir da legalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo jurisdicional.

Por isso, é, à face apenas do teor do acto impugnado que é apreciada a sua legalidade.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que os proveitos obtidos pela I..., Ltd devem ser considerados proveitos da Requerente.

            Como sintetiza a Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 64.º da sua resposta, não coloca em causa a existência da I..., mas sim que tenham existido as transacções entre a Requerente e esta entidade, no ano de 2009.

            Assim, em face das informações obtidas através da administração fiscal americana, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu, com base nas listagens das facturas emitidas à A... USA pela I... e nas facturas emitidas a esta pelos seus fornecedores com referência à factura da I... a que respeitam, que «foi possível compilar os dados e apurar uma diferença global de € 1.908.524,06 entre o valor faturado pelo contribuinte à I... e o valor faturado por esta ao cliente e efetivo destinatário dos bens, a A... USA».

            A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que

«Esta diferença corresponde precisamente ao proveitos que foram, através deste esquema de planeamento fiscal, imputados à sociedade irlandesa, quando, na realidade, respeitam ao contribuinte, devendo por isso ser tributados na sua esfera.

Face ao exposto, a A... não fez concorrer para o apuramento do seu Resultado Tributável referente ao exercício de 2009, proveitos no valor de € 1.908.524.06, pelo que deverá acrescer ao Resultado Tributável deste exercício esses proveitos incorridos, mas imputados á sociedade irlandesa I... Ltd». Página 66 do Relatório da Inspecção Tributária)

 

Como se refere na página 65 e no quadro da página 75 do Relatório da Inspecção Tributária, o fundamento legal desta correcção é o artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, que estabelece que

 

“Consideram-se rendimentos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente

a) Os relativos a vendas ou prestações de serviços, descontos, bónus e abatimentos, comissões e corretagens.”

 

            A Requerente, para além de afirmar que não se prova as vendas referidas não tivessem sido efectuadas pela I... e que esta não tivesse actividade, defende que, a nível de enquadramento jurídico, «caso a Administração Tributária pretendesse questionar os termos praticados pela Requerente nas vendas realizadas à I..., LTD, invocando qualquer desvio de base tributável de Portugal para a Irlanda, deveria ter efectuado um exame da situação em matéria de preços de transferência, à luz do artigo 58.º do CIRC, tarefa que contudo a Administração Tributária conscientemente rejeitou desenvolver, alegando para o efeito que as vendas em causa não ocorreram efectivamente» e «pretendendo a Administração Tributária adoptar semelhante entendimento, deveria então ter lançado mão do artigo 38.º, n.º 2, da LGT ou, alternativamente, do artigo 39.º da LGT ou do artigo 60.º do CIRC».

Esta questão do enquadramento jurídico que serviu de base à actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira coloca-se por o princípio da legalidade, a que a Autoridade Tributária e Aduaneira está sujeita na globalidade da sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) impõe-lhe que actue «em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos».

O artigo 20.º, n.º 1, do CIRC apenas nos diz, em geral, quais os rendimentos que se englobam no âmbito de incidência do IRC, mas nada esclarece sobre a forma de os determinar e é a questão da legalidade da forma de determinação dos rendimentos utilizada que a Requerente coloca ao defender que a correcção efectuada só poderia ser efectuada com uso dos meios procedimentais previstos nos artigos 63.º ou 66.º do CIRC, ou 38.º, n.º 2, ou 39.º da LGT.

Na verdade, a norma que estabelece a forma de determinação do lucro tributável é, em primeira linha, o artigo 17.º, n.º 1, do CIRC, «o lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».

No caso em apreço, não foi com base exclusivamente na contabilidade da Requerente, mas também com base nas listagens fornecidas pela administração fiscal americana sobre o valor da facturação da I... à A... USA que a Autoridade Tributária e Aduaneira determinou o valor de € 1.908.524,06, que entendeu dever acrescer ao lucro tributável da Requerente.

Por isso, como defende a Requerente, a correcção teria de se basear em alguma norma legal que permitisse determinar o lucro tributável daquela forma, e o artigo 20.º, n.º 1, do CIRC, não é seguramente uma norma que permita.

Na verdade, aquele artigo 20.º, n.º 1, não permite determinar a matéria tributável à margem da contabilidade da Requerente nem retirar eficácia, para efeitos fiscais, à interposição da I... entre a Requerente e os adquirentes, registando na esfera jurídica desta empresa os proveitos obtidos, o que só seria possível ao abrigo da cláusula geral antiabuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

Por outro lado, sendo apenas a fundamentação que consta do acto a que releva num contencioso de mera anulação, nem se pode aventar que o acto praticado tenha cobertura jurídica no artigo 38.º, n.º 2, da LGT ( [7] ), nem no artigo 63.º do CIRC, nem no artigo 39.º da LGT, nem no artigo 66.º do CIRC, pois não foi com qualquer destes fundamentos que o acto foi praticado.

Por isso, tem de se concluir que é ilegal a correcção efectuada.

 

3.1.2. Questão dos custos não aceites relativos ao financiamento da A... 3

 

A Requerente concedeu à A... 3 um empréstimo sob a forma de conta corrente pelo valor global máximo de € 2.000.000,00, nos termos do qual sobre os capitais utilizados no âmbito deste contrato não seriam devidos quaisquer juros, só passando a existir juros a partir de 01-01-2010, na sequência de uma adenda ao contrato.

Como se refere no ponto III.1.1.4 do Relatório da Inspecção Tributária, no ano de 2009, a Requerente suportou custos com financiamentos obtidos no valor global de € 633.729,58, sendo o saldo médio do seu endividamento de € 9.758.109,37 e a taxa de juro efectiva de 6,49%.

Aplicando esta taxa ao número de dias que a Requerente esteve a financiar a A... 3, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que o valor dos custos financeiros correspondentes aos financiamentos à A... 3 era de € 97.278,08, efectuando uma correcção deste montante ao lucro tributável do exercício de 2009 da Requerente, com fundamento na não dedutibilidade fiscal de custos financeiros suportados pela Requerente por não serem custos indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos da Requerente ou para a manutenção da sua fonte produtora, para efeitos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.

 

3.1.2.1. Posição da Requerente

 

A Requerente defende, em, suma, que

– não há conexão entre os financiamentos por si contraídos e que determinaram custos no ano de 2009 e os financiamentos concedidos à A... PORTUGAL 3, MATÉRIAS PRIMAS UNIPESSOAL, LDA no âmbito da conta-corrente de suprimentos;

– a Administração Tributária não procurou sequer indagar quais os propósitos subjacentes a cada um dos financiamentos contraídos e que geraram encargos financeiros no exercício de 2009, limitando-se a assumir que parte do capital alheio obtido pela Requerente foi mutuado à A... PORTUGAL 3, MATÉRIAS PRIMAS UNIPESSOAL, LDA e a rejeitar como custo fiscal uma parte proporcional do total de encargos financeiros – juros, comissões e Imposto do Selo, relativos a financiamentos efectivamente obtidos mas também a garantias, linhas de crédito e contas caucionadas – suportado em 2009;

– que os recursos financeiros disponibilizados à A... 3, tiveram exclusivamente origem nos recebimentos dos seus clientes, de valor mensal sempre muito superior aos valores emprestados, inexistindo por isso encargos financeiros suportados pela Requerente para financiamento desta entidade, conforme resulta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral;

– no Relatório da Inspecção Tributária, ponderando o argumento apresentado pela Requerente, a Administração Tributária afirma ser impossível estabelecer qualquer conexão entre recebimentos de clientes e os financiamentos concedidos à A... PORTUGAL 3, MATÉRIAS PRIMAS UNIPESSOAL, LDA, invocando para o efeito a natureza fungível do dinheiro;

– a Administração Tributária estabelece implicitamente uma conexão em tudo similar à que alega ser impossível estabelecer entre os recursos financeiros cuja obtenção junto de terceiros gerou encargos para a Requerente e os financiamentos concedidos à A... 3;

– o ónus da prova dos pressupostos factuais da correcção de IRC em causa impende inevitavelmente sobre a Administração Tributária, que tem que demonstrar a legitimidade da sua actuação em sede de fundamentação do acto tributário;

– o estabelecimento de uma conexão entre financiamentos contraídos e o destino dado aos recursos financeiros dessa forma obtidos – tal como entre recebimentos ocorridos e financiamentos concedidos – é perfeitamente passível de identificação e análise em contexto de inspecção tributária, implicando todavia um exame atento dos fluxos financeiros registados, trabalho esse que a Administração Tributária não pretendeu desenvolver;

– a decisão da Requerente de, através da afectação de parte dos recursos financeiros originados nos recebimentos dos seus clientes, conceder em sistema de conta-corrente financiamento à A... 3, como forma de garantir acrescida estabilidade e fiabilidade dos seus fornecimentos de matéria-prima, nada tem pois a ver com os encargos financeiros suportados pela Requerente em 2009, sobretudo relativos a financiamentos de médio e longo prazo contraídos para aquisição de maquinaria e demais elementos do activo imobilizado da Requerente, ou com contas bancárias caucionadas utilizadas pela Requerente no âmbito da sua actividade;

– a Administração Tributária não demonstra minimamente que os encargos financeiros cuja relevância como custo fiscal rejeita foram suportados pela Requerente na prossecução de quaisquer interesses estranhos à actividade empresarial, não procurando identificar qualquer afectação específica, empresarial ou não, dos financiamentos obtidos pela Requerente na origem dos encargos financeiros em causa;

– mesmo que a Administração Tributária tivesse logrado demonstrar que os encargos financeiros foram suportados pela Requerente com vista à concessão do financiamento em questão – o que não se concede e apenas por dever de patrocínio se admite –, seria ainda assim ilegal a desconsideração da relevância fiscal daqueles encargos, por violação do artigo 23.º do CIRC, porquanto a Administração Tributária também não demonstra que a concessão de financiamento à A... 3 traduza a prossecução de fins alheios à actividade da Requerente;

– O financiamento foi motivado pelo desejo de assegurar que o regular fornecimento de matéria-prima necessária para a eficiente laboração das instalações fabris da Requerente não sofria perturbações ocasionadas por carências de tesouraria da sua fornecedora, traduzindo assim tal financiamento, na óptica da Requerente, uma medida de manutenção da sua fonte produtora, enquadrada no campo de aplicação do artigo 23.º do CIRC;

– na definição dos concretos termos do contrato de conta-corrente de suprimentos em causa, as partes tiveram presente a fase inicial de actividade da mutuária, assim se explicando o estabelecimento de um período de carência de juros que vigorou durante os três primeiros anos do contrato, após o que se iniciou a cobrança de juros a uma taxa correspondente à Euribor a 3 meses acrescida de um spread de 4% – cfr. página 57 do Relatório da Inspecção Tributária (documento n.º 3).

– de uma perspectiva substancial, o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC exige, como condição para a dedução ao lucro tributável de encargos suportados pelos sujeitos passivos, que tais custos sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a Imposto ou para a manutenção da fonte produtora;

– em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa, ou seja de um nexo entre o acto de gestão a que estes se encontram subjacentes à actividade empresarial dos sujeitos passivos, ficando de fora do conceito de indispensabilidade, apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, que dizem respeito apenas a um interesse individual do sócio ou grupo de sócios, porque não visam o lucro ou a manutenção da empresa enquanto fonte produtora de rendimentos.

 

3.1.2.2. Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende sobre esta questão dos custos de financiamento o seguinte, em suma:

– a Requerente e a A... 3 têm relações especiais, nos termos do definido nas alíneas d) e g) do nº 4 do art. 63º do CIRC;

– a gerência da A... 3 é composta pelos membros que compõem o Conselho de Administração da Requerente;

– a A... 3 é o fornecedor exclusivo de cortiça da Requerente, sendo no cômputo da generalidade dos fornecedores da Requerente a responsável por 25,65% das compras de 2009;

– não obstante a A... 3 constar do estudo dos preços de transferência da Requerente relativo a 2009, entre as operações vinculadas materialmente relevantes não constam as operações de financiamento ora controvertidas, as quais não foram objecto de análise económica para efeitos de preços de transferência;

– à luz do consignado no art. 23º do CIRC, entende a AT que os financiamentos contraídos pela Requerente foram em parte utilizados pela A... 3, sem qualquer comparticipação desta nos respectivos encargos financeiros;

– a aplicação do art. 23º do CIRC não exige a verificação de um nexo de causalidade quanto à proveniência das disponibilidades financeiras efectivamente canalizadas para a A... 3 por via da aludida conta corrente, bastando-se, simplesmente, com a constatação de o financiamento obtido pela A... 3 ter tido como efeito diminuir as disponibilidades financeiras da Requerente e, por essa via, implicar o recurso, na mesma medida, ao seu endividamento junto da banca;

– o montante de endividamento da Requerente junto da banca só será fiscalmente dedutível na medida em que o mesmo se afigure indispensável, indispensabilidade essa que, no que respeita à actividade da Requerente, não poderá abranger as carências financeiras que resultam do facto de estar disposta a ajudar financeiramente uma sua participada;

– a indispensabilidade exigida pelo art. 23º do CIRC não é a que resulta de um juízo de aprovação sobre os actos de gestão praticados pela Requerente mas antes de uma análise objectiva às consequências que os seus actos têm na determinação do seu lucro tributável e, consequentemente, no apuramento da sua situação jurídico-tributária;

– objectivamente, para prover ao financiamento da A... 3 a Requerente teve que acrescer aos fluxos de caixa referentes a recebimentos de clientes as disponibilidades obtidas através de endividamentos bancários;

– não importa, por conseguinte, apurar qualquer nexo causal quanto à proveniência das disponibilidades financeiras efectivamente canalizadas para a A... 3, até porque essa verificação se afigura impossível dada a característica de fungibilidade do dinheiro;

– a actividade de financiamento a uma entidade terceira não resulta indispensável para a realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora da Requerente, uma vez que a concessão de crédito não integra o seu objecto social;

– quanto à base legal que suporta o cálculo efectuado pela AT, importa salientar que a aplicação aos factos do disposto no art. 23º do CIRC comporta uma margem necessária de discricionariedade da AT na determinação dessa indispensabilidade, desde que suportada na lei e em critérios de razoabilidade e proporcionalidade, como vem a ser o caso dos autos;

– tratando-se de financiamentos concedidos a uma entidade terceira, em nada são indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora;

– ficou por esclarecer o motivo pelo qual uma sociedade constituída pela própria Requerente com o intuito de lhe fornecer matérias primas quase em regime de exclusividade, não foi desde logo dotada de recursos próprios adequados às suas previsíveis necessidades de tesouraria, ou mesmo porque motivo não optou a A... 3 por se financiar junto da banca, caso em que os encargos financeiros daí decorrentes seriam dedutíveis para efeitos fiscais;

– quanto ao regime dos preços de transferência, inexistindo um preço acordado pelas partes mas existindo um encargo efectivo imputável ao financiamento utilizado pela A... 3, não está em causa assegurar o princípio da plena concorrência nos termos do consignado no art. 63º do CIRC, mas antes determinar os encargos que não são dedutíveis ao abrigo do art. 23º do CIRC.

 

3.1.2.3. Decisão da questão da dedutibilidade dos custos financeiros

 

O artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, na redacção vigente em 2009, estabelece o princípio de que «consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora», indicando-se, título exemplificativo, os «encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração».

São de considerar indispensáveis para realização dos proveitos as despesas sem as quais a empresa não poderia exercer a sua actividade nem obter os proveitos ou ganhos que obteve.

Não afasta uma conclusão no sentido dessa indispensabilidade a eventualidade de a empresa poder prosseguir a sua actividade sem realizar determinadas despesas, mas apenas um juízo no sentido de as despesas em causa não terem potencialidade para influenciar positivamente a obtenção de proveitos, mesmo indirectamente através da criação das condições para o funcionamento da empresa (a manutenção da fonte produtora, a que se refere a parte final do n.º 1 do referido artigo 23.º.)

Só é de afastar uma conclusão no sentido da indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos ou ganhos se se puder afirmar que essas despesas não tinham potencialidade para os influenciarem positivamente.

Na verdade, não é necessário, para atribuir relevância fiscal às despesas efectuadas com os financiamentos bancários, demonstrar que elas produziram efectivamente um resultado positivo. Basta que sejam actos que possam ser aceites como actos de gestão, actos do tipo dos que uma empresa realize com o objectivo de incrementar os proventos e com tendencial potencialidade para propiciar tal incremento. Nesta matéria, o controlo da Administração Tributária tem de ser um controlo pela negativa, não aceitando como custos apenas os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601).

O contribuinte, no exercício da liberdade de iniciativa económica nos quadros definidos na Constituição e na Lei que lhe é reconhecida pela Constituição da República Portuguesa [artigos 61.º, n.º 1, e 80.º, alínea c)], tem, em princípio, o direito de definir com relevância fiscal as estratégias empresariais que julgue adequadas e de escolher os meios para atingir os resultados que almeja, desde que não esteja prevista qualquer limitação justificada pela necessidade de assegurar a concomitante realização de outros valores com consagração constitucional (como, por exemplo, os interesses ambientais ou os direitos dos trabalhadores). Incluir-se-á no núcleo essencial de tal direito, a liberdade dos agentes económicos formularem e concretizarem as suas opções de gestão, quando estas não afectem qualquer dos interesses constitucionais que se pretendem assegurar. Sendo certo que as exigências da tributação, necessária para assegurar o funcionamento geral do Estado, podem justificar limitações aos custos relevantes para efeitos fiscais, estas têm de decorrer da Constituição ou da Lei, como impõem aquelas normas constitucionais.

A esta luz, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, na redacção vigente em 2009, ao limitar a relevância dos custos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do êxito ou inêxito que em concreto proporcionaram.

A própria letra daquele n.º 1 do artigo 23.º aponta decisivamente nesse sentido com a utilização do tempo verbal futuro «forem», em vez do tempo passado «foram»: a perspectiva adequada para apreciar a indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos é do agente económico no momento em que agiu, quando apenas há a possibilidade de as opções empresariais a tomar virem a produzir proveitos e não a da fiscalização tributária, agindo na presença dos resultados obtidos, apreciando a relevância que as despesas tiveram efectivamente para eles serem atingidos.

Assim, é de concluir que são de considerar indispensáveis para a realização dos proveitos as despesas que, no momento em que são realizadas, se afigurem como potencialmente geradoras de proveitos ou adequadas a manter a fonte produtora, o que tem como corolário só poder ser eliminada a relevância fiscal de um custo quando for de concluir, em face das regras da experiência comum, que não tinha potencialidade para gerar proveitos, isto é, quando se demonstrar que o acto que gera os custos não pode ser considerado como um acto de gestão, por não poder esperar-se, com probabilidade aceitável, que da despesa efectuada possa resultar mesmo indirectamente um proveito.

No caso em apreço, o próprio facto reconhecido pela Autoridade Tributária e Aduaneira de a A... 3 ser o fornecedor exclusivo de cortiça da Requerente aliado ao facto de esta ter como actividade a produção e comercialização de rolhas de cortiça, corroboram, em termos de razoabilidade, a tese da Requerente de que financiou sem juros a A... 3 por ter interesse próprio em assegurar o regular fornecimento de matéria-prima necessária para o seu próprio funcionamento, o que se enquadra na parte final do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC ao considerar dedutíveis os custos que tenham como finalidade a manutenção da fonte produtora.

Por outro lado, sendo de considerar seguro, à face das regras da vida e da experiência comum, que uma empresa comercial, que tem por objectivo a obtenção de lucros, não irá financiar gratuitamente outra sem que haja uma razão para o fazer, é de concluir, na falta de qualquer outra explicação razoável, que foi o alegado interesse da Requerente em assegurar o seu próprio funcionamento que justificou que providenciasse para que fosse assegurada a actividade da A... 3, através do financiamento gratuito.

Aliás, o facto de após 2010 a Requerente ter passado a cobrar juros pelos financiamentos que fez à A... 3 indicia que, nesta matéria, a Requerente não deixava de se preocupar com os seus próprios interesses.

Assim, conclui-se que a correcção efectuado quanto aos referidos financiamentos Requerente à A... 3 não tem cobertura no referido artigo 23., n.º 1 do CIRC, pois está-se perante actos de gestão aceitáveis para assegurar a manutenção da fonte produtora.

      Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral, nesta parte.

      Sendo de anular a liquidação com este fundamento fica prejudicado o conhecimento da questão subsidiária colocada pela Requerente de haver erro na quantificação.

 

      3.1.3. Questão do incumprimento do princípio da especialização dos exercícios

 

      A Requerente registou na sua contabilidade, no exercício de 2009, uma importância total de € 331.726,66 de custos relativa a devoluções de mercadorias ocorridas em 2007 e 2008.

      A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, por força do princípio da especialização dos exercícios, esta quantia não podia ser considerada como custo de 2009, mas sim dos exercícios anteriores, pelo que efectuou uma correcção, não imputando os custos referidos a qualquer dos exercícios anteriores com fundamento em ter já transcorrido o prazo de caducidade do direito de liquidação.

A Requerente não se conforma com a correcção relativamente a duas notas de crédito n.ºs .../91... e nº .../91..., ambas emitidas para anulação de vendas realizadas em 2008, montante total de € 317.215,00.

 

      3.1.3.1. Posição da Requerente

 

A Requerente defende, em suma, sobre esta questão, o seguinte:

 

– Parte substancial da referida correcção – EUR 317.215,00 – refere-se às notas de crédito n.º .../91... e n.º .../91..., ambas de 5 de Janeiro de 2009, emitidas pela Requerente para anulação de facturas de vendas realizadas em 2008 e cuja mercadoria foi rejeitada pela cliente K... LTD por falhas nos correspondentes testes de controlo de qualidade;

– O princípio da especialização dos exercícios não se reveste de uma rigidez total e absoluta, de tal modo a que conduza à penalização dos contribuintes que não causaram qualquer lesão ao erário público e que, pelo contrário, apuraram e pagaram IRC sobre proveitos antecipada e erroneamente – beneficiando indevidamente os cofres do Estado – não podendo tal princípio deixar de ser matizado pelo princípio da justiça – com acolhimento constitucional e legal, respectivamente no artigo 266.º, n.º 2, da CRP e no artigo 55.º da LGT;

– Perante a constatação da consideração extemporânea de custos em 2009, atento o princípio da justiça, ou a Administração Tributária corrigia também e correlativamente, estando em prazo, o exercício de 2008, ou se abstinha de promover qualquer correcção ao exercício de 2009 – por injusta – sendo desse modo ilegal a parte da correcção em apreço relativa às notas de crédito acima referidas.

           

3.1.3.2. Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira refere sobre esta questão o seguinte, em suma:

 

– À luz do nº 1 e nº 2 do art. 18º do CIRC, os custos referentes a exercícios anteriores a 2009 não poderão ser aceites para efeitos fiscais neste exercício, em virtude de não respeitarem o princípio da especialização dos exercícios;

– Em síntese, a AT determinou uma correcção ao lucro tributável no montante de € 331.726,66, por incumprimento do princípio da especialização dos exercícios, vindo a Requerente impugnar a correcção efectuada pelo montante de € 317.215,00, conformando-se com a correcção remanescente de € 14.511,66;

– O princípio da justiça sofre, no caso dos autos, as limitações impostas pelo princípio da segurança e da certeza jurídicas quanto à possibilidade de a AT rever a liquidação de IRC referente a 2008;

– O artigo 45º, n.º 1 da LGT contém uma imposição legal que impede a liquidação de tributos para além do prazo de quatro anos, contados nos termos do seu nº 4;

– No presente caso, os custos referentes às devoluções de mercadorias em causa eram, à data de 31.12.2008, perfeitamente conhecidos da Requerente, facto que a própria reconhece, comprovando documentalmente que as mesmas ocorreram nos meses de Novembro e Dezembro de 2008;

– Note-se que, as notas de crédito que estiveram na base desta correcção foram emitidas à sociedade registada nas Bermudas, K..., em Janeiro de 2009 (altura em que esta foi substituída pela sociedade registada na Irlanda, I..., Ltd), mas respeitam a fornecimentos de mercadorias ocorridos em 2007 e 2008 e devolvidos pelo cliente A... USA no final de 2008;

– De todo o modo, os presentes autos incidem sobre o IRC de 2009, e o princípio da legalidade e da especialização dos exercícios é peremptório a impor a correcção efectuada, a qual será de manter na ordem jurídica, julgando improcedente a pretensão da Requerente relativamente ao acréscimo ao lucro tributável da importância de € 317.215,00, ao abrigo do art. 18º do CIRC.

 

 

3.1.3.3. Decisão da questão do incumprimento do princípio da especialização dos exercícios

 

O artigo 18.º do CIRC estabelece o princípio da especialização dos exercícios, nos termos do qual, «os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica».

      À face deste princípio, as duas notas de crédito n.ºs .../29... e nº .../91... emitidas para anulação de vendas realizadas em 2008, deveriam ser imputadas ao exercício de 2008, o que não é questionado pela Requerente.

A Requerente defende, porém, que o princípio da justiça deve obstar à aplicação deste princípio, não se efectuando qualquer correcção quando não é possível imputar os custos ao ano a que deveriam ser imputados, à face daquele princípio.

O Supremo Tribunal Administrativo tem adoptado o entendimento que a Requerente defende, tendo decidido, relativamente ao princípio da especialização dos exercícios, que «esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios». ( [8] )

É uma situação deste tipo que ocorre no caso em apreço, pelo que, em sintonia com esta jurisprudência, é de declarar a ilegalidade da correcção de € 317.215,00, referente às notas de crédito n.º .../91... e n.º .../91..., ambas de 5 de Janeiro de 2009, emitidas pela Requerente para anulação de facturas de vendas realizadas em 2008, de que decorre a ilegalidade do acto de liquidação, na parte em que teve como pressuposto esta correcção.

 

 4. Juros indemnizatórios e reembolso da quantia paga

 

A Requerente pede ainda que seja determinado o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, relativamente à quantia de € 517.960,15, referente à liquidação de IRC, que pagou em 19-12-2013.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

No que concerne aos juros indemnizatórios, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade das correcções efectuadas, na parte em que foi pedida, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios pois a ilegalidade das correcções e do subsequente acto de liquidação é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente têm direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, actualmente, na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT), desde 19-12-2013, a data de pagamento, até ao reembolso da quantia paga.

Consigna-se que, apesar de a Requerente não ter impugnado a totalidade das correcções, há lugar à restituição da totalidade da quantia paga, por ter havido dedução oficiosa de prejuízos de anos anteriores, como se refere na alínea Q) da matéria de facto fixada.

 

5. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)  Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)  Declarar a ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2013 ..., de 5 de Dezembro de 2013, referente ao ano de 2009;

c)  Anular a liquidação referida;

e)  Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia que pagou, de € 517.960,15, e a pagar à Requerente juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre aquela quantia € 517.960,15, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, actualmente, na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT), desde a data em que efectuou o pagamento, 19-12-2013, até integral pagamento.

 

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC de 2013, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 517.960,15.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.956,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 24-11-2014

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(Leonor Fernandes Ferreira)

 

(José Coutinho Pires)

 

 



( [1] )         A possibilidade de o processo arbitral ser alternativa à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, admitida no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Lei de autorização legislativa em que se baseou a aprovação do RJAT pelo Governo), não foi concretizada pelo legislador do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que se limitou a criar alternativa ao processo de impugnação judicial.

( [2] )         Para além da fixação das consequências da anulação, designadamente a nível de juros indemnizatórios e indemnização por garantia indevida, que a jurisprudência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD tem vindo a aceitar.

( [3] )         Nem foi obtida a autorização prévia indispensável para sua aplicação (Artigo 63.º, n.º 7, do CPPT).

( [4] )         Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2-4-2008, processo n.º 0807/07.

Na mesma linha, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo o acórdão do STA de 5-2-2003, processo n.º 01648/02, de 25-6-2008, processo n.º 0291/08 e de 21-11-2012, processo n.º 0809/12.

( [5] )         A possibilidade de o processo arbitral ser alternativa à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, admitida no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Lei de autorização legislativa em que se baseou a aprovação do RJAT pelo Governo), não foi concretizada pelo legislador do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que se limitou a criar alternativa ao processo de impugnação judicial.

( [6] )         Para além da fixação das consequências da anulação, designadamente a nível de juros indemnizatórios e indemnização por garantia indevida, que a jurisprudência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD tem vindo a aceitar.

( [7] )         Nem foi obtida a autorização prévia indispensável para sua aplicação (Artigo 63.º, n.º 7, do CPPT).

( [8] )         Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2-4-2008, processo n.º 0807/07.

Na mesma linha, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo o acórdão do STA de 5-2-2003, processo n.º 01648/02, de 25-6-2008, processo n.º 0291/08 e de 21-11-2012, processo n.º 0809/12.