Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
A... – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL, NIF..., cuja constituição foi autorizada pelo Conselho Diretivo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários em 18 de Janeiro de 2012, gerido e representado pela sua sociedade gestora, B...- Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliários, S.A., com sede na ..., nº...–..., ...-... Lisboa, com o número único de matrícula e pessoa coletiva..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com o capital social de Euros 500.00 (de ora em diante designada apenas por “Requerente”), apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º e do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributaria, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira (doravante designada por ATA ou Requerida), com vista à:
a) Declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto Municipal Sobre Imóveis (“IMI”), relativa ao ano de 2012, constante do documento de cobrança n.º 2012..., relativamente ao prédio inscrito sob o artigo..., fração..., na extinta freguesia de ... e, na importância de 245,07€ e consequente anulação, na sequência do despacho de indeferimento da reclamação graciosa que apresentou daquele ato de liquidação;
b) que seja ordenada a correção da respetiva matriz com o averbamento da isenção legal, automática e permanente de IMI, à data de 31 de dezembro de 2012;
c) Condenação da Entidade Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios; Para o efeito, alega, em síntese, que:
i. O ato de liquidação de IMI supra é ilegal por violação da isenção prevista no nº 6 do artigo 8.º do Regime Especial aplicável aos Fundos de Investimento Fechado para Arrendamento Habitacional (de ora em diante denominado apenas por “RFIIAH”), aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro, por não depender do efetivo arrendamento dos imóveis habitacionais que estejam integrados na carteira dos “FIIAH”;
ii. O A...– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado Para Arrendamento Habitacional (doravante designado apenas por A... FIAAH) goza de uma isenção subjetiva, objetiva e automática do pagamento do IMI.
iii. Ainda que assim não se entenda, com a alteração legislativa introduzida pela Lei nº 83- C/2013, de 31 de dezembro, que veio aditar o nº 14 e 15 ao artigo 8.º do RFIIAH, o legislador veio determinar que ficam isentos de IMI todos os imóveis que integrem o património de Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional”, tendo estes o prazo de três anos contado da data da respetiva aquisição (ou a partir 01.01.2014 no caso de a aquisição ser anterior) para serem dados de arrendamento.
iv. O despacho de indeferimento da reclamação graciosa que o Requerente apresentou da liquidação de IMI aqui em causa, incorre em erro de interpretação da lei ao fazer depender da isenção de IMI prevista na anterior redação do nº 6 do artigo 8.º do RFIIAH do facto de o prédio urbano em causa estar efetivamente arrendado para habitação permanente quando o legislador apenas exige que os prédios sejam “destinados ao arrendamento para habitação permanente”.
O tribunal arbitral ficou constituído 2014-10-24, em conformidade com o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 11.º do RJAT.
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Notificada para o efeito, a Entidade Requerida apresentou resposta, na qual, invoca, resumidamente, o seguinte:
i. Do despacho de indeferimento do pedido de reconhecimento de isenção de IMI e de averbamento da aquisição de um conjunto de frações autónomas que se destinavam a arrendamento para habitação permanente (entre os quais a fração em questão nos presentes autos) deduziu ação administrativa especial que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de … sob o nº .../13... …, pelo que entende verificar-se a exceção dilatória de litispendência;
ii. Tal exceção dilatória, segundo a entidade requerida impede o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar-se a absolvição da entidade requerida da instância, nos termos dos artigos 576.º, nº 1 e 2 e 577.º, alínea i) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT;
iii. Na medida em que o presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto o pedido de correção da matriz predial, considerando o disposto no artigo 2.º, nº 1 alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, verifica-se a exceção de incompetência material do presente Tribunal Arbitral para apreciar e decidir tal pedido, nos termos dos artigos 576.º, nº 1 e 2 e 577.º, alínea i) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT;
iv. Impugnou ainda alegando que, só estão abrangidos pela isenção de IMI prevista no nº 6 do artigo 8.º do RFIIAH os prédios urbanos pertencentes ao respetivo património e que sejam objetivamente destinados a arrendamento para habitação permanente. O que “só torna possível aferir do seu concreto destino no momento em que os mesmos são dados de arrendamento através da celebração do respetivo contrato”
Conclui pela legalidade da liquidação sindicada, pedindo que sejam julgadas procedentes as exceções invocadas e absolvida da instância ou se assim não se entender pede a absolvição de todos os pedidos.
Juntou o processo administrativo instrutor e um documento.
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Em 7 de fevereiro de 2015, realizou-se, na sede do CAAD, a primeira e única reunião do Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18.º do RJAT. Nesta reunião, o Requerente pediu a correção da alínea b) do seu pedido final de pronúncia arbitral, uma vez que aquele foi inserido por lapso de escrita, fazendo-o posteriormente em sede de alegações escritas.
Nas alegações escritas, o Requerente para além de requerer que se considere por não escrita a alínea b) do seu requerimento inicial, prosseguindo os presentes autos apenas quanto ao pedido declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IMI, vem responder à exceção da litispendência suscitada pela entidade requerida, mantendo a sua posição do pedido de pronúncia arbitral quanto à questão de mérito. Juntou ainda um documento.
Por sua vez, a Entidade Requerida manteve a sua posição da resposta, realçando a verificação das mencionadas exceções da incompetência material absoluta deste Tribunal e da litispendência, bem como tudo o quanto impugnou no respeitante ao mérito da causa.
Por despacho de 8 de junho de 2015, com vista à apreciação da exceção da litispendência ou eventualmente de uma causa prejudicial, foi notificada a Entidade Requerida para juntar aos autos respetiva certidão judicial da ação administrativa especial que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.
A entidade requerida juntou a referida certidão judicial em 2015.08.20.
Por despacho proferido, em 2015.10.22, foi admitida a correção do requerimento inicial de pronúncia arbitral para apreciação da declaração da ilegalidade do ato de liquidação de IMI supra identificado e consequentemente julgada improcedente a exceção de incompetência material absoluta deste tribunal. Foi ainda determinada a suspensão dos presentes autos arbitrais até transito em julgado da decisão proferida nos autos de ação administrativa especial, que corria termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra sob o nº .../13...BESNT, na 2ª Unidade Orgânica, por esta última ser prejudicial em relação aos presentes, nos termos do nº 1 do art. 272.º, nº 1 do CPC, ex vi, alínea e) do nº 1 do art. 29.º do RJAT, devendo a Requerente juntar a respetiva certidão judicial.
Por despacho proferido em 2018.10.08, determinou-se que, por ofício, fosse solicitado ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, 2ª Unidade Orgânica, Processo n.º .../13... BESNT, informação sobre se já proferida decisão final no mesmo e, em caso afirmativo, o envio de certidão de sentença com nota de trânsito em julgado. O que foi feito.
Por requerimento, datado de 2018.10.12, veio a entidade requerida juntar cópia da sentença proferida nos autos da ação administrativa identificada, requerendo que em face da exceção dilatória de caso julgado, fosse absolvida da instância, nos termos do artigo 576.ºe 277.º, al. i) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, al. e) do RJAT, ou caso assim não se entenda, deva ser julgada improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
Em 2018.10.23 foi junta aos presentes autos certidão judicial com cópia integral da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, nos autos de ação administrativa que correu termos na Unidade Orgânica 2, sob o processo nº .../13...BESNT, que transitou em julgado a 2018.07.11.
No mesmo dia foi proferido despacho a notificar a Requerente para se pronunciar sobre a exceção de caso julgado e designada data para prolação da presente decisão arbitral. A Requerente não se pronunciou sobre a mencionada exceção.
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II. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão regularmente representadas, conforme o disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
A questão que se coloca e que cumpre apreciar e decidir, por obstar conhecimento do mérito da causa é saber se a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de … nos autos de ação administrativa que correu termos na Unidade Orgânica 2, sob o processo nº .../13... … forma caso julgado perante os presentes autos arbitrais.
Sobre esta questão e com relevância para a decisão, consideram-se provados os factos seguintes:
1. Em 2013.08.30, a Requerente deduziu a ação administrativa especial contra o despacho de indeferimento do reconhecimento do benefício fiscal de IMI previsto no nº 6 do artigo 8.º do Regime Especial Aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional, aprovado pelo art. 102.º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., em 2013.04.19, pedindo a anulação daquele despacho, “com as legais consequências”, – cf. sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de … nos autos de ação administrativa que correu termos na Unidade Orgânica 2, sob o processo nº .../13....... constante da certidão judicial junta aos presentes autos arbitrais, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
2. A mencionada ação administrativa teve como fundamento o facto de a decisão de indeferimento incorrer em “erro de interpretação da lei em que se funda o direito do autor ao fazer depender a isenção de IMI consagrada pelo n.º 6 do art. 8.º do Regime especial aplicável aos FIIAH (…) do facto de os prédios urbanos em causa estarem efetivamente arrendados para habitação permanente”, quando o legislador apenas exige que esses prédios sejam «destinados ao arrendamento para habitação permanente»”, cf. sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de … nos autos de ação administrativa que correu termos na Unidade Orgânica 2, sob o processo nº .../13...... constante da certidão judicial junta aos presentes autos arbitrais, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
3. Em 2014.08.25, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral visando a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IMI relativo ao ano de 2012 e consequente anulação, na sequência do despacho de indeferimento da reclamação graciosa que apresentou daquele ato de liquidação proferido pelo Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de …, cf. petição de pedido de pronúncia arbitral constante do sistema de gestão processual do CAAD;
4. O presente pedido de pronúncia arbitral funda-se no facto de a isenção de IMI prevista no nº 6 do artigo 8.º do Regime aplicável aos “FIIAH” decorrer da “afectação e destinação dos imóveis ao arrendamento para habitação permanente e não do facto de, em cada momento, esses imóveis se encontrarem efectivamente arrendados ou não”, cf. pedido de pronúncia arbitral disponível no sistema de gestão processual do CAAD;
5. Por sentença, transitada em julgado em 2018.07.11, a ação administrativa especial foi julgada improcedente. De acordo com a parte final daquela sentença, “[o] contrato de arrendamento referido na última letra do probatório é irrelevante para o desfecho da presente ação administrativa especial, em que está em causa o reconhecimento do direito à isenção de IMI respeitante ao ano de 2012, sendo insuscetível de projectar os seus efeitos sobre actos tributários pretéritos.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se julgar a presente acção administrativa especial improcedente, por não provada e, em consequência, absolver a R. do pedido” (itálico nosso) – cf. sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de … nos autos de ação administrativa que correu termos na Unidade Orgânica 2, sob o processo nº.../13...... constante da certidão judicial junta aos presentes autos arbitrais, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Vejamos se a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de … nos autos de ação administrativa que correu termos na Unidade Orgânica 2, sob o processo nº .../13...... formou caso julgado.
De acordo com o disposto no artigo 580.º do CPC, aplicável subsidiariamente por força do disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 29.º do RJAT, a exceção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, depois da primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, visando-se assim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
O artigo 581.º do CPC prescreve que:
“1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.”
Conforme resulta da factualidade assente entre a ação administrativa supra e os presentes autos arbitrais existe (i) identidade de sujeitos, dado que as partes têm a mesma qualidade jurídica (ii), a causa de pedir é comum, uma vez que os fundamentos de facto e direito invocados numa e noutra ação são idênticos, procedendo do mesmo facto jurídico - violação da isenção prevista no nº 6 do artigo 8.º do RFIIAH, (iii) verificando-se igualmente identidade de pedido, embora numa se pretenda a anulação do ato de liquidação de IMI do ano de 2012 e noutra a anulação do ato administrativo em matéria fiscal acima identificado, a verdade é que, como se escreveu na sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e já transitada em julgado, “em causa está o reconhecimento do direito à isenção de IMI respeitante ao ano de 2012” (itálico nosso).
Com efeito, embora os atos tributários impugnados sejam diferentes numa e noutra ação, a verdade é que em ambas se discute a mesma questão, o mesmo “objeto”, uma vez que a relação material subjacente numa e noutra ação é mesma, e tal como tem sido reconhecido pela jurisprudência “há identidade do objecto se já existir uma sentença transitada em julgado que apreciou os concretos fundamentos de facto e de direito em que baseia a pretensão anulatória do acto impugnado” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo nº 0419/11 em 07.11.2011, mais recente disponível em www.dgci.pt).
É assim inequívoco que nos presentes autos arbitrais se visa o mesmo efeito jurídico que na mencionada ação administrativa já se decidiu, a qual já não admite recurso, verificando-se assim “identidade de objeto”.
Assim, não há dúvida que sobre a matéria em questão nos presentes autos arbitrais a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de … nos autos de ação administrativa que correu termos na Unidade Orgânica 2, sob o processo nº .../13......, já transitada em julgado, formou caso julgado.
Pelo exposto, julga-se verificada a exceção dilatória de caso julgado, a qual é de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 578.º do CPP, ex vi alínea e) do nº 1 do artigo 29.º do RJAT, determinando-se absolvição da instância da Entidade Requerida, nos termos do disposto nos artigos 576.º e 577.º, al. i) ambos do CPC, aplicáveis ex vi, alínea e) do nº 1 do artigo 29.º do RJAT.
Consequentemente, fica prejudicado a apreciação do pedido de juros indemnizatórios.
Fixa-se o valor do processo em € 245,07, em conformidade com o disposto na al. a) do nº 1 do art. 97º-A do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29.º do RAJT e nº 2 do art. 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 306,00 euros, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar integralmente pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 7 de novembro de 2018.
A árbitro,
Conceição Pinto Rosa