Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 95/2018-T
Data da decisão: 2018-12-28  IRC  
Valor do pedido: € 4.877.712,28
Tema: IRC – SGPS; Art.º 63.º TFUE; Art.º 46.º CIRC; Dupla Tributação económica.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Vasco Valdez e Alberto António Franco, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 12 de Março de 2018, A..., S.A., NIPC ..., com sede na Av. ..., n.º ...- Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("IRC") relativo ao ano fiscal de 2001, no valor de € 4.877.712,28, bem como do indeferimento expresso do recurso hierárquico no âmbito do processo n.º ...2012..., apresentado no seguimento do despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa com o n.º ... (REG ...-GO; REG .../04), que tiveram aquele acto como objecto.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que deve ser admitida a dedução dos rendimentos, incluídos na base tributária, correspondentes aos 95% dos lucros distribuídos pela B..., S.A. à C... SGPS, S.A. (i.e. €14.755.477,45 * 95% = €14.017.703,58), sociedade dominada pela Requerente, nas mesmas condições em que tal se encontrava previsto para lucros distribuídos a SGPS por parte de sociedades residentes em Portugal, com fundamento na liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE e a que corresponde, no final, o valor de € 4.485.665,14 a título de IRC e € 392.046,13 a título de derrama municipal;.

 

  1. No dia 14-03-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 04-05-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 24-05-2018.

 

  1. No dia 02-07-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, abstiveram-se as partes de o fazer.

 

  1. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo fixado no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente apresentou, na qualidade de sociedade dominante de um grupo de sociedades, tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), reclamação graciosa contra o acto de autoliquidação de IRC n.º 2002..., referente ao exercício económico de 2001, na qual peticionou diversas alterações ao lucro tributável, nomeadamente a eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, no montante de € 14.755 477,45.
  2. A Requerente é uma sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeito ao regime especial de tributação de grupo, que no ano fiscal de 2001 integrava a sociedade C..., SGPS, S.A. (sociedade que alterou a sua firma para D... SGPS, S.A. e, depois, para E... SGPS, S.A., com o número de pessoa coletiva ...).
  3. A pretensão da Requerente, em sede de reclamação graciosa, consistia em obter uma dedução, no valor de € 14.755.477,45, para efeitos do apuramento da matéria colectável da C..., SGPS, S.A..
  4. O referido valor refere-se a dividendos distribuídos pela sociedade espanhola B..., SA, à sociedade C..., SGPS, S.A..
  5. A C..., SGPS, S.A. detinha, à data, 3% do capital social da B..., S.A.
  6. Os referidos dividendos concorreram integralmente para a determinação do lucro tributável da C..., SGPS, S.A., e ao nível do IRC implicou um pagamento de imposto de € 4.721.752,78, a que acresceu a respetiva derrama municipal - sobre esse mesmo valor - num montante total de € 412.681,19.
  7. Os lucros da B..., S.A. foram sujeitos a tributação em Espanha, à taxa de 35%.
  8. A B..., S.A cumpria, na altura, os requisitos estabelecidos no artigo 2.º da Diretiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990.
  9. A reclamação graciosa foi objecto de despacho de deferimento parcial, datado de 16 de Julho 2012, tendo sido negado provimento ao pedido de eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, considerando os Serviços da AT que “o mecanismo de eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos em 2001 não era aplicável aos dividendos recebidos da B..., nos termos do artigo 31.º do EBF (versão à data), pelo que os dividendos recebidos pela C... nesse mesmo exercício, no valor de € 14.755.477,45, e incluídos na base tributável, não poderiam ter sido deduzidos ao lucro tributável, por não se aplicar o estatuído no n.º 5 do artigo 46.º do CIRC, na legislação à data”.
  10. Na sequência da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, a Requerente interpôs, em 03 de Agosto de 2012, recurso hierárquico, no qual contesta, entre outras, a parte da decisão de indeferimento do pedido de eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos.
  11. O recurso hierárquico foi indeferido, por despacho datado de 07-12-2017, dele constando, no que respeita ao pedido de eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, a seguinte fundamentação:

“E na análise da questão então colocada foi bem sublinhado que não cabe à AT avaliar a conformidade dos normativos da lei interna com o Tratado da União Europeia, aplicando os normativos constantes deste em derrogação dos normativos nacionais ou fazer acolher de forma direta e automática as orientações interpretativas emanadas da jurisprudência do T JUE.

Ainda, igual divergência de situações ocorre no tocante à informação n.º 34/2009, com despacho do Diretor Geral de 2009-01-21, apontada pela Requerente, onde o que ali se discute é a aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 46.º do CIRC aos rendimentos de participações sociais em sociedades residentes noutro estado da União Europeia em que tenham sido aplicadas as reservas técnicas das sociedades de seguros, previsto no n.º 2 do artigo 46.º do CIRC, ao passo que o que aqui se discute é a aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 46.° do CIRC aos dividendos recebidos por SGPS, distribuídos por sociedades residentes noutro estado da União Europeia.

Também os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia apontados pela Recorrente não versam sobre situações jurídicas que sejam diretamente comparáveis à aqui descrita, i.e onde estejam em causa os normativos em apreço no caso vertente. Pelo exposto até aqui, conclui-se não ser aplicável o mecanismo de eliminação da dupla tributação económica aos dividendo distribuídos pela sociedade B... em 2001, aqui em questão, por não ser aplicável à data dos factos o disposto no n.º 5 do artigo 46° do CIRC (à data) em virtude de não estar o mesmo previsto no artigo 31° do EBF (à data), aplicável às SGPS.”

 

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

Conforme formula a Requerida, a questão de fundo a decidir nos autos, reconduz-se a aferir da (i)legalidade parcial do acto de autoliquidação, com fundamento na liberdade de circulação de capitais consagrada, ao tempo a que reportam os factos em análise, no artigo 56.º do Tratado das Comunidades Europeias (TCE), actual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

Todavia, ao contrário do que equaciona a Requerida, a resolução de tal questão não se prende com apurar se aos lucros recebidos e contabilizados como proveitos no exercício de 2001, pela C... SGPS, S.A., é aplicável o disposto no n.º 1 do art.º 31.º do EBF, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, que, em matéria de dividendos recebidos pelas SGPS remetia para o n.º 1 do art.º 46.º do Código do IRC, sem dependência dos requisitos aí exigidos quanto à percentagem de participação e ao prazo de detenção ou se é aplicável a redacção da mesma norma do EBF, dada pelo art.º 45.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro (Lei do OE2002) que passou a remeter para os números 1 e 5 do art.º 46.º do CIRC, mas antes se aquela primeira redacção era, ou não, conforme ao direito comunitário, e, em caso de resposta negativa, quais as consequências a retirar daí.

Dispunha o art.º 46.º do CIRC, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho:

“1 - Para efeitos de determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas e empresas públicas, com sede ou direcção efectiva em território português, são deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos por entidades com sede ou direcção efectiva no mesmo território, sujeitas e não isentas de IRC ou sujeitas ao imposto referido no artigo 7.º, nas quais o sujeito passivo detenha directamente uma participação no capital não inferior a 25% e desde que esta participação tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante os dois anos anteriores à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período. (...)

4 - O disposto no n.º 1 é igualmente aplicável às sociedades de participações sociais, nos termos da respectiva legislação, e a outros tipos de sociedades, de acordo com o Estatuto dos Benefícios Fiscais, bem como, na associação em participação, ao associado constituído como sociedade comercial ou civil sob a forma comercial, cooperativa ou empresa pública, com sede ou direcção efectiva em território português, independentemente do valor da sua contribuição, relativamente aos rendimentos que tenham sido efectivamente tributados, distribuídos por associantes residentes no mesmo território.”

E o artigo 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais estabelecia, sob a epígrafe “Sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) e sociedades de capital de risco (SCR)” que:

“1 - Às SGPS e às SCR é aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 46.o do CIRC, sem dependência dos requisitos aí exigidos quanto à percentagem de participação e ao prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade”.

 

            Como expõe a Requerida, o n.º 1 do art.º 46.º do Código do IRC apenas contemplava, em 2001, os lucros distribuídos por entidades com sede ou direcção efectiva no mesmo território, sujeitas e não isentas de IRC, pelo que que o n.º 1 do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 495/88 e, bem assim, o n.º 1 do art.º 31.º do EBF, não permitia à C..., S.A a dedução ao lucro tributável dos lucros distribuídos pela B... .

Com efeito, os requisitos do regime geral de eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos consistiam, ao tempo, na detenção de uma participação directa no capital da sociedade distribuidora, não inferior a 25%, detida há, pelo menos dois anos, sendo que o art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 495/88, no n.º 3 do art.º 45.º do Código do IRC dispunha que “O disposto no n.º 1 é igualmente aplicável às sociedades de participações sociais, nos termos da respectiva legislação (...)”.

            Assim, de acordo com o regime fiscal especial nacional aplicável aos lucros distribuídos a SGPS por parte das suas participadas, entre 01-01-1989 e 31-12-2001 (até à entrada em vigor da Lei n.º 109-B/2001) - apenas os lucros distribuídos pelas sociedades participadas residentes em território português, independentemente da percentagem da participação e do respectivo período de detenção, beneficiavam da eliminação da dupla tributação económica, por força do disposto no n.º 1 do art.º 7 do Decreto-Lei n.º 495/88, do n.º 3(4) do Art.º 45.º (46.o) do Código do IRC e do n.º 1 do art.º 31.º EBF (redacção do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho).

            A questão que se coloca é se, e em que medida, é que tal regime, competentemente delineado pela AT, era conforme ao direito comunitário então vigente.

            É isso que cumpre apurar, sendo que, relativamente a tal matéria a Requerida pouco adianta, limitando-se a referir que “que o legislador não sustentou a alteração introduzida ao art.º 31.º do EBF, pela Lei n.º 109- B/2001, em qualquer vício de incompatibilidade com o TCE, em particular com o art.º 56.º (actual 63.º) sobre a liberdade de circulação de capitais ou da liberdade de estabelecimento,”.

            Ora, conforme ainda muito recentemente reafirmou o TJUE, as questões de direito europeu não estão dependentes do enquadramento feito pelo direito nacional, já que “Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros devem normalmente ser objeto de interpretação autónoma e uniforme[1].

            Daí que as motivações do legislador português ao português ao alterar as normas em questão, sejam irrelevantes para a apreciar a conformidade das normas alteradas com o direito comunitário, ou, dito de outro modo, ao contrário do que parece concluir a Requerida, a circunstância de o legislador português não ter, aparentemente, considerado a desconformidade das normas alteradas com o direito comunitário como motivação da sua intervenção, não significa que tal desconformidade não exista.

            Ora, Portugal, por força de uma Directiva comunitária, concretamente a 90/435/CEE, de 23 de julho de 1990 (presentemente substituída pela Directiva 2011/96/UE), adoptou um conjunto de normas com vista a atenuar ou eliminar a dupla tributação entre sociedades mães e filhas dentro do Espaço comunitário, de tal sorte que as sociedades que tivessem uma participação de determinada percentagem e por um determinado período de tempo quando distribuíssem os seus dividendos à sociedade mãe, no caso residente em Portugal, estes não eram tributados ou, numa primeira versão, eram tributados só em função de 5% dos dividendos que entravam para a base tributável.

Esta legislação foi sofrendo diversas vicissitudes, mas para o que interessa ao caso, no ano dos factos, ou seja 2001, ela isentava totalmente os dividendos desde que a participação da sociedade mãe na sociedade filha (ambas residentes no território nacional) fosse de 25% ou mais e a detenção ocorresse há mais de 2 anos. Tal resultava do n.º 1 do artigo 45º do CIRC.

Este regime foi também aplicado às participações que sociedades portuguesas detivessem, em idênticos moldes, em sociedades residentes noutro Estado membro da União Europeia, como resulta claramente do n.º 5 do mencionado artigo 45.º do CIRC.

De resto, em 2012 o regime foi aperfeiçoado, no sentido de exigir uma menor participação (10%) e um menor período de detenção (1 ano).

No que diz respeito ao caso vertente, estava-se perante uma participação de uma SGPS numa empresa espanhola, participação essa que, no caso vertente era de 3% da C... SGPS na B... .

Ora, como se viu, dizia o n.º 4 do artigo 45.º que "o disposto no n.º 1 é igualmente aplicável às sociedades de participações sociais, nos termos da respetiva legislação, e a outros tipos de sociedades, de acordo com o Estatuto dos Benefícios Fiscais(...)".

Essa legislação aplicável à data às SGPS era o Decreto-Lei nº 495/88, de 30/12, contendo o mesmo o artigo no qual, como igualmente se viu, se dispunha que:

"Às SGPS é aplicável o disposto no nº 1 do artigo 45º do CIRC, sem dependência dos requisitos aí exigidos quanto à percentagem de participação e ao prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade."

Não obstante, atentando-se estritamente para o que dispunha o artigo 45.º, n.º 1, o mesmo só se refere a lucros distribuídos por sociedades residentes em Portugal a sociedades mães cuja sede ou direção efectiva se situa no território nacional. O alargamento às sociedades situadas no espaço europeu fazia-se por força do n.º 5 do mesmo artigo.

Numa leitura puramente literal, obtêm-se então dois regimes:

  1. Um geral aplicável aos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal ou no Espaço europeu a sociedades mães cá situadas (Directiva comunitária);
  2. Um regime mais favorável para as SGPS (não imposto pela Directiva) mas que trata de forma diferente dividendos de sociedades portuguesas distribuídos a SGPS (num sentido mais favorável, sem limite de prazo e sem o limiar dos 25%) e outro para os dividendos de empresas comunitárias distribuídos a SGPS portuguesas que beneficiariam unicamente do regime dito normal.

Ora, face ao direito comunitário e às imposições de não discriminação e liberdade de circulação de capitais não será possível sustentar que a remissão para o n.º 1 do artigo referido impede a sua extensão ao n.º 5, porquanto é o próprio n.º 5 que dispõe que o disposto no n.º 1 é também aplicável, ou seja, neste domínio. O n.º 1 do artigo 45.º tem de ser visto em conjunto com o n.º 5, o que eliminaria, por via interpretativa, o óbice do tratamento privilegiado na distribuição de dividendos das sociedades comunitárias a SGPS portuguesas e o confronto com o Direito comunitário.

Argumento contrário a este é o que resulta do facto de este tratamento desfavorável das sociedades comunitárias ter sido expressamente eliminado com o Lei do OE para 2012 (artigo 45.º, n.º1 da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro), onde se consagrou um novo artigo 31.º do EBF, que expressamente, passou a dizer:

"Às SGPS e às SCR é aplicável o disposto no n.º 1 e 5 do artigo 46.º do CIRC(...)", não tendo sido dado um carácter interpretativo a esta norma.

O que é facto, não obstante, é que é por demais evidente que existia uma injustificada diferença de tratamento, e tal tratamento desigual não se afigura compaginável com o Direito Comunitário.

Embora tratando de aspectos diferentes, conforme se expendeu no acórdão do STA nº. 0654/13, de 27-11-2013, onde se refere que “se o imposto retido em Portugal não poder ser imputado no imposto devido pelas impugnantes (...), em qualquer percentagem, por virtude de a lei (...) não permitir a dedução, compensação ou recuperação do imposto pago em Portugal aquando da distribuição de dividendos (...) tornar-se-á inequívoca a violação dos invocados princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais.

            Também nos acórdãos do STA de 09-04-2014, de 14-05-2014 e de 28-01-2015, proferidos, respectivamente, nos processos 01318/13, 01319/13 e 0890/13, se lê, que: “Atendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela alínea a) do n.º 1 do art. 58.º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo e (ii) que, para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral”.

            Por fim, o acórdão, também do STA, de 31-05-2017, proferido no processo 0738/16, afirmou que “Se, em decorrência da interpretação de legislação nacional, é permitido a uma sociedade residente num Estado-Membro efectuar uma dedução integral ou parcial dos dividendos recebidos da sua base tributável, quando estes são distribuídos por uma sociedade residente no mesmo Estado-Membro, mas não pode proceder a esta dedução quando a sociedade distribuidora é residente num país terceiro, tal interpretação constitui uma restrição aos movimentos de capitais entre os Estados‑Membros e os países terceiros, que, em princípio, é proibida pelo artigo 63.° TFUE.

            Este acórdão assenta directamente no acórdão Secil do TJUE (processo C‑464/14), onde, para além do mais se lê que:

Uma legislação como a que está em causa no processo principal, segundo a qual uma sociedade residente num Estado‑Membro pode efetuar uma dedução integral ou parcial dos dividendos da sua base tributável quando estes são distribuídos por uma sociedade residente no mesmo Estado‑Membro, mas não pode proceder a essa dedução quando a sociedade distribuidora é residente num país terceiro, constitui uma restrição aos movimentos de capitais entre os Estados‑Membros e os países terceiros, que, em princípio, é proibida pelo artigo 63.° TFUE.”.

            Ora, no caso, é a própria Requerida que, objectando à jurisprudência comunitária citada pela Requerente, refere que, face ao regime legal aplicável, “as SGPS encontravam-se em igualdade de condições no respeitante aos investimentos em partes do capital de sociedades não residentes, fossem da Comunidade Europeia ou de países terceiros.[2].

            Assim sendo, como é, e tendo em conta que:

  1. a situação já não era a mesma se os investimentos em partes de capital fossem em sociedades residentes em Portugal;
  2. que o TJUE afirma expressamente a desconformidade com o art.º 63.º do TFUE de legislação análoga[3], relativamente a discriminações baseadas na residência em países terceiros das sociedades distribuidoras de dividendos, por comparação ao mesmo tipo de sociedades, residente em território nacional;
  3. por maioria de razão se tem de concluir por essa mesma desconformidade, no mesmo tipo de legislação, relativamente a discriminações baseadas na residência em comunitários das sociedades distribuidoras de dividendos, por comparação ao mesmo tipo de sociedades, residente em território nacional, como ocorre no caso.

Nestes termos, e sem mais considerações, haverá que julgar a autoliquidação objecto dos presentes autos, e os consequentes actos de segundo grau que a apreciaram, ilegais por violação do art.º 63.º do TFUE, designadamente no que respeita às imposições de não discriminação e liberdade de circulação capitais, pelo que deverá aquela autoliquidação ser anulada parcialmente, procedendo o pedido arbitral, com as demais consequências daí decorrentes.

 

*

            Para além do pedido anulatório, a Requerente formulou pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

            Nas palavras da Requerente, que prescindiu de “adiantar qual o valor dos juros indemnizatórios à data da apresentação do pedido arbitral.” “Os juros indemnizatórios serão, pois, consequência da procedência da ação e consequente anulação do ato” e que “que não é necessária uma decisão judicial ou arbitral a condenar expressamente o Estado no seu pagamento”.

            Nas palavras da Requerida, a “condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios é uma mera consequência da decisão arbitral que venha a ser proferida sobre a legalidade do acto de liquidação”.

            À luz de tais entendimentos, serão devidos juros indemnizatórios, decorrentes da anulação dos actos tributários, nos termos e verificados os pressupostos das correspondentes normas que os prevêm, a liquidar, se necessário, em execução de sentença.

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Anular o acto de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("IRC") relativo ao ano fiscal de 2001, no valor de € 4.877.712,28, bem como o indeferimento expresso do recurso hierárquico no âmbito do processo n.º ...2012..., apresentado no seguimento do despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa com o n.º ... (REG ...-GO; REG...), que tiveram aquele acto como objecto, com todas as devidas e legais consequências, designadamente no que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios;
  2. Condenar a Requerida nas custas do processo abaixo fixadas.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 4.877.712,28, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 61.506,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 28 de Dezembro de 2018

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho – com declaração de voto quanto ao valor da causa)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Vasco Valdez)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Alberto António Franco)

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

 

            Na sequência do entendimento do Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, citado no Ac. do STA de 3 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 0250/17, creio que neste aresto, relativamente ao cômputo do valor da causa, "está-se perante um afastamento dificilmente justificável da regra, cuja razoabilidade é evidente, de que, em casos de cumulação de pedidos com valor autónomo se atende a todos eles, para a determinação do valor do processo (regra essa que é adoptada nos arts. 306.º, n.º 2, e 32.º, n.º 7, do CPTA)[4].

            E, se ainda que discutíveis, poderão existir razões para, retomando a questão formulada no referido acórdão do STA, nos tribunais tributários estaduais se responder negativamente à questão sobre se, tendo sido formulado pelo impugnante pedido anulatório de acto de liquidação e de pagamento de juros indemnizatórios, “Para efeitos de determinação do valor da causa deve ou não somar-se o valor de um e doutro pedido?”, creio que existem ponderosas razões para, no âmbito da jurisdição arbitral ser afirmativa a resposta a tal questão.

Do meu ponto de vista, o pedido de juros indemnizatórios constitui um pedido autónomo com valor económico próprio, certo e determinável (o que não é contrariado pelo Acórdão do STA acima indicado), e as normas de fixação do valor da causa nos tribunais arbitrais a funcionar no CAAD integram um regime especial e distinto das normas de fixação do valor da causa nos tribunais tributários estaduais, sendo que, não obstante poder haver sobreposição parcial das normas aplicáveis em ambos os casos, estas poderão, e deverão, ser interpretadas distintamente, à luz da materialidade diversa subjacente a cada uma das jurisdições.

            Assim, julgo que as normas a aplicar para a fixação do valor das causas tributárias no CAAD, que começam no art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, deverão ser interpretadas à luz do critério geral da correspondência entre o valor da causa e o valor económico do(s) pedido(s) formulado(s), tendo em conta, essencialmente e em suma:

  1. As responsabilidades próprias dos vários responsáveis na jurisdição arbitral tributária, a funcionar no CAAD;
  2. As condicionantes e limitações dos tribunais arbitrais tributários funcionar no CAAD, impostas pela Portaria de Vinculação, em função do valor dos litígios.

Face ao exposto, teria fixado o valor da causa no montante correspondente à soma do valor do acto de liquidação cuja legalidade se apreciou, com o valor dos juros indemnizatórios que se apurassem como vencidos, à data da apresentação do pedido arbitral no CAAD.

 

 

Lisboa, 28 de Dezembro de 2018

 

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 



[2] Cfr. art.º 54.º da Resposta.

[3] No caso, da mesma norma, na sua redacção vigente em 2009

[4] Sublinhados nossos.