DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
No dia 02 de Março de 2018, A... e B..., contribuintes fiscais n.º ... e..., respectivamente, residentes na ... n.º..., ...-... ..., concelho de Oliveira de Azeméis, requereram, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (daqui em diante “RJAT”), e da Portaria 112-A, de 22 de Março, a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante simplesmente “Requerida” ou “AT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação adicional de IRS com n.º 2017..., no valor de € 37.150,94 e respectiva Demonstração de Acerto de Contas, no valor total de € 49.716,50, todos referentes ao ano de 2015.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 05 de Março de 2018.
O Conselho Deontológico designou como árbitro o ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 27 de Abril de 2018, as Partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 17 de Maio de 2018. Notificada para se pronunciar, a AT apresentou resposta em que peticionou que o pedido de pronúncia arbitral fosse julgado improcedente por falta de fundamentação legal, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido.
Síntese da posição das Partes
a. Dos Requerentes:
Nos termos do pedido de pronúncia arbitral, alegações e demais requerimentos apresentados, entendem os Requerentes que:
- O Requerente marido iniciou a sua actividade profissional como bancário em 06/11/1990, no Banco C..., S.A., posteriormente designado D..., onde trabalhou até ao dia 28/11/2004, data em que começou a trabalhar no E..., onde trabalhou até 23/01/2015;
- Após a cessação do vínculo contratual com o E..., o Requerente marido celebrou contrato de prestação de serviços com a F..., S.A.;
- Quando o Requerente marido celebrou o contrato de trabalho com o E..., ficou estipulado na respetiva cláusula 7.ª que o Banco garantia a antiguidade decorrente da prestação de serviço a outras instituições de crédito;
- Na data da cessação do contrato de trabalho com o D... não foi paga ao Requerente marido qualquer compensação ou indemnização pela antiguidade;
- O Requerente marido, enquanto bancário, sempre foi filiado e sindicalizado no Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários beneficiando, por isso, do Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário (o “ACT”);
- O ACT dispõe, na sua cláusula 10.ª, que “a antiguidade do trabalhador é determinada pela contagem do tempo de serviço prestado noutras instituições subscritoras do presente Acordo e do Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário ora revogado”;
- Assim, para além da antiguidade do Requerente marido ter sido respeitada no contrato com o E..., o mesmo já decorria do ACT do sector bancário;
- Pela cessação do contrato de trabalho com o E..., o Requerente marido recebeu a importância de € 159.732,14 e assinou um acordo do qual consta o seguinte:
“Tendo em consideração os termos aplicáveis da Cláusula 17.ª dos ACT do Setor Bancário e atenta a interpretação sustentada nos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 11 de maio de 2004 (Proc. 06002/01), de 21 de setembro de 2010 (Proc. 03478/10), e de 12 de Março de 2013 (Proc. 5971/2012), as Partes reconhecem mutuamente o seu acordo na determinação da antiguidade do Colaborador com inclusão da contagem do seu tempo de serviço em outras instituições de crédito e sociedades financeiras, para os efeitos do disposto na al. b) do n.º 4 do art. 2.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.”
- Tendo em conta a natureza da indemnização recebida - compensação pela cessação do contrato de trabalho - considera o Requerente marido ser de aplicar o disposto no artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do CIRS, considerando uma antiguidade de 25 anos no setor bancário e uma remuneração média nos últimos 12 meses no montante de € 8.409,02 (posteriormente corrigido para € 7.857,90);
- Assim, o valor isento de tributação na categoria A deverá perfazer o montante de € 210.225,50;
- Nesta medida, não tem razão a AT ao considerar que apenas devem ser considerados para efeitos de antiguidade os anos (11) trabalhados no E...;
- Por outro lado, também na determinação da remuneração média dos últimos 12 meses - relevante para a determinação do montante excluído de tributação - a AT incorre em erro sobre os pressupostos de facto na medida em que considera uma remuneração média de € 6.949,74 ao invés de € 7.857,90;
- Assim, mesmo considerando apenas uma antiguidade de 11 anos, o montante sujeito a tributação seria de € 73.295,29 e não de € 83.285,00, como sustenta a AT;
- Já no que respeita à relação contratual com a “F..., S.A.”, entendem os Requerentes que os serviços prestados pelo Requerente marido não se enquadram especificamente na tabela de actividades do artigo 151.º do CIRS, pelo que, deverá ser enquadrado como “outros prestadores de serviços” - classificação 1519 e não, como pretende a AT, como “Consultor” - classificação 1320;
- Em consequência, não será aplicável coeficiente de 0,40, para efeitos de determinação do rendimento colectável no âmbito do regime simplificado de IRS, como pretendido pela Requerida;
- Nestes termos, a declaração dos Requerentes não merece, também a este respeito, qualquer correcção.
b. Da Requerida:
Por seu turno, nos termos da resposta e alegações apresentados, defende a Requerida que:
- A antiguidade a contabilizar, para efeitos do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, é a antiguidade na entidade devedora da compensação por cessação do contrato de trabalho (11 anos), não sendo de ponderar, na aplicação do referido preceito legal, a antiguidade em anteriores entidades empregadoras;
- De facto, decorre do elemento literal e sistemático que o conceito relevante de “antiguidade na entidade devedora” se reporta ao número de anos na entidade com a qual cessa o contrato - veja-se também o n.º 10 do artigo 2.º do CIRS.
- Consequentemente, a “entidade devedora” a que se refere o n.º 4 do artigo 2.º, tem de ser a “entidade patronal” mencionada no n.º 10 do mesmo preceito legal, o que fica explícito quando no n.º 4 se condiciona a exclusão da tributação à não criação de novo vínculo profissional ou empresarial no prazo de 24 meses com a mesma “entidade”;
- Ainda que se entendesse que o conceito de antiguidade pode emergir do contrato individual de trabalho, através do reconhecimento pelo E... da antiguidade decorrente do trabalho em outras instituições de crédito, para todos os efeitos, designadamente os fiscais, os Requerentes não demonstraram que lhes tinha sido reconhecido, pelo E..., , aquando da contratualização do vínculo laboral, para todos os efeitos legais, o direito à antiguidade em anteriores entidades empregadoras, designadamente através da junção do contrato individual de trabalho;
- E não o fizeram porquanto o contrato individual de trabalho não reconheceu ao Requerente o direito à antiguidade decorrente da prestação de serviços noutras instituições de crédito, para efeitos de compensação económica por cessação do contrato;
- Com efeito, o banco, no referido contrato individual de trabalho, garante a antiguidade mas apenas para os efeitos constantes das alíneas a) (fundo de pensões do E..., nomeadamente para cálculo do montante da pensão de reforma por invalidez) e b) (cálculo da pensão de reforma);
- Adicionalmente, na alínea c) daquela disposição é referido que o tempo de serviço prestado noutras entidades não releva para o cálculo de diuturnidades;
- Mais, não pode aproveitar aos Requerentes a cláusula 17.ª do ACT do sector bancário, a que se alude no Acordo de Revogação do Contrato de Trabalho, porque o ACT, na sua cláusula 2.ª, estabelece que o acordo apenas obriga as Instituições de Crédito e as Sociedades Financeiras que o subscreveram e os trabalhadores ao seu serviço filiados nos Sindicatos dos Bancários do Centro, do Norte e do Sul e Ilhas, não tendo o Requerente feito prova de que era filiado nos Sindicatos dos Bancários do Centro, do Norte e do Sul e Ilhas;
- Alega ainda que, mesmo que o Requerente tivesse feito prova bastante da sua filiação sindical, nos termos do ACT, sempre tal Acordo não se lhe aplicaria neste caso, na medida em que, apesar de o E... ter subscrito o ACT, o fez com a seguinte ressalva:
“Na contagem do tempo de serviço para quaisquer efeitos emergentes do ACT, contarão apenas o tempo de serviço prestado às próprias Instituições signatárias da presente ressalva, acrescido eventualmente do tempo de serviço prestado a outras instituições ou empresas, mas, neste caso, desde que tal resulte de acordo individual entre aquelas e o trabalhador.” (cfr. ACT em vigor para o ano de 2015, BTE nº 8 de 29/2/2012)
- Por outro lado, no que respeita ao contrato celebrado com a F..., S.A. e a F..., S.A., entende-se que o Requerente marido presta, de forma independente mas com subordinação ao regulamento interno das empresas, e sob sua orientação e instruções, serviços de relacionamento comercial, nomeadamente de prestação de informações com vista à angariação e aconselhamento de clientes, criando oportunidades de expensão de negócio de serviços de intervenção financeira, pelo qual recebe contraprestação, em função da produção alcançada, para além de um valor fixo mensal;
- Como tal, considerando a descrição do código 70220 da secção M da Classificação Portuguesa das Actividades Económicas, cujo título é “Actividades de Consultoria, Científicas, Técnicas e Similares” - e que inclui a gestão financeira como actividade de consultoria, orientação e assistência operacional às empresas ou organismos - conclui-se que o mesmo prestou serviços de consultor ou eventualmente como comissionista;
- Nesses termos, será de corrigir o coeficiente indicado para determinação do rendimento colectável no âmbito do regime simplificado e, em conformidade, acrescer ao rendimento colectável o montante de € 21.060,00.
II. SANEAMENTO
1. O Tribunal Arbitral é competente e foi regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
3. Não foram invocadas excepções que cumpra apreciar.
4. O processo não padece de vícios que o invalidem.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta à petição inicial, do processo administrativo, da resposta, das alegações e demais exposições dos Requerentes e da Requerida, fixa-se como segue:
A – Factos Provados
a. O Requerente marido trabalhou no D... entre 06/11/1990 e 28/11/2004.
b. O Requerente marido trabalhou no E..., entre 01/12/2004 e 23/01/2015.
c. No contrato de trabalho, foi acordado, na cláusula 7ª, que:
“1. O Banco garante ao Segundo Outorgante a antiguidade decorrente da prestação de serviço a outras Instituições de Crédito, desde 06/11/1990, documentalmente comprovada, mas apenas para os efeitos seguintes:
a) Para efeitos do Fundo de Pensões do E..., o Primeiro Outorgante terá em consideração o tempo de serviço prestado a outras instituições de crédito, sendo o montante da pensão de reforma por invalidez presumível calculado de acordo com o regime previsto no ACTV dos bancários.
b) A parte de reforma correspondente ao tempo de serviço prestado pelo Segundo ao Primeiro Outorgante será calculada nos termos da Cláusula 6.ª do Plano de Pensões do E... .
c) O tempo de serviço prestado a outras Instituições de Crédito anteriormente à assinatura do presente contrato, também não será tido em conta para o cálculo do número de diuturnidades.”
d. O E..., subscreveu o ACT aplicável ao sector bancário e que previa que:
“O presente Acordo Coletivo de Trabalho é aplicável em todo o território nacional, no âmbito do sector bancário, e obriga as Instituições de Crédito e as Sociedades Financeiras que o subscrevem (adiante genericamente designadas por Instituições de Crédito ou Instituições), bem como todos os trabalhadores ao seu serviço filiados nos Sindicatos dos Bancários do Centro, do Norte e do Sul e Ilhas, representados pela outorgante FEBASE - Federação do Sector Financeiro e doravante designados por Sindicatos, abrangendo 26 empregadores e estimando-se em 54.300 os trabalhadores abrangidos.”
d. Não obstante, o E..., subscreveu o ACT mediante a seguinte ressalva:
“Na contagem do tempo de serviço para quaisquer efeitos emergentes do ACT, contarão apenas o tempo de serviço prestado às próprias instituições signatárias da presente ressalva, acrescido eventualmente do tempo de serviço prestado a outras instituições signatárias de presente ressalva, acrescido eventualmente do tempo de serviço prestado a outras entidades ou empresas, mas, neste caso, desde que tal resulte de acordo individual entre aquelas e o trabalhador”.
d. Em 05/12/2014, o Requerente e o E..., assinaram um acordo de revogação de contrato de trabalho, no qual ficou estabelecido, no n.º 2 da Cláusula 18.ª, o seguinte:
“Tendo em consideração os termos aplicáveis da Cláusula 17.ª dos ACT do Setor Bancário e atenta a interpretação sustentada nos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 11 de maio de 2004 (Proc. 06002/01), de 21 de setembro de 2010 (Proc. 03478/10), e de 12 de Março de 2013 (Proc. 5971/2012), as Partes reconhecem mutuamente o seu acordo na determinação da antiguidade do Colaborador com inclusão da contagem do seu tempo de serviço em outras instituições de crédito e sociedades financeiras, para os efeitos do disposto na al. b) do n.º 4 do art. 2.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.”
e. O Requerente marido recebeu, pela cessação do contrato de trabalho, uma indemnização de € 159.732,14.
f. Na declaração de IRS relativa a 2015, o Requerente marido excluiu de tributação a totalidade da indemnização recebida por entender que a mesma se encontrava excluída de tributação nos termos do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS.
g. O Requerente marido auferiu, entre Fevereiro de 2014 e Dezembro de 2014, um salário mensal médio de € 6.949,74, correspondendo a um total anual de € 83.396,88, e em Janeiro de 2015 um salário de € 17.847,62.
m. O Requerente marido celebrou com a sociedade F..., S.A. um contrato de prestação de serviços de coordenação da área comercial envolvendo o contacto de clientes e potenciais clientes, a apresentação de serviços e, bem assim, o acompanhamento comercial de clientes, a que correspondiam as funções de Agente Vinculado.
B – Factos não provados
Não foram dados como não provados quaisquer factos com relevo para a discussão da causa.
III.2. MOTIVAÇÃO
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido apresentado pelos Requerentes.
No tocante à apreciação da prova, o Tribunal formula o seu juízo, em atenção ao princípio da livre apreciação, a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência.
Assim a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelos Requerentes e pela Requerida.
III.3. DO DIREITO
1. THEMA DECIDENDUM:
As questões controvertidas no presente processo são as seguintes:
a) Qual o valor a considerar, in casu, para efeitos de exclusão de tributação nos termos do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS?
b) Qual a correcta classificação da actividade desenvolvida pelo Requerente marido para a F..., S.A., nomeadamente para efeitos de determinação do coeficiente aplicável, em sede de regime simplificado, para apuramento do rendimento colectável?
2. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Na resposta à primeira questão haverá que analisar (i) qual o período relevante de antiguidade e (ii) qual o valor da remuneração média, a considerar para efeitos de determinação do montante excluído de tributação nos termos do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS.
Dispõe a alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS que ficam sujeitas a tributação as importâncias auferidas “(…) na parte que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos doze meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora (…)”.
Considerando as posições dos Requerentes e da Requerida, bem como a factualidade assente, a questão a que cumpre dar resposta será, em suma, a de saber se o conceito de antiguidade relevante para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS se limita à antiguidade na entidade devedora dos rendimentos ou, pelo contrário, se pode abranger a antiguidade contabilizada em anteriores entidades patronais, por força de instrumentos reguladores da relação laboral.
Sendo a questão de mera interpretação jurídica podem encontrar-se duas correntes – claras e opostas –, ambas com a devida autoridade interpretativa.
Em favor da tese que não limita o conceito de antiguidade, para efeitos da exclusão de IRS, à antiguidade na entidade devedora dos rendimentos tem-se adiantado o TCAS em diversos arestos e, pelo menos, a decisão arbitral proferida no processo 230/2016-T.
Entende, em suma, esta corrente que, não estando o conceito de antiguidade definido na lei fiscal, haverá que buscar o seu sentido no ramo de direito de que provém – o direito laboral – devendo entender-se os Acordos Colectivos de Trabalho como fontes de direito laboral.
É também esta a posição assumida nos presentes autos pelos Requerentes.
Ao ler a norma de exclusão tributária em causa, os defensores desta doutrina retiram da expressão “número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos” dois modelos distintos para contabilização dos montantes excluídos, um fazendo apelo ao conceito de antiguidade (definido nos termos já mencionados), e outro ao exercício de funções na entidade devedora.
Ou seja, resulta a presente interpretação em limitar a expressão “na entidade devedora” à regra relativa ao exercício de funções, assim se excluindo essa limitação da regra aplicável à antiguidade.
Tanto quanto nos parece, e salvo o devido respeito pela anterior jurisprudência, não estando o presente Tribunal vinculado a um princípio de precedente, haverá que questionar, antes de mais, se o próprio artigo 2.º do Código do IRS, nos seus vários números, não exige a interpretação segundo a qual a antiguidade tem que ser determinada relativamente, também, à entidade devedora e, adicionalmente, e independentemente da resposta que haja de ser dada à primeira questão, se a interpretação defendida pela Requerente pode sequer ser equacionada à luz dos princípios constitucionais conformantes da relação jus-tributária.
Iniciando o exercício interpretativo pela letra da lei, em observância aos ditâmes legais aplicáveis, acompanhamos aqui integralmente a posição defendida na decisão arbitral proferida no processo 505/2017-T onde se refere que “(...) gramaticalmente, a referência final à «entidade devedora» também poderá, sem esforço apreciável, reportar-se à «antiguidade» («antiguidade ... na entidade devedora»), sendo esta uma forma textualmente adequada para expressar uma intenção legislativa no sentido de a antiguidade relevante ser também, como sucede quanto ao «exercício de funções», a referente à entidade devedora.”.
Não obstante se reconheça que a mera expressão literária do preceito não permite uma conclusão imperturbável sobre o sentido da norma, a verdade é que a interpretação sistemática do preceito parece apontar decisivamente no sentido de que também a antiguidade deve ser apurada na entidade devedora dos rendimentos.
A não ser assim mal se perceberia a regra contida na parte final da referida alínea. De facto, ao proibir um novo vínculo com “a mesma entidade” (sublinhado e negrito nosso), a lei parece referir-se, de forma inequívoca, à entidade devedora dos rendimentos. Não é aliás por obra do acaso que a lei se refere a entidade (no singular) e não a entidades. Assim, a entender-se a exclusão de tributação como abrangendo períodos de trabalho em outras entidades, ainda que por Acordo Colectivo de Trabalho, e limitando-se a proibição da parte final da norma a um novo vínculo laboral com a entidade devedora dos rendimentos, a lei estaria a permitir a celebração, dentro do prazo de 24 meses, de novo vínculo com entidades patronais anteriores cujo tempo de trabalho tenha sido considerado para efeitos da exclusão de tributação.
Por outro lado, a sufragar-se o entendimento sustentado pela Requerente estaria a permitir-se que uma mesma pessoa beneficiasse duplamente da referida exclusão de tributação num caso como o avançado na decisão proferida no já referido processo 505/2017-T, e que acompanhamos, em que uma pessoa estivesse 10 anos ao serviço de uma entidade patronal, saísse beneficiando da exclusão de tributação, e ingressasse por mais 10 anos em nova entidade patronal, beneficiando de antiguidade de 20 anos (por via de Acordo Colectivo de Trabalho) e respectiva exclusão de tributação, assim se duplicando o benefício relativo aos primeiros 10 anos de trabalho.
Assim, como adianta Manuel Faustino, Sobre o sentido e alcance da nova redacção do artigo 2º, nº 4 do CIRS, em Fiscalidade 13/14, “Não é oponível à administração fiscal o clausulado (…) sector bancário que impõe, na transferência de um trabalhador entre instituições de crédito, a contagem do tempo de antiguidade verificada na anterior ou anteriores instituições de crédito de que tenha sido trabalhador. Como, por maioria de razão, também o não são quaisquer acordos que, respeitando à garantia dos benefícios inerentes à antiguidade, hajam sido celebrados entre o trabalhador e a entidade patronal. Sem considerações que hoje poderiam ser propiciadas pela extensão subjectiva do conceito de entidade patronal operada pelo n.º 10 do art.º. 2.º, uma vez que aquela assenta nas relações de domínio ou de grupo entre sociedades, independentemente da sua localização geográfica, reafirmamos aqui a conhecida orientação da Administração Fiscal segundo a qual o tempo de antiguidade relevante é, tão só, o tempo de antiguidade “adquirido” na entidade com que se cessa o contrato individual de trabalho, como literalmente decorre da lei, não parecendo haver qualquer margem para outro tipo de interpretação.”.
A este respeito acompanha-se ainda integralmente o entendimento produzido por G... e H..., no seu estudo Anotação ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul sobre antiguidade do trabalhador bancário (para efeitos de cálculo do montante de compensação por cessação do contrato de trabalho não sujeito a tributação, nos termos do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS), publicado na Revista da Ordem dos Advogados, n.º 1, 2012, onde se refere, maxime, que “(…) não pode deixar de admitir-se que o legislador haja pretendido reportar a locução na entidade devedora às duas realidades que literalmente a antecedem - as situações de cessação do contrato e as situações de cessação do exercício de funções (…). Não vemos aliás, motivo para o legislador fiscal ter pretendido que o conceito a seguir na primeira situação fosse injustificadamente mais amplo que na segunda, criando uma situação de desigualdade que, em última análise, poderia até bulir com o princípio constitucional (…). Entendemos, pois, que o segmento normativo na entidade devedora (que é, e não pode deixar de ser, segundo julgamos, a entidade que se obriga a pagar as importâncias cujo tratamento fiscal a norma estabelece) se reporta às duas situações que o antecedem, e deverá atender-se, em ambas as situações, ao número de anos ou fracção de antiguidade na entidade devedora ou ao número de anos ou fracção de exercício de funções na entidade devedora.”.
Como tal, sem prejuízo de uma eventual, e relevante, discussão sobre o efectivo conteúdo da extensão da antiguidade pretendida pelos Requerentes, nomeadamente quanto a saber-se se a mesma poderia ser alegada nesta sede tendo em conta a exclusão inserida pelo E... ao ACT aqui em causa e o disposto no contrato individual de trabalho e no acordo de revogação desse mesmo contrato, deve entender-se que o artigo 2.º, número 4, alínea b) do Código do IRS deve ser lido no sentido de que a antiguidade para efeitos de exclusão de tributação deve ser (só pode ser) aferida em relação à entidade devedora dos rendimentos em causa.
Ou seja, e respondendo à primeira pergunta aqui formulada, a antiguidade a considerar no presente caso deverá ser de 11 anos, como aduzido pela Requerida, e não de 25, como sugerido pelos Requerentes.
Não obstante, haverá ainda que avaliar a correcta determinação do valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição, enquanto elemento essencial da determinação do montante excluído de tributação no âmbito do preceito legal aqui em análise.
A este respeito, haverá que recordar que a Requerida considera como valor médio das remunerações regulares dos últimos 12 meses o montante de € 6.949,74, ao passo que os Requerentes apuram, para o mesmo efeito, o valor de € 7.857,90.
Efectuada a devida análise ao modelo de cálculo de ambos, resulta claro que a diferença se justifica com o facto de a Requerida não ter considerado, no seu cálculo, o montante auferido pelo Requerente marido em Janeiro de 2015, último mês de prestação de trabalho.
Ora, como bem lembra o Requerente marido, o STA decidiu já que, para efeito de determinação do montante excluído de tributação nos termos da cláusula aqui em análise, “As quantias relativas a direito a férias, subsídios de férias e natal e subsídio de turno incluem-se na média da remuneração (...)”. (cfr. ac. STA no Processo 0627/13, de 01/10/2014)
Como tal, ao não considerar estes valores para determinação do montante excluído de tributação, a Requerida incorreu num erro sobre os pressupostos de facto, o qual, atenta a natureza do contencioso arbitral tributário, não pode ser sanado pelo presente tribunal.
Nestes termos, deverá ser a presente liquidação, na parte que respeita aos rendimentos de categoria A, ser anulada com base em vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto.
Não obstante a conclusão a que se chegou quanto a esta questão, sempre haverá que analisar a segunda questão subjacente à liquidação ora contestada na medida em que as correcções em causa são autónomas entre si.
Importa então analisar o enquadramento da actividade desempenhada pelo Requerente marido como consultor, comissionista ou como “outros prestadores de Serviços”.
Esta questão assume a maior relevância porquanto, estando o Requerente marido abrangido pelo regime simplificado de tributação para a determinação do rendimento colectável da categoria B, dela depende a determinação do coeficiente aplicável para apuramento do rendimento líquido daquela categoria.
Em concreto, alega a Requerida que o Requerente marido tinha, nos termos do Regulamento Interno da F..., a designação de “agente vinculado”, o que implicaria a prestação de serviços de consultoria nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 294.º-A do Código dos Valores Mobiliários.
Da informação que consta dos autos, nomeadamente do referido pela AT na sua resposta, não é possível concluir que o Requerente tenha exercido actividades de consultoria financeira enquanto agente vinculado nos termos previstos no Código dos Valores Mobiliários.
Mais se refere a este respeito que resulta dos autos que, conforme confirmado pela própria F..., as funções do Requerente marido envolviam a “(...) coordenação da área comercial envolvendo o contacto de clientes e potenciais clientes, a apresentação dos serviços e, bem assim, o acompanhamento comercial de clientes (...)”.
Destarte, dos autos não consta qualquer menção expressa à prestação de serviços de consultoria por parte do Requerido no âmbito do contrato de prestação de serviços com a F... .
Considerando que, nos termos do artigo 75.º da LGT, se presumem como verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes e que a AT não logrou contrariar tais declarações, não se poderá concordar com a AT quando esta enquadra o Requerente como “Consultor” quando este se colectou no IRS - 1519 - Outros prestadores de Serviços
Importa, a este respeito, notar que a Portaria n.º 1011/2001, de 21 de Agosto, que aprova a tabela de actividades do artigo 151.º do Código do IRS (CIRS) não inclui qualquer definição para o que se deva entender por “consultor”.
O conceito de consultoria é, na verdade, tão lato que praticamente todas as actividades poderiam ser consideradas como tal.
Contudo, não pode ser esse o sentido a dar à expressão contida naquela lista, principalmente quando se prevê uma categoria residual de “outros prestadores de serviço”.
Assim, haverá que avaliar a prestação material a que se encontrava obrigado o Requerente marido no âmbito do contrato de prestação de serviços no sentido de determinar se a mesma se situa no âmbito da consulta estrita, entendida como aconselhamento a uma entidade sobre a sua actividade, ou, pelo contrário, e como parece resultar dos autos, se a actividade se materializava no desenvolvimento e acompanhamento de clientes da referida entidade.
Pretender qualificar como consultoria quaisquer serviços que impliquem uma actividade intelectual, como parece resultar do entendimento da Requerida, comportará um exercício interpretativo ilegítimo atenta a sua extensão e a relação existente entre as várias actividades previstas na referida lista de actividades.
Quanto ao enquadramento como comissionista, até poderia ser este o caso.
No entanto, o Requerente auferia um rendimento fixo e poderia, eventualmente, auferir uma comissão variável.
Ora, não resulta dos autos que o Requerente tenha auferido quaisquer comissões, não havendo qualquer distinção entre o rendimento fixo e o, eventual, rendimento variável, não tendo a AT conseguido provar (ou até invocado) a existência de tal rendimento.
Nesta medida, e atentos os princípios reguladores dos exercícios interpretativos em matérias fiscais, sempre se deverá considerar o Requerente marido como “outros prestadores de serviço”, não assistindo razão à AT na correcção ao rendimento obtido na categoria B e declarado em 2015 de 52.650,00.
IV. DECISÃO
Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide o Tribunal Arbitral:
I) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
II) Anular a liquidação adicional de IRS com n.º 2017... e respectiva Demonstração de Acerto de Contas, no valor total de € 49.716,50 (quarenta e nove mil, setecentos e dezasseis euros e cinquenta cêntimos) com o consequente reembolso dos montantes indevidamente pagos;
III) Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento do imposto.
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 49.716,50 (quarenta e nove mil, setecentos e dezasseis euros e cinquenta cêntimos).
CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 2.142,00 (dois mil, cento e quarenta e dois euros), a cargo da Requerida tendo em conta a procedência do pedido de pronúncia arbitral.
Lisboa, 16 de Janeiro de 2019
O Árbitro,
José Calejo Guerra
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.